O Caráter processual da Educação Popular e outros requerimentos do processo de humanização
Alder Júlio Ferreira Calado
À semelhança de tantos e tantas, vimo-nos ocupando da Educação Popular, seja como aprendiz, seja como militante, seja como pesquisador. Mas, de que Educação Popular se trata? Não é segredo que há entendimento de Educação Popular para todos os gostos: Educação Popular pelo Povo, com, para, sem e até contra o Povo. Neste último caso, basta constatamos no dia-a-dia, o que se passa na mídia hegemônica. Percebemos, de saída, seu amplo espectro polissêmico e compósito. De nossa parte, como em diversas outras oportunidades, temos trabalhado Educação Popular como expressão do próprio processo de humanização e de anti-desumanização, a requerer a incidência de diversos componentes ou condicionamentos, dos quais aqui nos permitimos destacar os que consideramos de maior relevância, em especial sua intencionalidade, o exercício da memória histórica, seu caráter processual e o protagonismos de seus participantes.
Impacta-nos profundamente o cenário distópico de que vimos sendo vítimas - o Planeta Terra, os humanos e os demais seres -, sobretudo em âmbito internacional, graças às crescentes manifestações de barbárie protagonizadas pelo modo de produção, de circulação, de consumo e de gestão planetária e societal que o Trumpismo tem elevado a uma escala exponencial. Já no discurso inaugural do seu segundo mandato, ele explicita, com todos os rompantes de “homo demens”, seu programa necrófilo, que a Bispa Mariann Edgar Budde, da Igreja Episcopal de Washington teve a coragem profética de criticar, em sua homilia, que Trump teve que escutar e repelir. A propósito deste episódio, recomendo a leitura da análise feita por Eduardo Hoornaert (vide Textos de Eduardo Hoornaert - https://eduardohoornaert.blogspot.com/).
Ao mesmo tempo, sempre buscando analisar esta realidade, em perspectiva histórica, não nos cansamos de navegar nas correntezas subterrâneas, onde temos encontrado boas razões para seguir resistindo e enfrentando, seja do ponto de vista coletivo, seja do ponto de vista pessoal, antigos e novos desafios. Neste sentido a Educação Popular tem sido uma fonte de inspiração preciosa a medida que
- nos rememora que situações semelhantes a humanidade já atravessou e, pelo menos em parte, conseguiu superar, ao seu modo;
- ao nos ajudar a analisar a realidade social, em perspectiva histórica, nos fornece elementos teórico-metodológicos como uma relevante alavanca transformadora de nossas relações;
- nos anima a manter sempre vivo o nosso esperançar, a partir do reavivamento do nosso horizonte, do nosso rumo;
- nos evidencia valores e práticas de compromisso transformador, na perspectiva da “práxis” revolucionária;
- nos vai ensinando a sermos, no presente, construtores e construtoras de pontes que nos permitam ir transformando sábios ensinamentos e lições do passado em matéria-prima do futuro que desejamos ir alcançando.
Nas linhas que seguem, cuidamos de rememorar traços da Educação Popular que consideramos mais fortes e mais urgentes, diante dos desafios - velhos e novos - que se colocam diante de nós, enquanto organizações e coletivos de base de nossas sociedades. Começamos pela urgência cotidiana de manter-nos bem vivo o horizonte de sociedade que buscamos ir construindo. Por meio da História, aprendemos que, quando não mantemos claro o horizonte para onde desejamos seguir - a construção ininterrupta de relações sociais, econômicas, políticas, culturais que assegurem as condições materiais e imateriais do processo de humanização em harmonia com a dignidade da Mãe-Terra -, sucumbimos a tentação de fazermos coisas mil, que acabam conduzindo-nos a lugar nenhum. Neste sentido seguimos entendendo como útil a afirmação da personagem José Dolores, do celebrado filme Queimadas: “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como, e não saber para onde ir.”
A Educação Popular que buscamos seguir, também nos ensina, pela força da mística revolucionária, a necessidade de revisitarmos nosso passado com o objetivo de extrair lições dos Movimentos Populares e revolucionários (a exemplo da Comuna de Paris, de 1871 - para citar apenas um exemplo), bem como dos ensinamentos que podemos recolher da biografia de tantos homens e mulheres, que se entregaram a defesa e a promoção das causas libertárias de ontem e de hoje.
Neste sentido, no plano coletivo, vale a pena revisitarmos passagens eloquentes de nossa história internacional, nacional e local. Muito temos a aprender, por exemplo, com os movimentos pauperísticos da Idade Média, com o protagonismo de figuras como Jan Hus, Thomas Müntzer, com a Comuna de Paris, com os inícios da Revolução Russa, com a Revolução Chinesa, com a Revolução Cubana, as lutas sociais de tantos movimentos populares na América Latina, no Brasil, no Nordeste (as lutas indígenas, o Quilombo dos Palmares, a Cabanágem, a Balaida, Canudos, Ligas Camponesas, entre outros). No âmbito biográfico, vale a pena igualmente aprendermos com tantas figuras luminosas – homens e mulheres – de nossa história, tais como: Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Antonio Gramsci, José Carlos Mariátegui, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares, Antônio Conselheiro, Gregório Bezerra, Helder Câmara, Paulo Evaristo Arns, Antônio Batista Fragoso, Paulo Freire, Pedro Casaldáliga, João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira, Margarida Maria Alves, para citar apenas algumas dessas figuras que nos vêm espontaneamente ao espírito.
Ao fazermos tal revisitação de tantos ensinamentos coletivos e pessoais do passado, não pretendemos reeditar ou replicar mimeticamente seus feitos - vivemos outros tempos, que acumulam velhos e novos desafios -, mas recolher lições de sabedoria e de coragem que nos ajudem a compreender e enfrentar os desafios presentes. Isto, por sua vez, implica assumir relevantes tarefas, dentre as quais destacamos apenas algumas. Iniciamos por uma adequada leitura de mundo, olhos fitos na realidade concreta, do que decorre a necessidade, não apenas de uma objetiva análise de conjuntura (local, nacional, regional, internacional), mas também de uma análise das raízes estruturais (por tanto, seculares) da atual conjuntura.
Para tanto, urge nossa disposição efetiva de nos dedicar a um incessante processo de formação junto às nossas organizações de base. Aqui nos permitimos, mais uma vez, enfatizar a relevância da continuidade de tal processo formativo, devidamente articulado ao nosso inarredável compromisso de lutas. Com efeito, constatamos com pesar a presença profundamente nociva da descontinuidade do nosso processo formativo, seja no âmbito coletivo, seja na dimensão pessoal. Acerca dessa descontinuidade tão nociva ao processo de formação, o teólogo José Comblin costumava lamentar certa preguiça intelectual de nossos militantes, que interrompem, com frequência, as atividades formativas, mesmo aquelas que avaliam como muito relevantes.
Um rápido exame de nossa realidade, nas últimas décadas, é suficiente para constatarmos o quanto deixamos de agir, enquanto militantes, contra a produção e os avanços desta ordem tenebrosa, seja por conta de haverem cruzado os braços diante das lutas históricas, ingenuamente confiantes em que apenas o processo eleitoral ou os espaços estatais seriam bastantes para responder aos desafios presentes, seja também por conta de nossas frequentes interrupções do nosso processo formativo, organizativo e de lutas.
Na esteira dos argumentos precedentes e a título de uma ilustração didática, vale perguntarmos se vamos continuar subestimando a continuidade do processo formativo, limitando-nos a um ritmo lento e descontínuo de aprendizado pessoal e coletivo, não raramente contentando-nos apenas com trechos de artigos ou de livros lidos às pressas e de modo fragmentado, sob o pretexto de que “aprendemos com a prática”, enquanto fazemos vistas grossas ao alerta de que “Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário”.
João Pessoa, 30 de Janeiro de 2025.
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