sexta-feira, 21 de junho de 2024

JÜRGEN MOLTMANN (HAMBURGO, 1926 - TUBINGA, 2024) E AS TEOLOGIAS DA LIBERTAÇÃO: UM DIALOGO HEURÍSTICO*

 

JÜRGEN MOLTMANN (HAMBURGO, 1926 - TUBINGA, 2024) E AS TEOLOGIAS DA LIBERTAÇÃO: UM DIALOGO HEURÍSTICO*

 

Ader Júlio Ferreira Calado

 

No dia 3 de junho deste ano, o teólogo luterano alemão Jürgen Moltmann fez sua passagem, aos seus 98 anos abençoados e bem vividos. Contemplando aspectos diversos do seu profícuo legado, podemos perceber diversos aspectos similares aos tratados pelas teologias latino americanas da libertação. Em homenagem ao denso e profundo legado de Jürgen Moltmann, trataremos de destacar alguns pontos de seu legado teológico, especialmente os que guardam estreito vínculo com os temas tratados pela teologia da libertação. Começamos por uma brevíssima notícia biobibliográfica de Jürgen Moltmann, com o propósito de prestar informações básicas a parte dos leitores e leitores não conhecedores deste teólogo. Em seguida, cuidamos de trazer à tona alguns aspectos tanto da densa obra quanto de Moltmann quanto do legado das teologias latino-americanas da libertação, buscando destacar algumas semelhanças, algumas afinidades, eletivas ou não.

 

Brevíssima notícia sobre a vida e a obra de Jürgen Moltmann

 

De tradição Luterana, nascido em família de pouca tradição religiosa, Jürgen Moltmann nasceu em Hamburgo, na Alemanha, em 8 de abril de 1926, tendo feito sua Páscoa, há quase três semanas atrás, na cidade alemã de Tübingen ou Tubinga, Trata-se de uma biografia de certo modo atípica, inclusive pelo fato de, à diferença de muito teólogos e teólogas cristãos, ter ele sido iniciado à vida cristã de forma relativamente tardia. Por conta das conturbações trazidas a Alemanha, como a toda Europa, por conta dos desdobramentos tenebrosos advindos com a onda nazifascista, Moltmann foi obrigado ao serviço militar, aos 16 anos, interrompendo sua carreira de estudos, tendo sido também ele, vítima de prisão, por vários anos. Ele passou alguns anos preso na Bélgica e na Inglaterra, durante a segunda Guerra Mundial. Somente depois, é que consegue iniciar propriamente sua carreira religiosa, para a qual se sentiu chamado por conta mesmo das muitas provações que experimentou, em razão das brutalidades do nazifascismo, que também pesaram sobre ele. Consta de sua trajetória ter sido positivamente tocado pelo presente de um exemplar do Novo Testamente e dos Salmos.

Com a idade de 22 anos, dá início a sua formação teológica, em Göttingen, tendo concluído sua formação original em meados dos anos 50. Conciliando sua densa formação teológica, no campo luterano, cedo começa o seu percurso docente, tendo também exercido o pastoreio, durante vários anos, mas encerrando sua carreira docente em longo período, na Universidade de Tübingen ou Tubinga, na Alemanha.

Aqui destacamos, de maneira especial, pontos de sua vasta e densa produção teológica, ressaltando aspectos que parecem sobressaírem em sua diversificada e vasta obra. Entre seus livros mais conhecidos, destacam-se, por exemplo, a sua “Teologia da Esperança”, que é avaliada como de grande inspiração para vários teólogos e teólogas da Libertação, entre os quais os irmãos Boff (Clodovis e Leonardo), "Teologia Política” constitui uma outra grande contribuição do legado de Moltmann que também inspirou um fecundo diálogo junto a diversos representantes das teologias latino-americanas da libertação,  outro marco do seu legado teológico foi também ou ainda é o seu livro intitulado “Ética da Esperança”, este já produzido em sua maturidade de pensador; convém, ainda, ressaltar sua grande contribuição ao pensamento teológico crítico, citando seu livro sobre o Espírito Santo e outro sobre a Trindade. Não menos importante, é ainda o seu livro abordando aspectos eco teológicos, contribuição com a qual inspira diversas iniciativas cristãs, também no âmbito da reflexão teológica. Também escreveu “O Deus crucificado”, “Deus na Criação”, entre tantos outros.

 

Que pontos de interlocução (direta ou indireta) podemos destacar entre os mais importantes livros escritos por Jürgen Moltmann e diversos teólogos e teólogas latino-americanos da Libertação?

 

Um primeiro ponto a destacar, tem a ver com sua obra intitulada “Teologia da Esperança”, que influenciou e segue inspirando diversos teólogos latino-americanos da Libertação. Uma rápida consulta ao livro “Teologia e Prática: Teologia do Políticos e Suas Medicações", de autoria de Clodovis Boff, editado pela Vozes em 1978, constitui uma de tantas ilustrações que poderíamos trazer à tona. “Teologia e Prática” representa um marco de ampla referência das pesquisas latino americanas, no horizonte da teologia da libertação. Neste livro, resultante de sua tese de doutoramento em Lovaina, Clodovis Boff ao trazer a lume aspectos das raízes latino-americanas da Libertação, também dialoga com Jürgen Moltmann, especialmente em sua conhecida obra "Teologia Política". Além de Clodovis Boff, diversos outros autores poderíamos lembrar, a exemplo do teólogo José Comblin, este, mais conhecido pela sua densa contribuição aos estudos pneumatológicos, no âmbito da teologia da libertação, nos remete, em mais de uma de suas obras a importância da contribuição de Moltmann, também no domínio da pesquisa pneumatológica.

Igualmente, podemos observar o exercício de um fecundo diálogo entre a obra de Moltmann que trata da questão ecológica, no quadro de uma Ecoteologia, e a já vasta e profunda contribuição de Leonardo Boff e outros teólogos e teólogas, inclusive da vertente protestante, em diálogo com o mesmo desafio enfrentado por Moltmann.

Mas um outro aspecto, dentre tantos que poderíamos destacar, refere-se a sua obra intitulada “Ética da Esperança”, esta elaborada na segunda década do nosso século. Podemos aí encontrar referências luminosas expostas por Moltmann, quanto as profundas relações que se encontram entre o agir humano e o horizonte da Esperança. Sob diversos aspectos, neste livro, Jürgen Moltmann trata de enfrentar pontos fulcrais que em que a ética se faz presente, como, por exemplo, no enfrentamento das ameaças do nosso planeta, capítulo em que ele nos faz densos e provocantes questionamentos, acerca da relação entre os destinos que o mundo contemporâneo vem apontando para a degradação cada vez mais rápida e profunda das condições do nosso planeta.

Neste sentido, limitamo-nos, nestas linhas, a prestar uma homenagem a figura luminosa de Jürgen Moltmann, ao mesmo tempo em que buscamos provocar, incentivar, com mais força, em especial os jovens militantes de nosso tempo, a aprofundarem os estudos tanto da obra de Jürgen Moltmann, quanto os provenientes de vários teólogos e teólogas latino-americanos da Libertação. Acerca desta última, temos alegria de compartilhar que, sexta-feira passada, dia 14 deste mês de junho vivenciamos a quadragésima quarta semana consecutiva (isto é, cada sexta-feira), a leitura comunitária, sequenciada, feita, de modo virtual, do livro “50 Anos de Teologias da libertação: Origens, Revisão, Perspectivas e Desafios”, organizado por  Edward Guimarães, Emerson Sbardelotti e Marcelo Barros. Ao percorremos criticamente estas páginas – já estamos lendo o segundo volume -, podemos também perceber diferentes pontos de contato de vários destes autores e autoras, com o legado de Jürgen Moltmann, não obstante a especificidade dos lugares em que são produzidas tais reflexões teológicas.

 

 João Pessoa, 21 de junho de 2024

 

*Texto produzido em áudio pelo autor e digitado por Zélia Cristina, e revisado por Heloíse Calado. A ambas, a expressão de minha gratidão.

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