domingo, 4 de agosto de 2024

Reflexão sobre uma experiência de Educação Popular: leitura comunitária sequenciada do livro “50 Anos de Teologias da Libertação: memória, revisão, perspectivas e desafios”, organizado por Edward Guimarães, Emerson Sbardelotti e Marcelo Barros, publicado pela Editora Recriar, São Paulo, 2022[i]

 

Reflexão sobre uma experiência de Educação Popular: leitura comunitária sequenciada do livro “50 Anos de Teologias da Libertação: memória, revisão, perspectivas e desafios”, organizado por Edward Guimarães, Emerson Sbardelotti e Marcelo Barros, publicado pela Editora Recriar, São Paulo, 2022[i]

 

Alder Júlio Ferreira Calado

 

A educação popular busca incentivar educandos, educandas, educadores e educadoras a manterem viva sua atenção, a alimentarem seu esforço de atualização sobre todos aqueles aspectos que dizem respeito ao processo de humanização. Quando se fala em educação popular, tem-se em vista, principalmente, dar sequência a este mesmo processo, que vai implicar numa multiplicidade de aspectos e dimensões. Buscar exercitar o processo de humanização, contrapondo-se incessantemente ao processo de desumanização, desafio presente em nossa experiencia existencial. Implica trabalhar diuturnamente de maneira articulada, um conjunto de dimensões que caracterizam o próprio processo de humanização.

Dentre estas dimensões, poderíamos lembrar: a dimensão cósmica que está presente necessariamente em todo processo de sociabilidade humana; a dimensão planetária, que, em conjunto, em ordenação com a própria dimensão cósmica, também diz respeito fundamentalmente ao mesmo processo; a dimensão econômica, isto é, como os seres humanos fazem para assegurar a produção de sua existência material, ou seja, como fazemos para assegurar a nossa existência a partir do trabalho, seja de coleta, caça, pesca, agricultura, pecuária (setor primário); seja retirando da natureza elementos que constituem a transformação dos produtos em artigos culturais, no caso do artesanato, em escala maior, evidentemente, da produção industrial (setor secundário); seja ainda por meio das atividades de comércio e serviços (setor terciário). Então, como os serem humanos dão conta de assegurar a sua existência material a partir dessas decisões que são tomadas, no sentido de: o que produzir? como produzir? com quem produzir? quem faz e quem ganha com isso? Tudo isso diz respeito mais estritamente ao modo de produção, seja ele capitalista, seja socialista, seja em qualquer sociedade de classes. Logo, o modo de produção, de certo modo, determina a maneira como essa produção é feita, ou seja, se é feita no interesse de todos, da maioria ou se ao contrário, do interesse de uma pequena minoria, como acontece no modo de produção capitalista. Prosseguindo à explicitação outras dimensões componentes da sociabilidade humana, além da cósmica, planetária e econômica, assinalamos a dimensão política, isto é, aquela dimensão que nos faz pensar como agimos para lidar com o poder, com as estruturas do poder, seja o macro poder (como exemplo, as relações entre sociedade – Estado), ou as micro relações de poder, as relações do cotidiano no âmbito da família, da escola, do trabalho, das pastorais, como é que o poder é exercitado, ou seja, a serviço de quem, quem decide, como decide, quais são os frutos dessas decisões, como o poder é exercido em todos o processo de humanização. Esse portanto, é o lado político.

Temos ainda a lembrar outras dimensões, que de modo entrelaçado, também fazem parte do processo de humanização e que não podem ser desdenhadas. Tratamos, ainda, da dimensão ética, que está igualmente conectada a todas as outras dimensões do mesmo processo. A dimensão ética nos envolve mais na questão do agir, como se dá o agir humano no processo de humanização, como se dá isso no chão do cotidiano, sendo as relações do dia – a - dia entendidas como um mostruário dessa expressão ética, como agimos, o nosso agir tem a ver com o nosso pensar, o nosso pensar tem a ver com o nosso sentir, o nosso sentir tem a ver com o nosso querer? O nosso sentir, o nosso pensar, o nosso querer, o nosso agir tem a ver com o que a gente expressa, com a nossa comunicação? Então, isto faz parte da dimensão ética. Como organizamos eticamente, essas questões em nossas relações humanas?

A outra dimensão é a estética, é a dimensão do belo, daquilo que nos faz maravilhados, daquilo que nos faz contemplar com tanto prazer a mãe natureza, o canto dos pássaros, o balançar das folhas de uma árvore, sentir o vento, apreciar o mar, a montanha, tantas belezas da natureza. E não apenas isso, também a beleza artística, belezas que são produtos do nosso engenho, a diversidade de artes que somos chamados, não apenas a fruir de maneira passiva, ou seja, ouvindo-a, deliciando uma bela música, apreciando um belo quadro, ou lendo um belo romance, ou uma linda poesia, mas também somos chamados e vocacionados a participar desse universo estético pela produção, pelo exercício das artes. Sobre essa variedade enorme das artes, é preciso que nos demos ao trabalho de tentar tocar, por exemplo, algum instrumento, de termos a ação, dimensão ativa na produção das artes, não só de sua fruição, mas também na produção dessas mesmas artes, inclusive a variedade artesanal, trabalhar com o barro, a madeira, o metal, o tecido, a palha etc. Isso também é um convite sempre forte para trabalhar com o processo de humanização.

Outra dimensão diz respeito à cultura, e no plano da cultura, temos por exemplo, as relações sociais de gênero. Como se dá naquela comunidade, naquele grupo, naquela sociedade, como se dá o atuar de alguém que é homem e de alguém que é mulher? Como é que as relações de gênero são vivenciadas e em proveito de quem, quem ganha e quem perde? É pela dominação? É pela interculturalidade que nos reunimos? Que nos associamos? Como se dão, enfim, as relações de gênero? Ainda nessa dimensão, a gente busca também ver como se dão as relações de quem tem a tendência hetero ou homossexual, como se dá ou não o respeito nessas relações, como se combate toda manifestação homofóbica, nesta direção. Logo, esta é uma dimensão que associamos às demais.

Temos ainda a dimensão relativa à nossa etnia. É muito importante que cada um ou cada uma, numa comunidade, num grupo, ou numa sociedade, se reconhecer originário de um povo, ter uma ligação forte com a negritude ou ainda com outros povos. Então, a dimensão étnica nos faz trabalhar melhor o processo de humanização a partir de nossas especificidades étnicas, de negros e de negras, de descendentes de indígenas, de asiáticos ou de um povo europeu etc. Ou seja, como trabalhamos essa dimensão, é pela dominação de um sobre outros? É pela interculturalidade? É pelo mútuo respeito? É pelo cuidado com a nossa identidade, mas nunca em prejuízo da identidade dos outros? Portanto, essa é a dimensão étnica.

Outra dimensão, refere-se à espacialidade, à nossa procedência geográfica. É muito diferente o comportamento de alguém que nasce na Caatinga com alguém que nasce na área litorânea, que nasce em contato com o mar ou com a mata. Logo, há atitudes, hábitos, costumes e valores diferenciados e que merecem ser desenvolvidos de maneira harmônica, respeitosa, uns completando os outros. Da mesma forma em relação a quem vive na cidade e quem vive no campo, quais são as relações que construímos no processo de humanização? Há diferenças entre quem é nordestino em relação a quem nasce e vive no sul ou no norte do país, ou quem vive em outro país da América Latina ou em outro continente. Todavia, é preciso que tomemos cuidado em saber como lidar de maneira harmoniosa e respeitosa, de forma a prezar essa identidade sem prejuízo à identidade dos outros, a qual merece o nosso respeito.

A dimensão etária ou geracional é o respeito que deve existir nas diversas gerações, lidar com as crianças e adolescentes, saber conviver com os jovens, adultos e idosos. Essa é uma prática importante, pois se acha impregnada pelas relações geracionais, é importante que as gerações se entendam e compreendam suas especificidades, e, a partir delas, que nos relacionemos de modo a ajudar uns aos outros no plano geracional.

Outra dimensão é a dimensão do sagrado, essa energia vital que nos move, essa energia que em algumas religiões é chamada de “Ruah”, a Divina Ruah, é uma energia fontal que alimenta o nosso agir, o nosso querer, o nosso sentir, o nosso pensar e o nosso comunicar. Então, essa energia que diz respeito a como nos relacionamos com o sagrado e que nos ajuda também a nos colocarmos em harmonia com todas as outras dimensões. As relações com o sagrado são como se fossem um cimento que assegura nossa intimidade com as demais dimensões, não há uma separação, não é algo que antes de estar acima de nós, é algo que está dentro de nós e entre nós, e com isso, nos alimentamos nessa direção. Tudo isso diz respeito ao processo de humanização. Essas doze dimensões que fizemos questão de rememorar, entre outras, fazem parte do processo de humanização, embora, às vezes não nos lembremos, pois estamos preocupados e absorvidos pelo trabalho, de tal forma que não temos condições neste momento de pensar na interação fecunda e dinâmica que há do trabalho, do aspecto material da produção com tantos outros aspectos que estão presentes, ainda que inconscientemente, entre nós. Precisamos, na educação popular, colocar e fazer aflorar essas dimensões em suas interrelações dinâmicas.

Nas linhas que seguem, cuidamos inicialmente de resumir as motivações e os objetivos de uma experiência de Educação Popular, tendo como alvo formativo a leitura comunitária e sequenciada do livro acima mencionado. Em seguida, tratamos de destacar tópicos centrais do livro, ressaltando pontos axiais desenvolvidos por algumas dezenas de textos componentes do livro. Por fim, buscamos trazer à tona relevantes ganhos coletivos e pessoais, resultantes do aprendizado desta experiência.

 

Destacando Pontos do livro que julgamos mais relevantes

 

Como já dito, a organização do livro resultou da iniciativa de rememorar várias décadas de elaboração da Teologia e das Teologias da  libertação, do ponto de vista de suas origens, da autocrítica de seu desenvolvimento, bem como de suas perspectivas e desafios. O livro, publicado em dois volumes, tendo o primeiro 361 páginas,  enquanto o segundo volume contém 286, constando de três partes: inicialmente, cuida de trazer a lume suas origens; a segunda parte trata de fazer uma revisão dos escritos desta corrente teológica, enquanto a terceira parte é consagrada a apresentar novas versões decorrentes desta teologia - daí o nome de “teologias da libertação”.

 

Para tanto foram convidados trinta e sete teólogos e teólogas, cientistas da religião e autores e autoras de diferentes campos de saberes, com o propósito de refletirem criticamente o processo de elaboração das teologias latinoamericanas da libertação, processo em que se alternam autores e autoras de diversas gerações, conferindo um sabor inter-geracional especial às diferentes versões e trilhas seguidas pelas teologias da libertação.

 

Não sendo este o espaço adequado para uma resenha mais extensa do livro, de modo a contemplar cada autora/autor, limitamo-nos a mencionar os nomes desses autores e autoras: Edward Guimarães, Emerson Sbardelotti, Marcelo Barros, José Oscar Beozzo, Cláudio de Oliveira Ribeiro, Paulo Agostinho Batista, Carlos Mesters, Francisco Orofino, Matthias Grenzer, Pedro Ribeiro de Oliveira,  Ney de Souza, Silvia Scatena, Solange Maria do Carmo, Francisco Cornélio Freire Rodrigues, Agenor Brighenti, Benedito Ferraro, Élio Gasda, Afonso Murad, Sinivaldo S. Tavares, Francisco Aquino Júnior, Jung Mo Sung, Ivo Lesbaupin (Todas e todos estes figurando no primeiro volume); Ivone Gebara, Tereza Maria Pompéia Cavalcanti, Gildo Aquino Xucuru, João Irineu Potiguara, Cleusa Caldeira, Faustino Teixeira, Roberlei Panasiewicz, Maria Cristina S. Furtado, Cesar Kuzma, Verônica Michelle Gonçalves, Maria Clara Luchetti Bingemer, Leonardo Boff, Rosemary Fernandes da Costa, Eduardo Brasileiro, Étel Teixeira de Jesus, Diego Irarrazaval, Juan José Tamayo, Jon Sobrino, Victor Codina (Todas e todos estes figurando no segundo volume, com exceção dos organizadores).

 

O primeiro volume, após a Introdução tem como primeiro capítulo, um longo e criterioso texto de 72 páginas da lavra do José Oscar Beozzo, historiador e teólogo, com reconhecida experiência no campo especialmente da Igreja Católica, tendo ele inclusive integrado a Equipe de Coordenação da CEHILA (Comisión de la História de la Iglesia Latinoamericana). Pesquisador laborioso, Beozzo empenha-se em  rememorar aspectos fundantes da Teologia da Libertação, cujas raízes se acham fincadas séculos antes, na história da Igreja. De modo mais direto, faz-nos remontar aos tempos do Concílio Vaticano II, convocado (1959), pelo Papa João XXIII, com o propósito de buscar responder pastoralmente aos desafios da modernidade, começando por reconhecer autonomia das “realidades terrestres”, atenta aos “sinais dos tempos” e em postura de diálogo - e não de condenação, como fora o tom dominante do Concílio Vaticano I, realizado no final do século XIX.

 

Beozzo também rememora, de passagem, a força profética com que irrompeu, poucas semanas antes do encerramento do Concílio Vaticano II, o acontecimento mais conhecido como o “Pacto das Catacumbas”, realizado nos arredores de Roma, em 16 de novembro de 1965. Todavia, é sobretudo a partir da II Conferência Episcopal Latinoamericana, realizada em Medellín (Colômbia), em 1968, que ganha especial força profética todo um movimento eclesial de renovação, com rosto latinoamericano, de modo a distinguir-se do pensamento e das doutrinas eurocêntricas acerca do Movimento de Jesus.

 

Seguindo em seu propósito de situar criticamente os difíceis caminhos dos inícios das Teologia da Libertação, José Oscar Beozzo traz à tona diversos embates eclesiais que os Teólogos e Teólogas da Libertação tiveram de enfrentar, a partir do pontificado do Papa João Paulo II e o então Cardeal Josef Ratzinger, à frente da temida Congregação em Defesa da Fé (antigo Santo Ofício), cujo propósito era o de desautorizar a Teologia da Libertação, acusando-a inicialmente de uma tendência ideologizada de se fazer teologia. Dada, porém, a firme resistência dos teólogos da Libertação da época profeticamente apoiados por grande número de bispos latinoamericanos e brasileiros, Roma teve que recuar de sua posição condenatória da TdL chegando mesmo a reconhecê-la como uma teologia “não apenas legítima, mas também útil e necessária”.

 

A despeito desta declaração, restava evidente a má vontade de Roma, de acolher este modo de teologizar, com feição claramente latinoamericana, o que implicou em calorosos embates entre Roma e os principais teólogos da TdL. Outra contribuição rememorada, no artigo de Beozzo, prende-se ao relevante Projeto da CEHILA, de reescrever, a partir do Povo, a História da Igreja Latinoamericana, a partir de sua distribuição em algumas regiões, de modo a comportar as dezenas de países latinoamericanos e do Caribe. De início, chegou-se mesmo a pensar em um Projeto ecumênico de reescrita da História das Igrejas Cristãs, na América Latina e no Caribe, iniciativa que infelizmente não prosperou.

 

Convém, ainda, ressaltar a iniciativa conhecida como “Coleção Teologia e Libertação”, que previa a publicação de mais de 50 livros tematizando os diversos conteúdos trabalhados pela Teologia da Libertação. Desta iniciativa acabaram sendo publicados cerca de 35, por conta da reação de Roma, a pressionar os Bispos latinoamericanos a retirarem seu apoio – eles eram, no começo, em torno de 120, como se pode verificar no início do livro, “Antropologia Cristã”, de José Comblin.  Além desta iniciativa, alguns teólogos ousaram elaborar, em quatro volumes, uma síntese da produção teológica latinoamericana, dentre seus autores constam Jon Sobrino, Ignacio Ellecuria, entre outros. O artigo de Beozzo constitui uma peça preciosa de registros memoriais das origens da teologia da libertação, especialmente de sua versão católica.

 

O segundo capítulo do primeiro volume de “50 Anos de Teologias da Libertação” tem como autores Claudio de Oliveira Ribeiro e Paulo Agostinho Batista. O grande mérito do texto reside nos registros da relevante contribuição de teólogos protestantes à teologia da Libertação, que precedeu a vertente católica, pois surgida ainda nos anos de 1950. De maneira sumária e sóbria, os autores se empenham em trazer à tona apenas os nomes de teólogos protestantes de maior referência, a exemplo de figuras tais como Richard Shaull e Julio de Santa Ana, preferindo destacar a dimensão ecumênica que orientou estes teólogos filiados a diferentes igrejas (Presbiteriana, Batista, Metodista, Luterana, entre outras).

 

Coube a Frei Carlos Mesters e a Francisco Orofino a elaboração do terceiro capítulo, versando sobre a densa contribuição das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), situando-os como espaços eclesiais e sementeiras da elaboração teológica, na perspectiva da libertação.

 

Os capítulos seguintes voltam-se a um espectro diversificado de questões-alvo da(s) Teologia(s) da Libertação, a tematizarem ora sua dimensão teórica metodológica (Pedro Ribeiro de Oliveira, Francisco Aquino Junior e outros), ora dimensionando aspectos linguísticos bíblicos, ora atendo-se a influência do Concílio Vaticano II e das Conferências Episcopais Latino Americanas e Medellin (1968) de Puebla (1979) de Santo Domingo (1992) e de Aparecida (2007) sobre o desenrolar da produção teológica latino-americana. A este respeito, sucedem-se diversos autores e autoras, tanto da primeira geração (como é o caso, por exemplo, de Benedito Ferraro, Faustino Teixeira, Agenor Brighenti, e Jung Mo Sung, Ivo lesbaupin, entre outros), enquanto o segundo volume do livro que é inteiramente dedicado a examinar o surgimento e a vivência atual das novas teologias, traz a lavra de teólogos e teólogas e outros especialistas em diversos campos de saberes, examinando os elementos principais constantes dessas novas teologias. No mesmo segundo volume, comparecem autores e autoras tais como Marcelo Barros, Gildo Gomes, João Irineu Potiguar (versando sobre os elementos característicos da Teologia dos povos originários); Cleusa Caldeira (com sua instigante contribuição à compreensão do “teoquilombismo”, com expressão libertadora do povo afro-americano); Ivone Gebara (problematizando o conceito de “libertação” na perspectiva da Teologia Feminista); Tereza Cavalcanti (examinando o esforço de elaboração latino-americana de novas teologias); Maria Cristina S. Furtado, nos oferece, a partir da sua rica experiência de psicóloga e pedagoga, ela é muito relevante para a compreensão de uma Teologia voltada para a causa homo-afetiva; Verônica Michelle Gonçalves (reflete, de forma poética e instigante, como se dá a Teologia da Libertação, tal como experienciada pelas juventudes).

 

E assim, outros autores e autoras vão completando a lista de colaboradores, que nos propõe o desafio de desbravar outras dimensões examinadas pelas Teologias da Libertação: A Eco-teologia (Leonardo Boff), a Teologia da Libertação em diálogo com a educação popular (Edward Guimarães),  a abertura da TdL, ao campo das artes, ai expressando sua mística especial (Emerson Sbardelotti), a instigante reflexão teológica tecida por Rosemary Fernandes da Costa, e Eduardo Brasileiro acerca do paradigma do Bem Viver, além de outras relevantes figuras históricas, como Jon Sobrino e Victor Codina.

 

Achados coletivos e pessoais desta experiência de Educação Popular

 

Em duas semanas, nosso Grupo completa um ano, desde o início da leitura sequenciada do livro acima referido. Não sendo uma experiência presencial, resulta confortante constatarmos os frutos valiosos que vimos colhendo desta experiência semanal de Educação Popular. Conscientes de que são os encontros presenciais o terreno mais fértil para a Educação Popular, nosso grupo virtual tem muito a comemorar desta experiência formativa, comunitária e sequenciada, os motivos são diversos. Dela participam em torno de quarenta pessoas, de cerca de quinze Estados da Federação, compreendendo todas as regiões do Brasil, com predominância do Nordeste. Trata-se, em geral, de pessoas adultas, na maioria mulheres, com relativa experiência de acompanhamento de atividades pastorais da Igreja Católica. Em parte considerável, trata-se de pessoas “des-igrejadas”, apresentando uma trajetória de participação no CEBI, nas CEBs, nas pastorais sociais, na Catequese, na Liturgia, como também na militância sindical, partidária e popular, algumas das quais ainda seguem participando, mas todas manifestando dificuldades crescentes de convívio nos espaços das Paróquias, das Dioceses, especialmente em razão do acentuado clericalismo aí dominante.

 

A maioria das pessoas participantes desta experiência de Educação Popular manifesta grandes afinidades com a Teologia da Libertação, e, principalmente das diferentes dimensões em que se tem desdobrado a Teologia da Libertação, razão por que é tratada em sua pluralidade (“Teologias da Libertação”).

 

No que toca à metodologia de trabalho, em cada sessão (que dura duas horas) tratamos de fazer a leitura de um capítulo (por vezes, há necessidade de ser concluída na semana seguinte). Construiu-se uma coordenação rotativa de trabalho, em que é uma a pessoa que faz a acolhida, outra coordena o trabalho da noite, ainda outra lembra o tempo disponível para intervenção (3 minutos para cada pessoa, sendo quatro pessoas por bloco após cada tópico da leitura). O grupo escolheu contar com um comentarista mais experiente, que dispõe de uns dez minutos, para dialogar com as pessoas que fazem comentários, perguntas e dúvidas. Graças a esta dinâmica, vem à tona frequentes sugestões e recomendações bibliográficas, vídeos, documentários, que são anotados no chat da reunião e também no whatsapp do grupo “Teologia da Libertação”.

 

O propósito destas linhas é, sobretudo, compartilhar nossos achados, ao vivenciarmos, já há 1 ano, esta experiência de Educação Popular. Um primeiro achado tem a ver com o conhecimento de novas pessoas, espalhadas por diversos estados e regiões do Brasil, o que permite a formação de laços afetivos que nos animam a manter ainda mais atrativo nosso estudo semanal. Importa, também, sublinhar a oportunidade de aprofundamento de diferentes temas suscitados por vários autores e autoras dos capítulos do livro, em especial o repertório temático trabalhado pelas diversas vertentes das teologias da libertação: a teologia planetária, o feminismo, as teologias dos povos originários, as diversas teologias da negritude, a teologia queer, a teologia das juventudes, as diversas espiritualidades, inclusive a do “bem-viver”.

 

Dados os perfis das pessoas participantes, um achado relevante, tem sido o do compartilhamento de relatos de experiências vivenciadas, o que nos tem permitido conferir percepções de diferenças complementares, seja no plano teológico-pastoral, seja no agir político, seja ainda no plano intersubjetivo. Um aprendizado que contribui, inclusive, para qualificar nossa atuação de militantes, cada qual em seu campo específico. Trata-se de uma experiência formativa que nos tem ajudado a perceber melhor a relevância da formação de formadores e formadoras, na perspectiva da Educação Popular assumida de modo permanente, tanto na dimensão coletiva, quanto na dimensão pessoal, e em busca de seguimento do Movimento de Jesus.

 

Outro achado relevante tem a ver com o desenvolvimento da qualidade de nossa leitura de mundo colada ao nosso agir militante, no chão do cotidiano.

 

Considerações sinóticas

 

Refletimos, nas linhas precedentes, de que modo uma experiência de leitura comunitária e sequenciada de um livro tem sido capaz de sacudir nossa percepção, graças ao potencial crítico-transformador da Educação Popular, por força de sua carga teórico-metodológica, caracterizada por alguns traços:

-      A percepção dialética, com que lemos o livro, percorrendo capítulo por capítulo, em forma sequenciada, exercitando um olhar crítico, após um ou dois tópicos de cada artigo;

-      Empenhando-nos em um aprendizado contínuo recolhendo relevantes achados em cada um, ao mesmo tempo em que sendo capazes também de enxergar lacunas, omissões e inacabamento, próprias de todo projeto humano;

-      Demo-nos conta, por exemplo, de que parte significativa dos autores e autoras do livro, ao nos proporcionarem preciosos achados, tendem a situar as origens da Teologia da Libertação, a partir especialmente dos anos 1970, especialmente desde a publicação do livro “Teologia da Libertação: perspectivas” de autoria de Gustavo Gutiérrez, teólogo seminal, enquanto pareceram omissos no que tange a contribuição de teólogos protestantes, pelo menos desde os anos 1950 (Richard Shaull, Rubem Alves, Júlio de Santa Ana, Waldo Cesar, Joaquim Beato, João Dias Araújo, para citar apenas alguns);

-      Não é por acaso, que tomamos a decisão de, tão logo terminarmos de ler o primeiro e o segundo volumes do livro, daremos prosseguimento à nossa experiência formativa, revisitando estes teólogos, a começar por Richard Shaull (“Cristianismo e Revolução Social”), passando também pelo estudo dos materiais concernentes à “Conferência do Nordeste”, Recife, 22-29 de julho de 1962, além de escritos de Júlio de Santa Ana e outros.

-      Como já assinalado, de passagem, por Faustino Teixeira, especialmente os autores e autoras da primeira geração da TdL se mostram marcados por uma inspiração eclesiocêntrica donde o especial apego às fontes do Magistério da Igreja;

-      Salvo exceções, os textos se mostram reticentes ou mesmo resistentes ao reconhecimento da contribuição do Marxismo às Teologias da Libertação, donde talvez a ausência de maior apreço à nomes tais como Hugo Assmann, Enrique Dussel, Giuglio Girardi, Franz Himkelammert, Pablo Richard, Frei Betto, e ainda sem uma referência a outros nomes relevantes, no labor teológico da libertação, a exemplo de José Comblin, Ignacio Ellacuria, José Vigil, Eduardo Hoornaert, Manfredo Araújo de Oliveira, Elsa Tamez, Lusmarina Campos Garcia , Nancy Cardoso, Sebastião Armando Gameleira, entre outras referências. Nenhuma ressalva, porém desvanece a excelência das contribuições recolhidas, com imenso apreço e gratidão aos seus autores e autoras, e aos organizadores do livro.

 

 

João Pessoa, 04 de agosto de 2024. 



[i] Texto produzido em áudio, e digitado por Heloise Calado Bandeira, Gabriel Luar Calado Bandeira, Marcio Aurélio e Eraldo Leme Batista, a quem o autor expressa sua gratidão.

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