segunda-feira, 27 de maio de 2024

Brasil anos 50 e 60: Cristãos em irrupção revolucionária



Alder Júlio Ferreira Calado


A prolongada letargia que acomete a enorme maioria de nossas organizações de base pode dar a impressão de que isto sempre foi assim, no Brasil. Grave engano! Quando nos damos ao trabalho de cavoucar, por exemplo, as décadas de 50 e 60 do século passado, fomos positivamente surpreendidos com o caráter e a extensão das lutas sociais daquele período. Na mesma esteira dessas lutas sociais encontravam-se também segmentos cristãos progressistas (católicos e protestante), em especial os jovens, cuja contribuição se afirmava em forma de aliança a movimentos populares, sindicais e da esquerda partidária.


Com o objetivo de desafiar, sobretudo, os jovens militantes comprometidos com as lutas libertárias das classes populares, tomamos a liberdade de ousar refrescar nossa memória coletiva de resistências e lutas populares no Brasil, durante o período mencionado, de moda a instigar nossas organizações de base na atualidade, a se inspirarem positivamente no exercício da memória histórica dos oprimidos.


O Brasil, no contexto do pós-Guerra


A Vitória sobre o projeto nazi-fascista, que custou milhões de vítimas, ensejou um novo período histórico, em escala internacional, caracterizado, de um lado, por uma perspectiva de esperança e, por outro, de crescentes disputas de poder por parte das grandes potências vitoriosas: o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o bloco socialista, representado pela União das Repúblicas socialistas Soviéticas (URSS), dando início ao que se convencionou chamar de “guerra fria”.


Em âmbito internacional, tratou-se de um período especialmente marcado pelo processo de descolonização de diversos países africanos, em luta aguerrida contra suas respectivas metrópoles (Reino Unido, França, Bélgica, Portugal, entre outras). Ao mesmo tempo, dados os profundos estragos causados pela Segunda Guerra Mundial, os Países Europeus, em busca de se recomporem, contaram com a decisiva ajuda dos Estados Unidos, por meio de diversos planos de socorro, que se revelariam uma poderosa estratégia do Governo dos Estados Unidos visando a impor sua hegemonia e seu controle sobre todos os países do bloco capitalista. 


No caso específico do Brasil, os esforços de retomada democrática, após a queda do Estado Novo (1937-1945), representaram um passo relevante, sobretudo, com as eleições da Constituinte de 1946, trazendo, como resultado, grandes esperanças para as classes populares, inclusive com a eleição de uma forte bancada de deputados comunistas (14 deputados, dentre os quais: Carlos Marighella, Gregório Bezerra, João Amazonas, Jorge Amado… e 1 senador, Luiz Carlos Prestes).


A eleição de uma bancada tão expressiva não foi certamente obra do acaso. Resultou de um persistente trabalho de base dos militantes comunistas, fortemente enraizados nas lutas populares. Nesta época, fervilhavam no Brasil intensas iniciativas artístico-literárias e culturais de grande potencial político-pedagógico. Com efeito, no plano dos trabalhos de base, circulavam, em grande tiragem, revistas, materiais de formação política, peças de teatro, filmes, forte mobilização de massa, com a animação protagonizada pelos CPC, mantidos pela UNE. Materiais de informação com tiragem até de 2 milhões, a circulação de revistas de grande impacto nacional, a exemplo da revista Civilização Brasileira, que teve na figura de Ênio Silveira sua maior referência de intelectual de esquerda.


A contribuição de aguerridos movimentos populares: O caso das “Ligas Camponesas” e do Movimento de Cultura Popular 


Os significativos esforços em envidados por grupos de esquerda e progressista não foram em vão. Desaguam em rios caudalosos, como o Movimento das Ligas Camponesas (1954-1964) e o Movimento de Cultura Popular, este animado por combativas figuras de intelectuais Pernambucanos, tendo em Paulo Freire um dos seus principais animadores. Quanto às Ligas Camponesas, uma vez iniciadas no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão em Pernambuco, tendo a frente Zezé da Galileia, João Virgínio, Francisco Julião, entre outros, elas foram rapidamente se estendendo pela Paraíba (sobretudo, em Sapé graças às lideranças de João Pedro Teixeira, João Alfredo dias, Pedro Fazendeiro Elizabete Teixeira, entre outros), pelo Nordeste e outras regiões, sempre em luta pela Reforma Agrária.


Os segmento estudantis, tanto secundarista quanto universitário, constituíram  outro protagonista de referência, ao engrossarem as lutas Camponesas e Operárias, reivindicando as Reformas de base (Reforma Agrária, Reforma Educacional, Reforma Urbana, Reforma Bancária, entre outras), em crescente apoio ao Governo de João Goulart. Tratava-se, então, mais do que setores populares em ação fragmentada, de grande parte da sociedade brasileira em movimento clamando por urgentes reformas. 


O aporte de cristãos progressistas


A conjuntura de efervescência social e política, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina (graças, inclusive, ao despertar explosivo ensejado pela revolução cubana - 1959) constituiu um forte condicionamento para a irrupção dessas lutas, inclusive as protagonizadas por cristãos progressistas. Ainda nos inícios dos anos 50, lideranças de várias Igrejas protestantes, integrantes da Confederação Evangélica do Brasil (presbiteriana, batista, metodista, luterana, entre outras) despertaram e se reuniram, com objetivo ecumênico, para assumirem atitudes concretas de compromisso de solidariedade com a causa libertadora dos pobres. Cumpre, porém, observar que tais lideranças constituíam apenas uma parte das lideranças dessas Igrejas, tendo, aliás, que contornar posições conservadoras de suas respectivas Igrejas.


Cumpre observar o papel especial aí desempenhado pelo Pastor Richard Shaull que, já tendo atuado na Colômbia, nos anos 40, e daí expulso por conta de sua ação profética, chega ao Brasil, em inícios dos anos 50, tendo sua ação missionária sido marcada também pela publicação de seu livro, em 1953, intitulado “O Cristianismo e a Revolução Social” (cf.https://doceru.com/doc/n551nce). A publicação desta obra constituia um sinal convincente de seu papel de um Educador Popular ou mesmo de um “intelectual orgânico”, disposto a liderar outras figuras uma fecunda iniciativa de formação e de mobilização, especialmente junto aos estudantes cristãos universitários.


Sempre em associação com outras lideranças cristãs, animados pelo trabalho ecumênico, tais figuras passaram a liderar “O Setor de Responsabilidade Social” de um grupo representativo de Igrejas Cristãs. Graças a este grupo foram realizadas relevantes reuniões de estudos da realidade social brasileira, tendo acontecido sucessivamente em 1957, em 1959, 1960 e, a mais importante de todas em 1962, esta denominada de “Conferência do Nordeste”, realizada em Recife, de 22 a 29 de Julho de 1962, da qual participaram 167 pessoas, não apenas integrantes de mais de uma dúzia de Igrejas Protestantes, como também de autoridades civis e intelectuais de referência nacional, a exemplo de Celso Furtado, Francisco de Oliveira, Paulo Sieng, Gilberto Freire.


“A Conferência do Nordeste” representou o principal sinal de como machava a sociedade brasileira, naquela conjuntura de extrema fermentação das principais forças sociais em luta pelas então chamadas “Reformas de Base”. Profundamente sintomático, a este respeito, foi o tema central debatido, na ocasião: “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”. Durante toda uma semana, este tema foi debatido, contando com conferencistas protestantes e com intelectuais brasileiros de renome. Recomendamos, com insistência, que se confira os principais registros cuidadosamente feitos pelo secretário executivo desta Conferência do Nordeste, Waldo César, além de textos de conferencistas tais como o revdo Joaquim Beato e o revdo João Dias de Araújo, entre outros.


Importo ter presente que, tal era o clima de tensão da época (de um lado, o avanço da mobilização de nossas organizações de base, e, de outro, a onda de ameaças de golpe de Estado), que em abril de 62, os latifundiários da Paraíba mandaram assassinar a João Pedro Teixeira, presidente da liga camponesa de Sapé, e ainda neste mesmo ano, foi publicado o livro “O Evangelho e a Revolução Social”, de autoria do dominicano frei Carlos Josaphat. Neste ambiente de crescentes conflitos, é que se deu, dois anos depois, o golpe empresarial-militar de primeiro de abril de 1964, inaugurando tenebrosos 21 anos de ditadura, de prisões, de torturas, de assassinatos e de banimentos de tantos brasileiros e brasileiras, inclusive importantes figuras que protagonizaram a “Conferência do Nordeste”, fatos destacados, inclusive, no livro “Inquisição sem fogueira” de autoria de João Dias de Araújo.


Ainda, no correr dos anos 60, pontificaram iniciativas proféticas, a exemplo da publicação, em Francês, do livro “Evangile et Révolution Sociale” de autoria de Dom Antônio Batista Fragoso, publicação seguida, em 1970, pela do livro “Théologie de la Révolution”, de autoria do teólogo José Comblin.


Memória histórica como fonte de inspiração e de renovação de compromissos.


Como acima mencionado, o objetivo destas linhas é ajudar a despertar da letargia parte expressiva de nossas organizações de base, cuja dormitação põe em risco importantes conquistas de nossa gente, à medida que deixam o campo livre para o avanço da ultra-Direita. Que este brevíssimo exercício de nossa memória histórica nos anime à renovação de nossos compromissos organizativos, formativos e de mobilização, para o necessário e urgente enfrentamento dos atuais desafios.


João Pessoa, 27 de maio de 2024.


quinta-feira, 23 de maio de 2024

A leitura popular da Bíblia como caminho libertário dos oprimidos: considerações em torno do n.93 da RIBLA

A leitura popular da Bíblia como caminho libertário dos oprimidos: considerações em torno do n.93 da RIBLA


Alder Júlio Ferreira Calado


Na América Latina, principalmente a partir da segunda metade do século XX, irrompeu um vigoroso movimento popular, protagonizado por Teólogos e Teólogas cristãos, dedicados a uma nova leitura da Bíblia, com base em hermenêuticas críticas, em relação à interpretação eurocêntrica dos textos bíblicos. Desenvolveu-se, desde então, um conjunto de iniciativas patrocinadas por diversos centros pastorais e de pesquisa Bíblica, espalhados pelo continente, a exemplo do Centro Bíblico verbo Divino, no Equador (cf. https://verbodivinobrc.com/centro-b%C3%ADblico-verbo-1), o departamento ecumênico de Investigación, em San José da Costa Rica (cf. https://www.mission-21.org/es/socio/dei-oecumenical-research-department/); o centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, no Brasil (cf. https://cebi.org.br/), para citarmos apenas estes três.      


Importa assinalar, de passagem, que estas e outras iniciativas de releitura bíblica se acham dinamicamente articuladas a uma teia de coletivos, de movimentos, de associações da sociedade civil que, não assumindo denominação religiosa, também se acham comprometidas com causas comuns, tais como a luta contra as desigualdades sociais, contra as mais diversas formas de violência de que são vítimas as mulheres, a comunidade LGBTQIA+, os povos originários, as comunidades quilombolas, os camponeses, os migrantes e demais viventes de nossa Casa Comum. Neste sentido, estas forças seguem promovendo iniciativas comuns, em busca da superação do atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, a exemplo da recente iniciativa promovida pelos redatores e redatoras da Revista de Interpretación Bíblica Latinoamericana (RIBLA), em seu recente vídeo, por meio do qual houveram, por bem dedicar todo o número 93 da RIBLA (a sair, em breve), a refletir sobre a tendência sionista (seguida por setores de diversas igrejas cristãs apoiadoras da extrema direita), de usarem e abusarem de textos bíblicos com a pretensão de legitimarem a ocupação e o genocídio do povo palestino. A quem interessar possa, recomendamos conferir o lançamento prévio do número 93 da RIBLA, acessando o seguinte link: https://www.youtube.com/live/Bm54bXYXmJk?si=6c63mwKpboWyxKA4


Trata-se de um número especial, de emergência, para o qual foram convidados e convidadas 20 teólogos e teólogas biblistas, cada qual ocupando-se de algum aspecto bíblico explorado pelos sionistas, com o objetivo de desnudar as falácias assacadas contra o povo palestino, e em favor de um regime de ocupação, colonialista, racista.


No vídeo de lançamento, comparecem, além dos organizadores, diversas figuras latino americanas (da Costa Rica, do Chile, da Argentina, do Brasil…), trazendo densas reflexões, ainda que em um tempo limitado, mas já permitindo antever a profundidade de suas respectivas contribuições.


Nestas linhas, nosso objetivo se limita, primeiro, a fazer um registro dessa iniciativa valiosa, e, em segundo lugar, a estimular especialmente os jovens do meio popular a assistirem a este vídeo, com o propósito de se acercarem mais e melhor de iniciativas tão auspiciosas.



João Pessoa, 23 de maio de 2024.


terça-feira, 21 de maio de 2024

Aprendendo com a emergência climática na terra e na gente Gaúchas

 Aprendendo com a emergência climática na terra e na gente Gaúchas 


Alder Júlio Ferreira Calado


Tal como vem sucedendo em diversas partes do mundo e no Brasil, eventos climáticos extremos vêm constituindo o novo normal, nas últimas décadas. No caso do Brasil, lembramos o que tem acontecido ora no Rio, ora em São Paulo, ora na Bahia - só para mencionar esses três casos - , deve merecer crescente atenção, de nossa parte. Mesmo no Rio Grande do Sul, o mais recente evento climático, embora bem mais grave, foi precedido de mais dois, em apenas um ano. Nas linhas que seguem, limitamos-nos a tecer algumas considerações, a título de aprendizados, somente sobre o mais recente destes eventos, ao longo das últimas três semanas. Rememoramos, de passagem, não apenas os efeitos devastadores da emergência climática, que se abatem sobre a terra e a gente do Rio Grande do Sul, mas também sua extraordinária resiliência e a densa solidariedade testemunhada por seus habitantes - com a admirável solidariedade de pessoas e grupos de outras regiões -, inclusive em relação aos demais animais, vítimas dessa tragédia. Assinalamos, não menos, alguns aprendizados que podemos extrair desta tragédia. 


Este evento climático extremo tem resultado especialmente impactante por seu alcance deletério, de modo a atingir quase toda a extensão territorial do Estado, a ponto de vitimar populações inteiras, plantações, destruindo casas, edifícios, matando ou vitimando animais, destruindo equipamentos públicos, instalações elétricas, afundando centenas de automóveis, em breve, apresentando-se como um cenário apocalíptico. Os principais rios e vales da região foram profundamente alcançados pelo volume e violência das águas.


Por outro lado, as mesmas imagens televisivas ou relatadas pelas emissoras radiofônicas também mostravam o testemunho de resiliência e de bravura com que a população enfrentava os desafios. Como não nos comovemos diante de cenas de profunda solidariedade, tanto entre as próprias vítimas, quanto os gestos apresentados por diferentes grupos e pessoas de outras regiões! Impressionantes, ainda, tantas cenas de resgate de pessoas e animais… Como não nos sentirmos profundamente tocados por cenas como a de uma família quilombola, de 15 pessoas, sobrevivendo, a duras penas, a esta catástrofe, em que, mais uma vez, são os mais pobres as vítimas mais numerosas e mais vulneráveis…


Diante de tanta devastação, impacta-nos fortemente, a insensibilidade reinante entre as principais autoridades (governador, prefeitos, além do Legislativo…), que parecem anestesiados quanto à sua parcela de responsabilidade na produção desses eventos que, longe de serem puramente “naturais”, resultam em grande parte, como produto de políticas criminosas, a exemplo do que se observa em tantos entes federados, cujos gestores seguem insensíveis no que diz respeito ao zelo socioambiental.


Com efeito, dentre tantos exemplos ilustrativos desta irresponsabilidade socioambiental, basta-nos citar o sistemático desprezo e desrespeito pela observância das leis ambientais, que vêm sofrendo um crescente desmonte. Ao negacionismo, soma-se a avidez de lucro fácil por parte do agronegócio em conluio com a maioria dos legisladores e do executivo, nas diversas esferas de poder.


Neste sentido, importa avaliar seguidos retrocessos que os setores dominantes, em aliança com a maioria do Congresso e de outros aparelhos de Estado, vêm impondo, no que tange às políticas socioambientais. Fato que, sobretudo nos últimos dez anos, vem se agravando, seja pelo constante boicote ou desmantelamento dos órgãos de controle socioambiental, seja pela fúria negacionista dos setores dominantes - especialmente durante o desgoverno Bolsonaro - , seja pelo desmonte sistemático da legislação vigente. Retrocessos que se acumulam, também no Rio Grande do Sul, cujos resultados estamos a colher.


Nem o fato de o Brasil se colocar como uma das referências internacionais, na luta pela transição energética tem assegurado este compromisso, sobretudo por conta do poderio tenebroso largamente exercido pelos setores mais representativos das grandes corporações transnacionais e nacionais do grande capital. Eis por que não vislumbramos uma saída desejável, enquanto nossas organizações de base, especialmente os movimentos sociais populares, não decidirem entrar em campo para valer, animando a sociedade civil a exercer seu verdadeiro protagonismo. Isto só se faz, por meio da retomada do Trabalho de Base, de modo a articular permanentemente seus processos organizativos, formativos e de lutas.


João Pessoa 21 de Maio de 2024     


quarta-feira, 15 de maio de 2024

Breves notas em busca de um novo Eco-Humanismo

 Breves notas em busca de um novo Eco-Humanismo 


Alder Júlio Ferreira Calado 


Os rumos tenebrosos e ameaçadores do planeta e dos viventes, para os quais segue acenando a decadente civilização ocidental ainda hegemônica - vide o total de gastos militares com guerras, em torno de US 2.3 trilhões, bem como o holocauto do povo palestino -  requer uma profunda avaliação de uma retomada da concepção de Humanismo, em busca, de passos de superação da barbárie atual. Com o propósito de alimentar, ainda que embrionariamente, este debate, ousamos propor algumas considerações a este respeito. Ainda que recentes, já dispomos de valiosas contribuições neste sentido. A título de mera sugestão permitimo-nos mencionar apenas uma meia dúzia dessas diversas contribuições:

  • LÖWY, Michael. O que é o Ecossocialismo? São Paulo: Cortez, 2014.

  • KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. Palavras de um xamã Yanomami. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015;

  • ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Editora Autonomia Literária, 2016;

  • GEBARA, Ivone. Teologia Ecofeminista: Editora D'água, 1997; 

  • BASHIGE, Charles e BUHENDWA, Zacharie Nshokano. Para um humanismo ecológico repensado: um olhar filosófico; Edições Nosso Conhecimento, 2023;

  • GUIMARÃES, Dom Joaquim Giovani Mol; ALVES, Claudemir Francisco; SOUZA, Robson Savio Reis; PENZIM, Adriana Maria Brandão (org). O Novo Humanismo: Paradigmas Civilizatórios Para o Século XXI, a partir do Papa Francisco. São Paulo: Editora Paulus, 2022.



Como tantos outros conceitos, também o de “Humanismo” se mostra polissêmico. Há, com efeito, uma multiplicidade de acepções acerca do que vem a ser Humanismo. Na verdade, estamos diante de um conceito que remonta ao aparecimento do ser humano. Na Grécia Antiga - e mesmo séculos antes, no Oriente e alhures -, já se exercitava a busca de entendimento sobre o ser humano. Nas breves linhas que seguem, tratamos, primeiramente, de nos ater ao Humanismo, buscando destacar as principais marcas presentes no processo de Humanização. Em seguida, rememoramos, de passagem, de que modo o Humanismo foi percebido, na Idade Média e na Idade Moderna, pelo Movimento Renascentista, bem como no Iluminismo e na contemporaneidade. Cuidamos, por fim, de ressaltar alguns aspectos desafiadores ao cultivo de condições favoráveis, capazes de acelerar a construção processual de um Eco-Humanismo.


Marcas axiais do processo de humanização


Quem lida com a condição humana, sente-se instado a ter sempre presentes os traços principais do que se apresenta como o processo de humanização. Eis alguns  requerimentos para enfrentarmos um tal desafio. Uma primeira marca presente no processo de humanização nos remete ao nosso pertencimento cósmico. Com efeito, ainda que como uma “poeira cósmica”, cada ser humano - e os humanos em seu conjunto - faz parte desta vasta cadeia de relações intergalácticas, cujas energias, quer percebamos ou não, atuam em nós. Em consequência, estando nosso belo “Planeta Azul” a formar parte deste imenso cosmo, desta complexa rede de relações interplanetárias, nossa condição humana também reflete sua dinâmica ação sobre nós e os demais viventes. 


Outro traço fundamental pertinente ao processo de humanização tem a ver com a necessidade dos seres humanos de assegurarem sua existência material, razão pela qual o conjunto dos humanos se sente instado a prover economicamente sua existência, graças ao seu trabalho nos mais diversos setores de produção - desde a coleta de frutas e raízes, passando pela caça, pela pesca (setor primário), pelas múltiplas formas de artesanato, pela produção industrial (setor secundário), pelas numerosas atividades de comércio e de serviços (setor terciário). 


Importa sublinhar que, em todas essas atividades da produção da existência mostra-se fundamental assegurar um modo de produção, de consumo e gestão-societal compatível com a dignidade do Planeta, dos humanos e de todos os viventes, de modo a obtermos respostas igualmente compatíveis a perguntas do tipo: o que produzir? Para quê/para quem produzir? Como produzir? Entre outras. Já sabemos, pela trágica experiência secular, que o modo de produção capitalista (e de qualquer sociedade de classes) é definitivamente incapaz de respeitar a dignidade do Planeta, dos humanos e demais viventes. Somos, por isto mesmo, instados a buscar construir um modo de produção, de consumo e de gestão societal que respeite a dignidade da Mãe-Terra, dos humanos e de todos os viventes.


O processo de humanização implica, igualmente, a dimensão política, isto é, a necessidade de estabelecermos relações de poder macro e micro-sociais, em que seja o conjunto dos humanos, em harmonia com a dignidade do Planeta, o tomador de decisões - e não uma pequena minoria de privilegiados - capazes de assegurar um protagonismo, senão de todos, da imensa maioria dos humanos, no que diz respeito à organização da sociedade e das relações grupais e inter-subjetivas, respeitosas do direito de decidir de todos. Condição já sobejamente comprovada como impossível, no modo de produção capitalista, donde a necessidade e urgência de usarmos seguir dando passos em busca de um modo de produção, de consumo e de gestão societal.


Os seres humanos, sendo parte da Natureza, são também marcados por profundos laços culturais. Somos também seres da Cultura, isto é historicamente chamados a satisfazermos não apenas às necessidades materiais (alimentação, habitação, vestuário…), mas também as necessidades imateriais: a contemplação, o emaravilhamento estético (não apenas de fruir a beleza, as artes, mas também de exercitá-las, cada qual ao seu modo), o lazer, o tempo livre de imaginação, de criatividade…


Nesta complexa e vasta malha de relações culturais, fazem-se igualmente presentes diversas outras: as relações sociais de gênero, da diversidade de orientações sexuais, de etnia, de caráter geracional, de espacialidade, de relações com o Sagrado, entre outras. Cada uma dessas dimensões comporta dimensões complexas atinentes ao mesmo processo de humanização. Não bastassem a complexidade e a extensão de cada uma delas, ainda importa destacar a profunda conectividade de uma com as outras.


Aspectos sumários do Humanismo, em perspectiva histórica

A noção de humanismo remonta às próprias origens do ser humano há milhares de anos, desde a Mãe África. O mundo oriental guarda também um precioso baú de memórias, a esse respeito. No continente europeu, principalmente a partir da Grécia e de Roma antigas, sistematizam-se noções fundamentais acerca da condição humana, desde os pré-socráticos, seguidos do período protagonizado principalmente por Sócrates, Aristóteles e Platão. Na Roma antiga, pontificaram notáveis pensadores, a exemplo de Virgílio (70 a.C-19 a.C), Horácio (65 a.C - 8 a.C), Sêneca (4a.C. - 65), Marco Aurélio (121-180 d.C.). 


A Idade Média também apresenta significativas contribuições, por meio de pensadores tais como Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, e, já no final da Idade Média, contando com os precursores do renascimento tais como Dante Alighieri e Giovanni Boccaccio, enquanto a Idade Moderna vai sendo fundamentalmente marcada por este movimento, graças a figuras tais como Nicolau Maquiavel, Miguel de Cervantes, e William Shakespeare. É, no entanto, sobretudo, com o Iluminismo, que o Humanismo conhecerá seu período de maior propulsão. Desde o século XVII, e, principalmente, durante os séculos XVII e XVIII, que, graças às contribuições de Filósofos como René Descartes (1596-1650), Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), entre outros, a noção de Humanismo vai alcançando novos contornos, à medida que tais pensadores agregam e reforçam ideias e valores renascentistas, tais como o humanismo, o antropocentrismo, o individualismo, o universalismo, o racionalismo, o cientificismo e a valorização da Antiguidade Clássica.


Ideias que passam a ser ainda mais aprimoradas graças às contribuições de autores como Immanuel Kant (1724-1804), Friedrich Hegel (1770-1831), Ludwig Feuerbach (1804-1872), entre outros. Ainda que tributários das ideias iluministas, Marx e Engels inauguram relevantes contrapontos a esses valores, à medida que elaboram elementos críticos radicais à concepção burguesa de mundo, ser humano e sociedade. Ao fazerem um exame crítico sistemático dos valores da sociedade burguesa, trazem à tona novos conhecimentos que, não apenas, desnudam as bases pretensamente humanistas do individualismo, diversos autores marxistas cuidaram de contrapor àqueles valores burgueses, fundamentos do processo de humanização então negados ou subestimados, de modo a sustentarem o caráter social da condição humana.


Do final do século XIX ao período do século XX, a ideia de humanismo se apresenta com novas formulações, a exemplo da proposta pelo filósofo Jacques de Maritain, que se apresentará bastante influente, especialmente no mundo católico, ao propor um “humanismo integral”, cuja influência se pode notar em documentos do Concílio Vaticano II (a exemplo da Gaudium et Spes), bem como na Encíclica Social “Populorum Progressio”, de autoria do Papa Paulo VI.


Após a segunda metade do século XX, e principalmente nas últimas décadas, vêm surgindo propostas renovadoras e de grande impacto, em relação ao Humanismo. Para o bem ou para o mal. Graças aos rápidos avanços recentes pesquisas e invenções tecnológicas sob a influência dos Valores do mercado capitalista, tal é a aposta que se tem feito no poder inovador da tecnologia, que já há quem defenda um “trans-humanismo”, um paradigma que, inspirado no potencial milagroso das novas tecnologias, inclusive da inteligência artificial, sustenta a possibilidade do surgimento de uma nova expressão de humanismo (combinado com características humanas, isto é, trans-humanismo) ou ainda mais longe: o surgimento de um novo ser (pós-humanismo).


Em outra perspectiva bem mais animadora, neste mesmo período histórico, vimos sendo positivamente impactados com a formulações inovadoras de humanismo, a exemplo do paradigma “buen vivir”, o paradigma do ecossocialismo, e também já se fala do eco-humanismo. Com relação ao paradigma do “buen vivir”, muito devemos aos trabalhos de pesquisa realizados por Alberto Acosta entre outros, já há alguns anos, que consiste, em poucas palavras, na demonstração da insustentabilidade do atual modo de vida dominante, que se tem revelado profundamente predatório para o nosso Planeta, ameaçando mortalmente a vida humana e demais viventes. Para Alberto Acosta e outros, os modelos desenvolvimentistas aplicados no mundo capitalista atual se mostram suicidários, a medida que precipitam o esgotamento dos bens da Mãe-Terra, impossibilitando que a enorme maioria dos habitantes do planeta alcancem um padrão de vida semelhante ao da população dos países centrais do capitalismo.


Trazendo aspectos semelhantes ao paradigma do “buen vivir”, há algumas décadas também segue despertando crescente interesse o ecossocialismo, proposta de um grupo de pesquisadores cuja maior referência é Michael Löwy, para quem “É imprescindível a emergência de uma civilização social e ecológica baseada numa nova estrutura energética e num conjunto de valores e estilos de vida pós-consumistas”, o que, mais uma vez, se tem  mostrado uma tarefa impossível dentro do modo de produção capitalista. 

Dentre as poucas lideranças de novo tipo, o Papa Francisco vem acenando, por meio de seus escritos, de seus pronunciamentos e de seu testemunho, à urgência de um novo Humanismo, a superar o antropocentrismo ainda dominante, sem qualquer consideração à dignidade do Planeta e dos demais viventes. Sobretudo em sua Encíclica Social “Laudato se”. Acerca dos aspectos característicos desta sua proposta  de Humanismo, importa conferir a coletânea de textos escritos por 25 Autores e Autoras, recém-publicada pela Editora Paulus, acima referida.   


E quanto ao eco-humanismo, o que viria a ser?


Trata-se de uma proposta, já em curso, cujos elementos fundantes já se acham presentes tanto no paradigma “Buen Vivir”, quanto no Ecossocialismo, quanto no Ecofeminismo como ainda na proposta apresentada pelo Papa Francisco. Cuidamos, a seguir, de sublinhar o que consideramos marcas especiais do Eco-humanismo.

  • Redefine as relações entre os seres humanos (considerados o centro da Casa Comum) e a Mãe-Natureza, de modo a superar a ideia de Antropocentrismo;

  • Reconhece os humanos como parte inseparável do Planeta e dos demais viventes;

  • Suscita uma relação equânime entre os humanos, e entre estes e os demais viventes;

  • Contrapõe-se visceralmente ao atual modo de produção, de consumo e de gestão societal; 

  • Rejeita os paradigmas desenvolvimentistas hegemônicos;

  • Contesta as relações patriarcais e eurocêntricas de organização societal;

  • Empenha-se em superar toda carga histórica de colonialidade;

  • Empenha-se no combate às relações imperialistas dominantes, ao tempo em que promove e aprimora as relações interculturais entre povos e nações, por meio do reconhecimento do legítimo reconhecimento da diversidade de saberes e da partilha mútua dos aprendizados.


Qual o lugar de nossas organizações de base neste processo?


Em vão, se espera que tal processo prospere a partir dos setores dominantes ou hegemônicos atuais. Trata-se, fundamentalmente, de um processo a ser protagonizado fundamentalmente pelos “de baixo”, isto é, de nossas organizações de base: Movimentos sociais populares (do campo e da cidade; Movimentos sindicais; esquerda partidária; Movimentos eclesiais progressistas, entre outras forças).


Eis uma tarefa histórica desafiadora, a ser cumprida (ou já está sendo, ainda que de forma molecular), a curto, médio e longo prazos, desde que estes mesmo sujeitos históricos se mantenham firmes e persistentes em seus compromissos organizativos, formativos e de lutas. 


João Pessoa, 15 de Maio de 2024  

  


quarta-feira, 1 de maio de 2024

Só as lutas contínuas dos oprimidos asseguram um futuro digno e justo

 Só as lutas contínuas dos oprimidos 

Asseguram um futuro digno e justo 


Alder Júlio Ferreira Calado 


De 90 pra cá houve um recuo 

Desde então, nossas forças não avançam 


Quem se fia em gestão de “frente ampla”

Se limita a viver só de migalhas 


A Necrófila Direita ganha terreno

Vai minando os espaços democráticos 


Temerário esperar que tão-somente 

O Poder Judiciário estanque  a onda


Quando os nossos Movimentos Sociais 

Vão, enfim, despertar da letargia?  


Glória eterna aos valentes lutadores 

Nos caminhos das Ligas e lutas camponesas 


A extrema-Direita quer tirania 

Empenhando-se em minar democracia 


Verdadeiro antídoto da Direita 

Retomar o processo formativo 


Retomar o exercício da Memória 

Das conquistas e lutas populares 


Nossas Ligas e lutas camponesas 

Firmes, fortes, celebram suas conquistas  


Não bastasse a Bolívia, vem o Brasil 

A ser alvo do golpista Elon Musk


Com Cedilha ou dois “S”, urge cassar

Plutocratas golpista, arrogantes 


De 90 pra cá houve um descenso

Desde então, entram em cena as frentes amplas 


Quem se fixa em gestão de Frente Ampla 

Se limita ao "menu" da burguesia 


Nossas ligas e lutas camponesas

Firmes e fortes em nosso memorial


Liberdade de expressão não autoriza

Atacar as pessoas, calúnia-las


Liberdade de expressão no Ocidente

Nunca foi, e nem é absoluta


O artigo de Brian é convincente,

Parcial é o juízo do Império

https://www.brasil247.com/blog/debater-a-liberdade-de-expressao-hoje-e-uma-cortina-de-fumaca-orquestrada-pela-extrema-direita#google_vignette


E no caso Elon Musk fica evidente

Ele quer ofender a soberania


Lei do Teto de Gastos só favorece

Os setores das classes dominantes


Penaliza a pobreza ao proibir que 

Se invista em Políticas Essenciais 


Favorece os setores financistas:

Obrigando pagar juros da dívida


Pretextando liberdade de expressão

A direita ataca o Judiciário


Grande farsa: no poder nos imporia

A censura, a prisão, a ditadura


Sem qualquer referência, desfaz-se a Ética 

A mentira equipara-se à verdade


A Extrema Direita assim procede

Haja vista o que diz Michael Shellenberger


Os fascistas se queixam contra a censura

Mas, combatem a ciência, as evidências 


Mais e mais, cai a máscara do Império 

No apoio incansável ao Sionismo


Sionismo só reúne tanta força 

Com o suporte militar do Ocidente.


São os jovens, outra vez, que se insurgem 

A clamarem a favor dos Palestinos 


Até mesmo, ao interno do Império

Estudantes, as centenas, levantam a voz


Outro exemplo a nutrir nossa esperança:

Mil pessoas, acodem os Palestinos 


Veja bem a “Flotilha da Liberdade”

Transportando alimento à Palestina

https://freedomflotilla.org/


Movimento no campo e na cidade 

Continuam semeando coisas novas.


João Pessoa, 01 de Maio de 2024


Força e coragem aos Trabalhadores e Trabalhadoras de todo o mundo!