RENÚNCIAR-DENUNCIAR-ANUNCIAR
Alder Júlio Ferrreira Calado
Para quem acompanha, de perto, a trajetória e o legado de
Charles de Foucauld, resulta famíliar a profunda interrelaçã destes três verbos – renunciar-denunciar-anunciar.
Muito emblemática, portanto, a escolha temática para um Encontro de membros
desta família, bem como de consagrados e consagradas à vida religiosa.
Renunciar
– Responder,
com generosidade, aos apelos do Espirito Santo, ontem como hoje, implica necessariamente
a cada discípulo/discípula de Jesus, disposição de renunciar, com alegria e
esperança, a muitas iniciativas e projetos que não condizem com o Projeto do
Reino de Deus. O chamamento e a resposta generosa ao mesmo, de buscarmos uma
vida em plenitude, já a partir deste mundo, implica escolhas difíceis entre
vida e morte, graça e pecado, altruísmo em interesses pessoais... A vida em
plenitude assemelha-se à bela paísagem contemplada do alto de uma montanha: só
quem se dispõe a escalar-la, consegue desfrutar tal paisagem, afinal “quem quer
colher rosas, deve suportar os espinhos.”.
No segmento de Jesus, sofrimento, paixão, morte e outras
provações precedem a Ressureição. Em nosso percurso existêncial, são muitas as
situações de renuncia, a que devemos estar preparados, com serenidade e
confiança, aquela mesma confiança que movia o Apóstolo Paulo a dizer: “Eu
conheço Aquele a quem dei a minha adesão.” (Scio Cui Credidi: 2 Tm 1, 12).
Isto é tanto mais frequênte quando se vive - e é o que sucede - num tempo de profundas
contradições, desigualdades sociais e agressões contra Mãe Terra e toda a
comunidade dos viventes. Aí, somos chamados a testemunhar atitudes de renuncia,
inclusive diante da crescente tendência ao consumismo, à idolatria do ter, do
poder e do prestígio.
Denunciar
–
A começar de nós mesmo, é preciso renovar, dia após dia, o compromisso de
buscarmos a justiça do reino de Deus, o que acarreta inevitavelmente o combate
às mais diversas formas de prisão e de egoísmo, de poder, de contratestemunhos,
vale dizer, denunciar. Em conexão com Renunciar e com o Anunciar, não podemos e
não devemos prescindir da vigorosa denuncia a toda forma de escravidão, de
egoísmo, de morte, de agressão à Mãe Terra , às mais distintas formas de
violência contra as mulheres, contra os povos originários, contra as
comunidades quilombolas, contra os povos das águas e das florestas, contra as
crianças, os jovens do meio popular, as pessoas idosas, e a toda a comunidade
dos viventes. Abastecidos e Energizados pelo dom da profecia somos chamados,
como cidadãos e como cristãos a combater todas as manifestações de escravidão
do nosso mundo, a começar de nós mesmos. Com efeito, observando o nosso mundo,
percebemos um complexo e vasto leque de males, a insidirem nas relações sociais, econômicas, políticas e
culturais do nosso dia-a-dia. No plano econômico, por exemplo, cabe-nos
denunciar a crescente concentração de riquezas em mãos de poucos, e em
detrimento de crescentes maiorias de nossa gente, gerando níveis insuportáveis
de desigualdades sociais, com desastradas consequências, tais como aumento da
violência social, da precarização das moradias, do desemprego estrutural e
conjuntural, do sub-emprego e das manifestações injustas do trabalho
terceirizado, da manutenção e ampliação do latifúndio, do Hidro-Agronegócio,
dos estragos e tragédias socio-ambiêntais provocadas pelas trans nacionais e
grandes empresas de mineração, das diferentes formas de envenenamento das
fontes, dos rios, das oceanos, das plantações, dos solos, lençois freáticos,
dos animais e dos humanos.
Ainda no plano das denúncias, cabe-nos, sobretudo,
identificar, denunciar e combater as causas estruturais desses males sociais e
socioambientais, expressas pelo próprio sistema capitalista hegemônico.
Anunciar - Tão densa e tão relevante se mostra esta
dimensão do exercício da profecia, que, sem prejuízo da consideração singular
das demais, apresenta-se como uma síntese capaz de comportar as precedentes. Com
efeito, o simples anunciar – em especial, por gestos – as veredas da justiça, da
misericórdia, da solidariedade, da partilha, do perdão,do amor, da paz...
implica renúncia, implica denúncia. Na parábola do bom samaritano, por
exemmplo, episódio relatado em Lc 10, 25-37.
Esta passagem do Evangelho nos impacta, de vários modos, a compeçar pela densiade
de verbos nela contidos (perto de uma dezena!): ver, aproximar-se, enfaixar (as
feridas da vítima do assalto), pôr (sobre elas vinho e óleo), montá-lo no seu
animal, conduzi-lo a uma hospedaria, deixá-lo aos cuidados da hospedaria, arcar
com os custos...
Trata-se
de uma iniciativa propositiva, de enorme carga protagônica. Movido pela
com-paixão, traduz com atos concretos seu sentimento de compromisso com a vida.
Isto é anunciar por gestos concretos! Assim procedendo, o bm samaraitano, sem o
dizer, está praticando renúncia: tal como sucedeu ao sacerdote e aolevita que,
indiferentes à dor da vítima do assalto, passaram ao largo do caminho, ele poderia
arrumar alguma autojustificativa, e fazer o mesmo... A atitude do samaritano acena, igualmente, para uma postura
denúncia – ainda que implícita -, à medida que desmascara a postura de
indiferença e de omissão.
Todas
estas atitudes – de renúncia, de denúncia, de anúncio, e cada uma ao seu tempo
e em seu contexto – seguem fundamentais, frente aos desafios pessoais e
coletivos de hoje. Dada, porém, a complexidade de nossa atual realidade social,
eclesial e psicológica, a do anúncio parece despontar como mais urgente. Tanto
ou mais do que ontem, as posturas propositivas parecem merecer mais
credibiliade e mais eficácia. Se olhamos,por exemplo, o atual contexto sócio-político,
percebemos a fragilização dos atos de mera denúncia, uma vez que isto se faz de
modo tão frequente, que soa abusivo e de pouca credibiliade, fato que nos
remete à conhecida afirmação feita pelo Papa Paulo VI, em sua Exortação
Apostólica intitulada “Evangelii nuntiandi”: “Os homens de hoje escutam mais as
testemunhas do que aos mestres. E, se escutam também estes, é porque eles são
testemunhas.” (EN, n. 41).
Ainda no
plano político, às forças sociais historicamente comprometidas com a construção
de um modelo societal alternativo à barbárie capitalista, já não basta apenas
reagir à sucessão de desmontes das políticas públicas, mas são chamadas a se
reorganizarem de tal modo, a ousarem iniciativas alternativas ainda que moleculares, como já
acontecem em numerosas experiências grávidas de alternatividade, espalhadas
pelo Brasil e pelo mundo, a exemplo das experiências agroecológicas e de
convivência com o Semi-árido.
João
Pessoa, 22 de agosto de 2017
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