Aprendendo com a emergência climática na terra e na gente Gaúchas
Alder Júlio Ferreira Calado
Tal como vem sucedendo em diversas partes do mundo e no Brasil, eventos climáticos extremos vêm constituindo o novo normal, nas últimas décadas. No caso do Brasil, lembramos o que tem acontecido ora no Rio, ora em São Paulo, ora na Bahia - só para mencionar esses três casos - , deve merecer crescente atenção, de nossa parte. Mesmo no Rio Grande do Sul, o mais recente evento climático, embora bem mais grave, foi precedido de mais dois, em apenas um ano. Nas linhas que seguem, limitamos-nos a tecer algumas considerações, a título de aprendizados, somente sobre o mais recente destes eventos, ao longo das últimas três semanas. Rememoramos, de passagem, não apenas os efeitos devastadores da emergência climática, que se abatem sobre a terra e a gente do Rio Grande do Sul, mas também sua extraordinária resiliência e a densa solidariedade testemunhada por seus habitantes - com a admirável solidariedade de pessoas e grupos de outras regiões -, inclusive em relação aos demais animais, vítimas dessa tragédia. Assinalamos, não menos, alguns aprendizados que podemos extrair desta tragédia.
Este evento climático extremo tem resultado especialmente impactante por seu alcance deletério, de modo a atingir quase toda a extensão territorial do Estado, a ponto de vitimar populações inteiras, plantações, destruindo casas, edifícios, matando ou vitimando animais, destruindo equipamentos públicos, instalações elétricas, afundando centenas de automóveis, em breve, apresentando-se como um cenário apocalíptico. Os principais rios e vales da região foram profundamente alcançados pelo volume e violência das águas.
Por outro lado, as mesmas imagens televisivas ou relatadas pelas emissoras radiofônicas também mostravam o testemunho de resiliência e de bravura com que a população enfrentava os desafios. Como não nos comovemos diante de cenas de profunda solidariedade, tanto entre as próprias vítimas, quanto os gestos apresentados por diferentes grupos e pessoas de outras regiões! Impressionantes, ainda, tantas cenas de resgate de pessoas e animais… Como não nos sentirmos profundamente tocados por cenas como a de uma família quilombola, de 15 pessoas, sobrevivendo, a duras penas, a esta catástrofe, em que, mais uma vez, são os mais pobres as vítimas mais numerosas e mais vulneráveis…
Diante de tanta devastação, impacta-nos fortemente, a insensibilidade reinante entre as principais autoridades (governador, prefeitos, além do Legislativo…), que parecem anestesiados quanto à sua parcela de responsabilidade na produção desses eventos que, longe de serem puramente “naturais”, resultam em grande parte, como produto de políticas criminosas, a exemplo do que se observa em tantos entes federados, cujos gestores seguem insensíveis no que diz respeito ao zelo socioambiental.
Com efeito, dentre tantos exemplos ilustrativos desta irresponsabilidade socioambiental, basta-nos citar o sistemático desprezo e desrespeito pela observância das leis ambientais, que vêm sofrendo um crescente desmonte. Ao negacionismo, soma-se a avidez de lucro fácil por parte do agronegócio em conluio com a maioria dos legisladores e do executivo, nas diversas esferas de poder.
Neste sentido, importa avaliar seguidos retrocessos que os setores dominantes, em aliança com a maioria do Congresso e de outros aparelhos de Estado, vêm impondo, no que tange às políticas socioambientais. Fato que, sobretudo nos últimos dez anos, vem se agravando, seja pelo constante boicote ou desmantelamento dos órgãos de controle socioambiental, seja pela fúria negacionista dos setores dominantes - especialmente durante o desgoverno Bolsonaro - , seja pelo desmonte sistemático da legislação vigente. Retrocessos que se acumulam, também no Rio Grande do Sul, cujos resultados estamos a colher.
Nem o fato de o Brasil se colocar como uma das referências internacionais, na luta pela transição energética tem assegurado este compromisso, sobretudo por conta do poderio tenebroso largamente exercido pelos setores mais representativos das grandes corporações transnacionais e nacionais do grande capital. Eis por que não vislumbramos uma saída desejável, enquanto nossas organizações de base, especialmente os movimentos sociais populares, não decidirem entrar em campo para valer, animando a sociedade civil a exercer seu verdadeiro protagonismo. Isto só se faz, por meio da retomada do Trabalho de Base, de modo a articular permanentemente seus processos organizativos, formativos e de lutas.
João Pessoa 21 de Maio de 2024
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