sábado, 30 de agosto de 2025

Uma Educadora Popular Paraíbana: Breves Notas Sobre Aspectos Da Trajetória De Vida De Maria Salete Van Der Poel

 Uma Educadora Popular Paraíbana: Breves Notas Sobre Aspectos Da Trajetória De Vida De Maria Salete Van Der Poel

 

Alder Júlio Ferreira Calado 

 

Nosso amigo comum Luiz Gonzaga Gonçalves e eu temos sido, reiteradas vezes, convidados pela Educadora Popular Maria Salete Van der Poel, a exercitarmos uma interlocução sobre seus recentes escritos - livros e outros textos. Desta feita, propôs-nos tecer considerações a propósito da sua autobiografia, ainda em construção. Também de minha parte, acolhi, com alegria, seu instigante convite. 

 

Desde meu ingresso, por concurso público, para a UFPB, em João Pessoa, mais precisamente para o Departamento de Metodologia da Educação, no Centro de Educação, em 1992, travei conhecimento com Salete e com Cornelis, seu marido, tendo eu tido a oportunidade de substituí-la na disciplina Prática de Ensino de Sociologia da Educação. Ainda na primeira metade dos anos 90, tive a honra de prefaciar um de seus livros (escrito em co-autoria com Cornelis). Seguiram-se os contatos ainda que já não mais em função de atividades profissionais. Acompanhei a crescente inserção do casal recém aposentado (Cornelis havia trabalhado no Departamento de Ciências Sociais, no CCHLA/UFPB, tendo exercido inclusive a Coordenação do PPGSCS, do qual foi fundador, com relevante contribuição, conforme atestam as Atas daquele Programa de Pós-Graduação. 

 

A essa altura, Salete havia feito um longo percurso como educadora popular, pelo menos desde sua iniciativa de fundar, em Campina Grande, um Instituto de Educação voltado para o Ensino Fundamental, quando ainda não havia concluído o Curso de Magistério. Daí por diante, prosperou no campo da Educação, especialmente voltada para as séries iniciais do Ensino Fundamental. Desde então, não tem cessado de militar, seja como alfabetizadora, seja como cidadã, vivenciando sua condição como uma militante a serviço da emancipação dos oprimidos de ontem e de hoje. Ao cabo de décadas de militância teórico-prática como educadora popular, e frequentemente solicitada a registrar sua história de vida, houve por bem acolher a recomendação de amigos, conhecidos, leitores e leitoras, a registrar sua história de vida.

 

Já às vésperas de completar seus 89 anos, e já não gozando de condições ideais de saúde, Salete encontrou força, coragem e criatividade para registrar significativos momentos de sua vida de educadora, para o que recorreu a duas ferramentas primorosas: a via dos fragmentos e o modo de exposição do seu vivido. Quanto a este último, inspirando-se na linguagem musical, decidiu distribuir seus relatos em três momentos dinamicamente interconectados: o do prelúdio, o do interlúdio e o do pós-lúdio. Quanto à segunda ferramenta - a dos fragmentos -, buscou sólida inspiração teórica em clássicos de reconhecida contribuição, seja no âmbito de clássicos internacionais da Teoria Literária (Mikhail Bakhtin, Walter Benjamin, Fernando Pessoa, entre outros), seja no âmbito nacional (Graciliano Ramos, Augusto dos Anjos, entre outros).

 

Considerações acerca de seu “Prelúdio”

 

Resulta deveras impactante ler ou ouvir, a viva voz, os relatos de infância trazidos à tona pela própria autora soam como estivesse mergulhada nesse universo de encantos, envolvida pelo idílico ambiente rústico da fazenda de seu avô, próxima a Campina Grande. Tem prazer em compartilhar os mínimos detalhes daquele ambiente, a começar do casarão - a “Casa Grande” -, sua estrutura arquitetônica, dos diversos compartimentos, a mobília, os objetos da casa, o relógio, bem como os afazeres cotidianos de seus moradores, em especial de duas domésticas de quem aquela criança de 6/7 anos vivia tão próxima, e com quem tantas coisas aprenderá. Ao ouvir tais relatos, vinha-me à mente a letra da canção de Jessie Quirino, “Da cumeeira de Aroeira lá da Casa Grande”. 

 

Outra marca, inclusive em sua infância, vêm da forte temporal de sua mãe, sempre a imprimir forte traço na convivência com as pessoas da casa ou da vizinhança. Sobre seu pai fala menos, restando relatos mais profundos de admiração pela mãe e pelas irmãs, em especial sua irmã Enilda, parceira de trabalho e de ideais, especialmente no campo Educação, da Cultura e das Artes. Quanto ao rico aprendizado com as pessoas que trabalhavam na casa, destaca com ênfase seu espírito espontâneo e livre como lhe contavam suas histórias. Graças a essas companhias, a criança aprende um conjunto de experiências do cotidiano das relações empregado-patrão, dos afazeres da casa, das virtudes e vícios dos adultos, a contemplação da natureza e dos animais.  

 

Salete também compartilha experiências de seu mundo encantado da escola, especialmente do mundo acadêmico. Antes, porém, nos conta de prazeres e desprazeres acumulados, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, enfatizando relatos de experiências protagonizadas por alguns de seus Professores e Professoras, ilustrando momentos de encantos proporcionados por alguns de seus Mestres e Mestras de reconhecida competência, em suas respectivas áreas de conhecimento.  

 

Salete foi também precoce no campo do trabalho. Ainda não havia concluído o Ensino Médio (Magistério), e em busca de dar passos na direção de sua autonomia econômica com a ajuda de seu avô, de sua mãe e de sua irmã, Salete monta, em uma sala cedida pelo seu avô, uma Escola de alfabetização. Iniciando com poucos alunos, a Escola vai prosperando, inclusive, no aumento do número de alunos e alunas, graças ao entusiasmo e à competência técnica da jovem professora e, por outro lado, ao reconhecimento e a promoção de sua iniciativa, também assumida por várias outras famílias, de modo a alcançar notoriedade na cidade.



Durou cerca de uma década a experiência protagonizada por Salete, à frente do Instituto que levava seu nome. Sentia-se motivada a aprofundar seus conhecimentos, bem como a ampliar sua atuação no campo da Educação Popular, graças também a ebulição social e política dos inícios dos anos 1960 - tempos de intensa mobilização de diversos segmentos da sociedade brasileira, a clamarem pelas reformas de base: a Reforma Agrária a Reforma da Educação, entre outras. Ao mesmo tempo, sentia-se provocada a dar sua contribuição especial, no campo da Educação Popular inclusive graças aos laços por ela tecidos com a JEC (Juventude Estudantil Católica) e com a JUC ( Juventude Universitária Católica), atuação fortalecida pela influência exercida pelo setor progressista da Igreja Católica com o qual travou sólido conhecimento. A este propósito merece especial atenção o relato circunstanciado que faz acerca da força mobilizadora dos secundaristas e dos universitários, em apoio e promoção dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. 



Em consequência dessas lutas estudantis, camponesas e operárias pelas reformas de base, e graças à crescente reação das forças da Direita, não tardaria a instalação de uma longa e perversa Ditadura Empresarial-Militar, iniciada com o Golpe Civil-Militar de 1964.



Ainda na segunda metade dos anos 1960, ela houve por bem dar prosseguimento aos seus estudos, desta vez enfrentando o Vestibular para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA), onde cursou Pedagogia, graças à qual conseguiu refinar, especialmente no plano teórico, seu trabalho profissional e seu compromisso de militância, tendo antes atuado vivamente como Educadora Popular, como integrante da Equipe de Coordenação, em Campina Grande, da Ceplac (Campanha de Educação Popular da Paraíba, no caso, em Campina Grande), que se desenvolveu entre 1961 e 1964, tendo caído abortada pelo Golpe Civil-Militar de 1964 tratou-se de uma experiência de Letramento de Adultos, sob a coordenação geral de Paulo Freire e sua Equipe, com articulação orgânica com outras experiências Alfabetização de Adultos, em outros Estados, a exemplo do que se passou em Angicos-RN. Tais experiências constituem a marca mais notável do Sistema Paulo Freire, cuja metodologia se baseia no despertar crítico- libertador dos seus participantes, em uma perspectiva emancipadora e de protagonismo por parte dos estudantes - pessoas jovens e adultas do meio popular do campo e das periferias urbanas. 



As forças políticas e militares, assustadas com o potencial libertário daquelas experiências de Educação Popular, trataram de abordá-la, perseguindo e prendendo seus promotores. Tempos sombrios também Salete, junto com os demais integrantes daquela experiência formativa teve que enfrentar e amargar seguidas prisões e perseguições, durante vários anos. 



A despeito de inúmeras adversidades, Salete logra ser admitida como aluna do Mestrado em Educação Popular, da Universidade Federal da Paraíba, orientando seus estudos e sua pesquisa, na perspectiva pedagógica de Paulo Freire, para a avaliação criteriosa de uma experiência pioneira de alfabetização de adultos, em situação de privação de liberdade, por ela animada junto a apenados na Penitenciária do Roger, bairro de João Pessoa, durante alguns anos. Esta sua experiência de educadora Popular, de notável repercussão na área resultou objeto de sua Dissertação de Mestrado, e na publicação pela Editora Vozes, em 1981 do Livro intitulado “Alfabetização de Adultos: Sistemas Paulo Freire Estudo de caso num presídio”. Sua Dissertação de Mestrado contou com a orientação de uma pesquisadora da UFPE, Astrogilda Cavalcante, profunda conhecedora do sistema Paulo Freire que reconheceu a excelência da pesquisa realizada por Salete, juntamente com os demais membros.



A este mesmo propósito, mais recentemente, encorajada por amigos, ao saberem que ela conservava intactos diversos cadernos anotações e registros dos materiais utilizados naquela experiência vivenciada há 40 anos, relatada em seu livro acima mencionado, salete houve por bem sistematizar aqueles registros, publicano-os sob o título “Vidas Aprisionadas relatos de uma prática educativa” (Editora Vozes, 2018).


Experiências vividas em seu “interlúdio”  



Após enfrentar e vencer diferentes percalços, notadamente por conta de seu trabalho como Educadora Popular, em tempos de ditadura civil-militar, ela consegue finalmente ser admitida para o quadro docente da Universidade Federal da Paraíba, mas precisamente para o Centro de Educação, no Departamento de Metodologia da Educação, assumindo a docência de Prática de ensino da Sociologia da Educação, ofício que desenvolveu até a sua aposentadoria, em 1992. 



Uma das marcas mais fortes do interlúdio de Salete teve a ver com a parceria também intelectual firmada com seu marido, Cornelis Van der Poel, especialmente no período de sua aposentadoria. Em pelo menos dois campos - no aprofundamento teórico-metodológico da Educação Popular e na animação da longeva e fecunda experiência de animação, à frente de uma Associação Comunitária voltada para o letramento de adultos, no Agreste Paraibano -, tal parceria prosperou notavelmente. No primeiro caso, Salete e Cornelis decidiram mergulhar fundo no estudo e na pesquisa de teóricos da Educação e da linguística, especialmente de figuras Russas, a exemplo de Mikhail Bakhtin. Deste exercício resultaram vários livros por eles editados, em parceria. 

“Letramento de pessoas jovens e adultas na perspectiva sócio-histórica” (Editora A União. 1997);

“Trajetória de uma militância educacional: do sistema freireano ao letramento sócio-histórico”. (ufpb/oikos, 2007);              

“Prática de Leiturização com trabalhadores e trabalhadoras” (Oikos editora, 2010)

“Rede municipal de ensino em construção” (Marconi, 2001)



No que toca à segunda experiência em parceria, protagonizada por Salete e Cornelis, cumpre destacar a qualidade de seu trabalho, alguns de cujos frutos vale ressaltar. A parceria se deu, no agreste paraibano, com várias turmas de jovens e adultos, empenhados no letramento, sob a ótica de um referencial teórico metodológico alternativo às experiências convencionais de alfabetização de adultos, por diversas razões. Coerentes com o referencial teórico que buscava ir além do sistema freireano, ao refletir práticas de letramento também iluminadas por autores como Bakhtin, educadores e educandos preferem lidar mais com o letramento do que a mera alfabetização, comumente exercitada. Em consequência, as próprias palavras geradoras eram colhidas das experiências de vida e de trabalho compartilhadas pelos educandos e educandos. Neste sentido, já não fazia sentido recorrer a cartilhas e materiais de alfabetização de adultos, que não fossem produto dos próprios educandos e educandas. Eram elas e eles, mediados por seus educadores, a exercitarem o letramento, a partir de suas próprias vivências. Tal experiência se acha bem relatada, por exemplo, em seus livros acima mencionados. A propósito também, desta experiência, importa lembrar a fecunda conexão que Cornelis e Salete mantinham com o pessoal da Rede latino americana de alfabetização de jovens e adultos a exemplo do que para eles representa CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe), sobre o qual recomendamos acessar https://www.google.com/search?q=cuando+fue+creado+ele+consejo+de+educacion+popular+latinoamericano+y+caribeno+%3F&rlz=1CANTYF_enBR1128&oq=cuando+fue+creado+ele+consejo+de+educacion+popular+latinoamericano+y+caribeno+%3F+&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOdIBCTkxNjkxajBqNKgCALACAQ&sourceid=chrome&ie=UTF-8&safe=active&ssui=on  


Após a partida de Cornelis, Salete se mantém ativa, seja na participação de eventos ligados à EJA, a exemplo de sua contribuição aos fóruns estaduais de EJA, seja na produção e publicação de seus textos. Mesmo alcançada pelos problemas de saúde, aos seus 89 anos, segue comprometida com a causa militante da educ

ação popular. 


João Pessoa, 30 de agosto de 2025

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Um dia especial, no cotidiano do Movimento das Comunidades Populares (MCP), no Nordeste

Um dia especial, no cotidiano do Movimento das Comunidades Populares (MCP), no Nordeste 


Alder Júlio Ferreira Calado 


Atendendo a mais um convite da coordenação do MCP paraibano, tive a alegria de participar de mais um Encontro deste Movimento, realizado em Cabedelo - PB, nos dias 16 e 17 próximo-passados. Tratava-se de um Encontro especial de avaliação e de comemoração dos quatro anos da fecunda experiência, em âmbito nordestino (Alagoas, Pernambuco e Paraíba) do GIC (Grupo de Investimento Coletivo), uma das múltiplas marcas do MCP, iniciativa que, na região Sudeste (especialmente no Rio), já alcança décadas. Por conta de outra agenda já comprometida (Encontro mensal de reflexão e de estudos com o grupo Caminhos de Liberdade, junto à Comunidade do Mutirão, em Bayeux), dele só pude participar no Domingo. 

Já tive  várias oportunidades, no blog textosdealdercalado.blogspot.com, de compartilhar diversos textos sobre o MCP. O Movimento das Comunidades Populares, nascido em 1969, sucedâneo da JAC (Juventude Agrária Católica), e que, desde então, tem atuado no Brasil sob diferentes denominações conjunturais (MER- Movimento de Evangelização Rural; CSI - Corrente Sindical Independente; MCL - Movimento das Comissões de Lutas; e, desde 2009, MCP – Movimento das Comunidades Populares), organizado em diversas regiões do País, com sede em Feira de Santana-BA, onde teve lugar, no ano passado seu I Congresso Nacional.


O MCP ainda vive sob o calor e entusiasmo do seu recente Congresso realizado em 2024. As principais marcas do MCP são a fidelidade aos interesses da Classe Trabalhadora; a tomada de decisões pela Base; a autonomia - econômica, política, e ideológica, tanto em relação ao Mercado Capitalista, como em relação ao Estado e seus aparelhos. Organiza-se em vários setores - lutas pela Saúde, Moradia, pela Educação, pela Cultura, protagonizadas pelos seus militantes do Campo e das periferias urbanas, nas lutas em defesa e promoção dos Povos Originários, das Comunidades quilombolas, dos Camponeses, dos operários, dos Desempregados e das maiorias oprimidas de nossa sociedade. Diferentemente de outros movimentos populares, o MCP tem optado pela não-filiação a partidos institucionalizados.


As linhas que seguem, têm o propósito de pôr em relevo alguns aspectos das atividades realizadas neste Encontro, em especial no tocante à avaliação da experiência dos quatro anos de funcionamento do GIC – Grupo de Investimento Coletivo. A partir de cinco questões trabalhadas em pequenos grupos. Os participantes debateram e refletiram sobre o funcionamento e os frutos colhidos por esta experiência, bem como acerca dos desafios encontrados e o modo como os diversos grupos do GIC se organizam para superar as deficiências.


Importa assinalar o sentido maior desta experiência, no quadro geral do MCP: ousando uma alternativa à lógica do sistema bancário burguês – enraizada na obtenção de lucros extorsivos -, os membros do MCP apostam na força dos tostões compartilhados investidos no GIC, como forma alternativa de reserva para financiamento de pequenos projetos coletivos ou mesmo de alcance individual. Por exemplo, um desses membros do GIC relatou, com alegria, que dos tostões que ele investira, há alguns anos, chegou a recolher, como resultado, o valor suficiente para adquirir algumas tarefas de terra e vários bodes para criar. Importante, ainda, ressaltar que, no conjunto de questões propostas para reflexão em pequenos grupos, duas delas instigavam os participantes a relatarem os seus esforços de identificar e de corrigir falhas de procedimentos quanto aos objetivos perseguidos pelo GIC, de modo a entendê-lo, não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento a serviço do MCP, no que diz respeito ao exercício de sua autonomia econômica, com desdobramentos em suas lutas políticas e culturais. 


Ao mesmo tempo, os participantes - mulheres homens e crianças - mostraram-se sensíveis, na metodologia do Encontro, de modo a combinarem tempos de trabalho, de estudos, de reflexão, de convivência e de lazer, razão pela qual também se mostraram bem-sucedidos na escolha do local do Encontro e na repartição das tarefas. 


Tal dinâmica permitiu, inclusive, a um grupo de veteranos do Movimento, a realizarem, espontaneamente, uma animada roda de conversas, compartilhando suas memórias mais vivas, nesta trajetória cinquentenária do MCP, reconhecendo conquistas assim como momentos de debilidades, com muita abertura ao exercício da autocrítica. 


Impactou- me, em resumo, a persistência dos militantes do MCP, em buscarem caminhos alternativos de superação das mais diversas manifestações mortíferas do atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, razão pela qual, sempre abertos a lerem criticamente a realidade e ao diálogo com outras forças populares, mantendo-se fiéis ao seu compromisso com as causas libertárias do Planeta, dos humanos e dos demais viventes.


João Pessoa 19 de Agosto de 2025.


sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Eduardo Hoornaert, garimpeiro de saberes raros e preciosos

Eduardo Hoornaert, garimpeiro de saberes raros e preciosos 



Alder Júlio Ferreira Calado 



Prestes a completar seus 95 anos, em outubro próximo, Eduardo vêm, por décadas, ajudando-nos, por seus artigos, livros e numerosos textos compartilhados em sua página virtual - https://eduardohoornaert.blogspot.com - , como historiador como teólogo e portador de múltiplos saberes, a descobrir tantos tesouros escondidos pelas seculares camadas de cinzas a encobrirem a brasa da Boa Notícia da Tradição de Jesus. Ele o tem feito, de modo heurístico, graças ao seu empenho contínuo em garimpar preciosas pérolas escondidas em diversas experiências vividas pelos protagonistas - mulheres e homens - do movimento de Jesus.


Belga, de nascimento, Eduardo chega ao Brasil, (mais precisamente à Arquidiocese da Paraíba, em 1958), como presbítero e professor de História do Cristianismo e de outros campos de saberes, ele atuou como professor do Seminário de João Pessoa, de Recife, do ITER ( Instituto de Teologia do Recife) no DEPA ( Departamento de Pastoral e Assessoria), no Seminário de Fortaleza, além de docente na UFPE e na UFBA. 


A partir dos anos 70, enquanto exímio estudioso da História, foi chamado a compor - com Enrique Dussel, José Oscar Beozzo e outros, a frutuosa Equipe de Coordenação CEHIlA (Comisión de História de las Iglesias Latino-Americanas), da qual resultaram algumas dezenas de livros sobre a história das Igrejas latino-americana e caribenhas, inclusive do Brasil, sempre “a partir do Povo”, no quadro da qual Eduardo coordenou a “CEHILA Popular”, produzindo e divulgando dezenas de folhetos de cordel sobre grandes figuras populares do Cristianismo, atuando pela libertação dos pobres e oprimidos do Brasil.



De dezenas de livros por ele escritos, aqui destacamos alguns: “ Formação do Catolicismo Brasileiro”; “Memória do Povo Cristão”; “História do Cristianismo Latino-Americano”; “Anjos de Canudos”; Origens do Cristianismo”; “Em Busca de Jesus Nazaré” “Helder Câmara uma Vida que se fez dom”. Em nosso Grupo Kairós, temos tido a oportunidade de ler vários de seus livros e artigos. Nas linhas que seguem, cuidamos de pôr em relevo aspectos relevantes de seu mais recente artigo, intitulado “ O Modelo Diocese vai passar?” Neste artigo, Eduardo Hoornaert, percebendo de longa data o crescente distanciamento das Igrejas Cristãs - no caso, a Igreja Católica -, em relação a Tradição de Jesus, trata de destacar o que sucede no plano de sua organização institucional, debruçando-se especialmente na análise de três aspectos. A Paróquia, a Diocese e o Ecumenismo, de modo a realçar os desdobramentos semânticos, em especial da paróquia e da Diocese, propondo em favor da recuperação das fontes neotestamentárias, o caminho do Ecumenismo como escolha consequente ao Movimento de Jesus. 



Neste sentido, o autor, ao revisitar fontes neotestamentárias - em especial, a primeira Carta de Pedro, nos rememora o sentido original do termo “Paróquia”, que expressa uma condição de penúria experimentada pelos pobres, pelos migrantes, desprovidos de moradia, a semelhança do que hoje se passa com o povo em situação de rua. Comparado com o termo “Paróquia” de hoje, percebermos algo próximo a uma inversão de sentido: enquanto “Paróquia”, no caso das primeiras comunidades cristãs acenava para uma situação social, hoje o mesmo termo designa uma expressão territorial, relativamente confortável para seus frequentadores correspondendo a uma unidade territorial componente da “ Diocese”, governada pelo Bispo significando outra unidade administrativa, alusiva a estrutura do Império Romano, que se vem mantendo principalmente desde a era constantiniana. 



A despeito de sua consolidação multi-secular, o modelo Diocese dá sinais de crescentes lacunas, em face dos atuais desafios do mundo contemporâneo, e sobretudo do sentido correspondente a missão evangelizadora anunciada e testemunhada pelas primeiras comunidades e pelo próprio programa anunciado por jesus de Nazaré e seus discípulos e discípulas de Jesus, bem resumido, por exemplo, na passagem de Lucas 4, 15-18.



Em meio a um turbilhão de retrocessos, dentro e fora das Igrejas cristãs vale a pena prestarmos atenção a diversas vozes proféticas a exemplo de Eduardo Hoornaert, a nos proporem o exercício da memória histórica e das próprias fontes do Movimento de Jesus, como caminho de continuarmos dando razão a nossa esperança. Como acima mencionado, Eduardo Hoornaert propõe, como caminho de superação do modelo Diocese, o da convivência ecumênica. Vale a pena conferir este artigo. 



Sempre Firme, mirando no futuro

Com o presente sentindo-se incomodado 

Eduardo cavuca, então, o passado 

Ancião de saber fértil e maduro

Longa vida e saúde, eu lhe auguro 

A Divina Ruah sendo fiel 

Esperança mantemos, a granel

Acendendo centelhas de utopia 

Com os amigos dialoga e intercambia 

A buscar terra nova e novo céu 



João Pessoa,15 de agosto de 2025 




quarta-feira, 6 de agosto de 2025

O Golpismo segue forte no Brasil _ Faz-se urgente combatê-lo, na raiz

O Golpismo segue forte no Brasil

Faz-se urgente combatê-lo, na raiz 

 

Alder Júlio Ferreira Calado

 

A avidez do Império é sem limites 

Quer o mundo a seus pés, impunemente 

 

Só se Esquece de saber se a outra parte 

Se resigna em ser a cavalgada

 

“Democrata”, se diz qualquer tirano 

Golpeando a frágil Democracia…

 

A política de Trump é um disparate 

Só expressa o ocaso do Ocidente

 

Covardia o silêncio do Ocidente

Sobre os crimes perpetrados contra Gaza   

 

Liberdade, sob a ótica da Direita 

É opressão para o Povo Trabalhador 

 

Ameaça gravosa sofre o País:

Só o Povo na rua vence a Direita 

 

Bolsonaro e comparsas são entreguistas 

Não defendem interesses da Nação  

 

Será mesmo legítimo o mandato 

Conquistado com votos mascateados? 

 

Soa em vão dialogar com a Direita 

Qual o pacto entre o sapo e o escorpião…

 

Só a força é a razão do violento

Não importam as razões de suas vítimas

 

O Trumpismo impera pela força  

a mentira é sua arma principal 

 

O arcabouço fiscal só contribui 

Pra aumentar dependência do Brasil 

 

Sem as forças de base se moverem 

Não logramos vencer tantos ataques  

 

Malafaia, sempre mais a se expor

A processos, por suas agressões  

 

Ilusão apostar em frente Única 

Faz-se urgente formar frente à Esquerda 

 

Entreguista é a Direita do Brasil

Representa o pior da “Casa Grande”

 

Deputada Zambelli está detida 

Sua pena é 10 anos de prisão 

 

Petra Costa, em seu filme, traz a tona 

O vigor da Direita “Evangélica” 

 

Manter viva a memória de nossas lutas 

Nos prepara a enfrentar os desafios 

 

João Pessoa, 06 de Agosto de 2025

 


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Anotações em torno do artigo de Elisabeth Schussler Fiorenza, intitulado “Rumo ao Discipulado de iguais: a Ekklesia de mulheres”. Estudos Teológicos 33, 1996, pp. 181-196

Anotações em torno do artigo de Elisabeth Schussler Fiorenza, intitulado “Rumo ao Discipulado de iguais: a Ekklesia de mulheres”. Estudos Teológicos 33, 1996, pp. 181-196 Alder Júlio Ferreira Calado A exemplo de outros grupos de estudos das Teologias da Libertação, em três outros que acompanhamos de perto - o Kairós, “Direitos Iguais” e “Teologia da Libertação” - temos lido, com entusiasmo, o artigo de autoria da teóloga feminista Romeno Germânica e Elizabeth Schussler Fiorenza, acima mencionado. Entendemos relevante e oportuno também ajudar a difundi-lo. Com o propósito de estimular a leitura e a reflexão conjunta deste texto seminal, houvemos por bem propor algumas linhas sobre o mesmo. Tratamos, pois, de inicialmente sublinhar algumas de suas ideias mestras, e em seguida, de realçar aspectos desafiantes nele contidos. O artigo postula um caminho alternativo à dominação sofrida pelas mulheres, na sociedade e nas igrejas sobretudo do mundo ocidental, pela dominação patriarcal, graças à aplicação de estratégias econômicas, políticas e culturais, concernentes ao colonialismo do Ocidente. Importa observar que a autora ao propor uma “Ekklesia de Mulheres”, não exclui a participação também de homens, mas defende a superação radical do estilo piramidal comum tanto aos espaços eclesiais, quanto aos espaços societais. “O ethos do Discipulado de iguais” na ekklesia de mulheres: sustenta a urgência do combate às estruturas seculares injustas que caracterizam as relações entre homens e mulheres, na sociedade e nas igrejas, buscando uma superação embasada em experiências anteriores e posteriores ao período constantiniano. Importa atentar para o fato de que não se trata de uma igreja exclusiva de mulheres, mas de respeitar os direitos de homens e mulheres, em pé de igualdade. O discipulado de Iguais postulado pela autora não propõe nem a exclusão nem a submissão entre homens e mulheres, nem reivindica a participação de mulheres na pirâmide hierárquica eclesiástica. Esta tese não acolhe, de bom grado, o pleito de ordenação de mulheres, mantendo a mesma estrutura hierárquica. A Autora, ao dispor-se a uma análise sistemática das relações de dominação e de subordinação das mulheres aos homens, na sociedade ocidental (euro- americana) e nas Igrejas Cristãs, foca 5 aspectos dessas relações, como fatores de dominação, critérios propostas por Íris Morang: exploração, marginalização, carência de poder, imperialismo cultural, violência sistemática, aos quais Elisabeth Schussler Fiorenza acrescenta o silenciamento das mulheres pela hierarquia e difamação e trivialização. A autora passa, então, a elaborar uma análise sistemática, a partir desses sete fatores de dominação patriarcal sobre as mulheres, tanto no âmbito societal, como ao interno das igrejas cristãs. Feitas estas anotações iniciais, vale a pena cavoucar diferentes aspectos direta ou indiretamente implicados na reflexão crítica desenvolvida pela autora, de modo a ressaltar relevantes aspectos contidos em suas teses .Com efeito, em se tratando de uma exímia pesquisadora com profundo conhecimento histórico e teológico, com notória acuidade analítica relativa às íntimas relações entre a Teologia e as ciências humanas e sociais, muitos aspectos enunciados em suas teses nem sempre restam evidentes, com uma leitura superficial de seus escritos. Eis por que tomamos a liberdade de trazer à tona aspectos relevantes aí contidos, mas nem sempre percebidos com facilidade. Um primeiro aspecto a ressaltar, diz respeito ao prisma sob o qual a autora elabora suas teses: ela o faz como uma teóloga feminista crítica diante das diversas manifestações do domínio patriarcal sobre mulheres e homens, tanto no plano societal, quanto no âmbito eclesiástico. No primeiro plano, Fiorenza, reconhecendo as diversas posições feministas, trata de explicitar seu próprio conceito de feminismo, de modo a manifestar sua crítica também a uma corrente feminista identificada com uma perspectiva ocidental, liberal - democrática, assinalando os limites antropológicos e teológicos desta perspectiva. Outro aspecto que merece especial atenção tem a ver com seu compromisso de analista ao focar as dimensões interrelacionadas de classe, gênero, raça, nacionalidade, ao longo de seu trabalho. Ainda outro aspecto a merecer destaque, prende-se à qualidade do referencial teórico-metodológico trabalhado pela autora. Trata-se de alguém que aplica, em seus escritos, critérios analíticos pouco frequentes em estudos teológicos. Por exemplo ao lidar com temas teológicos, ela tem sempre o cuidado de vincular a teologia a um contexto Histórico-Social, afinal de contas, como todo saber humano, também a Teologia se produz concretamente sob a influência das idéias e dos valores em determinado lugar e em determinado tempo: Ou seja toda Teologia é contextual. Nesta perspectiva a autora se coloca como uma teologa feminista critica, a medida que deixa claros os nexos dos estudos Teológicos com as influências dominantes sobre os teólogos e as teologas, de acordo com sua condição de homens ou de mulheres, sendo que, em una Igreja cujas decisões são tomadas apenas pela hierarquia formada exclusivamente por homens, vão beneficiar apenas os interesses masculinos, restando as mulheres se subordinarem ao comando masculino. A autora sustenta que as aspirações por um discipulado de iguais tem profundas raízes no Movimento de Jesus, desde as primeiras comunidades. E podem ser situadas em diferentes momentos da história ainda que experiências proféticas em meio a uma hegemonia androcêntrica, a exemplo do que sucedeu com movimentos tais como o das Beguinas, na baixa Idade Média. Mais recentemente, com o despontar dos movimentos feministas, em meados do século passado, tornamos a acompanhar a ressurgência deste Projeto de um Discipulado de iguais, pronto a identificar e a combater as diferentes formas e manifestações das relações patriarcais dominantes tanto nas sociedades como ao interno das igrejas. Embora constituam a maioria dos frequentadores dessas igrejas, as mulheres são excluídas das decisões, cabendo-lhes apenas cumprir as ordens emanadas exclusivamente de homens - Papas, Bispos, Padres, e Pastores… Quando se faz uma leitura contextualizada dos textos bíblicos, constata-se, em diversos relatos vétero e neotestamentários, a participação ativa e mesmo de liderança de várias mulheres, oque foi se alterando com a crescente influência da cultura grega na formação de comunidades cristãs cada vez mais sob o controle do clero, principalmente após Constantino. Desde então, tem-se implantado uma série de leis e de normas excluindo as mulheres e os demais leigos das demais decisões eclesiásticas, sob mais diferentes pretextos, inclusive atribuindo-se às mulheres características psicológicas de “feminilidade” exclusivas, tais como a docilidade, a submissão, a afabilidade, traços que tendiam a reduzir as mulheres aos afazeres domésticos e privados, enquanto os espaços públicos passariam a ser exclusivo dos homens. Também, no plano da produção teológica, passou-se a inventar pretextos para afastar as mulheres da tomada de decisões, a começar pela própria vedação às mulheres, de serem ordenadas de diaconisas, presbíteras, bispas e qualquer outro ministério ordenado. A produção teológica, de leis, de documentos oficiais se mantém como exclusividade masculina, além de tarefas exercidas pelos hierarcas de tal modo que as mulheres, inclusive as freiras, seguem mantidas, salvo exceções meras destinatários passivas dos documentos oficiais, das encíclicas, da elaboração teológica regular, da liturgia, em suma, reduzidas a meras “clientes” obedientes aos desígnios masculinos. Ainda que já não mais se trate de uma reivindicação das mulheres - elas entendem que tal concessão contribuiria para coonestar o regime piramidal de organização eclesiástica -, o reconhecimento da legitimidade de sua vocação ministerial a qualquer dos ministérios ordenados lhes tem sido sistematicamente negado. Um outro ponto a ser realçado - explicitamente ou não - nas teses da autora, aponta para pistas de superação deste impasse, a médio e longo prazos, prende-se ao exercício de resistência, tanto ao interno das Igrejas cristãs quanto no âmbito societal, consistindo na continuidade de seu combate a todas as formas de opressão, exploração, imperialismo cultural, estratégias de silenciamento e domesticação bem como a vivência de uma espiritualidade libertadora, para além dos códigos eclesiásticos que frequentemente negam fundamentos explicitamente presentes nos textos bíblicos e na Tradição de Jesus. João Pessoa, 01 de agosto de 2025