quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Ação de graças pela vida e obra de Gustavo Gutiérrez (1928-2024)

 Ação de graças pela vida e obra de Gustavo Gutiérrez (1928-2024)


Alder Júlio Ferreira Calado


Uma vida consagrada ao discipulado da Tradição de Jesus, eis o que testemunha o longo itinerário percorrido entre nós por Gustavo Gutiérrez, de cuja páscoa definitiva, ontem, 22/10/2024 tivemos notícia. Com saudade e esperança, associamo-nos à multidão de pessoas, grupos e comunidades da América Latina e de outros continentes, para render graças à Divina Ruah, fonte de vida, e ao próprio Gustavo Gutiérrez, ou seu denso e frutuoso legado como ser humano, como perseverante discípulo de Jesus e como teólogo seminal, comprometido com as causas libertadoras do Reinado de Deus, por Ele, inaugurado, anunciado e testemunhado.


Gustavo Gutiérrez, membro do Povo Indígena, nasceu em Lima - Peru, em 8 de Junho de 1928. Dos 12 aos 18 anos, foi acometido de uma osteomielite que lhe bloqueou os movimentos, o que não o impediria de seguir seus estudos e de participar de grupos da Ação Católica que muito contribuíram para sua trajetória vocacional e militância crítica. Tendo feito cursos de Filosofia, Psicologia e  Teologia, no Chile, e após sua ordenação presbiteral, em 1959, também cursou, em Lovaina - Bélgica, Ciências Sociais, doutorando-se em Lyon - França, em meados dos anos 80. 


Ao longo de sua trajetória, Gutiérrez fez questão de conviver perto dos pobres, na Comunidade Rímac, na periferia de Lima, combinando, de modo orgânico, seu crescente compromisso com a causa libertadora dos oprimidos e explorados com o contínuo aprofundamento na compreensão teórico - prática da realidade social em que vivem os pobres na América Latina e no mundo. Foi esta combinação também responsável por tornar - se a principal referência entre os fundadores da Teologia da Libertação, antes mesmo da publicação, em 1971, de seu icônico “Teología de la Liberación: perspectivas”, ainda hoje tido como principal marco da Teologia latino - americano.


De fato, juntamente com um seleto grupo de teólogos, do qual faziam parte: Ivan Illich (Cuernavaca, México), Segundo Galilea (Chile), Juan Luis Segundo (Uruguai), José Comblin (Brasil), Ana Flora Anderson, Frei Gilberto Gorgulho, Luis Alberto de Sousa (Brasil) e outros, que participaram dos encontros anuais realizados em Petrópolis (1964), em Cuernavaca (México, 1965), em Santiago (Chile 1976) em Montevideo (1967), em Lima e em outras Cidades. Gutiérrez foi um dos protagonistas das origens latino -  americanas da Teologia da Libertação, juntamente ainda a outras figuras de Teólogos protestantes, tais como Rubem Alves (cujo livro “Teologia da Libertação” data de 1968), Richard Shaull (em 1953, foi publicado seu conhecido livro “Cristianismo e Revolução Social”, tendo ele integrado um grupo de teólogos ecumênicos, protagonistas do Setor social de diversas denominações protestantes), Joaquim Beato, João Dias de Araújo, grupo promotor da famosa “Conferência do Nordeste, realizada em Recife - PE, de 22 a 29/07/1962, e cujo tema foi “Cristo e a Revolução Social Brasileira”. 


Preciosos textos deste modo de teologizar encontram-se na Revista “Inglesa y Sociedad”. Ao longo desses mais de 60 anos de produção teológica, Gustavo Gutierrez, se destacou como a principal referência neste modo de teologizar, de que são prova diversas homenagens acadêmicas (ele recebeu 23 outorgas de títulos de Doutor “Honoris Causas”) e o fato de ter dirigido, por 20 anos, a Revista “Concilium”, ao que devemos agregar sua vasta produção teológica, da qual destacamos, entre outros, os seguintes textos e livros: 

1 - "Hacia una teología de la liberación" (MIEC-JECI, Montevideo, 1969);

2 - "Teología de la liberación. Perspectivas" (Lima:Centro de Estudios y Publicaciones, 1971;

3 - "Evangelio y praxis de liberación", em Fe cristiana y cambio social en América Latina, Instituto Fe y Secularidad (ed.), (Sígueme, Salamanca, 1973), pp. 231-245;

4 - "Apuntes para una teología de la liberación", em co-autoria com Rubem Alves e Hugo Assmann, em ¿Religión, instrumento de liberación? (Marova-Fontanella, Madri-Barcelona, 1973), pp. 2-76;

5 - Beber no Próprio Poço-itinerário Espiritual de um Povo. Gustavo Gutiérrez. Editora: Vozes, Ano: 1984

6 - "Una teología de la liberación en el contexto del tercer Mundo", em El futuro de la reflexión teológica en América Latina (Consejo Episcopal latinoamericano-CELAM, Bogotá, 1996), pp. 97-165;

7 - "Del lado de los pobres. Teología de la liberación" em co-autoria com Gerhard Ludwig Müller, prólogo de Josef Sayer (Instituto Bartolomé de Las Casas-Rimac y CEP, Lima, 2005).

Importa ressaltar múltiplos desafios que Gutiérrez teve que enfrentar, fora e dentro dos espaços eclesiásticos. Foi, juntamente com dezenas de outros teólogos da libertação, alvo de perseguição por parte do Vaticano, durante os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI. Várias de suas teses sofreram objeções da parte da famigerada Comissão de Doutrina da Fé. Como em todos os tempos, a ação profética de denúncia e de anúncio implica a via de perseguição por parte dos setores dominantes da sociedade e da Igreja.


Consola-nos, no entanto, constatar os caminhos de esperança que foram abertos por figuras como a de Gustavo Gutierrez. Há apenas uma semana, em função dos trabalhos de leitura continuada do livro 50 anos de Teologias da Libertação: Memória, revisão perspectivas e desafios, organizado por Edwar Guimarães,  Emerson Sbardelotti e Marcelo Barros, o Grupo Teologia da Libertação, criado por Eraldo Lemos Batista, após 60 sextas-feiras consecutivas, terminou a leitura do último capítulo deste livro. Dando prosseguimento a este trabalho de Educação Popular, o mesmo Grupo iniciará, na próxima sexta-feira, dia 25 /10, a leitura comum sequenciada do livro A Prática de Jesus, de autoria de Hugo Echegaray, prefaciado por seu grande amigo Gustavo Gutiérrez, em densas vinte e duas páginas.


A Gustavo Gutiérrez expressamos nosso reconhecimento e nosso preito de gratidão pelo seu perseverante testemunho de discípulo do Movimento de Jesus e pela fecundidade de sua obra teológica. 


João Pessoa, 23 de Outubro de 2024


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