quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Por uma Universidade Indígena: condições e fundamentos político-pedagógicos

 Por uma Universidade Indígena: condições e fundamentos político-pedagógicos


Alder Júlio Ferreira Calado


Ontem como hoje, na Antiguidade ou principalmente na Idade Moderna, sob

quaisquer de suas formas – militar, econômica, política, cultural, religiosa,

que sempre operam dinamicamente entrelaçadas -, o Colonialismo se tem

manifestado como uma pandemia desumanizante, em relação às terras e às

gentes dos vários continentes. No caso do Brasil, desde inícios do século

XVI, nossos povos originários que aqui viviam desde milênios, se viram

invadidos bruscamente pelos europeus (no caso, pelo Reino de Portugal, em

aliança com o Papado). O que já vinha acontecendo no Caribe e em outras

partes do continente americano, a exemplo da Ilha caribenha de Hispaniola,

a atual República Dominicana, foi se expandindo por todo o continente,

inclusive no Brasil.

Dotados de grande poderio militar, os colonizadores europeus passaram não

apenas a se apropriar pela força das riquezas dos povos originários, como a

escravizá-los, cometendo toda sorte de violência, inclusive sob a bandeira

da fé cristã... O mesmo fizeram, algumas décadas depois – e de modo ainda

mais grave e duradouro – com os africanos escravizados.

Não bastasse a violência cruel da invasão – a que deram o nome de

“descobrimento” -, empenharam-se em cumprir seu projeto colonialista,

apropriando-se das terras, do subsolo, das florestas e demais riquezas

desses povos. Pelos séculos adiante, trataram de pilhar nossa

biodiversidade, nossa madeira, nossos minerais, os recursos privilegiados de

nossas terras sobretudo as férteis, transferindo-as para seu poder e de

seus aliados europeus. Eis que, há cinco séculos, nossas gentes originárias e

afro-brasileiras seguem amargando tão abominável pilhagem.

Do ponto de vista político, a despeito da heroica resistência testemunhada

secularmente pelos povos indígenas e afrodescendentes, a pandemia

colonialista implicou a desorganização social e política desses povos, à

medida que os colonizadores subjugaram ao seu poder político-institucional,

ignorando e negando seus direitos mais elementares de cidadania. Situação

que vem perdurando ou mesmo se agravando até ao presente. O atual

Congresso constitui uma prova evidente deste processo, inclusive por meio

da negativa do direito à demarcação de suas terras e territórios. Importa


sublinhar que igual ou pior tratamento tem sido dispensado pelos

colonizadores de ontem e de hoje ao povo negro.

Tanto os povos originários quanto as comunidades quilombolas e tradicionais

também constituem um alvo permanente do processo de desfiguração e de

apagamento de sua cultura, de seus valores, de suas crenças. Também hoje,

graças à sofisticação dos diversos aparelhos de Estado – principalmente a

mídia hegemônica e as redes digitais da extrema Direita -, nossos povos

originários e afrodescendentes seguem submetidos duramente à ditadura

do Mercado (suas transnacionais, que atuam nas mais diversas áreas da

realidade social: na Economia, na Política, na Cultura, na Comunicação, na

Educação, na Religião...), consolidada pelas políticas do Estado,

eventualmente aliviadas por governos progressistas.

Neste sentido, o exercício da memória histórica constitui um passo decisivo

a ser ininterruptamente mantido pelas classes populares, recorrendo a

grandes referências de historiadores, sociólogos, economistas, educadores

e outros relevantes campos de saberes, por meio dos quais somos

convidados a fazer uma constante leitura de mundo, na perspectiva de

reescrevê-lo. Para este horizonte apontam reconhecidas figuras, tais como

Paulo Freire, Florestan Fernandes, Clóvis Moura, Ruy Mauro Marini, Darcy

Ribeiro, entre outras.

Cumpre ainda ressaltar como um dos fatores relevantes para a manutenção

e agravamento deste estado de coisas o papel altamente nocivo da

ideologização da religião e das crenças, especialmente na atual conjuntura,

em particular no caso das igrejas pós-pentecostais e da extrema direita

católica. Figuras como Edir Macedo, Silas Malafaia, Pe. Paulo Ricardo, entre

outros, com seus aparatos de comunicação de rádio, televisão e rede

digitais, têm produzido estragos ao devido respeito à diversidade,

interferindo, inclusive na esfera política do país, haja vista o que sucede na

atual campanha eleitoral de São Paulo. Cenário tanto mais lamentável quando

se compara a conjuntura nas décadas entre 1950 e 1980, de enorme

ebulição social dos movimentos populares e de expressivos setores das

igrejas cristãs, ao impulsionarem movimentos de mudança de sociedade.

Importa doravante cuidar mais diretamente do campo educacional,

sobretudo pela viabilidade ou não da criação de uma Universidade Indígena.

No atual contexto da sociedade brasileira, faz sentido empenhar-nos na

criação de Universidade Indígena? Os jovens indígenas já não se acham

contemplados com as atuais políticas educacionais voltadas para os povos


indígenas? Em caso de viabilidade, em que condições e sobre que alicerces

se justifica abraçar a causa da criação de uma Universidade Indígena?

Feito este breve introito de contextualização, passaremos, a seguir, a

esboçar algumas condicionantes e fundamentos em busca da construção de

uma Universidade Indígena, que já se acha em discussão, desde seus

protagonistas, a exemplo do que vem sucedendo junto aos/às participantes

do XI Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (XI ENEE), que no último

18 de setembro, participaram também de uma audiência pública, no Senado

(cf. fala do Senador Bene Camacho – PSD/MA – no link: Debate no Senado

aborda a criação da primeira universidade indígena no Brasil (youtube.com)).

Condições e fundamentos da criação de uma Universidade Indígena

Mesmo sabendo dos riscos, para os povos originários, de se aventurarem por

caminhos que lhes são pouco familiares ou até hostis, constatamos sinais

crescentes em diversos de seus segmentos de certa aposta ou investimento

em disporem de uma Universidade Indígena. Qualquer que seja sua escolha,

consideramos legítimo o seu intento de disporem de um Centro de produção

de saberes, de sabores e de sabedoria de seus ancestrais, de suas riquezas,

da extraordinária biodiversidade em que se acham mergulhados. Tendo ou

não o perfil de Universidade – algo a merecer maior debate, pelo menos

quanto ao sentido convencional atribuído a esta instituição -, não há dúvida

de que, a exemplo de outros povos tradicionais, os povos originários têm o

direito de dispor de um organismo próprio destinado a produzir sua própria

memória histórica, bem como os saberes de seus ancestrais, da imensa

variedade de riquezas e bens naturais, atinentes a uma enorme

multiplicidade de dimensões – relações com o Sagrado, econômicas,

políticas, culturais, educacionais, nas áreas científicas da saúde e de um

amplo e profundo espectro da natureza, de educação, de comunicação, entre

outras.

Por outro lado, um tal Projeto não deve ignorar uma multiplicidade de óbices

ao seu cumprimento, quando trazemos a lume diversos aspectos históricos

que vêm acompanhando secularmente a experiência político-pedagógica

apresentada pela Universidade, desde o século XII. Como se sabe, as

Universidades têm raízes ocidentais, tendo sido criadas para atenderem os

setores privilegiados dessas sociedades. Ontem como hoje, a Universidade

segue sendo, ainda que em uma correlação de forças desfavorável um campo

de disputa, a ser enfrentado pelas classes populares. Não se trata,


portanto, de algo a ser necessariamente evitado ou desconsiderado, desde

que se tenham claros os seus limites.

Criar uma Universidade Indígena, em uma perspectiva fiel aos valores

destes povos, requer ter sempre claros os limites, as condições e os

fundamentos sobre os quais tal edifício deve ser erigido. Um eventual

projeto de Universidade Indígena, caso seja realizado nas mesmas

condições que regem as atuais Universidades estatais (Federais, Estaduais,

Municipais...) implica seguir as mesmas regras que as definem. Em que condições,

então, erigir uma Universidade Indígena? Tratemos, a seguir, de esboçar

algumas dessas condições.

Uma primeira diz respeito à autonomia financeira, de gestão, de definição

de protagonistas, de planejamento, de execução (desde os componentes

curriculares às formas de organização e gestão, avaliação, participação da

comunidade envolvente). Já aqui, há de se perguntar, primeiro, diante das

exigências e requisitos gerais, cobrados em toda Universidade, prosperará

um projeto desse tipo, quanto aos fundamentos e princípios que inspiram os

povos originários e tradicionais, ou se se trataria apenas de uma mera

adaptação ao projeto já existente? Neste último caso, não seria mais

recomendável investir, em vez de em uma Universidade, em um Centro de

produção e de compartilhamento de saberes dos povos originários?

Dentro do item “autonomia”, acha-se listada uma série de outras dimensões.

Cada uma delas comporta igualmente a mesma pergunta. Por exemplo,

como pretender-se autonomia financeira diferente da que gozam outras

Universidades? Mais: como assegurar o cumprimento das dimensões:

- Como assegurar a aspiração à definição dos componentes curriculares

aplicáveis apenas à Universidade Indígena, sem tomar em consideração

normas curriculares do sistema de ensino superior?

- Como garantir uma gestão ampla e geral de todos os itens relativos à

Universidade Indígena, descumprindo-se as normas vigentes para as demais

Universidades?

- Talvez de todas essas dimensões, a mais improvável de se cumprir, seja a

relativa à dimensão financeira. Como garantir autonomia financeira relativa

apenas à Universidade Indígena, de modo a distinguir-se claramente do que

Sucesso às demais Universidades?


Como se percebe, estamos de um dilema: de um lado, resta nítido o direito

dos povos originários e tradicionais à reparação de uma imensa dívida

acumulada, ao longo dos séculos; por outro lado, dadas inclusive as atuais

condições e correlação de forças em vigência, como tornar factível tal

Projeto? Mesmo assim, vale a pena seguirmos tentando, de um modo ou de

outro.


João Pessoa, 26/09/2024


quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Natureza responde a insânia humana: Catastróficos eventos proliferam


 Natureza responde a insânia humana:

Catastróficos eventos proliferam


Alder Júlio Ferreira Calado 


E as secas devastam nossa terra 

Alternando com enchentes deletérias


Neofascista põem fogo em nossas matas

Acusando o Governo pelos crimes 


Com honrosas exceções, sempre mais raras

Debater eleições vira problema


Em São Paulo, o problema é bem maior:

P. Marçal arrebata as atenções…


Só o Bolos representa o povo pobre 

Com a Tábata, salva a honra dos debates 

  

Um escândalo é o Fundo Partidário

E a este se soma o Eleitoral 


Eles, juntos, superam 8 bilhões 

E as emendas sextuplicam este valor 


Maioria escolheu o Presidente 

Mas congresso usurpa sua função 


O programa vitorioso na eleição 

O Congresso o sujeita a seus caprichos 


E, mais grave, torna autônomo Banco Central

Submetendo o Governo a burguesia 


Ao rentismo interessa aumentar juros 

Cada ponto de aumento: 50 bi… 


Eleições cada vez decidem menos

A não ser para agravar situação 


Neofascistas enxovalham os debates  

TSE e a mídia fecham os olhos


Candidatos fascistas não debatem: 

Se limitam a xingar e fazer “cortes” 


P. Marçal representa o pior

Da extrema-Direita no Brasil


De igual substância é Bolsonaro

Juntamente a Tarcísio e companhia 


Tenebrosa, a Direita sempre o foi 

Carne e unha formando um todo único


O Congresso a encarna fielmente

Glauber Braga é seu alvo predileto


Desafeto de Lira, é perseguido:

O Conselho de Ética quer cassá-lo 


Candidatos fascistas disseminam

A barbárie nas redes digitais 


E a mídia hegemônica a reforça 

Ecoando sua voz, em seus espaços 


Só de baixo, a saída brotará

Movimentos sociais entrando em cena


Das mulheres, Indígenas, Quilombolas

Camponeses, Operários e Estudantes


Nos alegram notícias que tivemos 

Do recente congresso do MCP


Genocidio, em breve, completa um ano

Os horrores em Gaza continuam 


Israel segue impune, com seus crimes 

Com o suporte contínuo do Império 


Com a ajuda do ocidente, Israel 

Novo tipo de terror produz no Líbano:


Explodindo aparelhos, matando gente

E machuca milhares, lá no Líbano 


Sionismo expande o seu terror

Sob o cúmplice olhar do Ocidente 


19 de Setembro e cada dia,

Paulo Freire nos instiga à rebeldia


De ir forjando desde baixo um novo mundo 

Lendo o mundo e ousando reescrevê-lo



João Pessoa, 18 de Setembro 2024


 



  


sábado, 14 de setembro de 2024

Papa Francisco ensaia passos rumo à Trans-Ocidentalização do Movimento de Jesus

Papa Francisco ensaia passos rumo à Trans-Ocidentalização do Movimento de Jesus

 

Alder Júlio Ferreira Calado

Nesta manhã de sábado, 14/09, chegou de volta ao Vaticano, o Papa Francisco, de sua frutuosa visita às terras e gentes do Sudeste da Ásia (Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor Leste e Singapura). Tendo-nos esforçado por acompanhar os passos de Francisco, cuidamos, nas linhas que seguem, de esboçar um primeiro balanço desta viagem, interpretando-a sobretudo com um auspicioso sinal de lançar e consolidar, em terras e gentes do extremo Oriente, sementes e cultivo da Tradição de Jesus, como alternativa à grave crise de valores cristãos observáveis no mundo Ocidental.

Após uma viagem aérea de cerca de 14 horas, o Papa Francisco desembarcou nesta terça-feira, dia 03/09, em Jacarta, na Indonésia, no Sudeste da Ásia, para mais uma visita apostólica - a 45ª -, a ser vivenciada junto a povos de quatro Países: Indonésia, Papua-Nova Guiné (Oceania), Timor Leste e Singapura. O que move um Papa, perto de completar 88 anos, com saúde debilitada e em cadeira de rodas, a dispor-se a fazer sua 45ª viagem apostólica - a mais longa de todas, tendo que percorrer, durante 14 dias, cerca de 36.000Km? Pergunta tanto mais oportuna, quanto nos sentimos decepcionados com numerosos e graves contra testemunhos de parcelas significativas das Igrejas Cristãs, inclusive a Igreja Católica, a protagonizarem múltiplas cenas de escândalos clericais e financeiros, seguidos por um número de leigos e leigas, cujas práticas se distanciam dos valores nucleares do Evangelho.

Por outro lado, ao rememorarmos a Tradição de Jesus, desde suas origens e atravessando séculos, percebemos sinais convincentes capazes de responder às nossas inquietações. Verificamos, então, que o Movimento de Jesus não é linear, do ponto de vista dos que se confessam cristãos, até porque Jesus, ao inaugurar, ao anunciar e ao testemunhar a presença dos sinais do Reino de Deus entre nós, propõe desafios e caminhos de enfrentamento nada fáceis.

Lembremo-nos, por exemplo, do episódio do jovem rico, a perguntar-lhe o que devia fazer para entrar no Reino dos Céus, ouviu de Jesus que só lhe faltava uma coisa: compartilhar seus bens com os pobres, assim dispondo-se a segui-lo. E o jovem não topou esta condição (cf. Mt 19, 16-30). A Tradição de Jesus é testemunhada, ontem como hoje, por aqueles e aquelas que ousam caminhar à contracorrente do sistema de morte que infesta nossa atualidade.

Junto a esses 4 povos do Sudeste Asiático, estando um deles situado na Oceania, o Papa Francisco segue em busca de construir pontes interculturais, a lançar sementes de unidade dentro da diversidade, tendo como propósito missionário exercitar o diálogo, à procura da paz, da unidade e da colaboração fraterna entre os povos, por um lado; ao mesmo tempo, enquanto autoridade da Igreja Católica, Francisco busca confirmar seus irmãos e irmãs na fé, na unidade dentro da diversidade multicultural. 

Na terça-feira passada, chega o Papa a Jacarta, capital da Indonésia, um dos mais populosos País do mundo, abrigando em torno de 280 milhões de habitantes, distribuídos por milhares de ilhas - a Indonésia é o maior arquipélago do mundo, composto de mais de 17.500 ilhas, das quais cerca de 6 mil são habitadas. A Indonésia caracteriza-se por uma ampla biodiversidade, bem como por uma forte variedade cultural, linguística e religiosa. No âmbito religioso, por exemplo, aí convivem fieis pertencentes a mais de cinco religiões (Islamismo, Budismo, Hinduísmo, Confucionismo, Cristianismo, além de outras expressões de fé). A população católica representa apenas cerca de (3,12%), enquanto a população Protestante: (7,6%).

 

Visita apostólica à Indonésia

O papa Francisco, ao pisar em solo indonésio, teve calorosa acolhida das autoridades civis, bem como de autoridades da Igreja Católica local, tendo ouvido suas palavras de boas-vindas, e agradecido.

No dia seguinte, quarta-feira, dá sequência ao seu trabalho, comparecendo ao encontro, na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, com os Bispos Católicos - a Indonésia conta com 37 Dioceses, animadas pela Conferência Episcopal da Indonésia -, bem como com os Padre, as Religiosas e Religiosos, os\as Catequistas e os Seminaristas. De representantes de cada um destes segmentos ouviu atentamente uma palavra de saudação, de boas-vindas, de agradecimento e de breves relatos dos desafios enfrentados, assim como de como buscavam enfrentar e superar aqueles desafios. Faziam menção especialmente a rica diversidade do país - seus inúmeros grupos culturais, étnicos, linguísticos, religiosos, bem como sua bela e extraordinária biodiversidade.

Ainda, destes mesmos representantes da Igreja Católica, o Papa Francisco ouviu testemunhos comoventes sobre os trabalhos missionários ali realizados. Em seguida, o Papa Francisco, sempre recorrendo a imagens e alegorias naturais e culturais daquele arquipélago e de suas gentes empenhou-se em costurar um discurso de reconhecimento e de animação a cada um daqueles segmentos, de modo a enfatizar pistas de diálogo intercultural de respeito e de amizade com os diferentes grupos étnicos, culturais e religiosos daquele país. Ao mesmo tempo sempre insistindo no lema de sua visita apostólica - Paz, Unidade e Fraternidade entre os povos -, a todos advertia do risco de se cair na tentação do proselitismo, buscando lançar sementes de amizade social e de convivência fraterna, em busca da construção de um mundo de justiça e de paz, de zelo a nossa Casa Comum, o que exige de nós um permanente combate à cultura de dominação, a cultura de descarte e de morte tão presente em nosso mundo. Não é por acaso, a este respeito, que Francisco adverte a todos contra as investidas do Maligno, ao repetir que este idolatra o dinheiro - “É pelo bolso que o Diabo entra!”

Em seu último dia em território indonésio presidiu à celebração da missa, com participação massiva, em cuja homilia - baseada em Lc 5, 1-7, onde vem narrado o episódio da pesca milagrosa, em que Pedro, mesmo advertindo a Jesus de que eles haviam passado toda noite a pescar, sem resultado, atende ao pedido de Jesus: “confiante na tua palavra, lançarei a rede” - tratou de animar a todos, no fortalecimento da fé e da esperança.


Visita apostólica a Papua-Nova Guiné

Na sexta-feira, 06/09, o papa Francisco desembarca na capital de Port Moresby. Papua-Nova Guiné situa-se na Oceania, em uma área de pouco mais de 460.000 km², abrigando uma população estimada em cerca de 10 milhões de habitantes, distribuídos em centenas de ilhas, comportando uma enorme variedade de grupos étnicos e de cerca de 800 línguas diferentes, detalhe interpretado pelo Papa Francisco, em um de seus discursos, como um desafio até para a ação do Espírito Santo.

A exemplo do que soi acontecer em suas visitas apostólicas, o Papa Francisco tem sua agenda voltada para diferentes segmentos da população visitada: não se limita apenas ao público católico, mas vai ao encontro da diversidade de grupos, incluindo autoridades civis e religiosas, além de representantes de outras religiões.

Já no sábado, 07/09, o Papa Francisco vai ao encontro de autoridades civis e, em seguida, ao encontro com crianças com deficiências, cuidadas por Religiosas, em um instituto especializado, bem como com crianças de rua, de quem ouve sua indagações referentes ao porquê de tanto sofrimento que enfrentam. Em resposta, o Papa Francisco cuida de ajudá-las a entender as dificuldades e os limites enfrentados pelos humanos, o que se torna mais fácil pela fé na Providência do coração materno de Deus e pela confiança na vida comunitária.

No dia seguinte foi a vez do Papa encontrar-se na Catedral de Nossa Senhora Auxiliadora com os Bispos e Padres, os Diáconos, as Consagradas e Consagrados, com os/as Catequistas, para ouvir seus testemunhos, de acordo com os desafios enfrentados por cada segmento. Encontro entremeado de cantos e zelosamente preparados e executados pelos grupos locais. O último encontro do Papa se deu com a celebração eucarística, com ampla participação da população local.

Importa assinalar, quanto a isto e a outras vistas, o contínuo do Papa Francisco em destacar em expressar seu fascínio pela beleza e pela rica biodiversidade da região sempre fazendo questão de exortar a todos sobre o destino universal dos bens comuns, lembrando a necessidade de uma justa distribuição desses bens.       


Visita apostólica a Timor Leste 

O Timor Leste, com quanto tenha sido alvo de colonizadores ocidentais (os portugueses) desde o século XVI, constitui a porção oriental da Ilha do Timor, cuja porção ocidental pertence à Indonésia. Uma primeira tentativa de lograr sua independência ocorreu em 1975, mas ainda vivia sob o controle da Indonésia, mas sua independência política só se completou em 2002, em consequência de um referendo realizado pouco tempo antes. O Timor Leste possui uma área de 14.882 km2 abrigando uma população de cerca de 1.451 milhão de habitantes, cuja imensa maioria professa o Catolicismo. Suas principais línguas são o Tétum e o Portugues. Aí a Igreja Católica se acha organizada em três dioceses: a de Díli (capital do Timor Leste), Baucau e Maliana. 

Tendo chegado a Dili, na Segunda-feira, 09/09 já na Terça-feira, o Papa Francisco vai ao encontro de crianças com deficiência, cuidadas por Religiosas no instituto Irmã Alma, enquanto a tarde, na catedral Imaculada Conceição, vai ouvir e conversar com diversos segmentos da Igreja Católica: Bispos, Padres, Religiosas e Religiosos, Catequistas e Seminaristas. Estima-se que, dentro da Catedral Nossa Senhora da Conceição, compareceram em torno de 600 pessoas, enquanto fora do templo, acompanhavam mais de mil pessoas, o que expressa bem a relevância da presença Missionária do Papa Francisco em meio aquelas agente, ao mesmo tempo em que também expressa a notável adesão da multidão à Igreja Católica Romana (em torno de 95%).


Neste encontro o Papa Francisco, antes de sua fala, cuidou de ouvir atentamente relatos e testemunhos de representantes daqueles segmentos. De modo denso e sucinto, o atual presidente da Conferência Episcopal do Timor Leste, Dom Norberto do Amaral, agradecendo ao Papa, sublinhou a condição de periferia daquela região, associando ao que o Papa Francisco dissera por ocasião de sua eleição, ao destacar que seus colegas cardeais haviam escolhido para Papa alguém vindo do “fim do mundo”. 

A seguir, algumas Religiosas, entre as quais, a Irmã Rosa, foram escolhidas para relatarem aspectos mais fortes dos trabalhos aí realizados pelas Religiosas.

Visita apostólica a Singapura

A última etapa cumprida pelo Papa Francisco, em sua 45ª visita apostólica, se deu na terra e junto ao povo de Singapura, que possui uma área de 719 km2 ( menor do que o Estado do Mato Grosso), com uma população em torno de 6 milhões de habitantes. Singapura também comporta uma considerável diversidade de religiões - o Budismo, o Critianismo, Islamismo, o Taoismo e o Hinduísmo. Os Católicos representam em torno de 10%. Do ponto de vista econômico, Singapura é o país Asiático que apresenta o maior IDH (0,925), superior inclusive ao do Japão. 

De modo semelhante ao que fez em outros países, também em Cingapura o Papa Francisco foi ao encontro, não apenas dos Católicos, como de outros grupos culturais e religiosos, sempre empenhado em dialogar e promover o diálogo e cooperação entre os povos, fiel ao objetivo de sua visita: Promover a unidade e despertar a esperança entre os diversos segmentos daquela população.


Neste sentido, cuidou de dialogar com autoridades civis e do corpo diplomático, bem como com os idosos e os jovens, além de haver-se encontrado com o público católico, especialmente por ocasião da celebração eucarística. Destes encontros com diversos públicos, aqui destacamos seu encontro com os jovens especialmente aqueles empenhados em promover o diálogo inter-religioso.

Com elas e eles, o Papa Francisco ousou desencadear uma conversa espontânea e instigante. Ele, que havia trazido um discurso preparado, tratou primeiro de escutar atentamente as inquietações compartilhadas pelos jovens engajados na promoção do diálogo inter-religioso, bem como de ouvir e responder a seus questionamentos. Trata-se de jovens representantes de diferentes credos. A cada um deles o Papa Francisco dirigiu uma palavra de encorajamento de esperança, tendo ressaltado a importância da crítica construtiva e da autocrítica, advertido-os do risco da tentação de pretender-se proprietários da “Verdadeira Religião”, incentivando-os a trabalharem juntos, por meio do diálogo, em prol da amizade social e da paz mundial. 

Ensinamentos a extrair desta 45ª visita apostólica do Papa Francisco

Em um contexto histórico de assombrosos dilemas - profunda e crescente crise climática, ascensão da extrema-direita no mundo, recuo dos movimentos populares, regressão das Igrejas Cristãs e poucos sinais de resistência e de enfrentamento às desigualdades sociais extremas, entre outros -, a iniciativa de peregrinação do Papa Francisco pelas terras e gentes do extremo Oriente nos vem como um bálsamo de esperança, cujo sinais tratamos aqui de ressaltar. Antes, porém, de fazê-lo, reconhecemos os limites institucionais que cercam o alcance das ações de um papa, rodeado que se acha de reações e de obstáculos, por parte das forças reacionárias, dentro e fora da Igreja Católica. 

A 45ª visita apostólica que o Papa Francisco acaba de fazer a quatro países do Sudeste da Ásia - Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor Leste e Singapura -, em circunstâncias desfavoráveis, inclusive quanto às suas condições físicas, nos injeta esperança, à medida que:

- Sinaliza a necessidade e urgência de entendermos que a Boa Nova do Reino de Deus precisa ser espalhada e consolidada principalmente entre as gentes da periferia do mundo;

- Os sinais de declínio do Ocidente, quer do ponto de vista ético, socioambiental, econômico, político e cultural de extrema concentração de riquezas em mãos de pouquíssimos grupos econômicos, do que resultam crescentes desigualdade sociais, só confirmam a urgência do fortalecimento dos valores do Movimento de Jesus;

No início deste texto, perguntamo-nos que motivos teria o Papa Francisco, já com saúde debilitada, prestes a completar 88 anos, movendo-se com ajuda de cadeira de rodas, de dispor-se, pela 45ª vez, em onze anos de pontificado, a fazer uma viagem de 12 dias ao Sudeste da Ásia e à Oceania? Isto nos remete à própria marca missionária e profética que Francisco vem imprimindo em seu munus petrinum, desde 2013. Este sentimento resulta reforçado por outra figura profética, o teólogo José Comblin, que em seu livro-testamento “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus” (São Paulo, Paulus, 2023), ousou prever a tendência do movimento de Jesus, de consolidar-se cada vez mais entre as terras e as gentes do Oriente, chegando mesmo a recomendar aos missionários e missionárias de hoje a irem aprendendo o mandarim...

Com Francisco e José Comblin, entre outros e outras, cresce o sentimento de uma tendência histórica de esvaziamento ou de redução da importância da Tradição de Jesus, nos limites do Ocidente eurocêntrico. Há sinais crescentes, em diversos grupos cristãos “heterodoxos” (da Igreja Católica Romana e de outras igrejas cristãs), de que a chamada civilização “ocidental-cristã” se acha em franco declínio. O eurocentrismo perde força, já não reúne as mesmas condições de hegemonia que teve, ao longo de séculos de Cristandade. Por graças à ação da Divina Ruah, cresce entre os povos oprimidos do Sul global a convicção da necessidade e urgência de um forte movimento de refontalização, de busca das origens do Movimento de Jesus, do qual as estruturas eclesiásticas, hegemônicas sobretudo desde a Era Constantina (século IV) se distanciaram crescentemente, ao longo desses séculos, cujos frutos são cada dia mais perceptíveis e amargados: extrema concentração de poder, de riquezas, de renda, em escala crescente e em âmbito mundial, a excluir e penalizar, cada vez mais crescentes maiorias de povos e nações submetidos à fome, à miséria, aos efeitos de epidemias cada vez mais intensas, aos efeitos dos fenômenos ambientais extremos provocados pela sanha destrutiva do modo de produção capitalista.

Ao final de sua quadragésima quinta visita apostólica, já em pleno vôo de retorno ao Vaticano, o Papa Francisco concedeu entrevista aos jornalistas - mulheres e homens - que fizeram a cobertura destas visitas. Sobre cada país surgiram perguntas acerca das impressões mais impactantes sentidas pelo Papa, em cada país visitado. Sobre a Indonésia, ressaltou a boa acolhida que lhe fora dispensada. Expressou seu profundo encanto pelas belezas da terra e da gente de Papua - Nova Guiné. Perguntado sobre o significado da alegoria dos crocodilos, ele afirmou tratar-se de um apelo àquela gente para estar atenta contra forças do passado e do presente que, se apresentam como parceiras, mas agem com os olhos grandes voltados para as riquezas do país. Sobre o Timor Leste, destacou a presença maciça das crianças, bem como o engajamento de tanta gente na animação e na evangelização. De Singapura, ressaltou a animação dos jovens, ao mesmo tempo em que se mostrou preocupado da situação dos migrantes naquele país.

Em uma palavra, nosso grande aprendizado se baseia no propósito de fortalecimento da presença do Evangelho nas terras e nas gentes do Oriente, junto a quem se acende cada vez mais a esperança nos frutos semeados em resposta aos crescentes sinais de decomposição dos valores evangélicos em contextos eurocêntricos.

João Pessoa, 14 de setembro de 2024.