sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Escrevendo com testemunho de sua vida de missionário itinerante: Notas sobre o livro de Glaudemir da Silva, intitulado “Contemplando e Anunciando os Sinais do Reino"


Alder Júlio Ferreira Calado


Em tempos distópicos, é-nos vivamente encorajador saborear os relatos compartilhados pelo missionário Glaudemir da Silva, de tantos achados propiciados por seu caminhar pelas estradas do Reinado de Deus e de Jesus de Nazaré, contemplando e anunciando pequenos e grandes sinais manifestos na convivência do povo dos pobres, nas “periferias geográficas e existenciais”, para evocar uma expressão do Papa Francisco. Seu livro é portador de enorme força mobilizadora, a falar com autoridade e de modo convincente, de forma a tomar a sério a recomendação petrina: “Estai pronto a dar razão da vossa esperança“ (1 Pe. 3,15).


Em 18 capítulos em que o livro está dividido, o autor vai descortinando, de maneira didática e estimulante, tantos achados resultantes de sua contemplação e de seu empenho missionário em anunciar o Reino de Deus. Sempre atento às fontes bíblicas e às referências de autores como José Comblin, Glaudemir logra entusiasmar o leitor/a leitora, desde suas primeiras páginas. Por sua vez, como autor do prefácio, o missionário João Batista Magalhães Salles se mostra bastante feliz, ao saborear e ao compartilhar diversas pérolas que recolhe desta tocante leitura, contagiando assim o leitor/a leitora, que também se apressa a experimentar os sabores destes relatos.


Antes de destacar algumas destas pérolas que também recolhi, cuido de fazer uma brevíssima notícia acerca do próprio autor. Sergipano, nascido em Ilha das Flores, em Glaudemir cedo desperta um chamamento especial ao serviço comunitário, quando ainda adolescente, fizera parte da caminhada do Povo de Deus, como membro de uma comunidade eclesial de base, que tem como padroeiro um santo franciscano: Santo Antônio. Daí nasce em Glaudemir a devoção a São Francisco e o desejo de se tornar missionário franciscano, Inicialmente atraído pela vida franciscana, não tardou, sob a influência de Frei Enoque Salvador, a compreender a radicalidade do espírito de Francisco de Assis, tendo optado pela vida missionária itinerante.


Foi no campo da Teologia da Enxada, na convivência com outros jovens nordestinos participantes do Centro de Formação Missionária, em Serra  Redonda - PB, em meados dos anos 80, que começou a experimentar a força da espiritualidade libertadora, característica deste processo, animado pela Equipe de formadores integrada por figuras tais como o Pe. José Comblin, João Batista Magalhães Sales, Raimundo Nonato Queiroz, Alder Júlio Calado, Irmã Zarita, Irmã Agostinha Vieira de Melo, Irmã Maria Emília Ferreira, Irmã Adélia Carvalho e outras.


Em seu processo formativo de missionário itinerante, tem cultivado especialmente uma frutuosa combinação da vida contemplativa (integra a Fraternidade do Discípulo amado, hoje presente em Abreu e Lima - PE, tendo a fraternidade passado algumas décadas recolhida no Sítio Catita, município de Colônia Leopoldina - AL) e da atuação como missionário do campo (integra, desde a fundação, em meados dos anos 90, a Associação dos Missionários e Missionárias do Campo), a percorrer e a animar diversas experiências de formação de jovens cristãos, em diferentes Estados do Nordeste e do Mato Grosso.         


Após sua formação inicial (Teologia da Enxada), concluiu o curso de teologia, na UNICAP-PE, pós graduando-se em curso de especialização em Ciências da Religião, tendo inclusive seguido um curso de iniciação ao ebraico, ao mesmo tempo, voltou-se também ao processo formativo oferecido pela Escola Nacional Florestan Fernandes e a cursos de Educação Popular de orientação freireana, permitindo-lhe atuar como educador popular junto a diversos segmentos populares, dentro e fora da igreja. Desta experiência de Educação Popular se acham impregnadas várias páginas do seu livro. Na companhia de outros missionários e missionárias, Glaudemir segue acompanhando como professor, ora em Floresta - PE, ora em São Félix do Araguaia - MT, as escolas de formação missionária espalhadas pelo nordeste (Juazeiro - BA, Esperantina - PI, Floresta - PE, Barra - BA, São Félix do Araguaia - MT, Solânea - PB). 


Glaudemir nos brinda com dois escritos mais recentes, um dos quais estamos a comentar. Nos primeiros capítulos ele dedica a contextualizar e explicar o sentido bíblico do Reino de Deus, sempre bem fundamentado. Empenha-se, de maneira didática, em apresentar a Boa Nova do Reino de Deus, de modo a tomarem conta de sua atualidade, sua incidência privilegiada na vida do povo dos pobres.


Como muito bem destaca João Batista Magalhães Sales, no prefácio do livro, Glaudemir, em sua itinerância missionária vai recolhendo pérolas preciosas de testemunhos dados por pessoas simples, anônimas, mulheres e homens dos quais uma perspectiva burguesa menos ou nada esperaria. São pessoas portadoras de gestos, de iniciativas de enorme solidariedade, de partilha, de generosidade, de alegria contagiante, mesmo em situações de grande pobreza. Em todos os 18 capítulos, Glaudemir se empenha, graças a sua ação missionária itinerante, em meio ao povo dos pobres, em compartilhar o que vê, o que escuta e o que sente. À semelhança do que A Divina Ruah inspirava em Moisés e Miriam, no antigo Egito, como lemos no capítulo três do Livro de Êxodo, hoje também os novos Moisés e as novas Miriam continuam a resistir e a lutar contra os novos faraós: as multinacionais, os grandes proprietários de terra, o agronegócio, os banqueiros, a mídia hegemônica, as igrejas fundamentalista…  


Temos em mão um livro que não apresenta palavras jogadas ao vento, mas brota de experiências vivas e vivificantes, feitas por alguém que tem dedicado sua vida ao Seguimento de Jesus, em comunhão com os prediletos do Reino. Não é por acaso que, desde o título do livro o autor se mostra fiel ao que ali é proposto. Nesta leitura, não se encontram tantas alusões a Igrejas ou a templos, mas a relatos vividos e colhidos da trajetória existencial e comunitária dos pobres, como expressão da presença revolucionária do Reino de Deus.


Também, nos capítulos finais, o autor, após compartilhar tantas pérolas recolhidas de sua rica experiência de aprendizado no meio dos pobres, desafia  cada leitor, cada leitora a examinar como busca responder à vocação ao chamamento de dar razão a sua esperança, fazendo-nos questionamentos decisivos: “E nós, já descobrimos onde encontrar o Tesouro escondido do Reino? Já temos a coragem de abandonar tudo aquilo que nos impede de segui-lo? O que fazer com o Tesouro que acabamos de encontrar?” (pp. 167). Duas observações finais sobre o livro. O trabalho de Glaudemir é expressão viva de quem leva a sério, na alegria e na esperança, sua missão profética, o Discipulado e a Missão de anunciar e testemunhar, principalmente junto ao povo dos pobres, os prediletos de Jesus, o anúncio e a presença do Reino de Deus. Por outro lado, tal testemunho reforça nossa convicção de que essa trajetória supõe, além da força da Graça, um processo contínuo de formação, pessoal e comunitária. 


Este é um livro para ser lido pessoal e comunitariamente, de modo a suscitar um crescente compromisso com as causas do Reino de Deus e sua justiça. Obrigado, Glaudemir!


P.S. Às pessoas interessadas em adquirir o livro de Glaudemir, informo que podem fazê-lo ao preço de 50 reais. Contato: (81) 9877-97790


João Pessoa, 23 de Fevereiro de 2024                       


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