NOTAS PARA UMA SOCIOLOGIA DA AGENDA: serrando as jaulas,
ensaiando passos libertários...
Alder Júlio
Ferreira Calado
O cotidiano
expressa uma intrincada rede de relações, da qual cada um de nós, em grupo ou a
título pessoal, atua como tecelã(o), a costurar - sozinho ou em mutirão - uma
enorme diversidade de fios existenciais, dia após dia. Dependendo da qualidade
do fio relacional e do perfil de quem tece, o produto da tecedura caminhará na
direção da excelência ou da mediocridade. Ninguém escapa de tecer, de algum
modo ou em algum momento, um produto misturado, de qualidade alternada. Aí não
reside o problema. Desafio é o empenho de quem tece, no sentido de fazer
prevalecer uma tecedura de boa qualidade - materialmente consistente e
esteticamente gratificante a quem tece e a quem dele fará uso. Num relance
autoavaliativo, como apreciamos a qualidade de nossa tecelagem cotidiana, que
tem lugar numa imensa diversidade de espaços sociais e de situações
existenciais - do espaço subjetivo ao ambiente familiar; da convivência laboral
aos espaços lúdicos; de nossas relações cósmicas às experiências místicas,
etc., etc.? Questionamentos como este nos induzem a pensar numa
Sociologia da agenda, entre outras possibilidades de abordagem crítica do alvo
de nossas inquietações: como anda nossa agenda? Uma das razões da escolha de
uma abordagem sociológica deve-se à complexidade e extensão do seu campo de
atuação, uma vez tratar-se de um saber que navega pelo “social”, que, como se
sabe, comporta dimensões econômicas, políticas e culturais, trabalhados em suas
necessárias interconexões, a possibilitar uma interpretação
inter/transdisciplinar, apelando a uma multiplicidade de saberes. Ocupando-se
a Sociologia, por excelência, das relações sociais, tanto nas macro
quanto nas micro-esferas da realiade, e seus entrelaçamentos, as relações do
dia-a-dia bem se prestam a uma leitura, sob esta ótica. É o que buscamos fazer,
nas linhas que seguem. Começamos por explicitar algumas balizas teórico-conceituais,
com o propósito de nos ajudarem, quanto a uma interpretação crítica de nossa
agenda como expressão das relações do nosso dia-a-dia. Em seguida, ensaiamos
passos de uma crítica de nossa agenda, em diferentes campos de nossa atuação.
1. Balizas teórico-conceituais
Em sua
complexidade e em sua extensão, a Sociologia, desde seus clássicos, inclusive
Ibn Kaldhun, procura acercar-se da realidade social, como seu campo por
excelência. Observar, interpretar e analisar críticamente a tecedura dos fios
relacionais do cotidiano interpessoal, comunitário, societal constituem um
desafio de monta, para quem ousa
buscar conhecer, interpretar e
extrair ensinamentos úteis ao processo de humanização.
Um primeira
cautela a ter-se em conta, nesta direção, é a consciência da complexidade e extensão
da realidade social. Dela podemos apenas acercarmos, nunca dela possuir um
conhecimento acabado. A realidade social, sendo histórica, está sempre em
movimento, de modo a revelar-se-nos apenas em algumas de suas facetas,
fazendo-nos escaparem tantas outras, por outro lado, não se trata de algo completamente
fora do nosso alcance de sujeitos cógnocentes desde que, sabendo-a em constante
movimento, nos diponhamos a acompalha-la, também em movimentos, não nos
quedamos estacionado, à espera de os fatos sociai venham espontaneisticamente
ao nosso encontro; ao contário, temos que nos mexer, por meio de passos
metodicos, em busca de aprendêe-la, ao menos parciamente, já que, no todo
escapa a nossa observação. Dentre os passos que nos permitem a cercar-nos dela,
sublinhamos: - a observação contínua – trata-se de buscar, acompanhar, o
movimento da Realidade, atentando aos multiplos e sucessivos sinais por ela emiditos
nas relações do dia a dia Neste sentido,
avaliamos como profundamente fecundo o paradigma indiciário, isto é,
aquele atinente aos sinais, que a vida
social, a convivência com a natureza e seus distintos viventes, com os
semelhantes, com os diferentes, e até antagonicos, estão sempre a nos oferecer.
Não basta, porém, limitar-nos a uma observação qualquer. É preciso exercitar, sistmática e metodicamente, atentando para os
significados dos sinais e das circustancias típicas e atípcas. Mais 2 pontos, importa
igualmente registrar-los, uma vez que nossa memória não é capaz, de reter toda
a diversidade de manifestações da realidade social. Sendo assim, após
observa-la, cuidadosamente, a apartir dos registros sistematicos elaborados,
buscar interpretar os seus significados, como condição essencial de uma compreensão
adequada da mesma realidade. Passo que também não nos garante uma intervenção
exitosa na mesma realidade, mas disto nos aproxima, sendo um passo necessário,
mas não suficiente, uma vez que intervir exitosamente na realidade social, em
especial em suas raízes mais fundas, demanda-nos recorrer a passos complementares,
que envolvem outros saberes e outras práticas sociais.
2. Por uma sociologia de nossas agendas
Nossas
agendas implicam uma enorme diversidade de atividades, que tem lugar em uma
múltipla gama de espaços socioambientais
– cósmicos, biológicos, ecológicos, societais, comunitários, éticos, estéticos,
econômicos, políticos, culturais... uma densa, complexa e extensa rede de relações
interconectadas, tal como vem bem assinalado no belo poema/canção “Tudo está
interligado” ( https://www.youtube.com/watch?v=1do_VBZG9Ps
) .
É justamente
aí que se dão nossas relações do dia-a-dia, em função (ou disfunção) das quais
organizamos nossas agendas. Se, por um lado, ainda quando nossas agendas se
materializam mais diretamente em apenas algumas dessas esferas, é certo, por
outro lado, que, direta ou indiretamente, se acham conectadas com todas as
demais, estejamos ou não conscientes disto. Neste caso, a busca de nos
conscientizarmos progressivamente desta dinâmica interação nos ajuda
sobremaneira a lidar melhor, inclusive, no âmbito da(s) com que lidamos mais
diretamente. E a recíproca também vem ao caso: nossa não ou insuficiente
consciência desta interação empobrece ou esvazia nossa ação libertária, no chão
do dia-a-dia.
O que acima
vem assinalado não é uma quimera ou jogo de palavras. Para verificarmos o
impacto de sua inscidência no nosso dia a dia, é suficiente que nos façamos
perguntas do tipo:
- De uma
simples lista de nossos sonhos e projetos, quais e quantos conseguismos realizar?
E de tantos não realizados, quais e quantos nos mantemos empenhados, em
materializar?
- Que fatores
nos impedem de alcança-los, trata-se de fatores apenas externos ou, em larga
medida, essa não realização, tem mais a ver com a pouca disposição e vontade,
de nossa parte de buscar realiza-los?
- Em nosso
calendário de atividades a curto, medio e longo prazos, para onde tem apontado:
para uma perspectiva de mero cumprimento de rotina (profissional e de outras áreas)
ou para um horizonte libertário, horizonte idenfificavel, pela qualidade dos fruto
produzidos?
Por outro
lado, desponta igualmente útil ao nosso processo de humanização perguntarmo-nos
o lugar que em nossas agendas ocupam eventualmente diversas atividades voltadas
para além do campo profissional ou estritamente familiar. Sabemos que o
processo de humanização incide numa ampla diversidade de fios existenciais ou
de quefazeres, que também devem refletir-se, de algum modo, em nosso cotidiano.
Fios existenciais que vão da experiência intra-intersubjetiva à dimensão
cósmica; do cuidado com a Mãe-Natureza aos cuidados hidro-agroecológicos; de
uma saudável erótica ao exercício da mística; das relações sociais de gênero às
de etnia; do movimento do corpo às atividades lúdicas; das relações políticas,
econômicas e culturais, inclusive ao exercício das artes, em sua bela
diversidade... Daí resulta irrenunciável a pergunta: que lugar tais dimensões
constitutivas do nosso processo de humanização têm em nossas agendas?
Seria longa a
lísta de perguntas. Contentemo-nos por enquanto, com estas, com o proposito de que nos ajudem
a compreender melhor nossas limitações pessoais e grupais. Com efeito, não se trata de uma
auto-avaliação extritamente pessoal, mas também coletiva. Como educadores
(individuais e coletivos) somos chamados constantemente a nos reeducar, sempre
a partir do que fazemos em nosso dia a dia, e tomando tempo para revisarmos a
qualidade de nossas ações, de nossa rotina, como se nos dissessem: “Dize-me da
qualidade do teu dia-a-dia, e dir-te-ei
do horizonte que persegues – libertário ou de estério rotina.” Seres
vocacionados a buscarmos uma vida em plenitude, porque vocacionados à
Liberdade, cuidamos de potencializar nossos dons e talentos, nesta direção, tal
como atletas empenhados em superar seus próprios limites, como arqueiros que
buscam alcançar seu alvo, por meio do cotidiano exercício do arco e da flecha.
Aqui, tem especial lugar o trabalhar a dimensão volitiva (o querer, a vontade),
de forma processual, mas efetiva, tentando, sem cessar, ensaiar passos
libertários, ao tempo em que buscando serrar as prórias jaulas, manifestas sob
múltiplas formas de aprisionamento.
João Pessoa,
29 de agosto de 2017.
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