terça-feira, 7 de setembro de 2021

TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XXIV)

 TRAÇOS DA MÃE-ÁFRICA: em busca de nossas raízes (XXIV)


Alder Júlio Ferreira Calado


Nairóbi, a capital do Quênia, acaba de sediar a mais recente edição do Fórum Social Mundial, iniciado em Porto Alegre, e aí realizado em suas primeiras edições, e depois, adquirindo um caráter policêntrico, organizado em várias partes do mundo. Desta feita, mais uma vez, em terras africanas, durante alguns dias, a partir de 20 de janeiro. Em pauta, como foco de debates e de aprofundamento, temas variados e de reconhecida relevância social, numa perspectiva de humanização dos Humanos, em suas relações entre si e com o Planeta. Vale a pena recordar o temário vivenciado no FSM em Nairóbi:

- Mais diretamente relacionados com a dimensão ético-política: Dignidade humana/ Diferenças/ Discriminações; Meio Ambiente/ Energia; Direitos Humanos; Água; 

- Temas ligados às relações de Gênero e geracionais: As Lutas das Mulheres; Crianças; Juventude

- Do ponto de vista econômico, foram debatidos: o Trabalho; as Corporações transnacionais; Dívida externa; Economias alternativas; Livre Comércio;

- No plano cultural e educativo: Educação; Conhecimento/ Informação/ Comunicação; Cultura;

- Nas esferas política e social: Migrações; Guerra e Paz; Saúde; Soberania alimentar/ e Reforma Agrária; Instituições nacionais e internacionais e Democracia.

Como se percebe, é amplo e instigante o leque de questões tratadas, além de bastante pertinentes.  Correspondem bem aos objetivos gerais do Fórum, que são:

“1. Pela construção de um mundo de paz, justiça, ética e respeito pelas espiritualidades diversas. 2. Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro. 3. Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza. 4. Pela democratização do conhecimento e da informação. 5. Pela dignidade, diversidade, garantia da igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de discriminação. 6. Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e trabalho digno. 7. Pela construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e nos direitos dos povos. 8. Pela construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade. 9. Pela construção de estruturas políticas realmente democráticas e instituições com a participação da população nas decisões e controle dos negócios e recursos públicos. “

Como fórum de debate, trata-se de uma iniciativa bem-vinda, na medida em que seus protagonistas estejam conscientes também de seus limites. Por mais instigantes e calorosas que sejam as discussões aí travadas, bem sabemos não ter o FSM caráter deliberativo, além de restringir seus espaços a forças sociais mais palatáveis pela ordem imperante. Condição que me faz lembrar de um depoimento tocante que li, acerca deste evento em Nairóbi. Refiro-me a uma das iniciativas da abertura do FSM, a realizada numa das inúmeras favelas de Nairóbi. Lá estavam cerca de duas mil pessoas, a enfrentarem o desafio de terem acesso a uma celebração litúrgica programada no centro da favela, passando por sucessivas vielas estreitíssimas, cuja população em estado de profunda penúria, a ponto de causar perplexidade até às pessoas mais habituadas a ver cenas congêneres, a exemplo do que escreveu sobre isso o Agente de Pastoral Gogó, da CPT: “Entramos pela favela, onde praticamente é preciso entrar em fila indiana, tamanha a estreiteza das vielas. O esgoto corre a céu aberto entre os casebres, quase todos de dois metros por três. Nas vielas as crianças brincam, pulam, cumprimentam os que vão passando. As vielas estão apinhadas de gente, com aquelas coisas de ambulantes dependuradas nas paredes, música tocando, como são as características típicas das favelas. Chegamos à paróquia. Ali, no pátio interno de uma escola, umas duas mil pessoas presentes para a celebração, ao sol. Acreditem, a maioria era de homens. (...) Depois da missa nos dividiram em grupos para visitar as outras partes da favela. Acompanhamos uma das lideranças comunitárias. Pelas vielas ela nos levou para mostrar sua casa. Quando entramos, vimos o que de mais contraditório poderia se ver. São uns vinte cubículos - não mais que 3x3 metros - emendados, com um corredor fechado ao meio. Dentro de cada cubículo mora uma família. Ela tinha exatamente isso para sua família, um cubículo. Ela dizia isso e ria, mas um riso verdadeiro. E a gente se entreolhava para dizer a si mesmo: "como é que pode"?” (cf. www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26116)


João Pessoa, 28 de janeiro de 2007


Nenhum comentário:

Postar um comentário