segunda-feira, 25 de julho de 2022

A INVENTIVIDADE REVOLUCIONÁRIA DE LUDOVICO SILVA

 A INVENTIVIDADE REVOLUCIONÁRIA DE LUDOVICO SILVA


Alder Júlio Ferreira Calado


Em seu denso "Filosofia da Práxis” (Expressão Popular, 2007), Adolfo Sánchez-Vásquez, ao tratar de criatividades na perspectiva marxista, faz questão de assinalar que nem toda criatividade se reveste de relevância social, mas somente a que comporta uma intencionalidade revolucionária. Não raramente, deparamos com a mídia comercial a anunciar, com estardalhaço uma iniciativas pretensamente "original", e quando analisarmos criticamente, nós a percebemos desprovida de predicado capaz de nos trazer uma inovação relevante, sob o ponto de vista da mudança social. Também ao interno das forças de esquerda, atribui-se valor extraordinário a certos feitos cuja contribuição resta, por vezes, duvidosa. Este não é, com certeza, o caso da figura do filósofo venezuelano Ludovico Silva (1937-1988), sobre quem nas linhas que seguem, me ocorre tecer umas brevíssimas notas.


Seu percurso inicial, a despeito das condições intelectuais familiares serem favoráveis (parentes próximos seus também se destacavam, especialmente no campo das Letras), seus primeiros anos de universitário se caracterizam por seu empenho e desempenho privilegiados, no campo das Letras, a partir da filosofia, que concluiu obtendo aprovação “Summa Cum Laude” pela Universidade Central da Venezuela. Alternou temporadas de estudos em Madrid (filosofia), e, Paris e na Alemanha (Filologia Românica).;


Já antes de seu giro pela europa, ele cultivava um gosto especial por línguas (além de espanhol. também o francês, o Alemão, entre outras), bem como pela literatura, pela poesia, pela comunicação (radiofônica)., ao tempo em que lograva promover interlocução com poetas latinoamericanos de renome, inclusive Ernesto Cardenal (Nicarágua). Também começou a despertar interesse pela leitura de Marx, inclusive sob O Capital, mantendo-se igualmente atento às outras obras marxistas.


No entanto, foi a partir do seu regresso da Europa, que Ludovico Silva dedicou atenção especial, a um mergulho profundo e crítico acerca do legado de Marx. Já tinha em torno de trinta anos de idade quando iniciou um período de leitura mais detida da obra de Marx, sem que isto em nada tenha afetado a qualidade e a excelência do seu trabalho. Muito ao contrário. Com efeito, em 1970, nos vai brindar com um dos textos mais fecundos - “A Mais Valia Ideológica”, seguido de “Teoria e Prática da Ideologia”. 


Conquanto fosse também um marxólogo importa assinalar que Ludovico Silva militando em distintas trincheiras anticapitalistas, especialmente no campo da Filosofia e da Literatura (mais particularmente da Poética: os jovens, os chamavam “Ludo, o Poeta”) - campo de militância no qual faz lembrar a militância de Antonio Candido - ofereceu ao campo revolucionário latinoamericano valiosas contribuições, por meio de obras tais como “O Estilo literário de Marx”, “Anti-manual para uso de Marxianos, Marxistas e Marxólogos”, entre outros.


Pela forma como trata e analisa minuciosamente a obra de Marx, Ludovico ganha autoridade e respeito, perante os militantes e pesquisadores do legado marxiano, de modo a elaborar um trabalho hermenêutico persistente das obras de Marx, insurgindo-se  de modo contundente, contra toda postura dogmática - principalmente contra o Marxismo soviético, postura a qual se deve, inclusive, a ocultação durante décadas, de parte expressiva da obra de Marx, atitude agravada pelo comportamento ultra-seletivo de partes ou trechos dos escritos Marxianos. Notemos, por exemplo, que a publicação dos “Manuscritos Econômico-Filosóficos” só veio a lume em 1932.


O primeiro grande impacto de sua obra foi causado por seu livro “A Mais-Valia Ideológica”, publicado em 1970. Nele, o autor se revela sobremaneira criativo, ao formular, em linha sequencial ao conceito de “Mais-Valia” da lavra de Marx, a categoria “Mais-Valia ideológica”. Partindo da formulação marxiana do mais-valia, Ludovico se dá conta da carga semântica igualmente presente nas relações capitalistas, da dimensão imaterial do mecanismo de exploração e geração do lucro, observável na extração material de mais-valia, desta feita arrancada, na exploração física/material do trabalhador alienado, mas do seu espírito e da sua psiquê, a medida que tal exploração se estende, do chão da fábrica, para o lar do trabalhador, de modo que os aparelhos ideológicos - especialmente os meios de comunicação de massa, da indústria cultural - mantém prisioneiro o trabalhador: ele se torna refém de suas ideias, toda grade de valores, de crenças, de ideias que o mesmo sistema dominante faz circular, dia e noite, pelo rádio, pela televisão, na família, na escola, na igreja, etc. Outro aspecto não menos importante contido na “Mais-Valia Ideológica”, tem a ver com a descoberta pelo explorado de que, dando-se conta dos mecanismos de exploração por ele sofridos, passa a enfrentá-los, neles identificando seu inimigo de classe: o patronato, o sistema capitalista.


A partir desta brevíssima notícia acerca de Ludovico Silva e de aspectos de seu legado - cujo intento é apenas o de instigar especialmente os jovens das classes populares - importa agora ressaltar alguns ensinamentos recolhidos de sua contribuição teórica.


Um primeiro ponto a destacar de seu legado: o entendimento de que também Marx e em qualquer outro clássico não devemos tomar como acabada sua produção, como se fosse algo cristalizado ou congelado no tempo, a ser mecanicamente aplicado em toda e qualquer conjuntura. Ao contrário, até em respeito a essas mesmas figuras que não se cansam de insistir sobre o caráter histórico e, portanto, mutável da realidade, não se trata de assumi-los como uma obra acabada, fechada, válida integralmente para qualquer situação.

O bom entendimento das teses marxianas feito por Ludovico Silva se mostra, com efeito, bastante fecundo, especialmente, no caso do conceito de “mais-valia”, à medida que, vai além de uma interpretação meramente econômica, ou seja, partindo do seu alcance especialmente econômico. Ludovico Silva o estende criativamente à esfera ideológica, isto é, mostra como a extração da mais-valia não se dá apenas no chão da fábrica. O mesmo trabalhador, que é sugado no ambiente fabril, também vai ser sugado no próprio ambiente do lar. Aqui a exploração se faz no plano ideológico, por meio do componente ideológico, fazendo-o refém da grade de ideias, valores, crenças incutidas pelo sistema patronal, através dos meios de comunicação, da propaganda, dos programas radiofônicos e televisivos, todos controlados pelo patronato que financia a mídia hegemônica.

A este respeito, cumpre observar o alcance deletério da “Mais-Valia Ideológica”, sob um duplo efeito: do ponto de vista estritamente econômico, extrai do trabalhador a vantagem ou o lucro do seu sobretrabalho, ao mesmo tempo em que, com a mais-valia ideológica, ao incutir em sua cabeça falsas explicações sobre a verdadeira causa de seu empobrecimento, anula sua capacidade de exercício crítico, impedindo ou dificultando extremamente sua capacidade de resistência, o que resulta em uma vantagem significativa para a manutenção e fortalecimento do mesmo sistema de exploração. Por outro lado, em se tratando de uma experiência dialética, ao sofrer a exploração, o trabalhador também acaba apreendendo sua capacidade de lutar contra a exploração, seja no âmbito pessoal, seja no âmbito coletivo. Ao observarmos nossa atual conjuntura, nos damos conta da impactante atualidade deste relevante legado de Ludovico Silva. Inspirados em seu frutuoso trabalho, somos historicamente instados a nos servir do seu achado (mais-valia ideológica) como um valioso instrumento político-pedagógico de fortalecimento de nossa tarefa organizativa, formativa e de luta, nos diferentes campos de atuação e militância de nossas organizações de base.


À medida que nossas organizações de base, articulando adequadamente sua tríplice tarefa (organizativa, formativa e de luta), forem capazes de assegurar condições favoráveis aos trabalhadores e trabalhadoras de exercitarem uma leitura crítica do mundo, acabarão fazendo impactantes descobertas, à semelhança das que fez o “Operário em Construção” do célebre poema de Vinícius de Moraes, a merecer especial atenção nos trabalhos de base.


João Pessoa,  25 de Julho de 2022




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