ENTRE OS
50 ANOS DE MEDELLÍN E OS 40 DE PUEBLA: rememorar para avançar!
Alder Júlio Ferreira Calado
Salutar tradição, a de fazermos memória de
acontecimentos e de personagens de referência, que implicaram reconhecidos
ganhos à humanidade, a povos de vários continentes e países. A memória histórica, se e quando bem
exercitada, comporta uma extraordinária força reparadora e renovadora/inovadora.
Nem sempre, contudo, isto se tem dado, a contento. Não raramente, restringe-se
ao mero exercício de saudosismo ou de revisitação que se circunscreve ao mero
hábito “eventista”, isto é, de prestar-se reverência, a certos eventos do
calendário oficial, sem que isto suscite – como deveria – o compromisso de
fazer-se avançar, para além daqueles acontecimentos, conforme o caráter e as
exigências de novos desafios.
No debate sobre memória histórica, resulta, por vezes, curioso
observar-se o significado imputado às iniciativas de comemoração. Quando se
trata de comemoração, do ponto de vista dos setores privilegiados, costuma-se
assumir tal iniciativa, apenas quando isto não encerra algum tipo de risco aos
festejadores, afinal uma coisa é festejar heróis nacionais, quando encarnam os valores
dos privilegiados. Deles, aliás, abundam os nomes de ruas e praças. Outra coisa
é celebrar datas comemorativas ligadas a figuras comprometidas com os
interesses dos de baixo. Aí, todo cuidado é pouco!...
No intuito, portanto, de ajudar a
despertar um compromisso mais efetivo com a causa libertária dos empobrecidos,
cuidamos de rememorar aspectos axiais dos 50 anos de Medellín e dos 40 anos de
Puebla, de modo a de cada uma destas Conferências extrair lições que nos ajudem
a enfrentar exitosamente velhos e novos desafios da atualidade sócio eclesial.
Embora comportando algumas
diferenças de menor relevância, podemos dizer não haver grandes diferenças
entre o contexto de uma e de outra. Uma distância de apenas dez anos e meio
entre Medellín e Puebla, nada de tão extraordinário se passa, na América
Latina. Ao contrário, um leque de pontos comuns os caracteriza no plano
econômico, por exemplo, segue uma conjuntura de notável empobrecimento. No caso
do Brasil, uma conjuntura agravada pelo aumento da dívida externa, pela elevada
inflação, pelo aumento do custo de vida, pelo desemprego. O continente ainda
geme, em várias partes, sob o peso das botas. É a mesma, a voracidade lucrativa
das transnacionais, em distintos setores da economia. O tão celebrado
crescimento econômico do período da ditadura começa a fazer água. Na América
Central, agravam-se os conflitos sangrentos, a expressarem o peso da opressão
de regimes sanguinários, como o de El Salvador e o da Nicarágua, onde as forças
populares ganham terreno, até a vitória sobre Somoza, em meados de 1979, com o
ascenso revolucionário das forças sandinistas, sob forte protagonismo dos
cristãos. No caso do Brasil, observa-se um franco avanço da resistência popular
contra a Ditadura, que vai perdendo força, e entra em contagem regressiva,
principalmente graças ao aumento da resistência popular, protagonizada por
movimentos sindicais e por segmentos da “Igreja na Base”, contando, inclusive,
com o decisivo apoio da CNBB que, em 1977, lança seu corajoso documento
“Exigências Cristãs de uma ordem política”. Graças, também, à contestação generalizada,
sobretudo no período do General Figueiredo. Por outro lado, avançam os movimentos
populares e outras organizações de base de nossa sociedade, culminando, ainda
neste ano de 1979, com o surgimento do Movimento Pró PT, no caso do Brasil.
A "Igreja na Base" não
cessa de ampliar seu protagonismo, principalmente a partir das Pastorais
Sociais (CIMI, CPT, CPO, PJMP, CDDHs, Comissão Justiça e Paz, entre
outras). Ainda no âmbito da Igreja Católica, ressoava o trauma do
falecimento, no ano anterior ao início da conferencia de Puebla, do Papa Paulo
VI, reconhecido pelo seu decisivo apoio às iniciativas da Igreja na Base, por
meio principalmente de bispos-profetas. A este respeito, ficaria célebre sua afirmação,
endereçada à Ditadura Civil- Militar do Brasil e seus cúmplices que perseguiam
Dom Pedro Casaldáliga, em seu apoio pastoral aos povos indígenas e aos camponeses
da região do Araguaia: “Quem mexe com Pedro, mexe com Paulo” (cf. https://www.youtube.com/watch?v=Xnzy4y44kZs)
No âmbito mais diretamente
eclesial, a realização da II Conferência Episcopal Latino-Americana, em
Medellín, representou um verdadeiro Pentecostes na Igreja Católica Romana, em
especial em relação à América Latina e o Caribe. Foi muito além do que dela mesma esperavam
seus protagonistas, que se contentariam com ser uma aplicação no plano do
continente, das decisões tomadas pelo Concílio Vaticano II. Significou uma
refundação da Igreja Latino-Americana, ao conferir-lhe rosto próprio,
protagonismo profético inaudito, da parte de parcela significativa do seu
episcopado, comprometido com a causa libertadora de seu povo - povos
tradicionais, indígenas, afrodescendentes, jovens, camponeses, operários, mulheres,
... O tema então trabalhado - " A
Igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano
II” - constituía um apelo sugestivo em vista dos desafios e do seu compromisso.
Disto também falavam forte seus dezesseis temas integrantes do Documento
Final. Dentre os temas-chave constavam: Justiça, Pobreza, Paz, Família,
Educação, Leigos e Leigas, Comunicação, Colegialidade, etc. Mais do que o
evento em si, falou forte o compromisso de seus protagonistas, de ecoar tanto no
continente quanto mundo afora os clamores dos pobres, por meio da "opção pelos
pobres". Nesse sentido, importa destacar os avanços significativos protagonizados
pelas mais diversas formas de organização eclesial, em especial por meio das
Pastorais Sociais, de importantes serviços, associações e movimentos leigos.
Com efeito, o pós-Medellín, sobretudo ao longo dos anos 70, conseguiu ressoar
em todo o mundo, nos mais distintos continentes, contundentes mensagens em busca
de uma ampla reforma da Igreja Católica Romana, principalmente em sua missão
profética de compromisso com a causa dos oprimidos. Sobretudo a partir de
Medellín, vão ganhando terreno, por exemplo, o CIMI, as CEBs, a CPT, a CPO, a
PJMP, as PCIs, a Teologia da Libertação, o CEBI, os Centros de Defesa dos
Direitos Humanos, a Comissão Justiça e Paz e outras organizações de referência.
O Legado de Medellín, portanto, vai bem além do ano em que foi
realizada a referida Conferência. Marca, de maneira emblemática, o impetuoso
esforço de renovação eclesial, especialmente no tocante à sua voz profética que
vai ecoar e incomodar as forças conservadoras, dentro e fora dos espaços
eclesiais, de tal modo que, anos depois, as forças conservadoras da Igreja
Católica Romana junto com as forças das grandes potências, Estados Unidos à
frente, tratam de articular, no plano eclesiástico e no plano político,
vigorosas estratégias de combate, pressionando o Vaticano a conter tal onda de
renovação, que ameaçava a ordem vigente...
Pouco tempo depois, ainda sob o efeito dos ganhos obtidos na
Conferência de Medellín organiza-se, em 1979, na cidade de Puebla (México), a
III Conferência Episcopal Latino-Americana, que reafirma os compromissos de
Medellín, de modo bastante convincente, inclusive dada a qualidade da
intervenção mediatizadora de assessores qualificados junto ao grupo mais
profético de Bispos participantes daquela conferência. Já em sua introdução, o
documento final assina-la aspectos relevantes tratados na conferência, da qual
sublinhamos o seguinte trecho (da Introdução):
“Como atuar pastoralmente na América Latina, numa total
fidelidade ao Evangelho? Quais são os critérios e as linhas de uma verdadeira e
autêntica evangelização para a América Latina? Quais deverão ser as opções
pastorais fundamentais para que o Evangelho seja um acontecimento atual e
presente, com toda a sua, vitalidade e força original? [...] É necessário
pensar na edificação de uma nova realidade, de uma inserção evangélica na nova
sociedade que surge na América Latina muito ligada com o povo do mundo de hoje
e de amanhã. Trata-se de buscar o caminho para que o Evangelho, através do
testemunho de nossa vida e de sua proclamação sempre nova, seja luz, fermento,
sal, água viva para os povos do nosso Continente.
[...]
Tal ubiquação em nossa história concreta nos tornará sensíveis
à vitalidade de nossas Igrejas e a um conjunto de problemas. A vitalidade: no
presente de nossas Igrejas percebe-se uma vitalidade nova; a sede de Deus e sua
busca na oração e contemplação; a colegialidade episcopal cada vez mais vivida;
o grande desenvolvimento das pequenas comunidades eclesiais em comunhão com a
hierarquia; os novos ministérios; uma vida de fé mais profunda por parte de
muitos jovens; a ação pastoral intensa dos religiosos e das religiosas,
sobretudo a inserção comunitária cada vez maior nas zonas mais pobres; o
planejamento pastoral em seu processo de participação, em todos os níveis, das
comunidades e pessoas interessadas, educando as numa e para uma metodologia de
análise da realidade, para a reflexão sobre a realidade a partir do Evangelho,
os objetivos e os meios mais aptos e seu uso mais racional para a ação
pastoral; a presença sempre maior dos bispos entre o povo; a liberdade cada vez
maior frente ao braço secular; uma consciência mais aguda dos leigos quanto à
sua identidade e missão eclesial.”
Como se percebe Puebla, não apenas assume os compromissos de
Medellín como trata de atualiza-los, a exemplo do que se passa em seu admirável
esforço de sintetizar os alvos prioritários a merecerem sua atenção, ou seja
quais eram os pobres, concretamente, pelos quais a Igreja Latino-americana
fazia sua opção? Eis uma lista bastante representativa destes rostos:
“Ao analisar mais a fundo tal situação, descobrimos que esta
pobreza não é uma etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e
estruturas econômicas, sociais e políticas, embora haja também outras causas
da, miséria. A situação interna de nossos países encontra, em muitos casos, sua
origem e apoio em mecanismos que, por estarem impregnados não de autêntico
humanismo, mas de materialismo, produzem, em nível internacional, ricos cada
vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres. Esta situação de
extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas
quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor (que nos
questiona e interpela) : 32. - feições de crianças, golpeadas pela pobreza
ainda antes de nascer, impedidas que estão de realizar-se, por causa de
deficiências mentais e corporais irreparáveis, que as acompanharão por toda a
vida; crianças abandonadas e muitas vezes exploradas de nossas cidades,
resultado da pobreza e da desorganização moral da família;. - Feições de
jovens, desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados,
sobretudo nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de oportunidades
de capacitação e de ocupação; 34. - Feições de indígenas e, com freqüência,
também de afro-americanos, que, vivendo segregados e em situações desumanas,
podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres. 35. - feições de
camponeses, que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso
continente, sem terra, em situação de dependência interna e externa, submetidos
a sistemas de comércio que os enganam e os exploram; 36. - feições de
operários, com freqüência mal remunerados, que têm dificuldade de se organizar
e defender os próprios direitos; 37. - feições de subempregados e
desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas e,
muitas vezes, de modelos desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e
suas famílias a frios cálculos econômicos; 38. - feições de marginalizados e
amontoados das nossas cidades, sofrendo o duplo impacto da carência dos bens
materiais e da ostentação da riqueza de outros setores sociais; 39. - feições
de anciãos cada dia mais numerosos, freqüentemente postos à margem da sociedade
do progresso, que prescinde das pessoas que não produzem.”
Observe-se a profunda afinidade de propostas e valores
assumidos nessas duas conferências, que reputamos as mais contundentes, no que
diz respeito ao compromisso Evangélico com a causa libertadora dos
empobrecidos, tendo ido bem além do que conseguiram as Conferências ulteriores
(a de Santo Domingo, em 1992, e a de Aparecida, em 2007), até porque estas
últimas se deram sob os pontificados João Paulo II e de Bento XVI (a de Puebla,
embora já contando com a presença de João Paulo II, já estava solidamente
encaminhada).
Rememorados aspectos axiais das conferências de Medellín
Puebla, resta-nos o desafio de atualiza-las, tomando em consideração grandes e
novos desafios que nos rodeiam, na presente atualidade. Eis porque, no item
seguinte, cuidamos de levantar questionamentos com relação a tais desafios,
dentro e fora dos espaços eclesiais.
Que
lições extrair de Medellín e de Puebla, em vista de um enfrentamento exitoso de
grandes desafios sócio eclesiais, na atualidade?
A
centelha profética de Medellín e de Puebla segue e a inspirar e a mover agentes
e ações libertárias, nos dias atuais, principalmente - ou quase apenas - nas
"correntezas subterrâneas" de nossa sociedade e de nossas Igrejas.
Nas águas de superfície, é quase impossível notar sua ação. Como, então,
reacender mais e mais as fagulhas de Medellín e de Puebla, naquilo que têm a
ver com os desafios de hoje?
Talvez
mais no que se associa ao seu conteúdo, não seria sobretudo no método por elas
seguido, que teríamos mais a delas extrair lição?
Segue
eficaz a metodologia vivenciada por aquelas Conferências:
- Examinar
criteriosamente a realidade social e eclesial, em seu movimento dinâmico, em
seus entrechoques históricos, na profunda interconexão de seus elementos, atinentes
a uma diversidade de campos de saberes, como um saberes (na perspectiva de “Interculturalidade”
ou, nos termos de Franscisco, atual Bispo de Roma, “Cultura do Encontro) primeiro
momento que se oferece a quem pretenda ajudar a transformar a realidade. Diante
de tantos equívocos reiterados nas leituras de realidade hoje exercitadas, não
será bem o caso de recolher melhor as lições de Medellíin e de Puebla? Diante
das armadilhas de hoje, sob a égide de uma época de "pós-verdade"
(cf. artigo de Marcos Barbosa de Oliveira: https://outraspalavras.net/internetemdisputa/pos-verdade-uma-filha-do-relativismo-cientifico/)
- Como
vimos exercitando o confronto entre a compreensão da realidade com os critérios
referenciais propostos pela Tradição de Jesus? (Julgar);
- E,
sobretudo, do ponto de vista da ação, da intervenção sobre nossa realidade,
salvo exceções colhidas sobretudo nas correntezas subterrânea", como
retomar o Trabalho de Base, em novo estilo, isto é, com os olhos e o coração
voltados para os novos desafios hoje enfrentados?
Os
aprendizados de natureza metodológica só fazem sentido, se nos ajudam
concretamente a (re) assumirmos temas candentes, velhos e novos, que também
estiveram presentes em Medellín e em Puebla, e que hoje seguem a nos desafiar:
que temas hoje priorizar?
Como
atualizar as grandes questões então enfrentadas, e das quais se tornaram
emblemáticos documentos tais como: a "Gaudium
et Spes", a Populorim
Progressio,o Manifesto escrito por bispos e superiores religiosos do
Nordeste, intitulado "Eu Ouvi os
Clamores do Meu Povo" (1973); o Manifesto dos Bispos de Centro-Oeste,
"A Igreja do Centro-Oeste em conflito
com com o Latifúndio" (1974); o documento "da CNBB, "Exigências Cristãs de uma Ordem Política"
(1977); o documento da CNBB sobre a questão da terra, no Brasil, de 1981,
fazendo bem a distinção entre terra de trabalho e terra de negócio. Iniciativas
de um profetismo emblemático, em plena sintonia com o espírito de Medellín e
Publa. Como reacender esses compromissos, hoje, no que for pertinente?
Importantes
que sejam - e são! -, não bastam as questões de caráter mais diretamente
societal. É fundamental igualmente reavaliarmos a caminhada de meio século, ao
interno da Igreja Católica Romana.
Durante parte expressiva deste período - mais de três décadas -, a
"Igrejana Base", na América Latina e no mundo, teve que amargar sucessivos
retrocessos sócio-pastorais, por conta dos graves recuos e das perseguições a
ela movidas, em consonância com as forças conservadoras do mundo político. Como
enfrentar, de modo atualizado, esses desafios, hoje?
Por
exemplo, do ponto de vista da organização estrutural da Igreja Católica Romana,
a despeito de atitudes proféticas do Bispo de Roma, prevalece uma inércia
gigantesca, da parte dos órgãos eclesiásticos que se apropriam das instâncias decisórias,
ao interno da Igreja Católica Romana, sem sequer observarem as decisões do
próprio Concílio Ecumênciao, com relação, por exemplo, ao indicado na "Lumen Gentium", que põe o Povo de
Deus, e não a hierarquia apenas, a centralidade organizativa da Igreja. Como enfrentar,
hoje, concretamente, esses desafios?
E
quanto ao lugar das Mulheres na Igreja, como romper com esta traição ao
espírito do Evangelho, em que as atitudes de Jesus de Nazaré em relação às
Mulheres continuam sendo desrespeitadas, com a manutenção de decisões controladas
apenas por homens, e mantendo as Mulheres distantes das instâncias de decisão?
Duas
figuras, entre outras, nós vêm à lembrança, quando cuidamos de refletir
criticamente sobre as coisas da/na Igreja Católica Romana, a estarem a merecer
profundas mudanças. Em uma de suas últimas entrevistas, o Cardeal Carlo Maria Martini,
questionado sobre a necessidade de reformas da Igreja Católica, ele não hesitou
em afirmar que nossa Igreja está a duzentos anos de atraso... Algo semelhante
foi dito pelo teólogo José Comblin, por ocasião de uma longa entrevista,
concedida a uma emissora radiofônica do Chile. Perguntado o que precisaria
mudar na Igreja, Comblin, com sua conhecida ironia profética, começa a
responder a esta questão, dizendo; "Tudo!" à parte a ironia
combliniana, de fato, há muito, muito a ser alterado nas estruturas da Igreja Católica
Romana, para ser fiel à Tradição de Jesus:
Em que
pese o reconhecido esforço de Dom Helder, junto ao Papa Paulo VI, de quem Dom
Helder se sentia próximo, no sentido de sensibilizá-lo em favor de desfazer o
formato de Estado sob o qual a Igreja Católica segue organizada, não vemos
sinais convincentes, nessa direção, e isto há mais de cinquenta anos de
sucessivos alertas, como o ainda recentemente reiterado por Dom Pedro
Casaldáliga, acerca da necessidade de a Igreja se desfazer de sua organização
ao modo de Estado, para ser fiel ao Mestre, cujas advertências não parecem
ressoar no coração dos hierarcas de todos os tempos: "Entre vocês, não há
de ser assim..." (cf. Mc 10, 42-45).
A
despeito de alguns avanços feitos, inclusive, na Teologia dos Ministérios, há,
também aí, uma longa estrada a percorrer, para fazer prevalecer na organização ministerial
da Igreja Católica Romana o espírito da
Tradição de Jesus. Como enfrentar isto?
Outro
desafio de monta diz respeito a um profundo reexame bíblico-teológico, por
parte das Batizadas e dos Batizados, integrantes da mesma e grande Comunidade
Eclesial, das bases e dos fundamentos em que se tem assentado a separação entre
clero e leitos; entre ordenados e não-ordenados, que acabaram prevalecendo
sobre a condição comum de Batizados e
Batizadas. Quem vai enfrentar tal reexame? Por meio de que instâncias?
Não é
menor o debate sobre a exclusão das Mulheres do seu direito – relativo, é
claro, apenas às vocacionadas - de terem acesso e reconhecimento de sua vocação
ao exercício de funções específicas, tais como a do Diáconado, ao à do
Presbiterato, à do Episcopado. Quem, e através de que instâncias, isto vai ser reexaminado?
Que
base consistente de argumentação bíblico-teológica respalda certa tradição
eclesiástica que cobre de privilégios os membros dos segmentos ordenados - em
especial, os do Episcopado -, em detrimento dos direitos dos segmentos
não-ordenados?
Por
exemplo, o que justifica haver conferências episcopais, e conferências de
Religiosos e Religiosas, e não se permitir igual direito às Leigas e Leigos?
A quem
vai caber reexaminar esses casos?
O
mesmo se diga em relação às instâncias decisivas, relativas às Igrejas particulares,
como o caso das Conferências continentais: por que conferências episcopais, e
não com protagonistas de todos os segmentos?
Que instância
ou instâncias decisórias estão por ser criadas, nesse sentido?
Nesse sentido, somos chamados a dar prosseguimento,
isto é, a avançar, em nossa caminhada atual, bem nutridos pelo legado de
Medellín e de Puebla, e buscando ser fiéis ao seu espírito profético e renovador.
Isto só confirma a pertinência do dito "Eclseia semper reformanda
est" ou "Reformata, Ecllssia semper reformanda est". Precisamos,
sim avançar, desta vez, tomando em conta a natureza de novos desafios que
se nos interpõem, e que não são bem percebidos ou o mesmo nada percebidos, mesmo
passados cinquenta anos. Precisamos dotar-nos de meios que nos permitam
concretizar, em nosso dia-a-dia, os valores do Reino de Deus, tal como hoje o
Espírito Santo nos inspira, em busca permanente da unidade, na diversidade. Em
distintas circunstâncias, o atual Bispo de Roma tem chamado a atenção, nessa direção,
mas tem sido pouco ouvido, principalmente pela Cúria Romana e seus aliados, nos
mais diversos países, inclusive na América Latina e no Brasil. tal é a
sensibilidade de Francisco, Bispo de Roma, que, por ocasião de uma de seus encontros
com o membros do CELAM, no Brasil, não hesitou em sugerir que não se tivesse
medo de avançar, de seguir estrada, inspirados no Evangelho, pra além dos
preceitos e disciplina vigentes. Aqui, ali, receberiam alguma reprimenda, algum
alerta, mas, equacionados os exageros, que se seguisse empreendendo novas
experiências. Não ter medo de avançar! O Bispo de Roma - e nós com ele - está
convencido de que as mudanças necessárias não virão de cima para baixo (ou,
pelo menos, apenas nem sobretudo), mas, antes, pela ousadia vinda desde a base.
Nessa direção, é que começamos a compreender significativas iniciativas por
parte de Leigas e Leigas, mundo afora. Aqui e ali, com algum excesso,
reconhecemos, mas sem tal ousadia, não haverá mudança, pois quem controla hoje
as decisões da Igreja não tem do que reclamar: são os beneficiários das medidas
e normas por eles mesmos elaboradas...
E se,
seguindo todo um processo, toda uma gama de passos necessários, as Leigas e os
Leigos começassem (ou já começaram?) a dar passos, guiados pelo Espírito santo,
ousando iniciativas não previstas necessariamente pela hierarquia? Por exemplo,
ousando a experiência de Conferência de Leigos e Leigos? Organizando sínodos, no
âmbito de Igrejas particulares? E, se com tais passos, Leigas e Leigos, por
certo com o apoio de membros da hierarquia, dessem passos progressivos em direção
a um novo concilio do Povo de Deus, na Igreja Católica? Mesmo sabendo que o
Povo de Deus ultrapassa, como é sabido, as fronteiras da Igreja Católica e das
Igrejas Cristãs, devendo comportar todas as expressões de Fé do conjunto da
humanidade, em sua rica diversidade...
João
Pessoa, 10 de janeiro de 2018
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