quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Intérpretes do Brasil XV: Frei Caneca e o Seminário de Olinda

Intérpretes do Brasil XV: Frei Caneca e o Seminário de Olinda 


Alder Júlio Ferreira Calado


Ao acompanharmos a trajetória da Igreja Católica (e de outras Igrejas Cristãs), nas últimas décadas de profundo retrocesso teológico e político, em relação aos profundos avanços alcançados por parte expressiva dessas Igrejas, graças sobretudo ao legado da Teologia da Libertação, principalmente dos anos 50 aos anos 80, sentimo-nos instigados a revisitar, por meio da figura de Frei Caneca, os principais traços dos protagonistas das chamadas “revoluções liberais”, em Pernambuco e no Nordeste, durante a primeira metade do século XIX.


Brotou cedo o sentimento nativista e anti-colonialista, especialmente no Nordeste. Desta experiência podem ser tomadas como sinais, por exemplo, a expulsão dos Holandeses, em 1654 e a chamada Guerra dos Mascates, em Pernambuco, de 1740 a 1741. Mas, foi sobretudo no século XIX, graças às influências das Revoluções da Independência (1776) e do Iluminismo (Revolução Francesa de 1789), que o ideário liberal se expande no Brasil, especialmente desde o Nordeste. Não menos importante, quanto as influências sobre o sentimento revoltoso no Brasil e alhures foi a Revolução Haitiana de 1791, que constituiu para a classe dominante de então (colonizadores, grandes proprietários de terras, e seus aliados) uma espécie de Espada de Dâmocles, um crescente pesadelo, por força do qual estes segmentos dominantes se empenharam em prevenir, pela constante repressão, a influência dessas notícias liberais que circulavam também pelo Brasil.


A então província de Pernambuco, em conjunto com a Comarca de Alagoas, além da Paraíba/Rio Grande do Norte e do Ceará, vivia uma situação de crise econômica, graças à instabilidade do açúcar como produto de exportação, situação à qual se acrescenta a instalação, no Rio de Janeiro, em 1808, da Família Real, a requerer crescentes gastos na nova sede da Coroa Lusa, a exigir gravosos impostos sobre a população das Províncias, suscitando um forte sentimento de insatisfação geral e mesmo de revolta. Contexto que, potencializado pelas ideias liberais, que circulavam na Província de Pernambuco e vizinhança, inclusive entre integrantes da classe dominante, cujos filhos eram enviados com frequência à Universidade de Coimbra, foi evoluindo de tal modo a culminar na Revolta de 1817 e, sete anos depois, na chamada “Confederação do Equador” (composta pela Província de Pernambuco e seus aliados de Paraíba/Rio Grande do Norte e Ceará). 


Nas linhas que seguem, sempre pensando na militância de nossas organizações de base - nossos primeiros destinatários -, cuidamos de nos restringir à figura de Frei Caneca, sem deixar de evocar outras lideranças, principalmente figuras do clero de então. Em seguida, após fornecer alguns elementos contextuais e alguns dados biográficos de Frei Caneca, trataremos, como de hábito, de realçar relevantes traços do legado de Frei Caneca e outros revoltosos do período. 


A crescente insatisfação popular, no Nordeste, contra “Os homens do Imperador”  


Em consequência do sentimento nativista e de rejeição aos colonizadores lusitanos, que só aumentaria após a chegada ao Rio de Janeiro, em 1808, da família real, dados os pesados impostos cobrados à população brasileira para financiar os investimentos e as despesas da Corte portuguesa, situação agravada no Nordeste, pela crise do ciclo canavieiro e do algodão e da ocorrência de grande seca em 1816, vai-se articulando um movimento de forte oposição aos colonizadores, ao mesmo tempo em que o ideário liberal (os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade) ganha terreno entre importantes lideranças do Nordeste, notadamente entre figuras do clero, de profissionais liberais, de militares, e outros segmentos da população.


Neste cenário o Seminário de Olinda e a Maçonaria, entre outras forças, desempenharam relevante papel, à medida que

  • Não bastasse o sentimento de revolta contra a Corte e seus aliados, cultivavam os ideias liberais, desde Locke, Jean-Jacques Rousseau, os Enciclopedistas, os que lutaram pela Independência dos Estados Unidos, pela Declaração dos Direitos Humanos;

  • Crescia o sentimento de resistência contra “Os homens do Imperador”, não apenas no interior da Província de Pernambuco, como também na província da Paraíba/Rio Grande do Norte, e a do Ceará;

  • A crescente oposição ao Regime Monárquico, se espraiava de Norte/Nordeste (a exemplo de movimentos como a Cabanagem, a Balaiada, a Sabinada), a Sul (Revolução Farroupilha), constituindo assim uma forte resistência republicana. 

   

Foi assim que, entram em cena diversos segmentos da população liderados por um grupo seleto - entre militares, membros do clero, dos setores dirigentes da economia local, e do próprio setor de justiça -, a se organizarem secretamente, em função do levante. Entre as principais lideranças da Insurreição de 1817, figuravam Domingos José Martins, José Barros Lima, Padre João Ribeiro e Antônio Gonçalves de Cruz Cabugá, Frei Caneca devendo também ser lembrado. O propósito inicial dos revoltosos era o de deflagrar a Insurreição, em março de 1817. Contudo,  descoberto o plano pelos “homens do Imperador”, estes logo trataram de prender os líderes dos revoltosos. José Barros Lima, também conhecido como “Leão Coroado”, ao receber ordem de prisão, assassinou aquela autoridade, precipitando assim o movimento, que levou multidões às ruas, em número bem superior ao das tropas do Imperador. Estas tiveram que recuar até surgirem reforços do Rio de Janeiro, de modo que em maio do mesmo ano, as tropas imperiais se mostraram superiores, a ponto de prender e condenar (à morte ou à prisão) as lideranças do movimento.


Enquanto a maioria das lideranças foi condenada à morte pela forca, Frei Caneca foi mandado à prisão, em Salvador. Graças à eclosão da chamada Revolução Liberal em Portugal, Frei Caneca e outros foram anistiados, podendo Frei Caneca retornar, em 1821, a Pernambuco. Juntamente com outras novas lideranças, Frei Caneca retoma sua luta liberal. Com moderação, cuida de fazer uma leve oposição aos planos do Imperador Pedro Primeiro, de aceder a um regime Constitucionalista (1823). Percebendo, contudo a posição contraditória de Dom Pedro Primeiro ante a marcha da Constituinte, ao recusar-se a aceitar suas decisões, e ao impor uma constituição outorgada, a de 1824, Frei Caneca e outras lideranças retomam sua luta, de forma mais incisiva.


Da parte de Frei Caneca, por exemplo, empenha-se em fazer circular pelo “Typhis Pernambucano”(que circulou entre dezembro de 1823 a Agosto de 1824), periódico semanal por ele fundado e no qual escrevia semanalmente, suas ideias e suas aspirações liberais e republicanas. Por certo, não estava sozinho na retomada desta luta. Contava com Manoel de Carvalho, João Guilherme Ratcliff, João Metrovich, José de Barros Falcão de Lacerda, Padre Mororó, James Heide Rodgers, Agostinho Cavalcanti, Nicolau Martins Pereira, Joaquim da Silva Loureiro, Antônio do Monte, Francisco Antônio Fragoso, Padre Caldas e João de Araújo Chaves, entre outros. Já não se tratava de um movimento limitado à Província de Pernambuco. Suas articulações se espalharam para outras províncias do Nordeste, de modo a se projetar uma iniciativa separatista e republicana, conhecida como “Confederação do Equador”, reunindo as Províncias de Pernambuco, da Paraíba/Rio Grande do Norte e a do Ceará, razão pela qual na bandeira idealizada da Confederação do Equador constavam três estrelas. Além da bandeira almejada, a Confederação do Equador, no obstante sua pequena duração (três meses), também contou com seu projeto de Constituição, do qual se destacam artigos relativos ao caráter republicano da confederação, à natureza federativa, à divisão de poderes, entre outros aspectos.


A despeito de todos os reveses, fato é que, graças a esses movimento revoltosos, e apesar de todos os limites das conquistas, alcançou-se a instalação da República na Capitania de Pernambuco, foi decretada a liberdade de imprensa e créditos, foi instituído o princípio dos três poderes e foi elevado o soldo dos militares, conquistas resultantes dessas lutas.


Tal como soi acontecer em circunstâncias similares, também no movimento revolucionário de 1824, circulavam matérias inflamadas e panfletos, um dos quais assim vinha redigido :


“Esta é a ocasião ó Pernambucanos

De mostrar que somos livres, somos fortes

Melhor é pela pátria sofrer mil mortes

Que ser escravos de déspotas tiranos

Basta de ferros sofrer basta de enganos

Vingaremos a pátria unamos as sortes

Perca-se fazendas, vidas e consortes

Morram os déspotas fiquemos ufanos

Temos Bahia, Ceará e Maranhão

Que podemos dispor a nossa vontade

Quebre-se do soberano o cruel grilhão

Extinga-se do Brasil a majestade

Basta de servilismo, basta de opressão

Viva a República, viva a liberdade”


Ao fazermos alusão a estes e outros escritos produzidos, em diferentes contextos das chamadas “Revoluções liberais”, importa também não perder de vista seus limites, inclusive no que diz respeito aos seus programas. A despeito do ideário humanista de um Frei Caneca e outros líderes, convêm lembrar que a causa abolicionista, embora desejada por uma minoria, acabou não sendo inscrita em seu programa, por conta dos interesses da parcela de proprietários de escravos que não queriam abrir mão desta fonte do trabalho forçado de seus escravizados… Foi assim que, não obstante a luta abolicionista, o regime escravista perdurou, no Brasil, até 1888.


O Fato de que tais e tantas revoltas não tenha obtido frutos imediatos, não devem significar qualquer motivo de desânimo, para quem se disponham a ler a realidade, em perspectiva histórica. Com efeito, as insurreições liberais contra o regime monárquico do Brasil, no século XIX, arcaram com significativas reverses. No caso específico da Confederação do Equador, suas lideranças sofreram pesadas consequências: foram condenadas à morte. No caso específico de Frei Caneca, após ser alcançado quando a caminho do Ceará, foi trazido de volta a Recife, julgado e condenado à forca, em sentença, que seus próprios carrascos se negaram a cumprir porque sua sentença foi comutada para o arcabuzamento. 


Seu ideário, contudo, remanesce vivo, não apenas em Pernambuco e no Nordeste, mas também em todo o Brasil e alhures.  


De Frei Caneca e da chamada “Revolução dos Padres”, o que podemos recolher?


Uma primeira nota a merecer registro: À distância astronômica, passados mais de 200 anos, observáveis entre o clero do tempo de Frei Caneca e o atual, ressalvadas as honrosas exceções. Nesse sentido, vale a pena reconhecer o extraordinário papel intelectual exercido pelo então seminário de Olinda, do que dá prova a lista (incompleta) de Padres envolvidos nesses movimentos insurrecionais. Desta lista fizeram parte, entre outros: Antonio Souto Maior, João Ribeiro, Miguel d’ Almeida Castro (Miguelinho), Joaquim do Amor Divino, Caneca (Frei Caneca), João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro e José Inácio de Abreu Lima (Padre Roma, pai do famoso general Abreu e Lima).


Em que pese uma instituição eclesiástica historicamente reacionária, a Igreja de Olinda e Recife, graças à formação oferecida pelo seminário de Olinda correspondia a um espaço em que se respiravam valores humanitários, como podemos observar nas palavras de Frei Caneca “Quem  bebe em minha caneca/Têm sede de liberdade”, ou ainda nesta estrofe de sua lavra:

“Para defender a pátria 

Menino homem se faz

E dando a vida por ela 

Morrendo, não peno mais 

De que me serve viver

Entre suspiros e ais


Se vivo, vivo pensando 

Morrendo, não peno mais

Inda que eu queira, não 

Existir entre os mortais 

A morte serve de alívio 

Morrendo, não peno mais”.


Triste é constatar que, apesar desses sinais humanitários do século XIX, e das boas sementes lançadas pela Teologia da Libertação, inclusive reabilitada pelo Papa Francisco, as Igrejas Cristãs da atualidade, salvo exceções, parecem recuar aos tempos tridentinos. Por outro lado, vale a pena seguir apostando no Movimento de Jesus, graças às ações moleculares das “minorias abraâmicas”, também em nossos dias.      


    

 João Pessoa 26 de Fevereiro de 2025




quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Intérpretes do Brasil (XIV): Nísia Floresta, pioenira Educadora feminista

Intérpretes do Brasil (XIV): Nísia Floresta, pioenira Educadora feminista Alder Júlio Ferreira Calado Dando sequência à série de textos dedicados a uma revisitação de figuras paradigmáticas - homens e mulheres - de nossa sociedade, cuidaremos, desta vez, de voltar nossa atenção ao legado de Nísia Floresta. Ao fazê-lo, não nos cansamos de lembrar quem são os nossos destinatários primeiros - a militância de nossas organizações de base, buscando animá-las ao exercício contínuo da memória histórica dos oprimidos, tanto em sua dimensão coletiva, quanto no âmbito pessoal, como meio eficaz de transformação de nossa realidade. Nísia Floresta - ou Nísia Brasileira Augusta - é o pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, nascida em Papari, hoje Município de Nísia Floresta, a menos de 40 km do Rio Grande do Norte, em 1810. Era filha de Dionísio Gonçalves Pinto, um advogado lusitano, e de Antônia Clara Freire, uma grande proprietária de terras (tão extensas, que correspondiam à área de dois ou três municípios), condição que permitirá à filha parte do sucesso de sua trajetória. Nísia Floresta casou-se aos 13 anos, casamento que logo seria desfeito. Por enfrentar circunstâncias de tensão e adversidade, por conta da condição de lusitano de seu pai, a família migra para a Província de Pernambuco mais precisamente para o município de Goiana, onde Nísia Floresta seguirá seus estudos em uma Escola mantida no Convento das Carmelitas, aberta aos filhos das famílias locais. A família de Nísia Floresta não tardaria a migrar, mais uma vez, para Olinda e Recife, onde Nísia Floresta prosseguirá sua formação e iniciará a escrita de seus primeiros textos. Já em 1832 aos 21 anos publica seu primeiro livro, “Direitos das mulheres, injustiças dos homens”, em cuja capa ela escreve tratar-se de uma livre tradução do livro “A Vindication of the Rights of Woman”, de autoria de Mary Wollstonecraft (de 1792). Sobre este detalhe, circulam diferentes interpretações: desde a de quem o tenha recebido como uma mera tradução do livro inglês, até a de quem defenda - é o caso de Constância Lima Duarte, sua principal biógrafa que sustenta tratar-se de um recurso tático por ela utilizado, com objetivo de aliviar o impacto mais forte sobre a consciência mediana dos leitores, tendo em vista o caráter inovador presente no livro. Parece-nos mais convincente a versão sustentada pela sua biógrafa ao interpretar a “livre tradução” como um recurso literário usado por Nísia Floresta, para fazer passar suas ideias inovadoras e a frente de seu tempo, recorrendo assim a uma espécie de paráfrase, por meio da qual Nísia Floresta denunciava as injustas condições a que as mulheres eram submetidas, ao tempo em que ousava propor pistas alternativas, todas elas apontando a Educação como caminho de libertação para as mulheres. Neste livro, por exemplo, Nísia Floresta criticava a vedação às mulheres do acesso à instrução, que aos homens era reconhecido. Aqui, ela denunciava um paradoxo: por um lado, às mulheres negava-se o acesso a cargos públicos, justificado por lhes faltar instrução; por outro lado, negava-se-lhes o direito à instrução. O período em que Nísia Floresta vive em Recife apresenta uma marca forte em sua trajetória: ela exercita importantes diálogos com figuras relevantes da região, tendo inclusive conhecido e se casado com Manuel Augusto de Faria Rocha, um acadêmico gaúcho, com quem teria dois filhos - Lívia Augusta e Augusto Faria; ainda em Pernambuco, pontificava como articulista nos jornais locais, inclusive “O Espelho das Brasileiras”. Sob vários aspectos, o período aí vivido por Nísia Floresta lhe deixaria profundas marcas, também refletidas em algumas de suas obras. A então Província de Pernambuco destacava-se como um forte pólo de oposição e rebeldia - haja vista as famosas “Revoluções Libertárias” especialmente, as que eclodiram em 1817 e a de 1824, em que tiveram reconhecido protagonismo figuras tais como Pe. João Ribeiro, Domingos José Martins, Cruz De Cabugá, Frei Caneca, e outros. Quanto a Nísia Floresta, importa destacar o apreço que devota em seu poema “A lágrima de um Caeté”, à figura de Joaquim Nunes Machado, um dos membros do Partido da Praia, um Partido liberal que se contrapunha aos “homens do Imperador”. Em seguida a família vai residir em Porto Alegre, terra do marido, em uma circunstância histórica particularmente tensa, pois coincidia com o tempo da Revolução Farroupilha (ocorrida de 1835 a 1845 que deu origem à República Riograndense). No entanto, com o falecimento precoce de Augusto, Nísia Floresta vai morar no Rio de Janeiro, com os dois filhos. É sobretudo aí que ela se firma como educadora feminista e como escritora. É fundadora de um colégio - “Colégio Augusto”- que vai dirigir oferecendo uma pedagogia inovadora inteiramente destinada às adolescentes e jovens, primando pela qualidade da educação, concorrendo assim com os melhores colégios destinados ao público masculino do Rio de Janeiro. Esta iniciativa vai durar dezessete anos. Por outro lado, empenha-se em dar sequência à sua vasta produção, por meio de artigos publicados em vários jornais da região. Daí resulta outro importante livro seu - “Opúsculo Humanitário” -, no qual publica sessenta e dois artigos que havia escrito para diversos jornais. Quase todos os artigos destinavam-se a educação em uma perspectiva feminista. Vale aí ressaltar a força dos seus argumentos: não se referindo apenas ao Brasil, ela buscava fazer um apanhado do que sucedia em diversos continentes, culminando com sua análise acerca da educação no Brasil. Outro traço marcante na trajetória de Nísia Floresta tem a ver com o longo tempo vivido em diversos países da Europa, em três distintas vezes: A primeira, de 1849 a 1852; a segunda, de 1870 e 1872, e 1875 a 1885, quando vêm a falecer, em Rouen (França). Ao todo, Nísia Floresta vive 26 anos. Acerca de sua longa estadia na europa, cumpre fazer alguns registros. Tendo a França como lugar de referência, aí morando seja em Paris ou Alhures, Nísia Floresta circula por diversos países (Inglaterra, Alemanha, Suíça, Portugal, Bélgica…) tendo residido também na Itália (em Roma e em Florença), viagens sobre as quais dedica um livro, “Trois ans en Italie, suivis dun voyage en Grèce”, em 1870 enquanto faria outros registros de viagens a Alemanha e Grécia. Vale observar um relevante incidente, em sua primeira estada na França: ela e seus filhos se encontravam residindo em Paris, desde 1870, e no ano seguinte, em 1871 , eclode a famosa “Comuna de Paris”, movimento revolucionário que sacudiu a frança, embora com maior incidência em Paris, razão pela qual Nísia Floresta passa a residir no interior, com seus filhos, até 1872, quando retornam ao Rio de Janeiro. Dos 15 livros de sua autoria, boa parte dos quais publicados na Europa, em outras línguas, propomo-nos destacar os que se seguem: Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832); Conselhos à minha filha (1842); Fany ou O modelo das donzelas (1847); Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta (1847); A lágrima de um Caeté (1849); Opúsculo humanitário (1853); A Mulher (1859); Le Brésil (1871); Fragments d'un ouvrage inédit: notes biographiques (1878). Ponderações acerca do legado de Nísia Floresta Pelo já exposto resumidamente, podemos perceber os principais traços que marcaram Nísia Floresta, como uma pioneira feminista, como uma educadora, uma escritora, uma jornalista, uma indigenista, uma abolicionista, uma republicana. Tais marcas aparecem no conjunto de sua obra em “A lágrima de um Caeté”, por exemplo, Nísia Floresta dá mostras de sua sensibilidade indigenista, eis que neste poema épico (composto de 712 versos, ocupando em torno de 50 páginas), ela descreve a figura do índio Caeté, não como o heroi dos escritos indianistas de José de Alencar, de Olavo Bilac, e outros que transferiam para os indígenas os valores que lhes atribuiam os colonizadores, enquanto Nísia Floresta realça seu martírio (Donde “a lágrima”), fazendo questão de ressaltar o antagonismo entre os colonizadores e os povos indígenas, de modo a distinguir-se do estilo romântico indianista. Ainda neste poema épico, que Nísia Floresta tece alternando versos decassílabos e redondilhas (redondilha maior e redondilha menor), ela deixa transparecer outro antagonismo: o que separa os protagonistas das revoluções liberais, especialmente a Revolução de 1848, de um lado, e o ideário colonialista dos “Homens do Imperador” de outro. Tanto neste poema quanto em vários outros escritos seus, Nísia Floresta fornece elementos de seu compromisso libertário, seja no que diz respeito à defesa dos nativos, seja no tocante ao seu apreço aos valores liberais da época. Outro traço a merecer destaque, na trajetória de Nísia Floresta tem a ver com suas simpatias pela causa abolicionista. Entretanto a dimensão que nela mais se sobressai, é sua postura de educadora feminista. Em seus livros principais, Nísia Floresta, desde seus primeiros escritos, se empenha em apontar as situações sociais de injustiças e de violação aos direitos das mulheres. Não se limitando a denunciar essas relações estruturais, deu provas convincentes, ao longo de sua vida, de apontar caminhos libertários para as mulheres, principalmente a partir do seu acesso à Educação, tal como era assegurada aos homens. Em se tratando de uma mulher economicamente bem situada não causa estranhamento sua postura de pouco encantamento quanto a uma perspectiva de classe, como a demonstraram figuras como a de Vânia Bambirra, Lélia Gonzalez, Rui Mauro Marini, Clovis Moura, Conceição Evaristo, entre outros, isto posto, contudo, há de se reconhecer em seu legado, seu inegável compromisso com as causas feminista, indigenista, abolicionista, testemunahdo pela educadora Nísia Floresta. João Pessoa, 20 de Fevereiro de 2025.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Elizabeth Teixeira, 100 anos: testemunho do esperançar dos que seguem lutando

Elizabeth Teixeira, 100 anos: testemunho do esperançar dos que seguem lutando Alder Júlio Ferreira Calado Hoje, celebramos o centenário, em vida, de Elizabeth Teixeira, ícone de nossa história de lutas. Sobre ela convergem nossas atenções: toda uma programação em sua homenagem está sendo organizada pelos familiares e pelo Memorial das Ligas e das Lutas Camponesas da Paraíba (cf. https://www.ligascamponesas.org.br/). Diversos textos comemorativos, em poesia, em prosa e em outras linguagens artísticas lhe são dirigidos, (cf. https://www.brasildefato.com.br/). Ao contemplarmos a densa trajetória de Elizabeth Teixeira, também nos sentimos remetidos à conhecida afirmação de Bertolt Brecht que, parafraseando, replicamos: “Há pessoas que lutam um dia e são boas, há outras que lutam um ano e são melhores, há as que lutam muitos anos e são muito boas. Mas há as que lutam toda a vida e estas são imprescindíveis". Assim tem sido com efeito, Elizabeth Teixeira, figura emblemática entre diversas outras, a exemplo de João Pedro Teixeira, de João Alfredo Dias (“Nego Fuba”), Pedro Inácio Araújo (“Pedro fazendeiro”), apenas para mencionar os principais protagonistas da Liga Camponesa de Sapé, sem esquecer outros grandes protagonistas das Ligas Camponesas do Engenho Galileia, em pernambuco, e de outros Estados. Eles e elas constituem alvo de nossa eterna reverência, como lutadores e lutadoras pela Reforma Agrária, sobretudo no período entre meados dos anos 50 e meados dos anos 60, no Brasil, somando-se aos demais lutadores e lutadoras pelas então chamadas “Reformas de Base” (Reforma Agrária, Reforma Urbana, Reforma Bancária, Reforma da Educação, entre outras). Em Elizabeth Teixeira reconhecemos uma testemunha viva do esperançar dos lutadores e lutadoras por uma nova sociedade, por um novo modo de produção, de consumo e de gestão societal. As lutas e os momentos de agruras por Elizabeth Teixeira enfrentados, não foram em vão. Transmudam-se em sementes vivificantes a germinarem a seu tempo. A melhor homenagem que lhe prestamos, em seu centenário, é a de dar-lhe provas de que sua trajetória de lutas segue sendo testemunhada também por nós, de acordo com os novos desafios. Seja Elizabeth Teixeira uma inspiração vivificante para as nossas organizações de base, do Campo e da Cidade! João Pessoa 13 de Fevereiro de 2025

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Sinais da Hecatombe Nazi-sionista: Entre a letargia e o despertar das forças libertárias

Sinais da Hecatombe Nazi-sionista: Entre a letargia e o despertar das forças libertárias

 

Alder Júlio Ferreira Calado

 

Muito antes da era Trump, já vinham sendo múltiplos e crescentes os sinais de barbárie emitidos pela ascensão da extrema Direita, em escala mundial, inclusive no Brasil. Uma rápida rememoração de fatos mais graves - o descaso em relação às crescentes catástrofes climáticas, a expansão mundial (e no Brasil) do neo-nazifacismo, o genocídio em Gaza, o controle da mídia hegemônica e das redes digitais pelas “Big-techs”, as incursões golpistas no mundo e na América Latina, o bolsonarismo, o fundamentalismo religioso, o aliancismo, a letargia das forças de Esquerda, só para mencionar alguns - nos permite ter presente o caráter sombrio da atual quadra histórica, diante da qual, a exemplo do que sucedeu em outros tempos, somos instados a tomar posição de resistência e de enfrentamento, inclusive na esteira do que costumava assinalar o filósofo da Práxis, ao lembrar que os humanos não se colocam problemas para os quais não tenham elementos de solução, ou nas próprias palavras do autor, “É por isso que a humanidade só levanta problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estava, pelo menos, em vias de aparecer”. (MARX, Karl. “Contribuição à crítica da Economia Política”, Prefácio, São Paulo, Editora Martins Fontes, 2ª Edição p.25).

 

Já em seu tenebroso primeiro governo, Trump, representante maior das forças neonazistas, porta vozes do Capitalismo a serviço das grandes corporações transnacionais - da indústria de armas bélicas, do petróleo, das big-techs, da indústria química dos grandes laboratórios farmacêuticos, do agronegócio, do nazi-sionismo - já havia explicitado a que vinha. As escolhas político-eleitorais da maioria da sociedade estadunidense só tem piorado, pelo menos desde os anos 60. Sob a vã fraseologia democrática, assumida alternadamente por Republicanos e Democratas, os sucessivos governos vêm protagonizando graves retrocessos civilizacionais, não sem a cumplicidade do Ocidente europeu da Cristandade, corresponsável pela maioria das tragédias socioambientais, econômicas, políticas, culturais, de fundamentalismo religioso, de xenofobia, de supremacia racial, de homofobia, de aporofobia, para o que não hesitam em usar e abusar de abomináveis estratégias desprovidas de ética, de compromisso vital com o Planeta, com os humanos e os demais seres, cada vez mais abusando, como tem feito o nazisionismo, da mentira contumaz, da hipocrisia, dá mais estúpida violência, supondo equivocadamente que terão a última palavra sobre os destinos do Planeta e da humanidade.

 

Ao inaugurar seu segundo governo, não por acaso ladeado pelos plutocratas, das “big-techs” (alguns dos quais nomeados agentes públicos), Trump não hesitou em discorrer sobre uma ampla lista programática de seu governo, a ameaçar vários países e a saúde do Planeta, sob o pretexto de fazer um governo simbolizado pelo odioso “MAGA” (“MAKE AMERICA GREAT AGAIN”). Nessa retórica, Trump ameaça apropriar-se de territórios alheios sobretaxar unilateralmente produtos importados, impor normas autoritárias, em franco desrespeito ao Direito Internacional, romper mais uma vez com o acordo de Paris, retirar-se de alguns organismos internacionais, em breve, ameaça incendiar o mundo, mostrando assim a voracidade imperialista que caracteriza seu projeto de governo. Mais recentemente, como se não bastasse, recebeu na Casa Grande, ninguém menos, ninguém mais do que Benjamin Netanyahu, de cujas conversações resultou o anúncio por Trump, de seu projeto de apropriar-se, por meio da cedência pelos sionistas de Israel, do território da palestina, após esvaziar aquele território de Gaza, expulsando toda a população palestina, enviando-as para outros países, com o plano de tornar aquele território uma grande “RIVIERE” para os plutocratas do mundo. Só isso mostra a atrocidade da barbárie nazifascista que o governo Trump, sob a égide do mais perverso Imperialismo quer implantar no mundo.

 

No entanto, o maior e mais grave desafio a enfrentar, é o da letargia da humanidade, em face dos crescentes e cada vez mais devastadores eventos climáticos extremos. A este propósito, há cinco dias, o sociólogo Michael Lowy publicou um texto que merece, pela urgência, atualidade e profundidade de seus argumentos, a mais ampla divulgação. Trata-se de “Um novo conceito ecológico: “humanicídio”. Partindo das graves informações contidas no último relatório divulgado, em Janeiro passado, pelo qual tomamos conhecimento de que, a julgar pela acelerada evolução da temperatura o Institute and Faculty of Actuaries (IFoA) da Exeter University (Reino Unido), reconhecido pela qualidade científica de seus dados, alerta sobre a iminência de algo gravíssimo sobre o qual Michael Lowy adverte enfaticamente, ao afirmar que “no pior dos cenários – com temperaturas 3 acima dos níveis pré-industriais – a mortalidade humana poderá atingir a metade da humanidade, cerca de quatro bilhões de pessoas, vítimas da fome, da falta de água, de doenças, de catástrofes “naturais” (incêndios, inundações, etc.) e de conflitos.” Previsão já para a década de 2050...

 

O autor deste artigo, diante da gravidade das informações prestadas pelo Relatório, propõe acertadamente o conceito de “humanicídio”, para alertar do risco iminente que corremos “rumo ao abismo”. Não o faz, porém, sem denunciar com vigor os principais responsáveis por esta catástrofe anunciada: “A oligarquia fóssil – os formidáveis interesses ligados ao petróleo, ao carvão e ao gás, incluindo não só a exploração dos recursos fósseis, mas também a indústria automobilística, petroquímica e muitos outros ramos da produção capitalista, incluindo os bancos que os financiam, assim como sua expressão política: os governos negacionistas ou inativos” (cf. https://www.ihu.unisinos.br/648389-um-novo-conceito-ecologico-humanicidio-artigo-de-michael-loewy).

 

O propósito dessas linhas é, não tanto detalhar as minúcias deste projeto, necrófilo em marcha, mas sobretudo de alertar nossas organizações de base, dos desafios que estão sendo chamadas a enfrentar, tanto mais quanto assistimos, angustiados, a lentidão ou mesmo a letargia de que vêm sendo tomadas.

 

Sempre que exercitamos a memória histórica dos oprimidos, no decorrer de séculos, buscamos aprender relevantes lições de seus êxitos e de seus fracassos. Um desses ensinamentos vem inspirado no fecundo exercício do método histórico-dialético que nos ensina a buscar e compreender a realidade em perspectiva histórico-crítica, graças à qual nos aproximamos da mesma realidade em movimento, constituída de fatos interligados, realidade a ser dissecada em suas “múltiplas e complexas determinações”, em seu movimento de forças contraditórias que também se acham interconectadas. A este esforço cumpre aduzir o compromisso de transformação desta realidade, de modo a irmos superando o atual modo de produção, de consumo e de gestão societal.

 

Ao revisitarmos os principais processos revolucionários, especialmente desde a Revolução Francesa, a comuna de Paris e as revoluções socialistas do século XX, constatamos terem sido viabilizadas sobretudo pelas organizações de base dessas sociedades - os movimentos sociais, as forças partidárias, sindicais e outras. Sem negarmos algum tipo de contribuição das forças institucionais (o Estado e seus aparelhos) ou institucionalizadas, sentimo-nos instados a reconhecer que, em última instância, foram e continuam sendo as organizações de base às principais protagonistas dos processos revolucionários. Durante as décadas de 1950 a 1980, por exemplo, parecíamos ter mais claramente esta perspectiva que, infelizmente, vem perdurando desde os anos 1990, preferindo priorizar ou mesmo limitar-nos exclusivamente aos espaços governamentais. 

 

Em uma postura de autocrítica e de avaliação de nossas práticas, o que temos recolhido, passamos a compartilhar, em forma de perguntas, algumas inquietações.


·   Quando comparamos os frutos do nosso agir coletivo, por exemplo, entre as décadas 1950 e 1980, de um lado, com o que vimos recolhendo nos últimos trinta anos, por outro, o que constatamos? 

·  Quando ressaltamos nossas lutas, nosso processo organizativo e formativo, assumidos entre 1950 e 1980, que resultados concretos conseguimos alcançar, no campo e na cidade? 

·  E fazendo a mesma pergunta em relação às escolhas que fizemos nas últimas décadas, durante as quais as forças de Esquerda, salvo exceções, têm preferido apostar quase exclusivamente nos processos eleitorais e na participação dos espaços governamentais, que resultados vimos colhendo?

·  Que tal, a partir deste breve exercício de autocrítica, nos dispormos a retomar, em novo estilo, o Trabalho de Base, seja quanto ao nosso processo organizativo, seja ao nosso processo formativo permanente, seja quanto à nossa mobilização (no campo, nas periferias urbanas, em escala nacional e internacional)?


 

João Pessoa, 10 de fevereiro de 2025

 

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De: Aparecida Paes Barreto <alpaesbarreto@gmail.com>
Date: seg., 10 de fev. de 2025 16:20
Subject: Sinais da Hecatombe Nazi-sionista: Entre a letargia e o despertar das forças libertárias
To: alder júlio <aldercalado@gmail.com>


Sinais da Hecatombe Nazi-sionista: Entre a letargia e o despertar das forças libertárias

 

Alder Júlio Ferreira Calado

 

Muito antes da era Trump, já vinham sendo múltiplos e crescentes os sinais de barbárie emitidos pela ascensão da extrema Direita, em escala mundial, inclusive no Brasil. Uma rápida rememoração de fatos mais graves - o descaso em relação às crescentes catástrofes climáticas, a expansão mundial (e no Brasil) do neo-nazifacismo, o genocídio em Gaza, o controle da mídia hegemônica e das redes digitais pelas “Big-techs”, as incursões golpistas no mundo e na América Latina, o bolsonarismo, o fundamentalismo religioso, o aliancismo, a letargia das forças de Esquerda, só para mencionar alguns - nos permite ter presente o caráter sombrio da atual quadra histórica, diante da qual, a exemplo do que sucedeu em outros tempos, somos instados a tomar posição de resistência e de enfrentamento, inclusive na esteira do que costumava assinalar o filósofo da Práxis, ao lembrar que os humanos não se colocam problemas para os quais não tenham elementos de solução, ou nas próprias palavras do autor, “É por isso que a humanidade só levanta problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estava, pelo menos, em vias de aparecer”. (MARX, Karl. “Contribuição à crítica da Economia Política”, Prefácio, São Paulo, Editora Martins Fontes, 2ª Edição p.25).

 

Já em seu tenebroso primeiro governo, Trump, representante maior das forças neonazistas, porta vozes do Capitalismo a serviço das grandes corporações transnacionais - da indústria de armas bélicas, do petróleo, das big-techs, da indústria química dos grandes laboratórios farmacêuticos, do agronegócio, do nazi-sionismo - já havia explicitado a que vinha. As escolhas político-eleitorais da maioria da sociedade estadunidense só tem piorado, pelo menos desde os anos 60. Sob a vã fraseologia democrática, assumida alternadamente por Republicanos e Democratas, os sucessivos governos vêm protagonizando graves retrocessos civilizacionais, não sem a cumplicidade do Ocidente europeu da Cristandade, corresponsável pela maioria das tragédias socioambientais, econômicas, políticas, culturais, de fundamentalismo religioso, de xenofobia, de supremacia racial, de homofobia, de aporofobia, para o que não hesitam em usar e abusar de abomináveis estratégias desprovidas de ética, de compromisso vital com o Planeta, com os humanos e os demais seres, cada vez mais abusando, como tem feito o nazisionismo, da mentira contumaz, da hipocrisia, dá mais estúpida violência, supondo equivocadamente que terão a última palavra sobre os destinos do Planeta e da humanidade.

 

Ao inaugurar seu segundo governo, não por acaso ladeado pelos plutocratas, das “big-techs” (alguns dos quais nomeados agentes públicos), Trump não hesitou em discorrer sobre uma ampla lista programática de seu governo, a ameaçar vários países e a saúde do Planeta, sob o pretexto de fazer um governo simbolizado pelo odioso “MAGA” (“MAKE AMERICA GREAT AGAIN”). Nessa retórica, Trump ameaça apropriar-se de territórios alheios sobretaxar unilateralmente produtos importados, impor normas autoritárias, em franco desrespeito ao Direito Internacional, romper mais uma vez com o acordo de Paris, retirar-se de alguns organismos internacionais, em breve, ameaça incendiar o mundo, mostrando assim a voracidade imperialista que caracteriza seu projeto de governo. Mais recentemente, como se não bastasse, recebeu na Casa Grande, ninguém menos, ninguém mais do que Benjamin Netanyahu, de cujas conversações resultou o anúncio por Trump, de seu projeto de apropriar-se, por meio da cedência pelos sionistas de Israel, do território da palestina, após esvaziar aquele território de Gaza, expulsando toda a população palestina, enviando-as para outros países, com o plano de tornar aquele território uma grande “RIVIERE” para os plutocratas do mundo. Só isso mostra a atrocidade da barbárie nazifascista que o governo Trump, sob a égide do mais perverso Imperialismo quer implantar no mundo.

 

No entanto, o maior e mais grave desafio a enfrentar, é o da letargia da humanidade, em face dos crescentes e cada vez mais devastadores eventos climáticos extremos. A este propósito, há cinco dias, o sociólogo Michael Lowy publicou um texto que merece, pela urgência, atualidade e profundidade de seus argumentos, a mais ampla divulgação. Trata-se de “Um novo conceito ecológico: “humanicídio”. Partindo das graves informações contidas no último relatório divulgado, em Janeiro passado, pelo qual tomamos conhecimento de que, a julgar pela acelerada evolução da temperatura o Institute and Faculty of Actuaries (IFoA) da Exeter University (Reino Unido), reconhecido pela qualidade científica de seus dados, alerta sobre a iminência de algo gravíssimo sobre o qual Michael Lowy adverte enfaticamente, ao afirmar que “no pior dos cenários – com temperaturas 3 acima dos níveis pré-industriais – a mortalidade humana poderá atingir a metade da humanidade, cerca de quatro bilhões de pessoas, vítimas da fome, da falta de água, de doenças, de catástrofes “naturais” (incêndios, inundações, etc.) e de conflitos.” Previsão já para a década de 2050...

 

O autor deste artigo, diante da gravidade das informações prestadas pelo Relatório, propõe acertadamente o conceito de “humanicídio”, para alertar do risco iminente que corremos “rumo ao abismo”. Não o faz, porém, sem denunciar com vigor os principais responsáveis por esta catástrofe anunciada: “A oligarquia fóssil – os formidáveis interesses ligados ao petróleo, ao carvão e ao gás, incluindo não só a exploração dos recursos fósseis, mas também a indústria automobilística, petroquímica e muitos outros ramos da produção capitalista, incluindo os bancos que os financiam, assim como sua expressão política: os governos negacionistas ou inativos” (cf. https://www.ihu.unisinos.br/648389-um-novo-conceito-ecologico-humanicidio-artigo-de-michael-loewy).

 

O propósito dessas linhas é, não tanto detalhar as minúcias deste projeto, necrófilo em marcha, mas sobretudo de alertar nossas organizações de base, dos desafios que estão sendo chamadas a enfrentar, tanto mais quanto assistimos, angustiados, a lentidão ou mesmo a letargia de que vêm sendo tomadas.

 

Sempre que exercitamos a memória histórica dos oprimidos, no decorrer de séculos, buscamos aprender relevantes lições de seus êxitos e de seus fracassos. Um desses ensinamentos vem inspirado no fecundo exercício do método histórico-dialético que nos ensina a buscar e compreender a realidade em perspectiva histórico-crítica, graças à qual nos aproximamos da mesma realidade em movimento, constituída de fatos interligados, realidade a ser dissecada em suas “múltiplas e complexas determinações”, em seu movimento de forças contraditórias que também se acham interconectadas. A este esforço cumpre aduzir o compromisso de transformação desta realidade, de modo a irmos superando o atual modo de produção, de consumo e de gestão societal.

 

Ao revisitarmos os principais processos revolucionários, especialmente desde a Revolução Francesa, a comuna de Paris e as revoluções socialistas do século XX, constatamos terem sido viabilizadas sobretudo pelas organizações de base dessas sociedades - os movimentos sociais, as forças partidárias, sindicais e outras. Sem negarmos algum tipo de contribuição das forças institucionais (o Estado e seus aparelhos) ou institucionalizadas, sentimo-nos instados a reconhecer que, em última instância, foram e continuam sendo as organizações de base às principais protagonistas dos processos revolucionários. Durante as décadas de 1950 a 1980, por exemplo, parecíamos ter mais claramente esta perspectiva que, infelizmente, vem perdurando desde os anos 1990, preferindo priorizar ou mesmo limitar-nos exclusivamente aos espaços governamentais. 

 

Em uma postura de autocrítica e de avaliação de nossas práticas, o que temos recolhido, passamos a compartilhar, em forma de perguntas, algumas inquietações.

·   Quando comparamos os frutos do nosso agir coletivo, por exemplo, entre as décadas 1950 e 1980, de um lado, com o que vimos recolhendo nos últimos trinta anos, por outro, o que constatamos? 

·  Quando ressaltamos nossas lutas, nosso processo organizativo e formativo, assumidos entre 1950 e 1980, que resultados concretos conseguimos alcançar, no campo e na cidade? 

·  E fazendo a mesma pergunta em relação às escolhas que fizemos nas últimas décadas, durante as quais as forças de Esquerda, salvo exceções, têm preferido apostar quase exclusivamente nos processos eleitorais e na participação dos espaços governamentais, que resultados vimos colhendo?

·  Que tal, a partir deste breve exercício de autocrítica, nos dispormos a retomar, em novo estilo, o Trabalho de Base, seja quanto ao nosso processo organizativo, seja ao nosso processo formativo permanente, seja quanto à nossa mobilização (no campo, nas periferias urbanas, em escala nacional e internacional)?


 

João Pessoa, 10 de fevereiro de 2025

 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Intérpretes do Brasil (XIII): O aporte crítico-propositivo de Ailton Krenak

 Intérpretes do Brasil (XIII): O aporte crítico-propositivo de Ailton Krenak 


Alder Júlio Ferreira Calado


Pelo que, até agora, vimos aprendendo dos principais intérpretes da sociedade brasileira, em especial dos Afrodescendentes, constatamos profundas afinidades também com nossos povos originários - tal como fizeram questão de ressaltar diversas figuras dos intérpretes até aqui revisitados. Eis por que recorremos, desta vez, a um dos seus representantes mais conhecidos da atualidade, Ailton Krenak.


E o fazemos em um momento emblemático para a humanidade, em um contexto sombrio da volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, escolhido que foi pela maioria daquele povo, não obstante o conjunto de horrores - ecológicos, econômicos, políticos, culturais, religiosos e outros -, de que foi evidente protagonista, para a infelicidade do Planeta, dos humanos e demais viventes; das Mulheres, dos Afro- Ameríndios, dos pobres, dos homossexuais… a cerimônia de posse resultou emblemática, em suas múltiplas manifestações distópicas, sintetizadas por imagens e discursos similares ao que sucede com a decadência dos impérios: mentiras, violência, estupidez, arroubos necrófilos… nossas organizações de base, no Brasil, na América latina e no mundo não se deixarão intimidar. Ao contrário, ao seguirem exercitando a memória histórica dos oprimidos, encontrarão meios de resistências e de enfrentamento exitoso destes e de outros desafios. Costurada  de ensinamentos libertários, muito nos tem inspirado nesta direção. Filho do Povo Krenak, sobretudo a partir dos 17 anos, começou a despertar para as enormes potencialidades transformadoras da memória histórica dos povos originários, vários dos quais expulsos de suas terras e dados como extintos, pelos brancos. 


Desde então, nos anos 70, cuida de reunir diversas lideranças indígenas, com o apoio de algumas entidades aliadas, a exemplo do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), e passa a organizar encontros e assembleias indígenas, de que resultam iniciativas promissoras como a União dos Povos Indígenas, a Associação dos Povos das Florestas, além de articulação com representantes indígenas no Congresso Nacional Constituinte, a exemplo do Deputado Juruna. Por esta via, os Povos Indígenas conseguem, não apenas visibilidade nacional como também uma participação mais forte no Processo Constituinte de 1987 e 1988, culminando com importante conquista do reconhecimento explícito de seus direitos na Constituição de 1988, sabendo, contudo, ainda tratar-se de um reconhecimento formal. Eis a dicção do artigo:Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.   


Ailton Krenak nasceu no Município mineiro de Itabirinha, em 1953, tendo migrado com sua família para o Paraná, onde foi alfabetizado, tornando-se produtor gráfico e jornalista. Sobretudo a partir dos anos 80, vai intensificando seus esforços de reunir e organizar, juntamente com outras lideranças indígenas, diversos povos originários, das águas e das florestas, por meio de várias iniciativas, tais como União dos Povos Indígenas, Aliança dos Povos da Floresta, na ininterrupta busca de fazer respeitar  seus direitos, secularmente violados. 


Foi também durante este período, que essas lideranças, entre as quais Krenak, se uniram às lutas dos seringueiros, liderados por Chico Mendes, tendo cumprido relevante papel político, no processo constituinte de 1987-1988, durante o qual resultaria emblemática a cena em que Ailton Krenak aparece pintando a cara, enquanto falava aos parlamentares.   


Nos anos 90, tendo retornado a Minas Gerais, continuando seus esforços de reunir e organizar os povos indígenas cria o Núcleo de Cultura Idigena passando a ensaiar relevantes experiências organizativas e formativas dos povos originários, empreendimentos que alcançaram crescente notoriedade, tanto no âmbito nacional como em escala internacional.   


Entre as iniciativas que Ailton Krenak protagonizou, já no final dos anos 90/inícios dos 2000, tem a ver com a publicação de seus escritos e documentários, dentre os quais destacamos “O eterno retorno do Encontro”, escrito publicado no livro “A outra margem do rio” organizado por Adauto Novaes (199), e a longa entrevista concedida para o Museu da pessoa, 2007/2008, em que revela “memórias de sua infância e sucessivas migrações que passaram ao longo do processo de ocupação de territórios por eles habitados”. 

Em seu fecundo acúmulo de saberes recolhidos da íntima convivência com os povos originários do Brasil, das América do Norte (do Norte, Central, do Caribe e do Sul e do mundo), Ailton Krenak segue sendo uma das principais referências de intérpretes do Brasil e do mundo, especialmente no que tange ao enfrentamento aos crescentes apelos distópicos e necrófilos das práticas, dos valores e da ideologia do Capitalismo, em sua faze/fase imperialista que vem se expandindo sobretudo há algumas décadas, em escala mundial.


No caso específico do Brasil, na última década, uma das manifestações mais deletérias do Capitalismo ocorreu (ocorreu ou vem ocorrendo), em Minas Gerais, e mais especificamente na região leste do Estado, banhada pelo sagrado Rio Doce, com a ocorrência de dois gravíssimos crimes socioambientais, protagonizados pelas empresas transnacionais de mineração, inclusive a samarco, um em 2015 e outro em 2016, tendo provocado ampla devastação ao longo do Vale do Rio Doce, onde também se radica (no médio Rio Doce) a Aldeia Krenak, da qual Ailton é filho. Recusando-se a chamar tais crimes de “acidentes”, Krenak os classifica como incidentes na lista de crimes socioambientais praticados por aquelas empresas, não sem a cumplicidade dos entes estatais do Brasil, aos quais cumpriria, não apenas autorizar, mas igualmente exigir práticas preventivas, fiscalizar e punir os responsáveis por descumprimentos de normas preventivas. 


Das tantas atividades protagonizadas por Krenak, também fazem parte seus escritos e documentários. Dentre seus principais livros, podemos destacar: O lugar onde a terra descansa (2000); Ideias para Adiar o Fim do Mundo (São Paulo: Companhia das Letras, 2019); O Amanhã Não está à Venda (São Paulo: Companhia das Letras, 2020); A Vida Não é Útil (São Paulo: Companhia das Letras, 2020); Futuro Ancestral (São Paulo: Companhia das Letras, 2022); Kuján e os Meninos Sabidos (São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2024) .


Quanto a seus aportes artísticos - lembrando tratar-se do principal protagonista do Núcleo de Cultura Idigena - a que destacamos apenas: Ailton Krenak - O Sonho da Pedra (2018); Participação no documentário Guerras do Brasil;  Participação no TEDTalks: Life, Always: Aílton Krenak at TEDxVilaMadá; Participação no documentário Kopenawa: Sonhar a Terra-Floresta.



O que aprendemos com Ailton Krenak?  


Ao revisitarmos o legado de cada figura que consideramos intérprete do Brasil estamos cônscios de que tomamos apenas algumas de uma vasta constelação, ao mesmo tempo em que de seus aportes, sem desconhecer também seus inacabamentos. Neste exercício contínuo da memória histórica dos oprimidos, ao buscarem destacar contribuições específicas de cada um, de cada uma também não abrimos mão de sublinhar seus pontos comuns. É o que, também aqui, buscamos apontar. Um rápido exame das contribuições destacadas, nestas páginas, nos ajuda a perceber, por exemplo, diversas afinidades eletivas observáveis entre a dos povos originários e cosmovisão dos povos afro-diaspóricos principalmente quando as contrastamos com a cosmovisão dos povos ocidentais.  


Percebemos, por exemplo, que os povos originários e os povos afrodescendentes se mostram em comunhão com a Mãe Terra e os demais e os  seres do Planeta - os animais, os vegetais, os minerais, além dos humanos. Diferentemente dos povos ocidentais ao fazerem uso da razão, não a absolutizam reconhecendo e dela fazendo uso como um dom precioso, a exercitam em harmonia com outras dimensões igualmentes relevantes para a condição humana: afetividade, o bem querer, o agir e a forma de se comunicarem. Não se sentem superiores - tão pouco donos -, aos demais seres da Terra, mas em harmonia vital com todos eles, conscientes de que, em sua diversidade, formam uma unidade no seio da Mãe-Terra. À diferença dos ocidentais não tratam os demais seres nem a própria Mãe Terra como  mercadoria, meros objetos de sua propriedade, destinados ao comércio, conforme seus caprichos. 


Voltando-nos mais diretamente à trajetória de Ailton Krenak seja pela suas tantas exposições e entrevistas, seja pelos seus escritos, aprendemos que nossa condição humana, longe de estar assegurada apenas pelos humanos, só se mantém graças às efetivas relações com os demais seres. Na atual quadra histórica de barbárie capitalista, hegemonizada por práticas da extrema Direita, em escala mundial, inclusive no Brasil, o atual modo de produção de consumo e de gestão se tem distanciado cada vez mais do processo de humanização, a medida que: 

  • Transformam o Planeta e seus habitantes em mera mercadoria destinada à satisfação dos caprichos mortíferos de uma minúscula parcela de plutocratas;

  • Agride mortalmente oceanos, solos, subsolos, matas, animais e florestas, e os próprios humanos condenando-os a um processo de morte;

  • Destroi os bens fundamentais, transformando-os em meros recursos ou mercadorias de consumo;


Fazendo coro com outras vozes proféticas, inclusive com a anarquista Marília Lacerda de Moura, Ailton Krenak também denuncia o especismo, prática ainda tão presente em nossos tempos, graças a qual os humanos teimam em pretender-se superiores ou mesmo donos dos demais seres, inclusive sob inspiração de várias correntes religiosas, das quais não se pode excluir o próprio cristianismo, em sua versão hegemônica. 


Enquanto componentes e militantes das organizações de base de nossa sociedade, sentimo-nos interpelados ao contínuo exercício da memória histórica, como alavanca de resistência e de enfrentamento das forças necrófilas hegemônicas em nossos dias.


João Pessoa, 05 de fevereiro de 2025