quarta-feira, 4 de outubro de 2017

TRIBUTO A MÉSZÁROS

TRIBUTO A  MÉSZÁROS

Alder Júlio Ferreira Calado

Com saudade e enorme gratidão pela preciosidade de sua contribuição como pensador, acabamos de receber a notícia do falecimento de István Mészaros, neste domingo, 1 de outubro de 2017. Ele nos deixa um instigante legado, à altura de um eficaz enfrentamento dos atuais desafios colocados pelo Capitalismo, em suas atuais manifestações. Compõe, junto com figuras tais como Ernest Mandel (1923-95), Adolfo Sánchez Vázquez (1915-2011), Michael Löwy (nascido em 1938) e outros, um seleto grupo de Marxistas revolucionários de reconhecida contribuição à humanidade. Mészáros, nascido em Budapeste (Húngria), em 19 de dezembro de 1930 apresenta um percurso existêncial atípico, desde sua adolescência, quando se lança precocemente ao trabalho, numa industria de aviões de carga, em Budapeste, conhecendo na pele a experiência capitalista de exploração em uma multinacional, causando-lhe indignação o fato de ganhar (como adolescênte) salário igual ao de sua mãe, o que demonstra a insensíbilidade capitalista, em relação também à questão de gênero. Somente depois da Segunda Guerra Mundial, é que consegue dar prosseguimento aos seus estudos, avendo cursado filosofia, na Universidade de Budapeste, tendo sido Assistênte de G. Lukács, no Instituto de Estética da mesma universidade. Veio a defender sua tese de Doutorado, em 1954 aos 24 anos. Após a resistência Húngara à invasão Soviética, em 1956, exila-se na Itália, tornando-se professor na Universidade de Turim, tendo atuado ainda como professor, na Escócia, e, em seguida, na Universidade de Sussex e York, na Inglaterra.

Vasta e densa é sua obra de pensador Marxista da qual destacamos as seguintes: A teoria da alienação em Marx (1970), O conceito de dialética em Lukács (1972),  A obra de Sartre: Busca da liberdade e desafio da História (1979), Para além do capital (1994), Produção destrutiva e Estado capitalista (1996), A Educação para além do Capital (2005).

Trata-se, também, de um grande amigo do Brasil, aqui tendo vindo e intervindo em várias oportunidades, das quais destacamos sua intrevista concedida ao programa Roda Viva (cf. “link” https://www.youtube.com/watch?v=6Lh5ZSNo1Hc), sua reflexão crítica sobre o Estado e a Dialética de Lukács, pronunciada na UFG
(cf.”link” https://www.youtube.com/watch?v=VWkv7D_RmtE), e sua visita à Escola Florestan Fernandes (cf.”link”https://www.youtube.com/watch?v=xvLfAExWdao).
Mais: importa, sobretudo, sublinhar a confiança por ele demonstrada à Editora Boitempo, de publicar vários de seus livros, principalmente seu gesto de confiar aos cuidados da Boitempo a publicação de sua obra Para além do Leviatã: crítica do Estado, em 3 volumes, sendo que o lançamento do primeiro volume – “O desafio histórico” – está previsto para o segundo semestre deste ano, enquanto o segundo – “A dura realidade” – projetava-se para ser publicado em 2018, e finalmente o terceiro volume – “A alternativa necessária” -, em 2019. É principalmente sobre este seu longo projeto, de mais de 15 anos, com cerca de 1000 páginas que gostaríamos de tecer breves linhas, ainda que embasadas apenas no sumário mencionado, relativo aos 3 volumes de Para além do Leviatã: crítica do Estado, tal como publicado no link  da Boitempo:

É reconfortante tomar conhecimento de um projeto de tal envergadura, protagonizado por um pesquisador da estirpe de Mészáros, não terá sido em vão seu investimento de tempo e de energia criativa, de percorrer, por mais de 15 anos os labirintos históricos do Estado – não apenas no tocante ao despotismo oriental e aos antigos Estados Imperiais, como também à saga dos Estados Modernos, desde Maquiavel, Hobbes, Owen, Rousseau, Kant e Hegel, Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo, Gramsci, Bloch, Lukács e entre outros. Em tempos de “mudança de época”, eis que nos deparamos com este que é se não o maior, um dos principais desafios aos revolucionários de hoje e das novas gerações. Para tanto será  de fundamental importância uma profunda avaliação crítica do Estado, não apenas no âmbito do Capitalismo, mas também do Estado realmente existente nas dezenas de experiências de Socialismo, já contando um século.
Ainda que complexa, a crítica ao Estado capitalista não constitue o maior desafio, dada a crítica radical feita por clássicos marxistas, a começar dos fundadores. As pesquisas de Marx, por exemplo, ainda que dedicadas à dissecação exaustiva do Capitalismo, foram bem menos atinentes ao próprio Estado. Ainda assim, não padece dúvida o entendimento de que o Estado constitui fundamentalmente, ao lado do Mercado, o principal componente do modelo capitalista. Sem o Estado, não se viabilizariam as políticas econômicas ditadas pelo mercado capitalista. Tal composição (Mercado + Estado) pode até sofrer alterações conjunturais, em sua implementação mais ou menos eficaz. Mas o fundamental é ter presente sua unidade orgânica, a fazer prevalecer sempre os interesses da classe dominante, deixando pouca margem ao cumprimento dos interesses das classes populares.

Ainda mais desafiadora é a tarefa  de nos voltarmos para uma profunda avaliação crítica do Estado socialista, por mais incomoda e palatável que se apresente à nossas organizações de base. Com efeito, sucessivas gerações foram – e continuam sendo – alimentadas pela convicção de que o Estado socialista é garantia incondicional para superação do Capitalismo, sem estarem muito dispostas a reconhecer os profunddos equívocos do Estado socialista, nas mais distintas experiências de Socialismo que tivemos, nos últimos 100 anos. É crença consolidada que a mera deposição do Estado capitalista, uma vez substituído pelo Estado socialista, assegurará incondicionalmente o modo socialista de se organizar, em vista da passagem em direção a uma sociedade sem classes e, portanto, sem Estado. Eis que, à medida que se vai implantando, acabam sendo internalizados e reproduzidos nos segmentos dirigentes os vícios do antigo regime, agora se fazendo “em nome da Classe Trabalhadora”. E se assim não é, como explicar que as experiências socialistas, salvo raríssimas e fugazes exceções, não só não se mantiveram enquanto tais, mas acabaram também refluíndo para formas dissímuladas de capitalismo? Normalmente, nas poucas vezes em que esse debate é feito, a tendência largamente dominante é de atribuir os recuoos apenas aos inimigos de classe, passando-se ao largo da autocrítica, ou seja, do reconhecimento também dos fatores endógenos. Eis uma tarefa – desafio – para as novas gerações.

João Pessoa, 4 de Outubro de 2017.



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