A descontinuidade como elemento corrosivo do processo de formação
Alder Júlio Ferreira Calado
Da reflexão que se segue sobre a descontinuidade como elemento nocivo ao processo formativo, devem ser abstraídas do exercício de (auto)avaliação ético-pedagógica as situações-limite, que independem da vontade de formandos e formadores (doença, circunstâncias atípicas justificáveis).
A Educação Popular, desde que assumida em uma perspectiva libertária, comporta diversos requerimentos - convivência, leitura crítica da realidade, planejamento, metodologia, avaliação, entre outros, inclusive a dimensão dos conteúdos, sempre a partir das necessidades, dos interesses e dos sonhos dos “de baixo”. Este processo só se faz a contento, quando devidamente observado seu ritmo, sua continuidade.
As linhas que seguem se restringem apenas a considerações críticas acerca de um elemento relevante frequentemente subestimado: a descontinuidade. Não raramente, em distintas experiências formativas de pessoas, de grupos, de comunidades, de movimentos populares, sindicais, partidários, eclesiais, o processo formativo, ainda quando formalmente consistente, se tem mostrado com frequência vulnerável por conta também da descontinuidade apresentada por seus membros, dado o volume de faltas aos procedimentos rotineiros. Isto implica perdas consideráveis ao aprendizado, resultando lacunas preocupantes não apenas do ponto de vista individual. Mas também, do ponto de vista coletivo.
Uma própria educação escolar para o sucesso formativo passa pelo efervescência da continuidade - o registro da frequência atesta. Muito mais a continuidade se mostra indispensável ao processo formativo aos movimentos populares e nessas organizações de base. E no caso da educação escolar o aprendizado dos conteúdos por exemplo se faz necessário ou sem ele a qualidade do aprendizado resulta afetada, tanto mais isso se dá no processo formativo preconizado pelos movimentos populares e demais organizações de base.
O alcance negativo da descontinuidade não se limita apenas a sua dimensão coletiva, mas igualmente sem efeito sobre as pessoas. No primeiro caso, quando grupos, comunidade, movimentos não conseguem imprimir em suas atividades o ritmo adequado, resulta uma perda quanto ao processo, e, uma vez interrompido, provoca distorção dos seus membros. No segundo caso, os membros também se ressentem de perdas, quando da descontinuidade. Cada membro, se incide em descontinuidade, acaba prejudicando seu próprio ritmo formativo, à medida que já não consegue manter o foco nos conteúdos e das circunstâncias em que vivia envolvido. Todos saem perdendo. Um exemplo ilustrativo dessa perda pode ser o de uma atividade de leitura e reflexão, em que, uma vez interrompidas provocam distorção e alheamento do processo. Ainda quando os membros retomem o processo, já não é a mesma a qualidade, uma vez que, o tempo faltoso, não conseguem ter completamente recuperado, do que resulta, no caso da leitura interrompida, uma interpretação lacunosa, com a apreensão de trechos esparsos, sem visão de conjunto.
Vista no conjunto de tantos outros fatores formativos, a descontinuidade parece pouco significativa, no entanto, quando passamos a avaliar o processo como um todo, verificamos quão importante é a manutenção do ritmo ou da continuidade, não suporta os avanços e achados do processo formativo. A descontinuidade se apresenta, portanto, como um elemento ruinoso para as três dimensões fundamentais do processo formativo protagonizado pelos movimentos populares e pelas demais organizações de base, a saber: o processo organizativo, o processo formativo e o processo de lutas. Quanto a dimensão organizativa, aquele movimento popular, se coletiva ou pessoalmente não dá sequência sistemática aos seus empreendimentos, acaba fragilizado, uma vez que a organização se protagoniza, sem que se efetiva, contínua, progressiva, sem o que seus membros correm o risco de desânimo, da desorganização, tornando-se ainda mais vulneráveis aos setores dominantes, em suas distintas manifestações. Também no processo de lutas, a descontinuidade provoca consideráveis estragos, uma vez que os grupos e pessoas, não tendo assegurado a continuidade do processo, acabam desmotivadas e entendendo menos a importância e urgência de suas lutas.
No enfrentamento dos desafio da descontinuidade, importa rememorar a força da mística revolucionária, tanto do ponto de vista coletivo, quanto do ponto de vista pessoal. Sem esta energia continuamente exercitada, os militantes se tornam mais vulneráveis aos apelos do imediatismo, razão pela qual não se tornam capazes de distinguir entre fatos de urgência e situações contornáveis, facilmente sucumbem à tentação das auto justificativas.
O desafio da descontinuidade, como de resto dos demais componentes do processo formativo, só se enfrenta exitosamente, a partir do exercício da autocrítica, pessoal e coletiva. Em verdade, o exercício da autocrítica, deve preceder o da crítica: nós nos tornamos o primeiro alvo da crítica que fazemos aos outros.
Por fim, lembramos o contexto assinalado no início deste texto: as críticas que tecemos ao caráter ruinoso da descontinuidade não devem estender-se a situações limites, pois sabemos que todos estamos sujeitos ao imponderável, aos imprevistos que a vida comporta
João Pessoa, 24/06/2003.
P.S. texto produzido em áudio ou ditado para digitação, feita por Gabriel Luar, Eliana Calado e Eraldo Batista, a quem registro meus agradecimentos.
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