Reflexão
sobre uma experiência de Educação Popular: leitura comunitária sequenciada do
livro “50 Anos de Teologias da Libertação: memória, revisão, perspectivas e
desafios”, organizado por Edward Guimarães, Emerson Sbardelotti e Marcelo
Barros, publicado pela Editora Recriar, São Paulo, 2022[i]
Alder Júlio Ferreira Calado
A educação popular busca incentivar educandos, educandas,
educadores e educadoras a manterem viva sua atenção, a alimentarem seu esforço
de atualização sobre todos aqueles aspectos que dizem respeito ao processo de
humanização. Quando se fala em educação popular, tem-se em vista,
principalmente, dar sequência a este mesmo processo, que vai implicar numa
multiplicidade de aspectos e dimensões. Buscar exercitar o processo de
humanização, contrapondo-se incessantemente ao processo de desumanização,
desafio presente em nossa experiencia existencial. Implica trabalhar
diuturnamente de maneira articulada, um conjunto de dimensões que caracterizam
o próprio processo de humanização.
Dentre estas dimensões, poderíamos lembrar: a dimensão cósmica que está presente necessariamente em todo processo de
sociabilidade humana; a dimensão planetária,
que, em conjunto, em ordenação com a própria dimensão cósmica, também diz
respeito fundamentalmente ao mesmo processo; a dimensão econômica, isto é, como os seres humanos fazem para assegurar a
produção de sua existência material, ou seja, como fazemos para assegurar a nossa
existência a partir do trabalho, seja de coleta, caça, pesca, agricultura,
pecuária (setor primário); seja retirando da natureza elementos que constituem
a transformação dos produtos em artigos culturais, no caso do artesanato, em
escala maior, evidentemente, da produção industrial (setor secundário); seja
ainda por meio das atividades de comércio e serviços (setor terciário). Então,
como os serem humanos dão conta de assegurar a sua existência material a partir
dessas decisões que são tomadas, no sentido de: o que produzir? como produzir?
com quem produzir? quem faz e quem ganha com isso? Tudo isso diz respeito mais
estritamente ao modo de produção, seja ele capitalista, seja socialista, seja em
qualquer sociedade de classes. Logo, o modo de produção, de certo modo,
determina a maneira como essa produção é feita, ou seja, se é feita no
interesse de todos, da maioria ou se ao contrário, do interesse de uma pequena
minoria, como acontece no modo de produção capitalista. Prosseguindo à
explicitação outras dimensões componentes da sociabilidade humana, além da
cósmica, planetária e econômica, assinalamos a dimensão política, isto é, aquela dimensão que nos faz pensar como agimos
para lidar com o poder, com as estruturas do poder, seja o macro poder (como
exemplo, as relações entre sociedade – Estado), ou as micro relações de poder,
as relações do cotidiano no âmbito da família, da escola, do trabalho, das
pastorais, como é que o poder é exercitado, ou seja, a serviço de quem, quem
decide, como decide, quais são os frutos dessas decisões, como o poder é
exercido em todos o processo de humanização. Esse portanto, é o lado político.
Temos ainda a lembrar outras dimensões, que de modo
entrelaçado, também fazem parte do processo de humanização e que não podem ser desdenhadas.
Tratamos, ainda, da dimensão ética,
que está igualmente conectada a todas as outras dimensões do mesmo processo. A
dimensão ética nos envolve mais na questão do agir, como se dá o agir humano no
processo de humanização, como se dá isso no chão do cotidiano, sendo as
relações do dia – a - dia entendidas como um mostruário dessa expressão ética,
como agimos, o nosso agir tem a ver com o nosso pensar, o nosso pensar tem a
ver com o nosso sentir, o nosso sentir tem a ver com o nosso querer? O nosso sentir,
o nosso pensar, o nosso querer, o nosso agir tem a ver com o que a gente
expressa, com a nossa comunicação? Então, isto faz parte da dimensão ética. Como
organizamos eticamente, essas questões em nossas relações humanas?
A outra dimensão é a estética,
é a dimensão do belo, daquilo que nos faz maravilhados, daquilo que nos faz
contemplar com tanto prazer a mãe natureza, o canto dos pássaros, o balançar
das folhas de uma árvore, sentir o vento, apreciar o mar, a montanha, tantas
belezas da natureza. E não apenas isso, também a beleza artística, belezas que
são produtos do nosso engenho, a diversidade de artes que somos chamados, não
apenas a fruir de maneira passiva, ou seja, ouvindo-a, deliciando uma bela
música, apreciando um belo quadro, ou lendo um belo romance, ou uma linda
poesia, mas também somos chamados e vocacionados a participar desse universo
estético pela produção, pelo exercício das artes. Sobre essa variedade enorme
das artes, é preciso que nos demos ao trabalho de tentar tocar, por exemplo,
algum instrumento, de termos a ação, dimensão ativa na produção das artes, não
só de sua fruição, mas também na produção dessas mesmas artes, inclusive a
variedade artesanal, trabalhar com o barro, a madeira, o metal, o tecido, a
palha etc. Isso também é um convite sempre forte para trabalhar com o processo
de humanização.
Outra dimensão diz respeito à cultura, e no plano da cultura, temos por exemplo, as relações
sociais de gênero. Como se dá naquela comunidade, naquele grupo, naquela
sociedade, como se dá o atuar de alguém que é homem e de alguém que é mulher?
Como é que as relações de gênero são vivenciadas e em proveito de quem, quem
ganha e quem perde? É pela dominação? É pela interculturalidade que nos
reunimos? Que nos associamos? Como se dão, enfim, as relações de gênero? Ainda
nessa dimensão, a gente busca também ver como se dão as relações de quem tem a
tendência hetero ou homossexual, como se dá ou não o respeito nessas relações,
como se combate toda manifestação homofóbica, nesta direção. Logo, esta é uma
dimensão que associamos às demais.
Temos ainda a dimensão relativa à nossa etnia. É muito importante que cada um ou cada uma, numa comunidade,
num grupo, ou numa sociedade, se reconhecer originário de um povo, ter uma
ligação forte com a negritude ou ainda com outros povos. Então, a dimensão
étnica nos faz trabalhar melhor o processo de humanização a partir de nossas
especificidades étnicas, de negros e de negras, de descendentes de indígenas,
de asiáticos ou de um povo europeu etc. Ou seja, como trabalhamos essa
dimensão, é pela dominação de um sobre outros? É pela interculturalidade? É
pelo mútuo respeito? É pelo cuidado com a nossa identidade, mas nunca em
prejuízo da identidade dos outros? Portanto, essa é a dimensão étnica.
Outra dimensão, refere-se à espacialidade, à nossa procedência geográfica. É muito diferente o
comportamento de alguém que nasce na Caatinga com alguém que nasce na área
litorânea, que nasce em contato com o mar ou com a mata. Logo, há atitudes,
hábitos, costumes e valores diferenciados e que merecem ser desenvolvidos de
maneira harmônica, respeitosa, uns completando os outros. Da mesma forma em
relação a quem vive na cidade e quem vive no campo, quais são as relações que
construímos no processo de humanização? Há diferenças entre quem é nordestino
em relação a quem nasce e vive no sul ou no norte do país, ou quem vive em
outro país da América Latina ou em outro continente. Todavia, é preciso que
tomemos cuidado em saber como lidar de maneira harmoniosa e respeitosa, de
forma a prezar essa identidade sem prejuízo à identidade dos outros, a qual
merece o nosso respeito.
A dimensão etária
ou geracional é o respeito que deve existir nas diversas gerações, lidar com as
crianças e adolescentes, saber conviver com os jovens, adultos e idosos. Essa é
uma prática importante, pois se acha impregnada pelas relações geracionais, é
importante que as gerações se entendam e compreendam suas especificidades, e, a
partir delas, que nos relacionemos de modo a ajudar uns aos outros no plano
geracional.
Outra dimensão é a dimensão do sagrado, essa energia vital que nos move, essa energia que em
algumas religiões é chamada de “Ruah”, a Divina Ruah, é uma energia fontal que
alimenta o nosso agir, o nosso querer, o nosso sentir, o nosso pensar e o nosso
comunicar. Então, essa energia que diz respeito a como nos relacionamos com o
sagrado e que nos ajuda também a nos colocarmos em harmonia com todas as outras
dimensões. As relações com o sagrado são como se fossem um cimento que assegura
nossa intimidade com as demais dimensões, não há uma separação, não é algo que antes
de estar acima de nós, é algo que está dentro de nós e entre nós, e com isso,
nos alimentamos nessa direção. Tudo isso diz respeito ao processo de
humanização. Essas doze dimensões que fizemos questão de rememorar, entre
outras, fazem parte do processo de humanização, embora, às vezes não nos
lembremos, pois estamos preocupados e absorvidos pelo trabalho, de tal forma
que não temos condições neste momento de pensar na interação fecunda e dinâmica
que há do trabalho, do aspecto material da produção com tantos outros aspectos
que estão presentes, ainda que inconscientemente, entre nós. Precisamos, na
educação popular, colocar e fazer aflorar essas dimensões em suas interrelações
dinâmicas.
Nas linhas que seguem, cuidamos
inicialmente de resumir as motivações e os objetivos de uma experiência de
Educação Popular, tendo como alvo formativo a leitura comunitária e sequenciada
do livro acima mencionado. Em seguida, tratamos de destacar tópicos centrais do
livro, ressaltando pontos axiais desenvolvidos por algumas dezenas de textos
componentes do livro. Por fim, buscamos trazer à tona relevantes ganhos
coletivos e pessoais, resultantes do aprendizado desta experiência.
Destacando
Pontos do livro que julgamos mais relevantes
Como já dito, a organização do livro
resultou da iniciativa de rememorar várias décadas de elaboração da Teologia e
das Teologias da libertação, do ponto de
vista de suas origens, da autocrítica de seu desenvolvimento, bem como de suas
perspectivas e desafios. O livro, publicado em dois volumes, tendo o primeiro
361 páginas, enquanto o segundo volume
contém 286, constando de três partes: inicialmente, cuida de trazer a lume suas
origens; a segunda parte trata de fazer uma revisão dos escritos desta corrente
teológica, enquanto a terceira parte é consagrada a apresentar novas versões decorrentes
desta teologia - daí o nome de “teologias da libertação”.
Para tanto foram convidados trinta e sete
teólogos e teólogas, cientistas da religião e autores e autoras de diferentes
campos de saberes, com o propósito de refletirem criticamente o processo de
elaboração das teologias latinoamericanas da libertação, processo em que se
alternam autores e autoras de diversas gerações, conferindo um sabor inter-geracional
especial às diferentes versões e trilhas seguidas pelas teologias da
libertação.
Não sendo este o espaço adequado para uma
resenha mais extensa do livro, de modo a contemplar cada autora/autor,
limitamo-nos a mencionar os nomes desses autores e autoras: Edward Guimarães,
Emerson Sbardelotti, Marcelo Barros, José Oscar Beozzo, Cláudio de Oliveira
Ribeiro, Paulo Agostinho Batista, Carlos Mesters, Francisco Orofino, Matthias
Grenzer, Pedro Ribeiro de Oliveira, Ney
de Souza, Silvia Scatena, Solange Maria do Carmo, Francisco Cornélio Freire
Rodrigues, Agenor Brighenti, Benedito Ferraro, Élio Gasda, Afonso Murad,
Sinivaldo S. Tavares, Francisco Aquino Júnior, Jung Mo Sung, Ivo Lesbaupin
(Todas e todos estes figurando no primeiro volume); Ivone Gebara, Tereza Maria
Pompéia Cavalcanti, Gildo Aquino Xucuru, João Irineu Potiguara, Cleusa
Caldeira, Faustino Teixeira, Roberlei Panasiewicz, Maria Cristina S. Furtado,
Cesar Kuzma, Verônica Michelle Gonçalves, Maria Clara Luchetti Bingemer, Leonardo
Boff, Rosemary Fernandes da Costa, Eduardo Brasileiro, Étel Teixeira de Jesus,
Diego Irarrazaval, Juan José Tamayo, Jon Sobrino, Victor Codina (Todas e todos
estes figurando no segundo volume, com exceção dos organizadores).
O primeiro volume, após a Introdução tem
como primeiro capítulo, um longo e criterioso texto de 72 páginas da lavra do José
Oscar Beozzo, historiador e teólogo, com reconhecida experiência no campo
especialmente da Igreja Católica, tendo ele inclusive integrado a Equipe de
Coordenação da CEHILA (Comisión de la História de la Iglesia Latinoamericana).
Pesquisador laborioso, Beozzo empenha-se em
rememorar aspectos fundantes da Teologia da Libertação, cujas raízes se
acham fincadas séculos antes, na história da Igreja. De modo mais direto,
faz-nos remontar aos tempos do Concílio Vaticano II, convocado (1959), pelo
Papa João XXIII, com o propósito de buscar responder pastoralmente aos desafios
da modernidade, começando por reconhecer autonomia das “realidades terrestres”,
atenta aos “sinais dos tempos” e em postura de diálogo - e não de condenação,
como fora o tom dominante do Concílio Vaticano I, realizado no final do século
XIX.
Beozzo também rememora, de passagem, a
força profética com que irrompeu, poucas semanas antes do encerramento do
Concílio Vaticano II, o acontecimento mais conhecido como o “Pacto das
Catacumbas”, realizado nos arredores de Roma, em 16 de novembro de 1965.
Todavia, é sobretudo a partir da II Conferência Episcopal Latinoamericana,
realizada em Medellín (Colômbia), em 1968, que ganha especial força profética
todo um movimento eclesial de renovação, com rosto latinoamericano, de modo a
distinguir-se do pensamento e das doutrinas eurocêntricas acerca do Movimento
de Jesus.
Seguindo em seu propósito de situar
criticamente os difíceis caminhos dos inícios das Teologia da Libertação, José
Oscar Beozzo traz à tona diversos embates eclesiais que os Teólogos e Teólogas
da Libertação tiveram de enfrentar, a partir do pontificado do Papa João Paulo
II e o então Cardeal Josef Ratzinger, à frente da temida Congregação em Defesa
da Fé (antigo Santo Ofício), cujo propósito era o de desautorizar a Teologia da
Libertação, acusando-a inicialmente de uma tendência ideologizada de se fazer
teologia. Dada, porém, a firme resistência dos teólogos da Libertação da época
profeticamente apoiados por grande número de bispos latinoamericanos e
brasileiros, Roma teve que recuar de sua posição condenatória da TdL chegando
mesmo a reconhecê-la como uma teologia “não apenas legítima, mas também útil e
necessária”.
A despeito desta declaração, restava
evidente a má vontade de Roma, de acolher este modo de teologizar, com feição
claramente latinoamericana, o que implicou em calorosos embates entre Roma e os
principais teólogos da TdL. Outra contribuição rememorada, no artigo de Beozzo,
prende-se ao relevante Projeto da CEHILA, de reescrever, a partir do Povo, a
História da Igreja Latinoamericana, a partir de sua distribuição em algumas
regiões, de modo a comportar as dezenas de países latinoamericanos e do Caribe.
De início, chegou-se mesmo a pensar em um Projeto ecumênico de reescrita da
História das Igrejas Cristãs, na América Latina e no Caribe, iniciativa que
infelizmente não prosperou.
Convém, ainda, ressaltar a iniciativa
conhecida como “Coleção Teologia e Libertação”, que previa a publicação de mais
de 50 livros tematizando os diversos conteúdos trabalhados pela Teologia da
Libertação. Desta iniciativa acabaram sendo publicados cerca de 35, por conta
da reação de Roma, a pressionar os Bispos latinoamericanos a retirarem seu
apoio – eles eram, no começo, em torno de 120, como se pode verificar no início
do livro, “Antropologia Cristã”, de José Comblin. Além desta iniciativa, alguns teólogos ousaram
elaborar, em quatro volumes, uma síntese da produção teológica latinoamericana,
dentre seus autores constam Jon Sobrino, Ignacio Ellecuria, entre outros. O
artigo de Beozzo constitui uma peça preciosa de registros memoriais das origens
da teologia da libertação, especialmente de sua versão católica.
O segundo capítulo do primeiro volume de
“50 Anos de Teologias da Libertação” tem como autores Claudio de Oliveira
Ribeiro e Paulo Agostinho Batista. O grande mérito do texto reside nos
registros da relevante contribuição de teólogos protestantes à teologia da
Libertação, que precedeu a vertente católica, pois surgida ainda nos anos de 1950.
De maneira sumária e sóbria, os autores se empenham em trazer à tona apenas os
nomes de teólogos protestantes de maior referência, a exemplo de figuras tais
como Richard Shaull e Julio de Santa Ana, preferindo destacar a dimensão
ecumênica que orientou estes teólogos filiados a diferentes igrejas
(Presbiteriana, Batista, Metodista, Luterana, entre outras).
Coube a Frei Carlos Mesters e a Francisco
Orofino a elaboração do terceiro capítulo, versando sobre a densa contribuição
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos
(CEBI), situando-os como espaços eclesiais e sementeiras da elaboração
teológica, na perspectiva da libertação.
Os capítulos seguintes voltam-se a um
espectro diversificado de questões-alvo da(s) Teologia(s) da Libertação, a
tematizarem ora sua dimensão teórica metodológica (Pedro Ribeiro de Oliveira,
Francisco Aquino Junior e outros), ora dimensionando aspectos linguísticos
bíblicos, ora atendo-se a influência do Concílio Vaticano II e das Conferências
Episcopais Latino Americanas e Medellin (1968) de Puebla (1979) de Santo
Domingo (1992) e de Aparecida (2007) sobre o desenrolar da produção teológica
latino-americana. A este respeito, sucedem-se diversos autores e autoras, tanto
da primeira geração (como é o caso, por exemplo, de Benedito Ferraro, Faustino
Teixeira, Agenor Brighenti, e Jung Mo Sung, Ivo lesbaupin, entre outros), enquanto
o segundo volume do livro que é inteiramente dedicado a examinar o surgimento e
a vivência atual das novas teologias, traz a lavra de teólogos e teólogas e
outros especialistas em diversos campos de saberes, examinando os elementos
principais constantes dessas novas teologias. No mesmo segundo volume,
comparecem autores e autoras tais como Marcelo Barros, Gildo Gomes, João Irineu
Potiguar (versando sobre os elementos característicos da Teologia dos povos
originários); Cleusa Caldeira (com sua instigante contribuição à compreensão do
“teoquilombismo”, com expressão libertadora do povo afro-americano); Ivone
Gebara (problematizando o conceito de “libertação” na perspectiva da Teologia
Feminista); Tereza Cavalcanti (examinando o esforço de elaboração
latino-americana de novas teologias); Maria Cristina S. Furtado, nos oferece, a
partir da sua rica experiência de psicóloga e pedagoga, ela é muito relevante
para a compreensão de uma Teologia voltada para a causa homo-afetiva; Verônica Michelle
Gonçalves (reflete, de forma poética e instigante, como se dá a Teologia da
Libertação, tal como experienciada pelas juventudes).
E assim, outros autores e autoras vão
completando a lista de colaboradores, que nos propõe o desafio de desbravar
outras dimensões examinadas pelas Teologias da Libertação: A Eco-teologia
(Leonardo Boff), a Teologia da Libertação em diálogo com a educação popular
(Edward Guimarães), a abertura da TdL,
ao campo das artes, ai expressando sua mística especial (Emerson Sbardelotti), a
instigante reflexão teológica tecida por Rosemary Fernandes da Costa, e Eduardo
Brasileiro acerca do paradigma do Bem Viver, além de outras relevantes figuras
históricas, como Jon Sobrino e Victor Codina.
Achados
coletivos e pessoais desta experiência de Educação Popular
Em duas semanas, nosso Grupo completa um
ano, desde o início da leitura sequenciada do livro acima referido. Não sendo
uma experiência presencial, resulta confortante constatarmos os frutos valiosos
que vimos colhendo desta experiência semanal de Educação Popular. Conscientes
de que são os encontros presenciais o terreno mais fértil para a Educação
Popular, nosso grupo virtual tem muito a comemorar desta experiência formativa,
comunitária e sequenciada, os motivos são diversos. Dela participam em torno de
quarenta pessoas, de cerca de quinze Estados da Federação, compreendendo todas
as regiões do Brasil, com predominância do Nordeste. Trata-se, em geral, de
pessoas adultas, na maioria mulheres, com relativa experiência de
acompanhamento de atividades pastorais da Igreja Católica. Em parte
considerável, trata-se de pessoas “des-igrejadas”, apresentando uma trajetória
de participação no CEBI, nas CEBs, nas pastorais sociais, na Catequese, na
Liturgia, como também na militância sindical, partidária e popular, algumas das
quais ainda seguem participando, mas todas manifestando dificuldades crescentes
de convívio nos espaços das Paróquias, das Dioceses, especialmente em razão do
acentuado clericalismo aí dominante.
A maioria das pessoas participantes desta
experiência de Educação Popular manifesta grandes afinidades com a Teologia da
Libertação, e, principalmente das diferentes dimensões em que se tem desdobrado
a Teologia da Libertação, razão por que é tratada em sua pluralidade
(“Teologias da Libertação”).
No que toca à metodologia de trabalho, em
cada sessão (que dura duas horas) tratamos de fazer a leitura de um capítulo
(por vezes, há necessidade de ser concluída na semana seguinte). Construiu-se
uma coordenação rotativa de trabalho, em que é uma a pessoa que faz a acolhida,
outra coordena o trabalho da noite, ainda outra lembra o tempo disponível para
intervenção (3 minutos para cada pessoa, sendo quatro pessoas por bloco após
cada tópico da leitura). O grupo escolheu contar com um comentarista mais
experiente, que dispõe de uns dez minutos, para dialogar com as pessoas que fazem
comentários, perguntas e dúvidas. Graças a esta dinâmica, vem à tona frequentes
sugestões e recomendações bibliográficas, vídeos, documentários, que são
anotados no chat da reunião e também no whatsapp do grupo “Teologia da
Libertação”.
O propósito destas linhas é, sobretudo,
compartilhar nossos achados, ao vivenciarmos, já há 1 ano, esta experiência de
Educação Popular. Um primeiro achado tem a ver com o conhecimento de novas
pessoas, espalhadas por diversos estados e regiões do Brasil, o que permite a
formação de laços afetivos que nos animam a manter ainda mais atrativo nosso
estudo semanal. Importa, também, sublinhar a oportunidade de aprofundamento de
diferentes temas suscitados por vários autores e autoras dos capítulos do
livro, em especial o repertório temático trabalhado pelas diversas vertentes
das teologias da libertação: a teologia planetária, o feminismo, as teologias
dos povos originários, as diversas teologias da negritude, a teologia queer, a
teologia das juventudes, as diversas espiritualidades, inclusive a do
“bem-viver”.
Dados os perfis das pessoas
participantes, um achado relevante, tem sido o do compartilhamento de relatos
de experiências vivenciadas, o que nos tem permitido conferir percepções de
diferenças complementares, seja no plano teológico-pastoral, seja no agir
político, seja ainda no plano intersubjetivo. Um aprendizado que contribui,
inclusive, para qualificar nossa atuação de militantes, cada qual em seu campo
específico. Trata-se de uma experiência formativa que nos tem ajudado a
perceber melhor a relevância da formação de formadores e formadoras, na
perspectiva da Educação Popular assumida de modo permanente, tanto na dimensão
coletiva, quanto na dimensão pessoal, e em busca de seguimento do Movimento de
Jesus.
Outro achado relevante tem a ver com o
desenvolvimento da qualidade de nossa leitura de mundo colada ao nosso agir
militante, no chão do cotidiano.
Considerações
sinóticas
Refletimos, nas linhas precedentes, de
que modo uma experiência de leitura comunitária e sequenciada de um livro tem
sido capaz de sacudir nossa percepção, graças ao potencial
crítico-transformador da Educação Popular, por força de sua carga teórico-metodológica,
caracterizada por alguns traços:
-
A percepção dialética, com que lemos o livro, percorrendo
capítulo por capítulo, em forma sequenciada, exercitando um olhar crítico, após
um ou dois tópicos de cada artigo;
-
Empenhando-nos em um aprendizado contínuo recolhendo
relevantes achados em cada um, ao mesmo tempo em que sendo capazes também de
enxergar lacunas, omissões e inacabamento, próprias de todo projeto humano;
-
Demo-nos conta, por exemplo, de que parte significativa dos
autores e autoras do livro, ao nos proporcionarem preciosos achados, tendem a
situar as origens da Teologia da Libertação, a partir especialmente dos anos
1970, especialmente desde a publicação do livro “Teologia da Libertação:
perspectivas” de autoria de Gustavo Gutiérrez, teólogo seminal, enquanto
pareceram omissos no que tange a contribuição de teólogos protestantes, pelo
menos desde os anos 1950 (Richard Shaull, Rubem Alves, Júlio de Santa Ana,
Waldo Cesar, Joaquim Beato, João Dias Araújo, para citar apenas alguns);
-
Não é por acaso, que tomamos a decisão de, tão logo
terminarmos de ler o primeiro e o segundo volumes do livro, daremos
prosseguimento à nossa experiência formativa, revisitando estes teólogos, a
começar por Richard Shaull (“Cristianismo e Revolução Social”), passando também
pelo estudo dos materiais concernentes à “Conferência do Nordeste”, Recife, 22-29
de julho de 1962, além de escritos de Júlio de Santa Ana e outros.
-
Como já assinalado, de passagem, por Faustino Teixeira, especialmente
os autores e autoras da primeira geração da TdL se mostram marcados por uma
inspiração eclesiocêntrica donde o especial apego às fontes do Magistério da
Igreja;
-
Salvo exceções, os textos se mostram reticentes ou mesmo
resistentes ao reconhecimento da contribuição do Marxismo às Teologias da
Libertação, donde talvez a ausência de maior apreço à nomes tais como Hugo
Assmann, Enrique Dussel, Giuglio Girardi, Franz Himkelammert, Pablo Richard, Frei
Betto, e ainda sem uma referência a outros nomes relevantes, no labor teológico
da libertação, a exemplo de José Comblin, Ignacio Ellacuria, José Vigil, Eduardo
Hoornaert, Manfredo Araújo de Oliveira, Elsa Tamez, Lusmarina Campos Garcia , Nancy
Cardoso, Sebastião Armando Gameleira, entre outras referências. Nenhuma
ressalva, porém desvanece a excelência das contribuições recolhidas, com imenso
apreço e gratidão aos seus autores e autoras, e aos organizadores do livro.
João Pessoa, 04 de agosto
de 2024.
[i]
Texto produzido em áudio, e digitado por Heloise Calado Bandeira, Gabriel Luar
Calado Bandeira, Marcio Aurélio e Eraldo Leme Batista, a quem o autor expressa
sua gratidão.
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