JÜRGEN MOLTMANN (HAMBURGO, 1926 - TUBINGA, 2024) E
AS TEOLOGIAS DA LIBERTAÇÃO: UM DIALOGO HEURÍSTICO*
Ader Júlio Ferreira Calado
No dia 3 de junho deste ano, o teólogo
luterano alemão Jürgen Moltmann fez sua passagem, aos seus 98 anos abençoados e
bem vividos. Contemplando aspectos diversos do seu profícuo legado, podemos
perceber diversos aspectos similares aos tratados pelas teologias latino
americanas da libertação. Em homenagem ao denso e profundo legado de Jürgen
Moltmann, trataremos de destacar alguns pontos de seu legado teológico,
especialmente os que guardam estreito vínculo com os temas tratados pela
teologia da libertação. Começamos por uma brevíssima notícia biobibliográfica de
Jürgen Moltmann, com o propósito de prestar informações básicas a parte dos
leitores e leitores não conhecedores deste teólogo. Em seguida, cuidamos de
trazer à tona alguns aspectos tanto da densa obra quanto de Moltmann quanto do
legado das teologias latino-americanas da libertação, buscando destacar algumas
semelhanças, algumas afinidades, eletivas ou não.
Brevíssima notícia sobre a vida e a
obra de Jürgen Moltmann
De tradição Luterana, nascido em
família de pouca tradição religiosa, Jürgen Moltmann nasceu em Hamburgo, na
Alemanha, em 8 de abril de 1926, tendo feito sua Páscoa, há quase três semanas
atrás, na cidade alemã de Tübingen ou Tubinga, Trata-se de uma biografia de
certo modo atípica, inclusive pelo fato de, à diferença de muito teólogos e
teólogas cristãos, ter ele sido iniciado à vida cristã de forma relativamente
tardia. Por conta das conturbações trazidas a Alemanha, como a toda Europa, por
conta dos desdobramentos tenebrosos advindos com a onda nazifascista, Moltmann foi
obrigado ao serviço militar, aos 16 anos, interrompendo sua carreira de
estudos, tendo sido também ele, vítima de prisão, por vários anos. Ele passou alguns
anos preso na Bélgica e na Inglaterra, durante a segunda Guerra Mundial. Somente
depois, é que consegue iniciar propriamente sua carreira religiosa, para a qual
se sentiu chamado por conta mesmo das muitas provações que experimentou, em
razão das brutalidades do nazifascismo, que também pesaram sobre ele.
Consta de sua trajetória ter sido positivamente tocado pelo presente de um
exemplar do Novo Testamente e dos Salmos.
Com a idade de 22 anos, dá início a sua
formação teológica, em Göttingen, tendo concluído sua formação original em
meados dos anos 50. Conciliando sua densa formação teológica, no campo luterano,
cedo começa o seu percurso docente, tendo também exercido o pastoreio, durante
vários anos, mas encerrando sua carreira docente em longo período, na Universidade
de Tübingen ou Tubinga, na Alemanha.
Aqui destacamos, de maneira especial,
pontos de sua vasta e densa produção teológica, ressaltando aspectos que
parecem sobressaírem em sua diversificada e vasta obra. Entre seus livros mais
conhecidos, destacam-se, por exemplo, a sua “Teologia da Esperança”, que é
avaliada como de grande inspiração para vários teólogos e teólogas da
Libertação, entre os quais os irmãos Boff (Clodovis e Leonardo), "Teologia
Política” constitui uma outra grande contribuição do legado de Moltmann que
também inspirou um fecundo diálogo junto a diversos representantes das teologias
latino-americanas da libertação, outro
marco do seu legado teológico foi também ou ainda é o seu livro intitulado
“Ética da Esperança”, este já produzido em sua maturidade de pensador; convém,
ainda, ressaltar sua grande contribuição ao pensamento teológico crítico,
citando seu livro sobre o Espírito Santo e outro sobre a Trindade. Não menos
importante, é ainda o seu livro abordando aspectos eco teológicos, contribuição
com a qual inspira diversas iniciativas cristãs, também no âmbito da reflexão
teológica. Também escreveu “O Deus crucificado”, “Deus na Criação”, entre tantos
outros.
Que pontos de interlocução (direta ou
indireta) podemos destacar entre os mais importantes livros escritos por Jürgen
Moltmann e diversos teólogos e teólogas latino-americanos da Libertação?
Um primeiro ponto a destacar, tem a ver
com sua obra intitulada “Teologia da Esperança”, que influenciou e segue
inspirando diversos teólogos latino-americanos da Libertação. Uma rápida
consulta ao livro “Teologia e Prática: Teologia do Políticos e Suas Medicações",
de autoria de Clodovis Boff, editado pela Vozes em 1978, constitui uma de
tantas ilustrações que poderíamos trazer à tona. “Teologia e Prática” representa
um marco de ampla referência das pesquisas latino americanas, no horizonte da
teologia da libertação. Neste livro, resultante de sua tese de doutoramento em Lovaina,
Clodovis Boff ao trazer a lume aspectos das raízes latino-americanas da
Libertação, também dialoga com Jürgen Moltmann, especialmente em sua conhecida
obra "Teologia Política". Além de Clodovis Boff, diversos outros
autores poderíamos lembrar, a exemplo do teólogo José Comblin, este, mais
conhecido pela sua densa contribuição aos estudos pneumatológicos, no âmbito da
teologia da libertação, nos remete, em mais de uma de suas obras a importância
da contribuição de Moltmann, também no domínio da pesquisa pneumatológica.
Igualmente, podemos observar o
exercício de um fecundo diálogo entre a obra de Moltmann que trata da questão
ecológica, no quadro de uma Ecoteologia, e a já vasta e profunda contribuição
de Leonardo Boff e outros teólogos e teólogas, inclusive da vertente
protestante, em diálogo com o mesmo desafio enfrentado por Moltmann.
Mas um outro aspecto, dentre tantos que
poderíamos destacar, refere-se a sua obra intitulada “Ética da Esperança”, esta
elaborada na segunda década do nosso século. Podemos aí encontrar referências
luminosas expostas por Moltmann, quanto as profundas relações que se encontram
entre o agir humano e o horizonte da Esperança. Sob diversos aspectos, neste
livro, Jürgen Moltmann trata de enfrentar pontos fulcrais que em que a ética se
faz presente, como, por exemplo, no enfrentamento das ameaças do nosso planeta,
capítulo em que ele nos faz densos e provocantes questionamentos, acerca da
relação entre os destinos que o mundo contemporâneo vem apontando para a degradação
cada vez mais rápida e profunda das condições do nosso planeta.
Neste sentido, limitamo-nos, nestas
linhas, a prestar uma homenagem a figura luminosa de Jürgen Moltmann, ao mesmo
tempo em que buscamos provocar, incentivar, com mais força, em especial os
jovens militantes de nosso tempo, a aprofundarem os estudos tanto da obra de Jürgen
Moltmann, quanto os provenientes de vários teólogos e teólogas latino-americanos
da Libertação. Acerca desta última, temos alegria de compartilhar que,
sexta-feira passada, dia 14 deste mês de junho vivenciamos a quadragésima
quarta semana consecutiva (isto é, cada sexta-feira), a leitura comunitária,
sequenciada, feita, de modo virtual, do livro “50 Anos de Teologias da
libertação: Origens, Revisão, Perspectivas e Desafios”, organizado por Edward Guimarães, Emerson Sbardelotti e
Marcelo Barros. Ao percorremos criticamente estas páginas – já estamos lendo o
segundo volume -, podemos também perceber diferentes pontos de contato de
vários destes autores e autoras, com o legado de Jürgen Moltmann, não obstante
a especificidade dos lugares em que são produzidas tais reflexões teológicas.
João Pessoa,
21 de junho de 2024
*Texto
produzido em áudio pelo autor e digitado por Zélia Cristina, e revisado por
Heloíse Calado. A ambas, a expressão de minha gratidão.
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