POR UMA CULTURA CONECTIVA: a contribuição de Francisco, Bispo de Roma
Alder Júlio Ferreira Calado
No próximo mês, Francisco, Bispo de Roma, estará completando
seis anos de atuação pastoral à frente da Igreja Católica Romana. Desde seu
primeiro dia de atuação – até mesmo pela feliz escolha do nome -, vem dando
provas sucessivas de tratar-se de uma liderança de novo tipo, uma voz no
deserto, cujo reconhecimento talvez seja ainda mais denso fora dos espaços
eclesiais do que ao interno da própria Igreja Católica Romana.
Desde então, em suas múltiplas intervenções, viagens
apostólicas – homilias, mensagens, discursos, entrevistas, etc. – o Bispo de
Roma tem sido recorrente, no emprego de algumas expressões ou palavras-chave,
que compõem seu universo vocabular (sobre isto já nos manifestamos: cf., por
ex., http://consciencia.net/do-universo-vocabular-do-papa-francisco/
http://la5tapata.net/del-universo-lexical-del-papa-francisco/
). Uma destas suas expressões-chave é a da “Cultura do Encontro”. Em busca de
uma apreensão/compreensão mais consistente do sentido de tal expressão,
tratamos de compartilhar as linhas que seguem.
O que quer dizer isto: Em que consiste, em situações
concretas, práticas? Que valores comporta esta expressão? Numa sociedade
marcada pelos desencontros, pelas cisões, pela pulverização de valores e de ideias,
qual o lugar de uma expressão como esta? De fato, nossas sociedades ocidentais se
acham impactadas pela tendência crescente à fragmentação, à pulverização das
relações. O individualismo aí tem campo fértil, orientadas que são por uma
espécie de síndrome disjuntiva – “ou isto ou aquilo” -, sem que se vislumbre
qualquer chance de composição até entre parceiros, muito menos ainda entre
pessoas e grupos diferentes. A sede de poder, a vontade de auto-exibição e
sentimentos do gênero têm induzido não poucos a um individualismo extremado do
“meu” ou “dos meus”. Fora de mim ou fora dos meus, não há salvação. Aí só tem
lugar para o pensamento único, para a intolerância (política, religiosa, cultural,
etc.) No caso do debate extremado, durante a última campanha eleitoral, no
Brasil, isto pode ser ilustrado pela ideia da famigerada “Escola sem partido”.
É apenas um exemplo ilustrativo. Sob a mal disfarçada justificativa de recusa a
uma educação “sem viés ideológico”, acaba-se sucumbido a uma cultura necrófila,
de negação da diversidade da vida e da busca de unidade dentro desta
diversidade.
Não é sem razão que Francisco, atual Bispo de Roma, tem despertado
atenção e respeito, nos mais distintos recantos do Planeta, afirmando-se como
uma liderança de novo tipo. Num mundo cada vez mais secularizado até hostil a
grandes autoridades mundiais, não raramente protagonistas de escândalos de todo
tipo, eis que recai em alguém de referência no cenário da Igreja Católica
Romana, não por acaso, uma das instituições mais criticadas, nas últimas
décadas, que suscita paradoxalmente simpatia e respeito, em todo o mundo,
talvez até mais do que ao interno da própria Igreja Católica Romana. Em busca
de uma aproximação de algo explicativo de tal fenômeno, muitas tentativas têm
sido feitas. Uma delas consiste em identificar nele – em seus pronunciamentos,
em seus escritos, mas sobretudo em suas atitudes – quais os valores que movem
sua personalidade. Para tanto, até já se trabalhou no sentido de levantar suas
palavras-chave, suas expressões mais fortes. Um desta recai sobre sua defesa e
promoção da “Cultura do Encontro”. Em diversas ocasiões, inclusive quando de
discurso seu, dirigido a movimentos populares, em Santa Cruz de la Sierra
(Bolívia), isto voltou à tona. De que Cultura do Encontro se trata? Que elementos
comporta? Em que circunstâncias ele ousa focar sobre tal expressão? Começando
por esta última questão, parece evidente uma tendência dispersiva, centrífuga,
fragmentária, que se observa, crescente, em nosso mundo atual. Refém da sede de
poder, de prestígio, impera a cultura do “cada um por si”, do “SALVE-SE QUEM
PUDER”... Discípulo coerente da Boa Nova anunciada e testemunhada por Jesus de
Nazaré, também o Bispo de Roma se tem empenhado em anunciar e testemunhar um
antídoto a tal esfacelamento societal. Curioso é que, para tanto,
diferentemente do que sói acontecer, seus primeiros passos em busca de
superação desta fragmentação não vão em direção aos “Grandes” deste mundo. Não o
atrai espetáculo pirotécnico do G-8 ou dos grandes chefes de Estado. Nem mesmo
das grandes organizações que governam as nações. Prefere aproximar-se dos “de
baixo”: daí sua ousadia em conclamar encontros mundiais de representantes de
movimentos populares. Por que tem sido este seu caminho preferido? Porque um
projeto de unidade normalmente se faz distante dos “GRANDES” – A NÃO SER QUE SE
TRATE SÓ DE SI MESMOS! Os “de baixo”, desprovidos de fortunas e de riquezas e de
bens, estão mais propensos a se juntarem, a partir de seus tostões, como é
frequente escutar-se entre muitos destes: “O pouco com Deus é muito! ” Mas, de
que unidade se trata, concretamente?
Não se trata, primeiro, de uma uniformidade, mascarada de
unidade, mas imposta aos demais sujeitos. Trata-se, sim, de uma unidade
costurada na diversidade de pontos de vista e de posições dos interlocutores,
em busca incansável de um denominador comum, que assegure o atendimento às
necessidades e aspirações básicas do conjunto destes sujeitos, coletivos e
individuais.
Neste sentido, vale a pena sublinhar o especial apreço,
manifestado por Francisco, à figura geométrica do poliedro. Ao contrário da
pirâmide, por exemplo, em que os “de cima” subjugam a base, o poliedro, por sua
vez, inspira uma organização societal ou comunitária, inspirada na busca de
unidade dentro da diversidade, respeitando-se a autonomia dos distintos
parceiros.
Sucede que tal concepção se acha ainda muito distante da
realidade atual tanto no âmbito societal, tanto no próprio âmbito eclesial. Eis
um desafio característico de uma mudança de época, cujo enfrentamento exitoso
demandará décadas e décadas, talvez século, desde que os primeiros passos sejam
empreendidos, a partir de agora. Nesta direção, nossas esperanças estão voltadas,
principalmente, para o que anda a se produzir nas “correntezas subterrâneas”,
protagonizado por movimentos populares e organizações de base de nossas
sociedades, desde que se empenhem no incessante assumir de suas tarefas
históricas, em vista de irem produzindo sinais, na perspectiva de um novo modo
de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal,
alternativos às práticas e concepções hegemônicas do sistema imperante.
João Pessoa, 2 de janeiro de 2019.
Obrigada por socializar ideais tao nobres.Saudades , abraco Regina Celi Delfino UFPB
ResponderExcluirGratidão, professor, pelas palavras que nos enchem de esperança... Abraços!
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