SUJEITOS HISTÓRICOS REVOLUCIONÁRIOS: ousando ensaiar
passos de retomada, em novo estilo
Alder Júlio Ferreira Calado
Tempos de crises societais mais
agudas comportam, não raramente, um fenômeno paradoxal: de um lado, favorecem,
em relação às forças sociais historicamente vocacionadas ao quefazer de
transformação societal, certa apatia; por outro lado, também servem para o
acúmulo de ações altervativas, a virem a lume, a seu tempo. Tudo está a
indicar que vivemos um período assim: entre a apatia e um silencioso acúmulo de sinergias mobilizadoras.
Pesquisando situações similares, características de outros tempos, figuras como
Max Weber e Ernst Troeltsch, entre outras, forneceram, a este respeito, elementos
teóricos a serem tomados em conta. Referiam-se a uma certa alternância – para
forças sociais de transformação - de tempos de intenso ímpeto mudancista e
tempos de relativa calmaria ou recuo. Assim interpretavam a dialética entre o
instituído e o instituinte, como um traço histórico próprio de movimentos
sociais.
À semelhança de tudo que é humano,
também os sujeitos históricos revolucionários – movimentos sociais, associações,
cooperativas e tantas outras organizaçãoe de base de nossas sociedades –
também se acham marcadas pelo inacabamento. Sendo, como são, forças sociais transformadoras do status quo, sujeitas ao movimento da
história, em seus altos e baixos, em seus períodos de ascenso, de descenso e
de reascenso, não têm por que se renderem ao fatalismo, ao atravessarem
momentos de pequenas ou de graves turbulências, como lhes sucede, na
atualidade. Têm, sim, que seguir adiante! Não sem antes, fazerem sua
autocrítica, sob pena de nada lhes adiantar seguir cometendo os mesmos
desatinos históricos.
Em outras ocasiões recentes, já nos
pronunciamos sobre a necessidade inafastável, para as forças que se pretendam
comprometidas com mudanças substantivas, de fazerem autocrítica. Nestas notas,
cuidamos de concentrar nossos esforços de reflexão crítico-prospectiva no
aceno de experiências vivenciadas molecularmente por algumas organizações de
base, em vista de atividades prenhes de alternatividade ao modelo hegemônico
vigente. Nesse sentido, começamos por explicitar alguns critérios portadores
de traços de alternatividade, que já inspiram e que poderão inspirar ainda
mais fundamente os passos de retomada desses sujeitos históricos revolucionários,
em novo estilo.
Que valores critérios se apresentam condizentes a uma
retomada, em novo estilo, para tais forças grávidas de alternatividade?
É fundamentalmente esta a questão que ora alimenta nossa reflexão, que
tratamos de distribuir em alguns tópicos, de modo a contemplar as principais
dimensões de uma sociabilidade alternativa ao modelo capitalista de produção,
de consumo e de gestão societal. Trata-se de definir, coletivamente, quais os
valores e critérios que devem inspirar os passos ensaiados, em vista da
construção de um horizonte alternativo ao atual modelo hegemônico, de modo a
se fazerem presentes nas mais diversas dimensões da realidade social, bem como
de seus protagonistas. Destacamos os seguintes valores ou critérios de
atuação, no cotidiano das relações dos sujeitos históricos revolucionários:
- Sentimento de pertença cósmico planetário de cada
sujeito histórico revolucionário
Trata-se de nos entendermos, ao mesmo
tempo, como seres de natureza e de cultura. Irmanados com os humanos e com
todos os demais membros da comunidade dos viventes, somos natureza, animais,
vegetais, minerais, marcados por características e condições diversificadas e simultaneamente
assemelhadas. Por outro lado somos, os humanos, também seres de cultura, vale
dizer, conscientes do nosso inacabamento, vocacionados à liberdade, dotados de
criatividade, de capacidade, de contemplação, e de fruição do belo, das artes,
numa palavra, seres tecelões de unidade, na diversidade, seres promotores de
interculturalidade.
- Sujeitos históricos revoluconários também marcados pela memória
histórica, pela sede de aprender, pelos sonhos e utopias –Seres de
natureza de de cultura, buscamos na
memória histórica nossas raízes mais fundas, repletas de lutas, conquisas,
invenções, revesis, esperança... Ao nos Debruçarmos sobre o percurso histórico
de povos e lugares e tempos mais diversos, colocomonos aí como
seres aprendentes, sempre em busca de tercer as várias dimensões do tempo
(passado-presente-futuro), buscando nesta diversidade fios de unidade, que nos
façam, ao mesmo tempo, diversos e unos, irmanados com a Mãe Natureza e com os
nossos ancestrais. Ao mesmo tempo também somos seres de desejo, de sonhos, de
utopias, razão por que nos sentimos
vocacionados à liberdade, vale dizer seres criativos e inventivos,
impulsionados pela busca do lemo, das artes, do “inédito viável” (Paulo
Freire).
- A sociabilidade que almejamos ir construindo
pressupõe protagonistas – mulheres e homens
– livres, autônomos, que priorizem a vida comunitária, promovendo, ao mesmo
tempo, a dimensão pessoal de cada protagonista, assegurando-lhe condições
favoráveis de desenvolvimento de suas mais diversas potencialidades, com o que
poderá melhor contribuir com as distintas comunidades, de que é parte viva.
Tais aquisições, porém, não se dão espontaneisticamente nem por acaso. Antes,
são expressão e resultado da dinâmica interação dos processos organizativo,
formativo e de luta. Eis o útero social em que se forjam as condições de
Liberdade, horizonte maior, para o qual se orientam tais sujeitos históricos
revolucionários, também por vias de liberdade, e só por estas vias: em vão se
pretende alcançar horizonte de Liberdade, a não ser por caminhos também de
Liberdade.
Sujeitos revolucionários não se
improvisam. Nascem da articulação permanente entre os processos
organizativo, formativo e mobilizador. No processo formativo, por
exemplo, tais sujeitos passam por uma formação contínua, protagonizada pelas
forças sociais ou pelas organizações de base que tratam de assegurar, ao longo
da vida de seus militantes, condições educativas, na perspectiva da Classe
Trabalhadora. Nos diversos espaços formativos, são trabalhados cuidadosamente,
no conteúdo e na metodologia, temas e questões tais como: A memória histórica,
biografias de revolucionários e revolucionárias de referência, critérios de
análise de conjuntura, estudo e discussão de temas e desafios relevantes da atualidade,
principais obras dos clássicos, relações sociais de gênero, de etnia, de
espacialidade, de geração, subjetividade, relações cósmicas, ecologicas,
mística, evolucionária....
De que modo tais valores e critérios
se materializam (ou devem) materiarlizar-se nas relações cotidianas dos sujeitos
revolucionário? Eis o que buscamos explicitar, a seguir nas várias dimensões da
realidade.
1) Na esfera da produção - Começamos
por perguntas do tipo: O quê produzir? Para quê (m) produzir? Quem e como se
ocupará desta produção? Trata-se de apenas de alguns dos questionamentos que
nos devem ocupar, nesta esfera da realidade.
Tomando em consideração os critérios
e valores acima referidos, os sujeitos históricos, dispostos a retomarem, em
novo estilo, passos em vista de uma sociabilidade alternativa ao modelo
vigente, cuidam de ficar atentos, em
primeiro lugar, ao sentido de sua convivência, em harmonia, não apenas com os
humanos, mas igualmente com toda a comunidade dos viventes.
Tal consciência ilumina as decisões
também no plano da produção. O sentido desta, por exemplo, nada tem a ver com
a avidez de acumulação de riquezas e bens, a serem apropriados e utilizados
por poucos, em prejuízo das maioria de humanos e da Mãe-Natureza. Tanto
coletivamente quanto no plano pessoal, o (con)viver bem (“Bien Vivi”)“ não
depende de acumulação ou de concentração de riquezas e de bens, mas orienta-se
a satisfazer as necessidades materiais do (co)existir. Não se precisa de
supérfluos, tão pouco de esbanjamentos, ou desperdícios.
Nessa direção, é fundamental
decidir-se coletivamente o quê é importante produzir, levando-se em consideração
as reais necessidades materiais de cada um e do conjunto dos humanos e dos
demais viventes, bem como a dignidade do Planeta (nada de produção que
implique degradação das condições da Natureza – das fontes de água, dos rios,
dos mares e oceanos, das florestas, do subsolo, etc., por conta do excesso ou
das formas de exploração adotadas em funão do lucro... Também, nada de
produção que implique a desfiguração dos humanos, a exemplo do trabalho
escravo e das incontáveis e graves manifestações do trabalho precarizado, de
que é impactante expressão o filme-documentário “Da servidão moderna”, cf.: https://www.youtube.com/watch?v=Ybp5s9ElmcY
No caso da formação econômica do
Brasil e de outras sociedades colonizadas, a
precarização do trabalho é algo inerente, por exemplo, à lógica da
monocultura. Não é por acaso, que a monocultura demande uma estrutura escravagista
ou algo parecido. A lógica do monocultivo manifesta-se multiplamente danosa,
seja em relação à Mãe-Natureza, seja em relação especificamente aos humanos.
Eis por que só temos a felicitar as
numerosas iniciativas de multicultivo, de cuidado com o solo, com a vegetação
nativa, de convivência com o Semiárido, respeitando-se os manejos a
agroecologia – experiências que se têm multiplicado, mas que ainda representam
um enorme desafio, a compará-la com o hidro-agronegócio...
Outro ponto a merecer atenção
especial tem a ver com a relação cidade-campo. Não raramente, se constata um
enorme fosso entre a vida da cidade e a vida do campo, quando, de fato, é a
sua interrelação qu se deve destacar, afinal, “Se a roça não planta, a cidade
não janta”; “Se destruírem a roça, a cidade não almoça”... Mas, tal
interrelação vai muito além de um patamar estritamente econômico, de modo a
alcançar outras esferas do (co)existir, inclusive a dimensão estética e do
Sagrado...
.
Nas mais distintas experiências de
produção, seja nas atividades extrativas, na agricultura; seja nas atividades
de produção artesanal; seja nas atividades de transformação industrial; seja
na área da troca, na área da oferta de serviços, seja ainda no terreno do
consumo, uma condição sempre relevante com que se preocupar, prende-se a fazer
valer, na ampla diversidade de atividades produtivas, critérios equânimes de
distribuição de riquezas e bens, de modo a evitar-se o império das odiosas
desigualdades sociais e suas nefastas consequências para o Planeta e para toda
a comunidade dos viventes.
2) Na esfera política -
Para sujeitos históricos que se
pretendam revolucionários, resulta urgente e primordial a tarefa de testemunharem, também no campo da
Política, atitudes e ações alternativas ao modelo vigente, sem pretenderem,
primeiro, “desbancar” o velho Príncipe, para só então, implantarem o
“milagroso” modelo alternativo. Trágico equívoco seria cometido, e não pela
primeira vez... Ou bem ensaiam, coletiva e pessoalmente, desde já, passos de
alternatividade ao modelo combatido, ou virariam letra morta seus planos
miraculosos, de mudarem, de repente, “água em vinho”... A este filme, aliás,
já assistimos...
No espectro organizativo, por
exemplo, consoante os critérios acima mencionados, os sujeitos históricos
revolucionários parte dos “de baixo”, arrancam desde a base, fazem sua ação
revolucionária brotar de pequenas comunidades – coletivos, círculos de
cultura, conselhos populares, célula ou que outros nomes tenham. Coletivos
fundados e mantidos duradouramente, espalhados por locais de trabalho, de
moradia, de estudos, etc., ciosos de sua autonomia relativa, em que todos os
participantes têm voz, vez e voto assegurados, enquanto protagonistas do
processo. Para aí são trazidos e compartilhados as mais diversas questões
relativas à conjuntura, às atividades programadas, à avaliação, e tomadas
decisões. Não se tratando de orgãos estanques isolados, tratam de se conectar
com as demais instâncias, por meio de delegados e delegadas eleitos. Funcionam
com periodicidade semanal ou quinzenal, elegendo-se uma coordenação por um
prazo determinado, findo o qual tais coordenadores voltam para a base,
enquanto membros da base são eleitos para coordenação do período seguinte.
Trata-se de mecanismos (a delegação e alternância de cargos e funções) de
considerável potencial revolucionário.
A estes mecanismos, associa-se ainda seu investimento no autofinanciamento,
isto é, na iniciativa de manter suas atividades, sem depender do Mercado ou do
Estado, mas dos tostões arrecadados de seus próprios membros, de acordo com
suas possibilidades.
3) – Na esfera cultural - Nos processos
organizativo, formativo e de luta, os sujeitos históricos revolucionários vão
se forjando, no enfrentamento dos desafios do cotidiano, para o que resta
determinante a articulação adequada das atividades mais diversas, cumpridas
nas distintas esferas da vida. No caso da esfera cultural, mais diretamente,
cuidam de lapidar sua condição de seres humanos, por meio do exercício de
distintas atividades. Aprendem, dia após dia, a superar a falsa dicotomia
estabelecida pela ideologia dominante, entre trabalho manual e trabalho
intelectual. Temos de trabalhar com as mãos (e com a cabeça) nas tarefas
caseiras, preparando a comida, cuidando da limpeza, trabalhando na roça, na
oficina, praticando exercícios físicos. Aprendem a contemplar a natureza, por
meio da qual também vão aprendendo a contemplar o belo, inclusive
exercitando-se nas mais distintas linguagens artísticas. Em um de seus
escritos de juventude, Marx aludia a uma das crueldades infligidas pelo
Capitalismo: a de inviabilizar a parcelas expressivas de trabalhadores a
oportunidade de contemplação artística – de contemplar um quadro, a de fruir
um prato de fina culinária... Não importa qual seja a forma de linguagem
artística – poesia, literatura, desenho, pintura, escultura, arquitetura,
cinema, fotografia, dança, música... -, o ser humano não se humaniza sem
recorrer também às artes, pela produção, pela contemplação, pela fruição.
Ainda no campo cultural, vale
ressaltar a importância das atividades voltadas ao aprimoramento contínuo da
capacidade perceptiva, de modo a que o
ser humano seja capaz de ver melhor o que antes não percebia, ou percebia mal;
o de escutar coisas novas, o de ler, interpretar e extrair ensinamentos
concretos dos sinais dos tempos. Por meio do aprimoramento constante dos
sentidos, da observação, e registro dos acontecimentos, os sujeitos históricos
revolucionários também vão tendo condições crescentes de, não apenas lerem a realiade,
mas também de reescrevê-la.
Considerações complementares -
Diante de velhos desafios ainda
largamente remanescentes, aos quais se agregam tantos outros de novo tipo, em
vão, espera-se de nossos melhores clássicos, que deem conta do enfrentamento
de questões como a necessidade e urgência de um novo tipo de militância, cuja
formação adequada já não se deve restringir à formação política, mas, antes,
ensaiar passos em direção a uma formação integral – da qual fazem parte, além
da Política (apenas uma dimensão do ser humano), outras tantas dimensões,
capazes de testemunhar um compromisso pessoal e coletivo de ir mudando a
realidade, a partir de passos novos, coerentes com o sonho que almejam. Compromisso
a ser cotidianamente renovado, pessoal e coletivamente, pelo exercício da
mística revolucionária, de modo a refletir-se nos processos organizativo,
formativo e de luta.
No que se refere especificamente ao
processo de mobilização ou de luta, na próxima sexta-feira, dia 30/06, está
prevista uma greve geral, instrumento necessário e oportuno para se fazer
frente ao desmonte acintoso de políticas públicas essenciais. Com efeito, não
bastassem as escandalosas falcatruas em que está metido o presidente Michel
Temer, em escancarado conluio com o que há de mais asqueroso do meio
empresarial, eis que se acha em curso um brutal desmonte dos direitos sociais
(trabalhistas, previdenciários e outros) dos trabalhadores brasileiros,
protagonizado pelos aliados de Temer, no Congresso e fora dele. Diante de tão
grave ameaça à já frágil democracia brasileira, impõe-se aos sujeitos
históricos revolucionários manifestarem publicamente, quantas vezes isto for
necessário, não apenas sua indignação e sua revolta, como sobretudo irem
forjando caminhos de superação, para além da pauta oficial.
João Pessoa, 28 de junho de 2017
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