quinta-feira, 29 de junho de 2023

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: Em busca de nossas raízes (III)

 TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: Em busca de nossas raízes (III)


Alder Júlio Ferreira Calado


As terras e as Gentes da África constituem, como vimos assinalando, um precioso mosaico cultural. Centenas de línguas, diversidade de religiões, variedade de paisagens e olhares humanos, multiplicidade de estilos de vida. Um cenário fascinante, a infundir alegria em seus protagonistas e em seus espectadores, ao mesmo tempo em que atormenta a imperial obsessão dos Ocidentais - como, de resto, de todo projeto totalitário - pela uniformidade, pela rígida padronização, enquanto projeção/prolongamento de si mesmos. O “outro” é assumido como imagem de mim, no pensar, no sentir, no querer, no agir... De fato, o que é o projeto colonialista (e neocolonialista) senão uma manifestação emblemática da imposição da ideologia do pensamento único?


O que importa mesmo, no caso das terras e das Gentes da África,  é destacar afirmativamente a prevalência dessa diversidade como uma riqueza incomensurável. As sociedades imperialistas é que primam pela inculcação, manutenção e expansão da uniformidade, da unilinearidade, da ideologia do pensamento único. Até porque, enquanto (quase) todos pensarem igual ao “rei” e seus asseclas, a manutenção do trono está assegurada. Sob o ponto de vista dessa lógica, é vital para as forças dominantes que se faça passar o pensamento do “rei” como se fora o pensamento de (quase) todos. De “quase”, sim, porque, afinal, “Nem toda Maria (ou nem todo José)...”


A complexa variedade de cenários demográfico-econômicos, oscilando entre populações com forte urbanização e povos e etnias organizados em tribos, em parte considerável do continente, é desafiante. No sistema tribal existente em boa parte do território africano, pode-se registrar a presença desde tribos com cerca de mil pessoas, falando uma só língua, a tribos como os Ibos, a integrar alguns milhões de pessoas. Com relação especificamente à diversidade étnica, no entender de Victor C. Ferkiss (África: um continente à procura do seu destino. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1965, ., 24), “é possível distinguir na África quatro tipos raciais indígenas inteiramente diferentes: os bosquímanos, os Pigmeus, os negros e os caucasianos.” — A diversidade linguística, por exemplo, pode favorecer um saudável e horizontal intercâmbio, principalmente para aquelas “Nações” cujos protagonistas se disponham a entrar em sintonia com o “Outro ”, a partir do aprendizado do seu respectivo código de comunicação, o que, por seu turno; pode suscitar a disposição do “Outro” a um gesto espontâneo de reciprocidade. Intercâmbio do qual resultam ganhos para as duas partes dialogantes, uma vez que não se trata de abdicar de sua língua materna nem de se pretender impor uma língua alienígena como “a” referência.


Algo semelhante vai se passar no âmbito das expressões do Sagrado. É considerável o leque de manifestações e de experiências com o Sagrado, qualquer que seja o número de seus adeptos. Difícil, a quem não tem sensibilidade macro-ecumênica, compreender a fundo o que se passa no continente africano.


Do enorme mosaico cultural dos Povos da África, é possível recolher traços unitários de afinidade? Em caso afirmativo, que traços seriam esses? Num continente tão antigo, tão complexo e tão extenso, habitado por povos com uma tal diversidade de culturas, de línguas, de religiões, será também razoável o esforço de identificação de pontos confluentes?:


Com efeito, o mosaico cultural das terras e das Gentes africanas é revelador de seu amor à Liberdade, de seu zelo identitário, de seu esforço de autonomia, de respeito ao “Outro” enquanto diferente para tanto contribui uma notável diversidade de situações sócio-culturais. A vida tribal de diferentes povos africanos constitui um dos pontos a sublinhar. Grupos tribais que se constituem tendo por base um leque de condicionamentos: relação de comunhão com a Mãe Natureza, experiência de panenteísmo (o cosmo, as pessoas, os diferentes espaços sociais como expressão de teofania), profundos laços de parentesco (toda a tribo sentindo-se uma só família), o estilo nômade de vida a dissuadi-los ou a desencorajá-los de empresas possessivas ou expansionistas.


João Pessoa, 30 de Dezembro de 2004


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