quinta-feira, 31 de maio de 2018

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA em busca de nossas raízes (IV)

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA
em busca de nossas raízes (IV)

Alder Júlio Ferreira Calado


            Seguimos em busca de elementos identitários de nossa Brasil-Africanidade. Em artigos precedentes, estivemos percorrendo diferentes trilhas nessa busca, instigados por questões do tipo: Que terra é esta? Quais as principais marcas de sua geografia e de sua Gente? (I). Que traços relevantes de sua história merecem ser aqui sublinhados? Onde e como vive sua população? (II). Como entender sua vasta diversidade cultural (étnica, lingüística, religiosa) (III)? Nem é preciso dizer que mal conseguimos aflorar aspectos superficiais dessas questões. Vamos ter que voltar muitas vezes a apreciá-las, inclusive sob outros ângulos.
            Essas e tantas outras: Como se processou a tragédia da colonização, inclusive nos dias de hoje? Que valores foram por nós historicamente incorporados, e que têm a ver com nossa herança da Mãe-África? Como se situa, hoje, a África no cenário internacional, nesses tempos de globocolonização? O que pensam as principais lideranças africanas, seus escritores e escritoras? Como andam nossas relações com os diferentes países africanos? Nossas curiosidades parecem não ter fim. Mas, vamos fazendo o que nos está ao alcance, claro.
            Tomemos como alvo, por exemplo, a questão dos valores herdados. Primeiro o tipo de relação tecida com a Mãe-Natureza. O sentimento que se experimenta é de profunda comunhão, é de amorosa pertença. Nós somo parte da Mãe-Natureza. Dela vimos e a ela retornamos, pela força do Sagrado que também nela se e por ela se manifesta. Não apenas em nós humanos. Vale, a esse propósito, observar que também aí nossas raízes africanas estão muito afinadas com as nossas raízes indígenas (Ver o depoimento do Cacique Chicão Xukuru, na Serra do Ororubá (Cimbres/Pesqueira - PE), um ano antes de seu assassinato), no qual destacava bem essa amorosidade, essa relação de gratuidade com a Mãe-Natureza.
Relação que se manifesta de múltiplas formas. Numa situação de escassez de água ou de alimentos, não surpreende que os humanos, a despeito de sua sede ou de sua fome, se contentem com o absolutamente necessário à sobrevivência, assegurando aos demais animais a sua porção, sem precisar tomar tal atitude como uma virtude, mas como um dever alegremente cumprido. Uma relação de dominação não permitiria tal atitude. Nada na Natureza tem sentido ser tomado como objeto de propriedade ou de comércio. Observa-se o uso comum do que vem da Mãe-Natureza. Tudo é de todos. Todos se alimentam em condições de igualdade. Não faz sentido uns comerem e outros passarem forme. Ninguém pode ficar de fora. Nem os animais.
Não é o mesmo sob a ótica ocidental, já que, neste caso, alguns poucos humanos se arrogam o privilégio de “dominadores” e “proprietários” da Natureza, achando-se no direito de dela usar e abusar, não importando o que suceda à maioria de seus semelhantes, menos ainda aos animais, aos vegetais, ao solo, ao sub-solo, ao mar... Provas disso é que não nos faltam...
Outro traço identitário de nossa Africanidade tem a ver com o lugar privilegiado que ocupa o coletivo sobre o individual, sem prejuízo deste. Aqui família é tomada, antes de tudo, como o conjunto da comunidade tribal. Toda a comunidade se sente como pai e mãe do conjunto das crianças. Estas - diferentemente de nossa herança ocidental, centrada nos laços de sangue - não se sentem abandonadas, nem mesmo quando os pais partem. Há um forte senso de corresponsabilidade na repartição das tarefas do dia-a-dia, seja nas atividades de coleta e da produção do sustento, seja nos cuidados dos diferentes tipos de trabalho e de convivência, seja nos momentos de resistência aos ataques inimigos, seja em tempos de festa e celebração, seja nas relações com o Sagrado.
Enquanto isso, a tendência historiográfica dominante continua no seu empenho de “folclorizar” nossa herança cultural africana, à medida que se cultivam um olhar limitado e reducionista de práticas culturais afrobrasileiras: a capoeira, a culinária, vocábulos de origem africana, expressões religiosas, trajes... Não há como negar que tudo isso também faça parte do nosso patrimônio cultural, herdado da Mãe-África.

João Pessoa, 23 de Março de 2001.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA: em busca de nossas raízes (X)


TRAÇOS DA MÃE ÁFRICA:
em busca de nossas raízes (X)

Alder Júlio Ferreira Calado

            Estamos dando prosseguimento à matéria tratada, no número precedente de ABIBIMAN, acerca de elementos relativos à produção literária de escritoras africanas. Reportávamo-nos, de passagem, a um aspecto crucial do processo de produção literária – a incidência e o alcance dos condicionamentos político-ideológicos, enfrentados especialmente pelas escritoras africanas. Agostinho Neto, a seu tempo, já havia alertado para o mesmo desafio, em relação mais direta aos escritores.
            A questão central é a seguinte: em meio às estratégias de ocidentalização do estilo africano de produção literária - das mais sutis às mais evidentes -, como manter e ser fiel aos traços identitários dos escritores e escritoras africanos e de sua respectiva produção literária? E no caso específicos das mulheres escritoras?
            Vimos, em artigos precedentes, como a herança colonial (na África e alhures) implica uma multiplicidade de graves condicionamentos materiais e imateriais para os povos invadidos, expropriados, escravizados e re-educados conforme a grade de valores das metrópoles. Inclusive no campo da produção literária, salvo no caso de um processo de extrojeção do colonizador da alma dos povos invadidos, a tendência dominante é a de seguir-se a “cartilha!” do dominador.
As estratégias de produção e difusão da ideologia do dominador sobre os povos dominados são, não raro, carregadas de requintes de sedução. As táticas de domesticação são de uma astúcia, a toda prova. Inclusive aquelas que não hesitam em apelar para o discurso do respeito à “autonomia”, à “autodeterminação”, até à “recuperação da identidade” dos povos colonizados...
            Situação multiplamente agravada, no caso das escritoras. As relações de gênero, nos países africanos como entre nós, estão longe de beneficiar as mulheres enquanto produtoras intelectuais. Para dizer o mínimo. O aprimoramento do seu ofício-alvo requer prosseguimento dos estudos. Nas (ex?)colônias, o ensino superior é jóia rara para poucos privilegiados. Ir estudar na metrópole – se e quando se consegue - tem seus encantos, mas tem seu preço... Conquistar aí condições favoráveis de sobrevivência digna já não é fácil, e o que dizer do sonho de afirmar-se como escritora? E, no caso de encontrar oportunidades propícias ao desenvolvimento de suas potencialidades, quais as condições que lhes são, direta ou indiretamente, impostas?
            A despeito desses e de tantos outros entraves, alegra-nos saber de mulheres escritoras africanas honradas que, alcançando notoriedade internacional, pela qualidade de sua produção literária, se mantêm fiéis à causa libertária de sua Gente, resistindo, também lá, aos sedutores apelos dos “mensalões literários”...
           

PELOS FRUTOS SE CONHECE A ÁRVORE... Indagações a partir de episódios recentes ou em curso


PELOS FRUTOS SE CONHECE A ÁRVORE...
Indagações a partir de episódios recentes ou em curso

Alder Júlio Ferreira Calado

Nossa vida social segue sendo uma complexa malha, tecida de fatos, situações, acontecimentos, em profusão, do âmbito internacional ao local, a nos desafiar, incessantemente. Complexidade que pode assemelhar-se às manifestações de uma enorme biodiversidade, inclusive de árvores de todo tipo, e podendo servir para os mais distintos fins. Em semelhante clima, são consideráveis as chances de confusão, com graves consequências. Diante de cenários protagonizados por forças antagônicas, há quem interesse “vender” veneno como se fora remédio... Importa ter critérios que balizem as escolhas. Não é a sedutora embalagem do “remédio”, a ser tomada como critério de verdade; mas, antes, a qualidade do fruto dessa ou daquela árvore...

Num exacerbado contexto de enfrentamento de projetos antagônicos de sociedade, importa manter-nos atentos às astúcias dos setores dominantes, para quem deve prevalecer a insânia dos argumentos de força, a sobrepujar a arma da crítica: aqui abundam os casos ilustrativos, recentes e menos recentes (a exemplo do massacre do Afeganistão, do Iraque, da “libertação” da Líbia, das esdrúxulas relações Israel-Palestina, dentre tantos outros... Aqui a razão da força segue soberana. Mas, até quando?

Nos Estados Unidos e na Europa, regiões duramente impactadas pela crise devastadora, os respectivos governos, em aliança com o grande capital, seguem fazendo valer os interesses do Mercado, à revelia e contra imensas maiorias de Trabalhadores e Trabalhadoras em situação de desespero. Na Mãe-África, o conluio Estado e Mercado segue a infelicitar parcelas crescentes das populações, reféns das manobras e da exploração devastadora praticadas contra a Natureza e contra as maiorias daquelas Gentes, a verem suas riquezas cada vez mais depredadas pela avidez de lucro e dos necrófilos projetos das forças dominantes. Na América Latina e no Caribe, gemem territórios e populações, sob as patas do mesmo império. Até quando?

No âmbito nacional, não menos desafiadoras são a sucessão de ocorrências graves, de um lado, e, de outro, a forma de enfrenta-las. Quanto à interminável sucessão, podemos observar: crescente agressão ao Planeta (os famigerados megaprojetos, inclusive os relativos à Transposição de águas do rio São Francisco, as hidrelétricas, como a de Belo Monte, e usinas nucleares, os procedimentos deletérios do agronegócio); os crimes contra a vida dos povos do campo, indígenas, quilombolas, das águas e das florestas, das mulheres, dos jovens, das crianças e adolescentes; criminalização dos movimentos sociais populares, não realização de reformas estruturantes (reforma agrária, demarcação e regularização das terras indígenas e quilombolas...); remanescente trabalho escravo nos albores do século XXI, tráfico de pessoas, de armas e de drogas; crescente precarização das condições de trabalho; aviltamento dos valores republicanos; desproporcional interferência negativa da mídia comercial na grade de valores de imensas parcelas da população (já havendo quem a essa mídia se refira como “meios de manipulação de massa”); os inaceitáveis índices de desigualdade social... quanta coisa mais a ressaltar como meros exemplos ilustrativos! Por outro lado, cumpre sublinhar um risco grave e desafiante: o de nos contentarmos com atacar, uma por uma, tais ocorrências, ignorando ou subestimando o potencial de seu entrelaçamento, tornando, por isso mesmo, impossível superá-las por meio de ações isoladas, no varejo. Donde a necessidade e a urgência de despertar-nos para embates que tenham bem presente a raiz dos problemas, não tanto seus efeitos...

Felizmente, importa destacar, com maior força (no plano da resistência e da esperança), os sinais de vida que têm despontado, aqui e ali, desde as “correntezas subterrâneas”. E não me refiro apenas às belas iniciativas de resistência aos megaprojetos das grandes corporações, ao agronegócio, em breve, às iniciativas de resistência contra os “malfeitos” resultantes da velha parceria Mercado-Estado, a exemplo dos que culminaram no Julgamento da Ação Penal 470, há pouco encerrado. Evoco, sobretudo, as moleculares iniciativas de caráter propositivo ou prospectivo. Iniciativas quase imperceptíveis, justamente porque não se produzem sob os holofotes da mídia comercial, não fluem nas águas de superfície. Iniciativas que, tendo caráter ora mais expressamente econômico, ora mais diretamente político ou cultural, comportam, ao mesmo tempo, significativas interfaces políticos, culturais inovadoras.

No âmbito ecológico, por exemplo, quantas experiências fecundas em curso, nos assentamentos espalhados nas unidades de produção de agricultura familiar! Quanta inventividade na área científico-tecnológica, sobretudo quando abertas e em diálogo frutuoso com a cultura de nossos ancestrais! No próprio plano formativo, temos conhecimento de coletivos de jovens organizados em movimentos e em grupos de pesquisa, de estudo, de reflexão, a gestarem o novo, a longo prazo, mas começando desde já, amparados que se sentem nos bons clássicos (sem sucumbirem ao risco de tentarem copiá-los, mas, sim, de neles se inspirarem diante do enfrentamento exitoso de velhos e novos desafios), na memória dos nossos ancestrais, no legado de figuras de referência, no cultivo de uma mística revolucionária, alimentada reiteradamente pela Utopia de um novo mundo possível e necessário... Tampouco se dá por acaso que quase todas essas experiências se produzam à revelia, à margem ou mesmo contra os políticas governamentais em curso. Veja-se, por exemplo, o caso das fecundas iniciativas de convivência com o semiárido e a ação estatal...

Mas, aqui não se cogita de algum balanço. Nessas breves linhas, trago à tona apenas três episódios recentes, seguidos de algumas indagações que me faço e compartilho, como cidadão indignado e em luta, na companhia de tantos e tantas, por um novo mundo possível e necessário: a mais recente tragédia de dezenas de execuções de crianças e adultos, nos Estados Unidos; a alardeada e pomposa campanha de emagrecimento de uma estrela do futebol, promovida por uma grande rede de televisão brasileira e uma crônica emblemática da lavra de um parlamentar de referência, no atual cenário político brasileiro.

1. O massacre de 26 pessoas (das quais 20 crianças), nos Estados Unidos

Tragédias desse tipo, por mais impactantes que sejam – e o são! – já não constituem propriamente novidade. Vêm se sucedendo nos Estados Unidos, já há algum tempo. É só conferir na imprensa das últimas décadas. A mídia divulga com o costumeiro estardalhaço, depois a coisa é esquecida, até que... O noticiário das grandes agências detém-se nos detalhes de superfície. Quando muito, se convida uma psicóloga/um psicólogo para responder a perguntas quase sempre limitadas ao comportamento do executor. Algo que se centra fundamentalmente no caráter criminoso do indivíduo, com leve e insuficiente aceno a outras interfaces.

É claro que tudo isso também tem a ver com o perfil do indivíduo. Mas, também é certo que tal indivíduo não é bem uma ilha mal sucedida num suposto oceano de pureza... Em vão se procura entender tragédias desse tipo, centrando-se a atenção apenas ou principalmente nos indivíduos. Há um dinâmico entrelaçamento de fatores em jogo, a ser tomado na devida conta, dadas suas múltiplas conexões. Aqui, gostaria de propor alguns questionamentos a esse respeito.

- Antes desse trágico massacre de Newtown, em Connecticut, quantos outros sucederam, nas últimas décadas, com características parecidas?

- Considerando-se que não se trata de caso isolado, mas de uma sucessão de ocorrências desse tipo, será mesmo no indivíduo que devemos centrar o melhor de nossa atenção?

- A julgar pelo tipo e quantidade de armas e munição encontradas em posse do jovem executor, como explicar a enorme facilidade de obtenção, guarda e uso de armas – inclusive armas de grosso calibre – por qualquer cidad(ã)o?

- Que quantidade de armas e de munição pode-se calcular sob a guarda de cada cidadão, uma parte considerável desse pessoal  com perfil semelhante ao do executor?

- Como afirmar que isto seja novidade para os setores governantes e estatais, mesmo sabendo da sucessão recente de casos semelhantes?

- Tendo em vista que a indústria e o comércio de armas e de drogas constituem os setores econômicos mais lucrativos, que lugar ocupam a indústria e o comércio de armas nos Estados Unidos (e no mundo), como forças altamente condicionantes (ou determinantes?) de suas respectivas políticas econômicas?

- Que papel tais setores desempenham na eleição de seus dirigentes, antes, durante e depois dos períodos eleitorais?

- Como dissociar tal critério de política econômica de sua obsessão de guerra e invasões pelo mundo afora?

2. A alardeada e vultosa campanha de emagrecimento de uma estrela do futebol brasileiro

A despeito da necessidade de se reconhecer como positivas algumas iniciativas de programas e campanhas pontuais, organizados pela mídia comercial, há de se convir em que, via de regra, suas iniciativas obedecem às regras e à lógica de Mercado, afinal quem é que financia a mídia comercial? Dentre tais redes de televisão, como é sabido, a Rede Globo ocupa lugar privilegiado. Basta lembrar a audiência de certas de suas “jóias”, a exemplo da poderosa máquina de imbecilização que é seu famigerado BBB...


Não bastassem os critérios que orientam seu noticiário, sua programação em geral, também algumas de suas campanhas assumem esse mesmo viés. Tudo se passa em meio a um enorme investimento extraordinário em convencimento ideológico. Para tornar palatáveis programas de grande potencial destrutivo – aqui situo, mais uma vez, talvez o pior de todos, o “Big Brother”... -, a Globo lança mão de astuciosos mecanismos de propaganda e publicidade, para tudo justificar, e justificar seu pretenso perfil de campeã em cidadania... É assim que patrocina campanhas como “Criança Esperança”, chamando a população para generosas contribuições. Eis que, em meio a toda essa “generosidade cidadã”, entende de promover uma campanha, no mínimo, intrigante: a de emagrecimento de uma bem sucedida figura do futebol brasileiro, tendo que arcar com uma fortuna...

A esse respeito, reputo elucidativo o instigante questionamento feito, numa mensagem socializada pelo Prof. José Ramos, nos seguintes termos:
“Sociedade hipócrita!!!!!!!!” E, a seguir, cenas protagonizaas pela estrela em questão, em sua vultosa campanha de emagrecimento. Cena seguida pela pergunta dirigida à produção da TV Globo: “Produção... deixa ver se eu entendi!!! A Globo paga pra emagrecer um gordo RICO?” Abaixo, outra cena relativa à Campanha “Criança Esperança”: “E me pede dinheiro para dar esperança a uma criança???” E, ao final: “Não é precisa explicar eu só queria entender!!!!!” (http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20121117161231AAwGwWT)

3. Crônica escrita pelo Senador Pedro Simon

Encontrada na internet com títulos às vezes distintos, também recebi do Prof. José Ramos, crônica escrita pelo Senador Pedro Simon, já há algum tempo atrás, mas guardando atualidade, conforme se pode ler também no endereço seguinte:
http://jps-sc.blogspot.com.br/2007/07/o-elevador-da-poltica.html

Nela encontramos uma bem tecida  peça literária cujos fios procedem do chão do nosso atabalhoado cotidiano político-partidário. Aí se faz uma analogia do Congresso ao cotidiano de um elevador de um prédio - o edifício político. No oscilante elevador, e nas paradas em cada andar do prédio, sucedem-se ocorrências e ações dos mais diversos protagonistas do cenário político brasileiro.

Nela o autor joga bem e costura ardilosamente palavras geradoras: condomínio, condôminos, convenção, síndico, elevador, andares do prédio, térreo, andar de baixo, andares de cima, subsolo, fundo do poço, bloqueamento das portas do elevador, panes...

Retenho, em especial, sua perspectiva da necessidade de se mudar a convenção. Mas, aqui, surgem tantas dúvidas:

- A serviço de que(m) estão esses usuários do elevador ou, antes, esses inquilinos do prédio político?

- O fato de, aqui, ali, encontrarem-se algumas dessas pessoas (como exceção!) comprometidas com as multidões de representados, isto significa que o conjunto dos inquilinos fecha com os interesses da maioria dos representados?

- Por quem é feita a Convenção desse condomínio? Que chances efetivas tem quem não é usuário do elevador desse edifício político, de assegurar mudanças substantivas na/da dita Convenção?

- Em vez de seguir apostando no que já se sabe que não dá certo, não seria o caso de, de volta à população de base, investir na construção doutro instrumento de organização e de gestão, o que poderia desaguar em algo que não necessariamente um outro prédio?

João Pessoa, 18 de dezembro de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Um Jesus mais próximo de nós: resumo dos 3 capítulos iniciais do livro de José Antonio Pagola. “Jesus, aproximação histórica”.

Um Jesus mais próximo de nós: resumo dos 3 capítulos iniciais do livro de José Antonio Pagola. “Jesus, aproximação histórica”.

Alder Júlio Ferreira Calado

Pensando em membros do nosso Grupo Kairós (e outros que ainda não leram o mencionado livro), que não têm podido comparecer às reuniões semanais, durante as quais vimos lendo o livro “Jesus, uma aproximação histórica” de autoria do Teólogo Espanhol José Antonio Pagola, trato de resumir seus 3 primeiro capítulos.
Convém, de início, sublinhar alguns traços característicos deste livro e de seu autor. José Antonio Pagola é um conhecido e experimentado teólogo espanhol, com vasta e reconhecida produção. Nas últimas décadas, houve por bem dedicar-se mais fundamente na pesquisa sobre figura de Jesus, buscando uma aproximação histórica. Após anos de pesquisa, consultando uma vasta bibliografia e fontes históricas, chegam a bom termo seus achados, que ele resolve publicar.

Desde a primeira edição em Espanhol - "Jesús, aproximación histórica" (versão disponível em PDF), sua obra vem despertando crescente interesse sobre o percurso histórico de Jesus de Nazaré. A tradução em Português totaliza cerca de 650 páginas.

Dentre os numerosos capítulos, chamam especial atenção alguns desses títulos, tais como o capítulo que vimos lendo: "Jesus Judeu", O vizinho", “Deus, amigo da Vida”, "Poeta da Misericórdia", etc...

O capítulo que estamos concluindo - "Vizinho" - constitui uma detalhada incursão que o autor faz pela região onde Jesus viveu, com sua família.

A perspectiva histórica é a seguida pelo autor aproximativa seguida pelo autor. Não se pretende dizer "a" verdade sobre Jesus, mas, antes, buscar uma abordagem mais próxima possível desta figura fascinante, recorrendo-se a numerosas fontes históricas recolhidas e trabalhadas. Longa é a lista de autores especialistas e de fontes que cita, em sua vasta bibliografia.

No trecho lido, na reunião de ante-ontem, chegamos perto do final do cap. 2, abordando a vizinhança em torno da qual viveu Jesus. Uma narrativa bem detalhada da paisagem geográfica, histórica, econômica, política, religiosa da região onde viveu Jesus - as dezenas de pequenas aldeias próximas a Nazaré. O cotidiano das gentes: as plantações, o trabalho, a vida em família, as festas mais significativas, o culto, etc. Dá-se ênfase às atividades de Jesus, a percorrer e a observar costumes de sua gente, detalhes da Natureza, observações que se refletem diretamente em sua pedagogia, em sua missão junto às gentes das aldeias, sobretudo por meio das parábolas.


1. Jesus Judeu

2. Os vizinhos de Jesus

3. O buscador de Deus:
- belíssima abordagem da missão do Batista: propor a urgência de uma Nova Aliança (a anterior havia sido rompida pelo pecado)
- À semelhança do que Deus propusera na Antiga Aliança, o deserto é o meio de retomada do Projeto de Deus (lugar de conversão, de ouvir a Deus, de arrependimento, de ruptura radical com a vida de pecado)
- O Jordão como lugar de purificação pelo Batismo
- O fascínio que Jesus teve por João Batista (como iniciador de Sua missão)

4, Poeta da Misericórdia

 O Reino de Deus já está entre vocês - passa a ser o grande anúncio inaugurado por Jesus. Mensagem nova e inovadora, do ponto de vista bíblico. Já não se trata mais, como faziam os profetas do Antigo Testamento, de anunciar a vinda (futura) do Reino de Deus, mas de anunciá-lo como uma presença efetiva, a partir de Jesus. Por Jesus e com Jesus, o Reino de Deus já não é apenas uma promessa: é uma experiência viva e vivificante, ao ponto de Ele, ao dirigir-se aos Seus discípulos e discípulas, afirmar que, na história pregressa do Povo de Deus, muitos desejaram ver, mas não viram, e muitos desejaram ouvir, mas não ouviram (cf. Lc 10, 23-24). Mesmo em meio àquela complexa desigualdade social e opressão daquela época (como hoje, ainda...), é justamente aí que Jesus passa a vivenciar a anunciar que o Reino de Deus já começa a ser uma realidade. Não vem pela razão da força, não vem pela força da propaganda, do "marketing", dos eventos espetaculares, mas vem modestamente, de modo humilde, e se faz presença renovadora entre os discípulos e discípulas de Jesus, a manifestar-se nas "correntezas subterrâneas", nas ações moleculares, lá onde se cultiva a vida, lá onde se luta por Liberdade, por justiça e paz. Lá onde se cuida dos mais necessitados e injustiçados.


Nos últimos tópicos do cap. 3, sob a chamada “Deus amigo da vida, o autor foca o cerne da proposta do Reino de Deus, anunciado e inaugurado  por Jesus: a vida em plenitude para todos, em especial para os pobres e desvalidos. Eis uma marca nuclear da proposta do Reino de Deus, fartamente amparada na Sagrada Escritura. A este respeito, o autor enfatiza o denso significado do Salmo 72 e do Salmo 146. No Sl 72, aparecem as verdadeiras características do Reino de Deus, na descrição dos predicados de quem cuida deste Reino:
- Julga os pobres com justiça;
- Acudirá os aflitos e necessitados;
- Quebrantará o opressor;
- A justiça florescerá, bem como um tempo de paz;
- Libertará as vítimas da violência;
Traços estes igualmente reforçados no Sl 146:
- Os cegos terão sua vista recuperada;
- Os abatidos serão levantados;
- Serão respeitados os direitos e a dignidade do estrangeiro, do órfão, e da viúva.


O Reino de Deus é garantia de vida plena: para os cegos, para os coxos, para os surdos. É boa notícia para os encarcerados, para os prisioneiros de todo tipo. É vitória contra o medo, a grande arma dos dominadores, seja no âmbito político, seja na esfera econômica, seja no terreno cultural ou no plano religioso. Não é certamente por acaso a frequência com que aparece nos Evangelhos a advertência de Jesus aos Seus seguidores: “Não tenham medo!” Palavra dita, especialmente, aos pobres e desvalidos, justamente pela sua condição de injustiçados e necessitados de amparo e solidariedade.  
Tal particularidade da atenção de Jesus aos pobres e sofredores vem especialmente destacada no ítem “A sorte dos pobres”, que indica a condição privilegiada dos pobres, aos olhos de Jesus. Deus não é neutro. Ele toma partido claramente em favor dos oprimidos e injustiçados, dos pobres e sofredores. Em diversas passagens bíblicas, tal situação resulta evidenciada, a exemplo do que acontece nas Bem-aventuranças, tanto em Mateus ,quanto em Lucas. Quem são mesmo os bem-aventurados? São os pobres, são os aflitos, são os famintos...
No ítem seguinte, o autor trata de indicar como isto se dá, com base em várias passagens bíblicas.

Eis, pois um breve apanhado dos 3 primeiros capítulos deste livro. Brevemente daremos seguimento ao resumo dos demais capítulos.  

João Pessoa 28 de Maio de 2018

segunda-feira, 7 de maio de 2018

BREVE MEMÓRIA DAS SEMANAS TEOLÓGICAS Pe. JOSÉ COMBLIN: memória, homenagem e compromisso

BREVE MEMÓRIA DAS SEMANAS TEOLÓGICAS Pe. JOSÉ COMBLIN: memória, homenagem e compromisso

Alder Júlio Ferreira Calado

Enquanto se gestam, graças ao mutirão mantido por membros de vários grupos (dentre os quais, Kairós, Comunidades em torno à região de Café do Vento, Centro Helder Câmara de Espiritualidade, Rede Celebra, CPT, CEBI, Escolas de Formação Missionária e outros), os preparativos para a oitava edição da Semana Teológica Pe. José Comblin (STPJC), cuidamos de consignar um rápido registro do seu propósito, de sua organização, de sua dinâmica, de seus temas, de sua contribuição.

As Semanas Teológicas Pe. José Comblin emergem da disposição de um grupo de pessoas e grupos formados por Leigas e Leigos religiosas, religiosos, Padres, Diáconos, Bispos, integrantes de grupos coordenadores que, preocupado em fazer memória do Padre e Teólogo José Comblin, tem o firme propósito de manter acesa a chama de sua espiritualidade. Comblin, como outros profetas latino-americanos ligados à Teologia da Libertação e sob o signo do Concílio Vaticano II, viveu fortemente o Evangelho de Jesus, perseguindo a causa libertária dos pobres alimentados pelo compromisso com a causa do Reino de Deus.

A Primeira versão da Semana Teológica Pe. José Comblin, sob o título “Pe. José Comblin – memória, legado e vigência”, aconteceu de 26 a 29 de Outubro de 2011, no mesmo ano de sua morte (27 de Março de 2011), e, mais especificamente, procurou fazer essa memória. Realizou-se no Auditório da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), Instituição que lhe outorgara, por ocasião da celebração dos seus 80 anos, o título de “Doutor Honoris  Causa”.

Nas primeiras semanas Teológicas Pe. José Comblin, os trabalhos eram realizados em 2 ou 3 dias, no espaço acadêmico da UFPB, em Mesas de Diálogo, nas quais figuras como o historiador Eduardo Hoornaert e a Missionária Mônica Muggler, o Pastor Luciano Batista de Souza, entre outras pessoas convidadas ofereceram testemunhos e reflexões fecundos sobre a contribuição do nosso homenageado.

A II Semana Teológica Pe. José Comblin, sob o título ”O legado da Teologia da
Libertação e a obra teológica de José Comblim”, ocorreu, ainda nos espaços da UFPB, em Setembro de 2012. Ao reconhecido legado de Comblin incorporaram-se a homenagem ao Concílio Vaticano II - os 50 anos Pós-Concílio e os desafios para o Cristianismo na América Latina e no Nordeste brasileiro - e a homenagem aos 40 anos da Teologia da Libertação. Ressaltando a Teologia da Enxada como memória das experiências da Igreja na Base no Nordeste, a II STPJC buscou dar visibilidade à Teologia Testemunhal no Nordeste a partir dos Jovens Teólogos e Teólogas da nossa região (os novos desafios e novos sujeitos).

Nesta mesma ocasião, em vista da rica programação desenvolvida por várias organizações cristãs ecumênicas Latino-Americanas, tendo como alvo a comemoração dos 40 anos da Teologia da Libertação, cuja culminância se deu no Rio Grande do Sul (cf. resumo do congresso acessando o link: https://teologianordeste.net/publicacoes/artigos/30-teologia-da-libertacao-em-retroprospectiva.html), após diversos encontros preparatórios em alguns países da América Latina e do Caribe, foram também convidados a contribuírem nesta II STPJC, além de Eduardo Hoornaert e Mônica Muggler, os teólogos Agenor Brighenti, Luiz Carlos Susin, Francisco Aquino Júnior, Francisco Lima Josenildo  e diversos membros da vasta família Combliniana, tendo contado ainda com a colaboração/parceiria de ADITAL, UNICAP (Recife), com a participação de membros do núcleo de Estudos Padre José Comblin, e ainda do NCDH/UFPB, da livraria paulinas e outras. 


A III Semana Teológica Pe. José Comblin, intitulada “O Espirito Santo e a Missão: o protagonismo das Juventudes”, aconteceu mais uma vez na UFPB, em outubro de 2013. O tema geral foi inspirado no livro póstumo de Comblin “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus”. Trabalhando com distintos sub-temas, a III Semana prestigiou o ecumenismo, o protagonismo das mulheres nas igrejas cristãs, o compromisso socioambiental, as juventudes, na perspectiva das ações e da formação.

Nas exposições dialogadas, contribuíram: Eduardo Hoornaert, Mônica Muggler, Luciano Batista de Souza, Eunice Simões L Gomes, Francisco Aquino Júnior, Josenildo Francisco de Lima. Com o propósito de contemplar a diversidade sub-temática trabalhada, recorreu-se a várias oficinas, durante a manhã, com socialização dos resultados, na parte da tarde. Para tanto, contamos com a efetiva contribuição, tanto na animação de cada oficina, quanto na reflexão sobre os resultados de vários participantes convidados tais como: Paulo César Pereira, Artur Peregrino, Geane Tranquilino, Cecília Gomes, Maria Solidade Silva, Domitilla Rodrigues, Maria das Dores Maciel e entre outras. Nas sessões de encerramento das STPJC, cumpre registrar a fecunda contribuição dos membros de Rede Celebra, na Celebração da Palavra.

A IV Semana Teológica Pe. José Comblin ocorreu em 2014 e se diversificou em duas modalidades: uma, em parceria com a UNICAP (Universidade Católica, Recife, PE), (ver dados a este respeito em: http://www.unicap.br/comblin/eventos/semana/)  compreendeu a “Semana de Estudos Pe. José Comblin”, com debates profícuos sobre o legado de Comblin; a outra na Paraíba, desenvolveu o tema “Por uma Igreja Renovada, Povo de Deus, na Alegria do Evangelho e na Tradição de Jesus: Um diálogo implícito entre Papa Francisco e José Comblin”. Naquele ano, além da convencional Plenária com a Exposição dialogante sob o tema central, se fortaleceu e se ampliou a experiência das Jornadas Comunitárias na cidade e no campo. No âmbito das Jornadas Comunitárias foram trabalhados trechos da exortação apostólica - A Alegria do Evangelho -, do Papa Francisco, especialmente quanto aos tópicos relativos ao Povo de Deus como centralidade da organização eclesial, fazendo uma interface com o legado combliniano.

A V Semana Teológica Pe. José Comblin, em 2015, tratou do tema “Por uma Igreja a serviço do Planeta e da Humanidade: a contribuição do Papa Francisco e do Pe. José Comblin”. Aqui foram ressaltados as questões socioambientais planetárias, centrando essencialmente os problemas que nos afligem mais de perto, em nossas vivências cotidianas. Nos fundamentos estiveram a Encíclica Laudato Sì e textos selecionados nas obras de Comblin. Ressalte-se que, no percurso de nossas atividades, fomos surpreendidos pela páscoa repentina do Pe. Josenildo Francisco Lima, sempre presente e grande colaborador (como tantos outros) das diversas versões das Semanas Teológicas. Tivemos, mais uma vez, a fecunda participação das comunidades rurais e urbanas nas Jornadas Comunitárias realizadas. Na sessão de encerramento, realizada no auditório da Livraria Paulinas, contamos com a contribuição dialogada por parte da Missionária Elisângela Ferreira Belo e do Pastor Paulo César Pereira.  

A VI Semana Teológica Pe. José Comblin, em 2016. A partir do grave e complexo problema mundial das migrações, voluntárias e forçadas, esta Semana aprofundou a dinâmica da fé cristã do "Povo de Deus desinstalado por um mundo sem fronteiras" e lembrou as "Afinidades recorrentes entre as posições do Papa Francisco e do Pe. José Comblin sobre a condição de migrantes e refugiados". Toda a vida cristã, em particular a vida militante e religiosa/consagrada, é vida missionária, portanto desinstalada, atuando nas "periferias existenciais", junto aos empobrecidos e às comunidades que lutam por liberdade e autonomia, longe dos centros e das atrativas do “poder”. Como em Semanas Teológicas precedentes, seguiram sendo de grande importância os estudos e reflexões compartilhados nas Jornadas Comunitárias, nas comunidades rurais e nas periferias urbanas. Na Sessão de encerramento, contamos com a densa contribuição reflexiva oferecida, em diálogo pelo Pastor Luciano Batista de Souza, da Igreja Batista, e pelo Monge Beneditino Marcelo Barros.

A VII SEMANA TEOLÓGICA PE. JOSÉ COMBLIN, em 2017, abordou um tema fundamental na Tradição Cristã, na vida das Igrejas e também na Sociedade em geral: “Instituição e Carisma, à luz da Tradição de Jesus”. A relação entre as duas dimensões - carisma e instituição – nem sempre tem sido tranquila, inclusive se deu, e continua se dando, no meio de muitos problemas e tensões. Foram realizadas quatro Jornadas Comunitárias em grupos e comunidades da periferia e do campo; na Sessão de Encerramento houve a escuta da reflexão destes grupos e, em seguida, uma ampla e profunda reflexão bíblico e teológica, compartilhada por Vanderlan Paulo Oliveira, Teólogo/Historiador, e pelo Bispo Anglicano Emérito Sebastião Armando Gameleira.

A VIII SEMANA TEOLÓGICA PE. JOSÉ COMBLIN, em 2018, como mencionado, desde o início, seguem os trabalhos de organização da VIII STPJC, justamente no ano em que celebramos os 50 anos da conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín, razão porque passa a ser tema desta VIII STPJC: “Medellín, 50 anos: vocação e missão das Leigas e dos Leigos, à luz da tradição de Jesus. Além das já costumeiras Jornadas Comunitárias no campo e nas periferias urbanas, está prevista a Sessão de encerramento desta VIII STPJC a realizar-se um mosteiro de São Bento, em João Pessoa, no dia 15/09/2018, contando com a contribuição da Teóloga Alzirinha Rocha de Souza, e, ainda a confirmar do teólogo Pe. Francisco Aquino Junior.

João Pessoa, 7 de Maio de 2018.