TRIBUTO A MÉSZÁROS
Alder Júlio
Ferreira Calado
Com saudade
e enorme gratidão pela preciosidade de sua contribuição como pensador, acabamos
de receber a notícia do falecimento de István Mészaros, neste domingo, 1 de
outubro de 2017. Ele nos
deixa um instigante legado, à altura de um eficaz enfrentamento dos atuais
desafios colocados pelo Capitalismo, em suas atuais manifestações. Compõe,
junto com figuras tais como Ernest Mandel (1923-95), Adolfo Sánchez Vázquez
(1915-2011), Michael Löwy (nascido em 1938) e outros, um seleto grupo de
Marxistas revolucionários de reconhecida contribuição à humanidade. Mészáros,
nascido em Budapeste (Húngria), em 19 de dezembro de 1930 apresenta um percurso
existêncial atípico, desde sua adolescência, quando se lança precocemente ao
trabalho, numa industria de aviões de carga, em Budapeste, conhecendo na pele a
experiência capitalista de exploração em uma multinacional, causando-lhe
indignação o fato de ganhar (como adolescênte) salário igual ao de sua mãe, o que
demonstra a insensíbilidade capitalista, em relação também à questão de gênero.
Somente depois da Segunda Guerra Mundial, é que consegue dar prosseguimento aos
seus estudos, avendo cursado filosofia, na Universidade de Budapeste, tendo
sido Assistênte de G. Lukács, no Instituto de Estética da mesma universidade.
Veio a defender sua tese de Doutorado, em 1954 aos 24 anos. Após a resistência
Húngara à invasão Soviética, em 1956, exila-se na Itália, tornando-se professor
na Universidade de Turim, tendo atuado ainda como professor, na Escócia, e, em
seguida, na Universidade de Sussex e York, na Inglaterra.
Vasta e
densa é sua obra de pensador Marxista da qual destacamos as seguintes: A teoria da alienação em Marx (1970), O conceito de dialética em Lukács (1972),
A obra de Sartre: Busca da liberdade
e desafio da História
(1979), Para além do capital (1994),
Produção destrutiva e Estado capitalista
(1996), A Educação para além do Capital (2005).
Trata-se,
também, de um grande amigo do Brasil, aqui tendo vindo e intervindo em várias
oportunidades, das quais destacamos sua intrevista concedida ao programa Roda
Viva (cf. “link” https://www.youtube.com/watch?v=6Lh5ZSNo1Hc), sua reflexão crítica sobre o
Estado e a Dialética de Lukács, pronunciada na UFG
(cf.”link” https://www.youtube.com/watch?v=VWkv7D_RmtE), e sua visita à Escola Florestan
Fernandes (cf.”link”https://www.youtube.com/watch?v=xvLfAExWdao).
Mais:
importa, sobretudo, sublinhar a confiança por ele demonstrada à Editora
Boitempo, de publicar vários de seus livros, principalmente seu gesto de
confiar aos cuidados da Boitempo a publicação de sua obra Para além do Leviatã: crítica do Estado, em 3 volumes, sendo que o
lançamento do primeiro volume – “O desafio histórico” – está previsto para o
segundo semestre deste ano, enquanto o segundo – “A dura realidade” –
projetava-se para ser publicado em 2018, e finalmente o terceiro volume – “A
alternativa necessária” -, em 2019. É principalmente sobre este seu longo
projeto, de mais de 15 anos, com cerca de 1000 páginas que gostaríamos de tecer
breves linhas, ainda que embasadas apenas no sumário mencionado, relativo aos 3
volumes de Para além do Leviatã: crítica
do Estado, tal como publicado no link
da Boitempo:
É
reconfortante tomar conhecimento de um projeto de tal envergadura,
protagonizado por um pesquisador da estirpe de Mészáros, não terá sido em vão
seu investimento de tempo e de energia criativa, de percorrer, por mais de 15 anos
os labirintos históricos do Estado – não apenas no tocante ao despotismo
oriental e aos antigos Estados Imperiais, como também à saga dos Estados Modernos,
desde Maquiavel, Hobbes, Owen, Rousseau, Kant e Hegel, Marx, Lenin, Rosa
Luxemburgo, Gramsci, Bloch, Lukács e entre outros. Em tempos de “mudança de
época”, eis que nos deparamos com este que é se não o maior, um dos principais
desafios aos revolucionários de hoje e das novas gerações. Para tanto será de fundamental importância uma profunda
avaliação crítica do Estado, não apenas no âmbito do Capitalismo, mas também do
Estado realmente existente nas dezenas de experiências de Socialismo, já
contando um século.
Ainda que
complexa, a crítica ao Estado capitalista não constitue o maior desafio, dada a
crítica radical feita por clássicos marxistas, a começar dos fundadores. As
pesquisas de Marx, por exemplo, ainda que dedicadas à dissecação exaustiva do
Capitalismo, foram bem menos atinentes ao próprio Estado. Ainda assim, não
padece dúvida o entendimento de que o Estado constitui fundamentalmente, ao
lado do Mercado, o principal componente do modelo capitalista. Sem o Estado,
não se viabilizariam as políticas econômicas ditadas pelo mercado capitalista.
Tal composição (Mercado + Estado) pode até sofrer alterações conjunturais, em
sua implementação mais ou menos eficaz. Mas o fundamental é ter presente sua
unidade orgânica, a fazer prevalecer sempre os interesses da classe dominante,
deixando pouca margem ao cumprimento dos interesses das classes populares.
Ainda mais
desafiadora é a tarefa de nos voltarmos
para uma profunda avaliação crítica do Estado socialista, por mais incomoda e
palatável que se apresente à nossas organizações de base. Com efeito,
sucessivas gerações foram – e continuam sendo – alimentadas pela convicção de
que o Estado socialista é garantia incondicional para superação do Capitalismo,
sem estarem muito dispostas a reconhecer os profunddos equívocos do Estado socialista,
nas mais distintas experiências de Socialismo que tivemos, nos últimos 100
anos. É crença consolidada que a mera deposição do Estado capitalista, uma vez
substituído pelo Estado socialista, assegurará incondicionalmente o modo
socialista de se organizar, em vista da passagem em direção a uma sociedade sem
classes e, portanto, sem Estado. Eis que, à medida que se vai implantando,
acabam sendo internalizados e reproduzidos nos segmentos dirigentes os vícios
do antigo regime, agora se fazendo “em nome da Classe Trabalhadora”. E se assim
não é, como explicar que as experiências socialistas, salvo raríssimas e fugazes
exceções, não só não se mantiveram enquanto tais, mas acabaram também refluíndo
para formas dissímuladas de capitalismo? Normalmente, nas poucas vezes em que
esse debate é feito, a tendência largamente dominante é de atribuir os recuoos
apenas aos inimigos de classe, passando-se ao largo da autocrítica, ou seja, do
reconhecimento também dos fatores endógenos. Eis uma tarefa – desafio – para as
novas gerações.
João Pessoa,
4 de Outubro de 2017.
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