terça-feira, 1 de maio de 2018

APRECIAÇÃO CRÍTICA FEITA POR UM MILITANTE-PESQUISADOR ACERCA DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO PT E DE OUTRAS ORGANIZAÇÕES DE BASE DA SOCIEDADE BRASILEIRA

APRECIAÇÃO CRÍTICA FEITA POR UM MILITANTE-PESQUISADOR ACERCA DA  TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO PT E DE OUTRAS ORGANIZAÇÕES DE BASE DA SOCIEDADE BRASILEIRA
(Entrevista concedida por Alder Júlio Ferreira Calado ao pesquisador Philippe Degrave, em João Pessoa, 22 de Junho de 2014)


Philippe Degrave: Vamos lá. Pode começar apresentando-se, dizendo o nome, onde nasceu e coisa e tal...

Alder Calado: Eu me chamo Alder Júlio Ferreira Calado, Alder, como sou chamado. Sou natural de Pesqueira - Pernambuco, situada a cerca de 200 km de Recife, sou lá da Serra do Ororubá. Sinto-me um Xucuru desaldeado. Pernambuco tem vários povos indígenas, dentre os quais os Xucuru. Sobre minha trajetória, depois de Pesqueira, passei por várias cidades: Arcoverde, por exemplo, onde se deu militância inicial de caráter político e também eclesial, e depois Recife, Aracajú também, hoje em João Pessoa, casado com Helena, temos 3 filhas, e 5 netos, e trabalho como professor, comecei cedo no Batente Profissional, e depois de 35 anos de trabalho, tornei-me aposentado, minha área de trabalho foi sempre a parte da sociologia, combinando com outras matérias também.

Philippe Degrave: E a sua origem familiar, pai, mãe e irmão e irmãs?

Alder Calado: Ah, isso é um detalhe muito importante, porque sou de uma família operário-camponesa. Meu pai era um migrante, vindo do Agreste Meridional de Pernambuco, vindo para Pesqueira, a pé para trabalhar, na Fábrica Peixe, uma unidade industrial de certa importância, sobre tudo nos anos 50 lá em pesqueira, meu pai migrante foi pra lá, casou-se com minha mãe lá de pesqueira mesmo, e filha de mãe de descendente, mais diretamente de indígenas. Somos uma família numerosa, que eles construíram. Na verdade, meu pai e minha mãe tiveram 18 filhos dos quais sobrevivemos 11, 7 mulheres e 4 homens, essa experiência é muito forte em mim. Lembro de minha experiência de trabalho, como ajudante da oficina, com meu pai. Ele trabalhava como operário, como serralheiro e eu aproveitava esses momentos para acompanhar meu pai, como um aprendiz. Cheguei até a aprender a dirigir caminhão, aos 12 anos. Depois fui para ao seminário, passei 8 anos no seminário também (em Pesqueira, em Aracaju e em Santa Maria no RS). Foi quando comuniquei ao Bispo (Dom Mariano), que não tinha vocação celibatária e aí tomei o destino de ciências sociais depois fiz o mestrado de sociologia e o doutorado, o último foi na França de 87 a 91, trabalhando com um tema que ainda hoje me é muito caro: é o tema das CEBs. Uma tese orientada curiosamente por um ateu, Michel Löwy… é um pouco da minha trajetória para situar…

Philippe Degrave: E na sua família, teve militantes políticos, irmãos e irmãs, seu pai já...

Alder Calado: Meu pai tinha um ritmo de trabalho tal que não lhe permitia sequer pensar nessa coisas, era um homem que trabalhava de dia, de tarde, e ainda fazia “serão”, como se dizia. Então, estavam fora de sua cogitação essas coisas, isto até reforça em mim o compromisso de classe.

Philippe Degrave: e dentre seus irmão e irmãs, não tem?

Alder Calado: Não, não assim. Tem alguma sensibilidade, mas militância não.

Philippe Degrave: Estudos de sociologia, acaba fazendo doutorado sobre as CEBs, e depois disso você voltou, fez pós doutorado também?

Alder Calado: depois, voltei pra cá, fiz concurso, sai de Arcoverde. Quando fazia Doutorado, era professor lá na Faculdade de Arcoverde, e também em Caruaru (na FAFICA), onde trabalhei cerca de vinte anos. Depois, vim para cá, na fase final de minha carreira. Fiquei na UFPB, Universidade Federal da Paraíba, onde atuei tanto na Graduação quanto na Pós Graduação, nos Mestrados em Sociologia (aqui e em Campina Grande), em Serviço Social e em Educação Popular. Eu era lotado no departamento de Metodologia da Educação. Este é um pouco de minha trajetória acadêmica, que eu, ao longo da minha vida profissional, tentei sempre articular com a minha militância. Essas tarefas de pesquisador e de militante sempre estiveram juntas em minha trajetória, como também na de tanta gente.

Philippe Degrave: Pesquisas dão mais informação para se militar melhor, não é?

Alder Calado: Sim, em tese é assim.

Philippe Degrave: Então, agora você pode dizer os motivos que levaram você a entrar no PT? O que foi? Quais perspectivas?

Alder Calado: Bem, a insatisfação com o tipo de sociedade vem de longe, em minha trajetória. Desde o tempo em que fui aprendiz de operário, na oficina onde meu pai trabalhava, era muito forte em mim, pelas injustiças que eu observava, tanto no campo quanto na cidade. Isto me preparou o terreno para este lado da pesquisa, também. Mas adiante, isto foi fortalecido pela corrente eclesial conhecida como Teologia da Libertação. Eu diria que a Teologia da Libertação e o Marxismo foram, desde cedo para mim, duas fontes importantes na minha trajetória.

Philippe Degrave: Os dois junto?

Alder Calado: Sim, os dois juntos, associados. Em relação a isto, nunca tive problema de inconciliação. É claro que há sempre aqueles que, se forem marxistas, dizem: “você não é marxista, porque é cristão.” e os que são cristãos me dizem: “você não é cristão, porque é marxista.” Eu… De minha parte, nunca me incomodei com isto, não. Mas, sinto fortes essas duas correntes em minha trajetória, ainda hoje. Então isto me despertou para a compreensão da sociedade e para as lutas contra as injustiças sociais. E isto - refiro-me aqui aos anos 70 -, num período em que estávamos em plena Ditadura, em época de chumbo, no período Médici. Ao final da época Médici, veio o tempo de Geisel, depois o Figueiredo, quando se observa um grande despertar da consciência da Classe Trabalhadora, principalmente pela via sindical, pela via das lutas dos metalúrgicos do ABC paulista, de modo que esta onda de resistência contra a Ditadura, já não mais a partir da luta armada, que havia sido fulminada...

Philippe Degrave: e este despertar da consciência da Classe Trabalhadora, com a mobilização no ABC paulista, a partir de 1979, também se espalhou ao Nordeste, ao Sertão? E como foi isso?

Alder Calado: Espalhou-se, mas não com a mesma intensidade, pois as lutas daqui, no Nordeste, refletiam de certo modo as lutas de lá, e tinham seu ritmo próprio, tanto contra a Ditadura Militar, tanto contra as desigualdades sociais. Neste ponto, a Igreja, sobretudo a Igreja Católica, teve um papel muito importante, principalmente a partir das CEBs e do que a gente chama de “Igreja na base”.  “Igreja na base” engloba CEBs, CPT, CPO, SIMI. Primeiro, vem o SIMI, em 1973; depois a CPT, no ano seguinte; depois, a CPO, a PJMP e outras organizações animadas pela Igreja Católica, numa perspectiva crítica e de combate a Ditadura e, ao mesmo tempo, de solidariedade à Classe Trabalhadora, no campo e na cidade.

Philippe Degrave: e você participou de uma CEB? Envolveu-se com a Teologia da Libertação? Leu? Leu muita coisa? Onde e como foi isto?

Alder Calado: eu lia bastante, desde a fundação. Eu lia Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Ronaldo Muñoz (do Chile)... vários autores como Carlos Mesters, principalmente José Comblin, que ainda hoje é o teólogo que mais repercute sobre mim, ele que é um dos fundadores da Teologia da Libertação, ao lado de Hugo Assman, Libanio, Freio Beto (que embora não sendo um teólogo do ponto de vista Técnico atua no entando, assim atua, desde muito tempo). São figuras que tiveram grande influência sobre mim, e continuam tendo…

Philippe Degrave: e em termos de atuação?

Alder Calado: em termos de atuação - estamos nos referindo ao final anos 70 -, eu me encontrava em Arcoverde, e lá se abriu um leque de atuações junto aos camponeses. Nesta época, funcionava o Centro de Defesa dos Direitos Humanos, que também foi criada em Arcoverde e Pesqueira. Eram também significativos os trabalhos realizados e animados pela figura de Dom Helder. Você fazia referência à figura de Manoel da Conceição. Pois bem, também com ele, foi criado o CENTRU (Centro de Educação dos Trabalhadores Rurais). Que me valeu várias lutas, no sertão de Pernambuco, mas também no Cariri da Paraíba, em Monteiro, em São Sebastião do Umbizeiro, em Camalaú… Aí eu vinha muito frequentemente, nos fins de semana. Eu trabalhava durante a semana e, nos fins de semana encontrava uma brecha para ir trabalhar junto aos trabalhadores rurais, basicamente na área da formação. Era o CENTRU quem articulava essas jornadas, com Manoel da Conceição, com Luíz Silva  que era presidente do Sindicato Rural, naquela região, e que foi depois presidente da CUT da Paraíba; com Paulo Rubem Santiago, um sindicalista e professor que depois se tornou deputado federal, muito atuante. Era assim que se dava minha atuação, no campo político, mas também na Igreja. Esses trabalhadores que se reunião no Cariri Paraibano eram também acompanhados pelas paróquias daquela região, uma das quais, a de São Sebastião do Umbuzeiro, animadas pelos Padres redentoristas. Havia também atuação junto aos Kapinawá, em Buíque. É um povo indígena, que, na época, muito resistia contra as injustiças cometidas em seus territórios. Acompanhavamos também os Xukurus por meio do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), da Diocese de Pesqueira. Nós davamos muito apoio a essas lutas.Havia ainda atuação junto aos estudantes. Eu trabalhava na faculdade de Arcoverde e de Caruaru, e também acompanhava as lutas dos estudantes e dos professores, o movimento dos estudantes e o movimento docente.

Philippe Degrave: então, é correto dizer que a esquerda católica progressista, naquela época no Nordeste e naquela região do Sertão, tinha um papel mais importante do que os Sindicatos?

Alder Calado: Sim.     Na época, por conta da Ditadura, dos espaços cada vez mais proibidos de se organizar, a Igreja é que se tornava um espaço administrável, em que as CEBs encontravam um jeito próprio de se unirem, nesta direção. Tendo em vista que os sindicatos tinham um espaço cada vez mais restrito pela Ditadura, era a Igreja que tinha essa oportunidade. Os sindicatos eram proibidos de fazer isso, seja porque eram Pelegos ou estavam sob intervenção ou por outras razões. Era portanto a Igreja progressista que tinha mais esse lance de resistência tanto à ditadura quanto às injustiças sociais. Lembro aqui a figura de um Bispo profeta , Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, de Afogados da Ingazeira. Estávamos na época de uma grande seca no nordeste, que se estendeu de 1979 à 1983. Era uma época em que aconteciam muitos saques…

Philippe Degrave: de supermercados?

Alder Calado: Inclusive. E Dom Francisco defendia, juntamente com Dom Elder e outros, os trabalhadores que, movidos pela fome, para sobreviverem realizavam esses saques.

Philippe Degrave: então, você entrou pro PT, se filiou quando?

Alder Calado: Eu acompanhei todo aquele processo de formação do PT, desde o movimento pró-PT.

Philippe Degrave: desde 1979?

Alder Calado: Desde 1979, a partir de figuras como Paulo Rubem Santiago, Manoel da conceição, Luiz Silva e outros mais, a gente foi se conduzindo, na perspectiva da criação do PT, também naquela região de Arco-verde, juntamente com vários jovens da região.

Philippe Degrave: Criando núcleos?

Alder Calado: Criando núcleos. Esta é uma palavra chave nas origens do PT. Do PT atual, não, mas do PT das origens, com certeza. Passamos a criar núcleos, como resultado do que antes já vinha sendo feito como trabalho de base. E aqueles e aquelas que vinham associar-se ao partido, não vinham para uma filiação burocrática, automática, mas com desejo de criar um novo modo de fazer Política. Era muito forte este desejo de fazer Política, “autrement”,de forma diferenciada em relação aos partidos convencionais.. Então, o PT e outros sindicatos ligados à CUT aparecem nesta direção, já estavam “cheios” da política convencional. Este era um movimento muito forte, voltado à mudança.  Era um movimento que se caracterizava por inquietações bastante objetivas. Uma primeira, é que não estávamos satisfeitos com a sociedade que tínhamos, tínhamos que mudar este tipo de sociedade, mesmo não sabendo defini-la exatamente, mas precisamos mudá-la . Tínhamos certeza de que aquela que  aí está não nos servia, dizendo isto - e aqui abro um parêntese - , lembro-me de um filme muito conhecido pela minha geração de militantes daquela época. Trata-se do filme “queimada! (“burns”) - acho que você conhece. É um filme de longa metragem em que havia uma personagem José  Dolores. E entre tantas frases que ele repetia, como militante combativo, havia esta: “é melhor saber para onde ir, sem saber como, no que saber como e não saber para onde ir. Eu me lembro que esta frase fazia muito efeito, na época. A gente podia até não saber exatamente qual era esta sociedade, mas se esforçava por esboçar seus traços principais. Por exemplo, tomávamos distância do modelo de sociedade do chamado Socialismo Real do leste europeu. Tínhamos consciência de que esta não era a sociedade que queríamos construir. Tínhamos outra meta. Esta primeira inquietação dizia respeito ao horizonte que estávamos a perseguir. Noutro ponto de nossas inquietações dizia respeito aos caminhos a serem trilhados, em busca deste horizonte. Havia em nós um sentimento forte de que o horizonte que perseguiamos deve ser buscado por caminhos que levem a  este horizonte, compatíveis.

Philippe Degrave: quer dizer: por caminhos democráticos?

Alder Calado: Por caminhos democráticos: Caminhos de partilha, caminhos de solidariedade, caminhos de enfrentamento, caminhos de organização de base. Então, a partir deste quadro, a gente observa os frutos disso aí. Um deles: a preocupação com a nucleação. A gente entendia que para a sociedade que a gente desejava construir ou ajudar a construir, era necessário contar com esses núcleos de base.  Ter em cada região, em cada municipio e em cada bairro, núcleos que funcionassem ativamente.

Philippe Degrave: Esses núcleos de base se formaram em todo o Brasil, pouco a pouco, dando vida ao PT nascente. Mas como se articulavam as comunidades de base, qual era a relação? Tinha autonomia? Como se articulavam?

Alder Calado: Essa ideia de nucleação era o jeito de as CEBs atuarem. Mesmo antes de o PT surgir havia esse jeito de ser Igreja praticado pelas CEBs, que era o jeito comunitário, era um jeito de atuação em pequenas comunidades. Pequenas comunidades autônomas e, ao mesmo tempo, interligadas. Atuavam como uma espécie de federação, e depois também numa espécie de confederação. Mas sempre trazendo os membros de base como representantes legítimos da base, para atuarem também na coordenação. Outra preocupação que havia, na época, era o sentimento de que quem era base, também vinha a atuar por determinado tempo como coordenação, como dirigentes. E, passado o tempo de coordenação, voltavam para a base. Isto era um traço importante que a gente vivenciou nas CEBs e que também foi vivenciado no começo do PT, inclusive no âmbito sindical mais combativo. Outro ponto importante tinha a ver com o questão das finanças, que não eram tratadas propriamente ou antes de tudo como uma questão econômica ou econômico-financeira, mas como uma questão política de autofinanciamento. Este era um ponto forte, nas origens do PT, que também estava presente na organização das CEBs, e, antes mesmo, vinha da tradição organizativa da chamada ação católica especializada (Jaque, Jeque, Jique, Joque, Juque). Estas organizações tinham muito a experiência de se auto-organizarem, para o cumprimento de suas atividades, de modo a não dependerem de outrem para sua organização, para sua militância. Isto se faz presente nas CEBs e também no PT das origens. Organizavam-se a partir dos tostões recolhidas de seus filiados…

Philippe Degrave: E quando você diz de haver um critério político na organização econômica, isto tem a ver também com a participação dos militantes, no que diz respeito aos recursos?

Alder Calado: Quando se diz que a questão econômico-financeira era tratada sobretudo como uma questão política, isto tem a ver com o caminho a ser trilhado, em busca do horizonte perseguido. E é um caminho que legitima a busca deste horizonte. Em outras palavras: não se pode conceber um Partido autónomo que dependa do financiamento do Mercado ou do Estado. Tudo era financiado pela Caixinha, ou seja, autofinanciado. E o PT das origens tinha até um critério sobre isto: mesmo um trabalhador desempregado pode contribuir com o valor de um cafézinho por mês. Quem pudesse dar mais, dava, mas este era o critério mínimo de contribuição com o Partido, por parte dos filiados. Era com isto que o Partido se organizava. Claro, que havia ainda outras fontes, mas eram fontes secundárias. O forte era aquele critério. Isto, porém, vai mudando com o passar do tempo. Primeiro, pela aposta exagerada na institucionalização do partido, primeiro, tentando ganhar sedes nas Câmaras Municipais de Vereadores. Cada vereador eleito passava a oferecer 30% dos seus vencimentos para o Partido.

Philippe Degrave:  No início, 30%, depois passou a ser 20%.

Alder Calado: Isso… no começo a contribuição era de 30%. Mas, já aí, começava a haver uma diferença, em relação às origens. Por quê? Porque aqueles e aquelas que haviam sido eleitos e, agora, tendo que assegurar 30% dos seus vencimentos para o partido, no curso de uma reunião ou de um encontro ou de uma convenção. Tinham a tendência de “falar mais alto”, de “bater na mesa”... “Eu paguei”...

Philippe Degrave: E isto já acontecia no final dos anos 80? Logo após as primeiras vitórias eleitorais?

Alder Calado: Sim. Outro ponto a que me refiro, é que não se deteve aí, mas foi-se abrindo a porteira para o financiamento das grandes empresas. Este é um ponto forte que me fez ir saindo do PT…

Philippe Degrave: Ah, você saiu?

Alder Calado: Sai do PT. Na altura de 94/95 (isto não era para dizer agora, mas estou antecipando). O que me fez sair do PT foi o sentimento de que o PT nasceu com uma proposta alternativa, com uma proposta diferenciada de ajudar a criar uma nova sociedade, uma nova sociedade, não de nome, mas pelas suas práticas e caminhos trilhados. E um dos pontos que permitiam caminhar nessa direção era aposta numa Ética na política. Era aposta nas pequenas coisas, nos tostões recolhidos. E, quando eu escuto, na campanha de Lula, na segunda campanha…

Philippe Degrave: A de 1994?

Alder Calado: Sim, em 1994. Quando eu escuto a notícia de que a Odebrecht estava financiando o Partido, isto me chocou, e fiquei aguardando uma nota da direção do Partido. E a nota veio, e para desespero meu, a nota dizia: “o PT não fez nada de ilegal.”. O que era verdade, mas a gente não estava atrás de legalidade, em primeiro lugar. A gente estava atrás de uma coisa muito mais importante. E isto me fez assim muito chocado. E, a partir daí, afiliação foi-se dando… Eu praticamente não tinha mais atuação no Partido. Mas, antes disto, eu preciso voltar um pouco atrás, para dizer como foi minha militância.

Philippe Degrave: Então, os primeiros anos como foram?

Alder Calado: Em arcoverde se deu minha militância. No Brasil, o PT foi fundado em 1980, também em Pernambuco. Uma vez fundado, havia necessidade de que ele se interiorizasse. De que ele se fizesse presente e participativo nas várias regiões do Estado. E uma dessas regiões era a região de Arcoverde, que comportava em seu entorno uma meia dúzia de municípios: Pesqueira, Sertânia, Pedra, Venturosa, Belo Jardim… Então, nesses municípios a gente (vários companheiros aqui atuaram: Paulo Vieira, Zé Pedreiro, Valdilene, Romildo, Paulo Galindo, Luizão, Adaílton, Draiton, Cicinho, Geovane, Souza, Suzana, entre outras pessoas) precisava fundar núcleos em direção à fundação do Partido, a partir de Arcoverde que já tinha certa experiência de atuação. Foi um tempo de muita luta, de muita entrega, de muita militância gratuita, feita com paixão. Eis um ponto importante, a militância quando feita por paixão, tem um caráter bem diferente do que a militância paga. É outra coisa. Completamente inversa. Então, na época, com as dificuldades, as perseguições, com o enfrentamento de setores do Latifúndio, nesses municípios iam sendo criados os núcleos, e depois as comissões provisórias locais. A questão eleitoral também surgia. Em 1982, o candidato do PT a Governador foi Manoel da Conceição…

Philippe Degrave: Manoel da Conceição foi candidato a Governador e o candidato a Vice-Governador foi Bruno Maranhão…

Alder Calado: Nessa ocasião, um dos desafios foi lidar com as várias correntes internas do PT. Uma delas era liderada por Bruno Maranhão, um dos dirigentes do PCBR, mesmo estando filiado ao PT por outra corrente, Brasil Socialista. Essas forças, essas correntes, se digladiavam muito fortemente no interior do PT, e, como eu também participava do Diretório…

Philippe Degrave: Diretório de quê?

Alder Calado:  Diretório Estadual de Pernambuco. Como participava? Eu sentia muita dificuldade em me situar naquele tiroteiro interno. Eu dizia: olhem, eu to chocado, porque parece que passou para cá a luta de classes. A luta de classes está entre nós. E a gente com essa estória de correntes, de ser o “pai da matéria”, a gente tá perdendo força perante as lutas contra os inimigos que a gente é chamado a combater. Isto, eu confesso, me trazia um mal-estar...

Phellipe Degrave: Chateava?

Alder Calado: Me chateava...

Phellipe Degrave: Você já pertenceu a alguma corrente?

Alder Calado: Não, não, embora fosse muito assediado pelas correntes...

Phellipe Degrave: quais correntes existiam aqui no Estado de Pernambuco?

Alder Calado: Havia uma corente, a de Bruno Maranhão, por exemplo...

Phellipe de Grave: Brasil Socialista?

Alder Calado: Brasil Socialista, Brasil Socialista. A DS, (Democracia Socialista). Havia uma que era majoritária: Articulação de Esquerda.

Phellipe Degrave: E tinha também a Convergência...

Alder Calado: O Trabalho, a Convergência, Centelha Socialista, no começo, é, no começo havia essas daí... Então, era uma briga de foice, dificilmente, se cumpria pauta, tal clima de debate...

Phellipe Degrave: Esquentava?

Alder Calado: Esquentava... E também a tentativa de fazer os seus seguidores, quantas pessoas iam de Recife pra Arcoverde pra tentar encostar, pra que aquelas pessoas visitadas participacem dessa ou daquela corrente, por exemplo. Aí eu situo o primeiro problema: uma coisa saúdavel é a diversidade, a diversidade eu defendo, a diversidade cde correntes, pensamentos, o problema é quando essa diversidade cria um clima de bloquaear que as ações principais aconteçam, essa diversidade se sobrepunha a uma luta de classes que a gente gostaria e teria vontade de fazer, tá aí o problema.

Phellipe Degrave: E você se especializou em algum campo de atuação dentro do PT?

Alder Calado: No campo da formação. Desde muito cedo, em minha trajetória, “minha praia” de atuação sempre foi formação. Ainda hoje. Formação de jovens cristãos e não cristãos. Sempre foi a formação: por meio de jornadas formativas, de cursos, etc. Voltando ao ponto, Tivemos as eleições de 86, em que houve a eleição também para a Constituinte. Uma vez feita a passagem, pelo menos formal, da Ditadura para a Democracia, e, a partir daí, houve um clamor popular pela realização da constituinte, que terminou acontecendo em 1986. E o PT lançou vários candidatos. Nunca foi a minha praia essa questão a questão de candidatura…

Philippe Degrave: Você nunca se candidatou?

Alder Calado: Sim, fui candidato. Mas, é que isto nunca foi minha praia. Isto se deu por conta de uma caminhada comunitária, e, dada a insistência em que eu fosse candidato, acabei aceitando esta candidatura, candidatura a Deputado constituinte.

Philippe Degrave: A Deputado Federal? Foi eleito?

Alder Calado: Sim, a Deputado Federal. Não fui eleito. O PT obteve 22 mil votos, em todo o estado de Pernambuco, e a candidatura Alder Júlio obteve 11.970 votos, quase 12 mil votos, com este desempenho, se fosse candidato em outro partido, teria assegurado a eleição. Então, o PT obteve 22 mil votos e a candidatura Alder Júlio, quase 12 mil votos. Nesta mesma campanha, também concorreram para Deputado Estadual companheiros como Paulo Rubem, Humberto Costa, João Paulo, Fernando Ferro, que obtiveram - para Deputado Estadual - entre 2.500 e 3.500 votos, cada um. Esta campanha se deu no mesmo período em que se elegeu Miguel Arraes. Após as eleições de 86 também por conta de certa pressão familiar - eu tinha uma militância bastante intensa, de modo a trazer consequências para a família, com pouco tempo para as filhas, paa os trabalhos caseiros -, passei a pensar na proposta feita pela família, mas que também me interessava, de continuar meus estudos, como uma forma de reduzir o excesso de minha militância. Foi, então, que pensei em continuar os estudos, inclusive como forma de pensar a militância, de pensar a prática. Foi assim, que decidi candidatar-me à uma bolsa de estudos na França, para fazer um doutorado na minha área, Sociologia, no período de 1987 a 1991. Fui estudar as CEBs, um tema que muito tinha a ver comigo, até pelas afinidades políticas.

Philippe Degrave: Sobre as CEBs?

Alder Calado: O título era “Estado e Igreja no Brasil: o papel sócio-político das CEBs no Nordeste, notadamente durante os anos 80”. Então, uma coisa tinha muito a ver com a outra. Antes de ir, eu peguei muito material sobre as CEBs, e lá tive como trabalhar todo esse material, tendo como orientador Michael Löwy, outro grande militante a quem muito admiro. Fim do tempo do doutoramento, voltei para o Brasil (para Arcoverde, e, em seguida, para João Pessoa). A partir daí, acompanhava atentamente a trajetória do PT e das esquerdas, mas foi declinando minha posição em relação ao PT, por conta de entender certo distanciamento do horizonte de sociedade e de práticas políticas que antes defendiamos, e que agora… Eu me lembro que entre 1983 e 1986, as lutas sociais eram intensas, no campo e na cidade. Com a criação da CUT, as lutas eram muito fortes pelo Brasil inteiro. Você pega, por exemplo, o plano de Lutas da CUT desta época, e você se admira do tanto de lutas espalhadas pelo Brasil afora, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, no campo e na cidade. Principalmente por parte da CUT rural.  Percebemos uma grande intensidade de lutas populares, nesta época, tanto no PT quanto na CUT, nesta época a militância Petista, a todo vapor, atuando nas lutas populares, sofrendo com povo, alegando-se pelas pequenas conquistas, aprendendo e ensinando, estava vivendo com as bases. O que é que eu quero observar, com isto? É falor sobre o que eu chamo de atalho, que atrapalhou enormemente a caminhada

Philippe Degrave: o que é atalho?

Alder Calado: É… Como dizer em Francês? É “une voie courte”...

Philippe Degrave: É “raccourci”...

Alder Calado: Ess atalho é que atrapalhou muito. O que é que eu chamo de “atalho”? É a pressa de institucionalizar o partido, é o gosto exagerado pelo “entrismo”. É  a convicção de que entrando no Estado, as coisas melhorariam, porque agora somos nós que vamos mandar nas câmaras municipais. No Estado, no âmbito Federal… Agora somos nós… Trata-se de uma aposta muito forte e crescente. Essa aposta exagerada na via partidária convencional não estava no programa do PT das origens. A participação Político-partidária era uma possibilidade não uma fatalidade. Dependia da conjuntura, mas não era o foco, não era “O” horizonte. Mas esse gosto exagerado pela via eleitoral foi crescendo. E, a cada eleição, o partido ia crescendo, no sentido de ir elegendo um número crescente de vereadores, depois de prefeitos, de Deputados e Federais, Governadores, de Senadores… até a presidência. O que é que isto representa?Representa uma sangria extraórdinária, para os movimentos plares. E por queê? Porque nãos e tratya de um ou dois militantes qualificados,, mas de milhares e milhares - homens e mulheres- engajados, vivendo ao lado do povo, dos agricultores, e trabalhadores dacidade, À medida que toda essa gente convidada a atuar em acessórias em câmaras municipais, no Estado nos ministérios e tufo o mais, Aquelas forças que antes militavam nas lutas populares, deixam de acontecer, constituindo uma enorme  sangria  para os vimentos populares. É a sito que chamo de atalho. E de lá para cá, o caminho foie sse, com terríveis efeitos. Do ponto de vista político. Naquela época, para a formação de copitês o candidato não era concdidato de sí, era candidato do partido. Cada comitê fazia seu trabalho, enquanto comitê do Partido, a apoiar os respectivos candidatos, e, uma vez eleitos/eleitas. E uma vez, indicados pela convenção do Partido, o partido assegurava condições igusias para os seus candidatos. Se a gente olha essa situação, hoje, é quase um comitê do para cada  candidato, não o candidato do partido. O Jornal é o “Jornal do Alder”, não o Jornal do Partido. Pensar na Classe Trabalhadora… nem pensar! , perdeu-se o horizone da claasse trabalhadora. Eis a situação a que se chegou. Escrevi vários artigos, desde 1977.

Philippe Degrave: Então, quando voltou da França ficou chocado? Percebeu bem a diferença antes e depois?

Você já se elegeu?  Você já foi funcionário do Partido?

Alder Calado: Eu já lhe disse que candidatura não era “minha praia”. Sempre fugi de candidatura, até quando pude. Fui candidato apenas nesta ocasião. Depois que eu fui candidato, alcançando aquela votação - foi a maior votação naquela campanha -, então, alguns dirigentes vinham a mim e diziam: “alguém que teve tal votação, não pode renunciar a participar de outra eleição, tem que ir adiante, porque sua votação foi uma resposta positiva em todo o Estado, não apenas de forma localizada, e portanto você é uma figura que precisa ser incorporada à coordenação do partido, visando às próximas eleições.”. Mas isto estava longe de minhas inquietações. Mesmo que eu não tivesse ido para França, eu não teria aceito tomar tal direção, porque, na minha concepção, minha intenção era apenas de dar o recado, e logo voltar à base, e não fazer carreira.

Philippe Degrave: Isso era assim no PT das origens… Mas, você nunca foi funcionário do Partido?

Alder Calado: Não, nunca fui…

Philippe Degrave: Sempre viveu financeiramente independente do Partido?

Alder Calado: Este é um ponto importante. Eu não acredito em militância paga, do ponto de vista da Classe Trabalhadora. Militância paga pode ser algo bom para o Estado e para o Mercado. Para a Classe Trabalhadora é um péssimo exemplo.

Philippe Degrave: Agora, para terminar esta segunda parte, eu pergunto: sendo um militante do PT, o que o PT trouxe para a sua vida?

Alder Calado: No PT das origens, ele me proporcionou a conhecer melhor os dramas da Classe Trabalhadora. Ele me ajudou a fortalecer meu compromisso de Classe… (pequena pausa… voz embargada) me ajudou a tomar mais gosto pelas lutas da Classe Trabalhadora. O horizonte Classista ficou muito mais presencial, muito mais forte. Eu estou falandono PT das origens…

Philippe Degrave: E isto se estendeu até o final dos anos 80 ou foi mais além?

Alder Calado: No final da década de 80, já se notava alguma dificuldade. Não vamos dizer que os desvios partidários só vieram a acontecer, nos anos 90, não. Já no final dos anos 80, já percebíamos algumas contradições, mas não podíamos  prever que as coisas evoluíssem tão fortemente nesta direção. A julgar pelo perfil dos grupos fundadoresdo PT - aqui me refiro ao grupo dos sindicalistas; ao grupo das organizações de resistência à Ditadura Militar, então retornando do exílio; e o grupo ligado à Igreja na Base -, o grupo que tinha e continuou tendo maior influência no PT era o grupo dos sindicalistas, principalmente o núcleo do ABC paulista, inclusive com Lula. Este grupo tem tido uma preponderância na condução do Partido. Não só por conta de Lula, mas também de outros que chegaram mais perto, e que tem travado uma luta renhida na direção do atalho, de que falei. sempre apostando numa institucionalização exacerbada, apostando na crença de que o Estado resolve os problemas, e que nele entrando, agora somos nós que vamos fazer mudar as coisas…

Philippe Degrave: E você acha que, invés de eles mudarem o Estado, foi o Estado que os mudou?

Alder Calado: O Estado os mudou. Aliás, eu tenho consagrado muito esforço de pesquisar o Estado, e não de hoje, mas desde o final dos anos 90. Aqui abro um parênteses para lhe dizer: não só o Estado Capitalista, mas também o Estado Socialista, o que torna muito difícil a companheiros da esquerda, de compreenderem esta minha posição. Sabe-se que, não apenas o Estado capitalista, mas também o Estado Socialista, ou seja qualquer Estado é necessariamente participe dos interesses da Classe Dominante. No caso de uma sociedade capitalista, o Estado é fundamental para se fazer valer os interesses do capitalismo. Mas, também no Socialismo, o Estado cumpre o papel de fazer valer os interesses da classe dominante, em especial dos que dizem representá-la...

Philippe Degrave: Isto faz muito sentido para mim.

Alder Calado: Ah sim!?

Philippe Degrave: Nos estudos que tenho feito sobre o Estado - diferentemente de outras pessoas amigas, a quem respeito -, eu constato que é um engodo continuar-se apostando no Estado, depois de 70-80 anos de experiência, como mecanismo de mudança da sociedade, a serviço da Classe Trabalhadora. Depois de tantos exemplos mal sucedidos do Socialismo Real, do Leste Europeu, da Alemanha Oriental e outras partes do mundo… A China nem pensar… É preciso tirar lições de tantas contradições,e pensar num caminho alternativo, em busca de uma passagem efetiva para a nova sociedade, embora a gente não saiba bem qual, porque os países Socialistas, não só não chegaram a dar o passe seguinte em direção ao grande horizonte, mas até recuaram chegando mesmo ao antigo regime. E portanto, para mim, a questão do Estado merece sim, uma melhor reflexão, no sentido de nos instigar a buscar outra via de organização societal, sem necessariamente a via do Estado. Séculos se passaram, desde o Estado antigo, passando pelos Estados modernos, respondendo bem ou mal, as demandas do seu tempo, mas que hoje esta via se encontra esgotada. A minha angustia é ver que muito pouca gente se tem ocupado disto. Antes, continuam teimando a ferro e fogo a apostar na mesma via…

Philippe Degrave: Então, você antes falou da relação do PT com a Classe Trabalhadora, nas origens, e como assim foi evoluíndo. E como evoluiu a relação do PT com a burguesia, com os patrões?

Alder Calado: Eu vejo que, nas origens, havia por parte do PT um forte compromisso de Classe, com a Classe Trabalhadora, desde os pequenos gestos, as pequenas iniciativas de nucleação, de autofinanciamento, como também a participação nas lutas junto com os operários e os camponeses, de modo que a consciência e o compromisso de Classe estavam bem acessos. Foi o “atalho” que afastou o PT e a CUT deste horizonte. Foi o atalho…

Philippe Degrave: Como isto se manifestou?

Alder Calado: O Atalho implicou a via eleitoreira: dizia-se que para se chegar a eleger-se, era preciso fazer alianças, de modo que logo se chega ao aliancismo, pois nunca se vai chegar ao que se quer, em matéria eleitoral, se não for alargando-se abusivamente o leque de alianças. Isto pode garantir uma vitória eleitoral, mas é uma derrota política para a Classe Trabalhadora…

Philippe Degrave: Mas, é uma derrota? Você acha?

Alder Calado: As vitórias eleitorais é uma derrota para a Classe Trabalhadora, enquanto Classe Trabalhadora. Eu reconheço que as vitórias eleitorais trouxeram avanços pontuais para as camadas mais exploradas, tendo o partido participado do Governo. Não deixo de reconhecer. Porém, isto é muito pouco para o que pensava fazer. Inclusive países outros, na América Latina, em condições bem menores que as nossas, conseguiram avançar demais. A Venezuela, por exemplo, tinha um Chávez, mas não tinha movimentos sociais populares tão organizados quanto aqui no Brasil. Então eu considero uma certa derrota política tendo em vista que se perdeu o horizonte da Classe Trabalhadora, há medida que,para se garantir vitória eleitoral, passou-se de se fazer aliança com os parceiros históricos, acabando numa estratégia eleitoreira com um arco de aliança abusivo. D euma aliança com os partidos parceiros, passa-se a uma aliança com quase todo O mundo. Alguns diziam que isto era necessário para se chegar ao pode…. Poder coisa nenhuma! O EStado [e bem mais do que o acesso ao governo…)

Philippe Degrave: então, poder e governo não se confundem…

Alder Calado, mesmo. Esta é uma intepretação ingenua. Digo ingenúca, em trabalhadores ou trabalhadora e meio popualr, mas não é insgênua para os dirigentes que fazem de sua condi;ção um meio de alcançar um projeto pessoa ou de um pequeno grupo. Outro ponto muito forte que eu coloco é a mania do personalismo: a mania de se decidir por uma pessoa ou por um pequeno grupo, o que é tarefa do conjunto dos militantes, pois isto quebra o jeito de se decidir pela base, do jeito de se decidir a partir dos núcleos, da assembléia… Ao quebrar este jeito, passa-se a concordar que um pequeno grupo ou alguns sejam os donos do partido, como acontece, não apenas com o PT, mas também com outros partidos. Então, o horizonte classista foi perdido, por conta desta via. Mais: desde então, caminha-se igual aos Partidos convencionais.

Philippe Degrave: E a relação com o empresariado?

Alder Calado: A relação com o empresariado é outra consequência desta escolha do atalho. Isto, é uma consequência lógica. Por quê? Porque, com esta escolha é preciso fazer alianças, primeiro, com os parceiros “naturais”. Depois, esta aliança vai se alargando, de acordo com a lógica eleitoreira. É claro que numa aliança feita com várias classes, isto não sai de graça. Uma vez eleitos como aliados, os financiadores vão cobrar caro do PT, haja vista que não poucos são eleitos graças aos recursos financeiros derramados pelas grandes empresas, pelas empreiteiras e transnacionais, por exemplo. E numa votação importante, como foi a votação do código florestal - daqui a pouco, vai haver a votação do código de mineração -... Ora, quem vai ganhar essa votação? Já se sabe previamente o resultado: vão ganhar os financiadores dos eleitos… A representação popular na câmara é mínima. Dos 513 deputados federais, talvez a gente consiga contar com uns 10%, se muito, se muito, em relação aos compromissos com a Classe Trabalhadora. O mesmos e dá, em relação ao Senado: com quantos senadores se pode contar?

Philippe Degrave: Nas origens do PT, falava-se muito contra o capitalismo. Mas, hoje, como você vê essa evolução?

Alder Calado: No começo, se percebe esta posição anti-capitalista como se desenhava claramente no horizonte. Mas, a partir do atalho, isto foi mudando. Primeiro, entendia-se que a participação ou não no processo eleitoral era uma decorrência da conjuntura, dependia da conjuntura, porque se tinha clareza de que o fato de se alcançar postos eleitorais, outra coisa não significava do que participar da administração do próprio capital. Se a gente queria uma nova sociedade tinha que lutar por caminhos que levassem a esta nova sociedade, de forma combativa. Aceitou-se participar, por conta da conjuntura da época, da via eleitoral, mas não com tanta aposta. Tendo-se abandonado o horizonte classista, o caminho estava aberto para a aventura eleitoral. Sendo assim, que sentido faz estar no governo e dizer que se está lutando contra o Capitalismo? É impossível, porque o Estado não é só o Governo. Mesmo que o Executivo tivesse capacidade e poder, isto não seria tudo, porque, como se sabe, as decisões tomadas pelo Executivo têm que passar pelo legislativo. Se boas decisões também passam pelo legislativo… - O que é improvável -,  ainda têm que passar pela avaliação do Judiciário… E ainda há o aparelho repressivo do Estado, na retaguarda dessas coisas. Isto tínhamos claro, no começo dos anos 80, mas a medida que se vai tomando gosto exagerado por estes postos, fica difícil lutar contra o Capital. É quase uma contradição em termos, pretender-se administrar o País, sem seguir o que as leis permitem. Mesmo no caso da Reforma Agrária prevista pela constituição, fica difícil avançar-se nessa direção… Fica difícil assim seguir o horizonte desejado, a longo prazo.

Philippe Degrave:  Sobre esta questão, você já discorreu bem, no que diz respeito a uma avaliação do PT das origens. Mas, com a evolução, como você avalia o PT: é um Partido socialista? É um Partido social-democrata? É um Partido trabalhista? Como você avalia? Passou de que para quê?

Alder Calado: Pois não. Eu entendo que o PT apresenta uma caminhada muito semelhante à dos partidos convencionais. Não vejo diferença substancial entre o PT e os outros partidos, inclusive os de Direita. Dito isto, eu quero ressaltar as conquistas pontuais alcançadas no Governo do PT…

Philippe Degrave: Isto a gente vai ver um pouco na frente…

Alder Calado: Então eu quero dizer que os caminhos escolhidos pelo PT resultaram no que eles deviam resultar: Nesse amálgama entre o PT e os outros Partidos, haja vista quem são os aliados do PT, hoje, quais são os Partidos aliados, o que é o PMDB, hoje… Então, não restou escapatória, a via do atalho não deixou opção, para um horizonte de Classe consequente. Então, dizer que o PT se pode avaliar como um Partido Socialista… pois nem mesmo contra o capitalismo ele se apresenta mais, haja vista o que vêm fazendo as transnacionais, em diversas áreas, inclusive no campo socioambiental na área da política da mineração… Então, não dá para avaliar o PT como um Partido Socialista, a não ser no discurso, mas na prática, as políticas que aí estão em vigor, apontam noutra direção. Por outro lado, eu também não sei se o Socialismo clássico é um caminho no qual se deva apostar, pelo que a gente pode observar mundialmente, pelo fosso observável entre representantes e representados…

Philippe Degrave: E você acha que, no começo, o PT era um partido anti-capitalista, e mesmo Socialista…

Alder Calado: Dizia-se um Partido Socialista, anti-capitalista, com muita força. Agora, não tinha claro que sociedade construir, de modo preciso. Acho até que era um tanto refém da ideia do Socialismo “real”. Eu lembro que, ainda nos anos 80, quando Lula fazia campanha, visitando a Europa, ele passava por muitos países, tendo inclusive visitado a Alemanha Oriental. Ficava difícil compreender como sequer uma nova sociedade, por esses caminhos… Então, as contradições devemos reconhecer, não são de hoje, vêm de longe…

Philippe Degrave: Então hoje, o PT não é mais um Partido Socialista? É Social-democrata? Como você avalia?

Alder Calado: Acho complicado falar-se em Social-Democracia no caso do Brasil e no caso da América Latina…

Philippe Degrave: Então, você acha complicado, por conta essa noção…

Alder Calado: Eu acho complicado,e  não saberia classificar, de maneira precisa, o PT, hoje. Por outro lado, não acho que isto seja o mais importante. Importante é registrar que o PT perdeu o horizonte da Classe Trabalhadora.  E não me refiro ao conceito de Classe Trabalhadora, vigente no ´seculo 19, mas há um conceito que deve ser atualizado, de modo a incorporar relações de genêro,d e etnia, questões de diversidade, de gerações, ecologia, etc., que não estavam muito na ordem do dia, no início dos anos 80. De qualquer modo, o PT perdeue ste horizone de classe...

Philippe Degrave:  E  aelação entre o PT e os sindicatos, entre o pt e os movimentos sociais, como evoluí?

Alder Calado: Eu vou dizer uma palavrinha, primeiro, sobre a relação entre o pt e os sindicatos, e sem seguida falrara sobre a reação entre o PT e os movimentos sociais. No caso dos sindicatos, cumpriu-se , de certo morda, o que era previsível, isto é, os sindicatos constituiam uma das forças básicas na formação do PT, principalmente o sindicato dos metalúrgicos da região do ABC paulista, depois estendendo-se por outras regiões. Eles tomaram a dianteira deste processo. Passaram a contribuir de forma bastante orgânica  com o PT, como ainda hoje.  Hoje, é difícil saber-se ainda vai o PT e até onde vão os sindicatos. Visitar sindicatos, hoje, é como visitar-se uma secção partidária. Hoje, é muito difícil estabelecer-se uma separação entre partido e sindicato. É muito difícil ter-se, por exemplo, uma visão crítica sobre o governo, no âmbito sindical. Não é que não haja distinção, mas é tão minoritária, tão excepcional de se ver, que se tem a impressão de que o sindicato acaba sendo um braço do partido, posição contra a qual a gente tanto lutava, buscando não permitir que o sindicato se transformasse em correia de transmissão do partido. Isto se perdeu de vista, hoje. Com relação aos movimentos sociais, eu que me sinto de dentro, a acompanhar sua trajetória, e me sinto também esperançoso com relação a eles, principalmente quando se trata daqueles movimentos sociais referenciados pela sua luta por uma nova sociedade, de um projeto alternativo de sociedade, compreendendo-os como a principal força de mudança social, entendo, porém, que hoje eles se encontram numa situação bastante delicada, inclusive aqueles movimentos populares que lidam com projeto alternativo de sociedade. Movimentos sociais de grande referência nacional e internacional…

Philippe Degrave:  O MST, por exemplo?

Alder Calado: O MST, a Via Campesina, por exemplo, que tinham, em suas origens, uma visão bastante crítica das forças do Estado, foram perdendo essa visão crítica do Estado, a partir sobretudo do governo Lula. Boa parte daqueles movimentos comprometidos com a luta por uma nova sociedade, e especial seus dirigentes, acabaram optando também pela via do atalho. Aqueles movimentos sociais dos quais se esperava um compromisso maior em busca da construção de uma nova sociedade, passaram a conformar-se com uma oposição aos partidos da ordem, limitando-se a considerar, não tanto o horizonte classista, mas a relação entre o PT e o PSDB. Quem é que vai discordar de que, nesta linha, o Governo do PT é muito menos ruim do que o Governo de FHC. Sucede que isto não é horizonte de classe, não é o horizonte da Classe Trabalhadora. Nãos e trata de analisar as ações do PT, comparando-as com as do PSDB. Isto não interessa, não é horizonte de classe com que se comparar. Nosso horizonte é outro. Analisar uma conjuntura implica em saber a posição das forças sociais em relação à Luta de Classes, e não tanto ao melhor ou pior desempenho em relação a partidos convencionais. Não interessa analisar nossas práticas em relação às de FHC ou do PSDB…

Philippe Degrave: E como explicar isto? Como explicar que, não apenas os sindicatos, mas também os movimentos sociais populares acabaram acompanhando o PT, inclusive o MST, que era bem mais radical? Teria sido por cooptação?

Alder Calado: Essa forma de cooptação é um dado de realidade. Está dada. A responsabilidade por este desfecho eu não cobro tanto do PT ou do seu Governo, mas fundamentalmente dos movimentos sociais. Eu cobro responsabilidade principalmente dos movimentos sociais, porque o problema, mais do que cooptar, é deixar-se cooptar. Não se deixar cooptar - eis o desafio que se lança aos movimentos sociais. Depois, vou tentar dizer algumas razões que podem explicar tal prática. Mas, antes, faço um parênteses. Refiro-me a um episódio passado aqui em João Pessoa, que muito me faz lembrar a figura de um grande militante petista, Ricardo Brindeiro…

Philippe Degrave: Aqui de João Pessoa?

Alder Calado: Sim, mas também muito conhecido em Recife, onde havia atuado na Igreja na Base. Ricardo Brindeiro, faleceu há pouco tempo. Curiosamente, é irmão de uma figura que se tornou famosa, noutra perspectiva. Ricardo Brindeiro era irmão de Geraldo Brindeiro, Procurador geral da república mas nada tinha a ver políticamente com o irmão pois Ricardo Brindeiro era um militante excepplar,  seja no PT, seja na Igreja na Base. O episódio a que me refiro, prende-se a uma discussão havida numa das reuniões semanais animadas pela Consulta popular, em preparação ao grito dos excluídos, diante de uma denuncia , dando conta de que um militante da cut havia assumido, junto ao governo Estadual, o cargo de “representande” dos movimentos sociais. Isto gerou um mal-estar, com críticas acirradas ao governo do Estado.  Minha interben~ção s logo comentada e apoiada por Ricardo Brindeiro, foi no sentido de alertar de que o problema resíde  menos no governador qie cooptou, do que no movimento sindical e nos movimentos populares , que se deixaram cooptar. Este episódio lembrando a figura de Ricardo Brindeiro, restou emblematica. Ele costumava recontar este episódia. Agora, falo sobre uma segunda justificativa. É que, ao longo da história, os movimentos sociais costumam irromper com toda a sua força mudancista e radical, dispostos a mudar “tudo que aí está”, e, à medida que vão conquistando certas bandeiras, passam a uma posição conciliadora e até conformista. Esta análise encontramos em autores tais como Max Weber e Troeltsch. É um dado da história. Isto até se exemplifica com o Movimento Anabatista, que irrompe com toda a sua verve, e depois vai amansando… Isto não é, portanto, algo exclusivo do PT, da CUT e dos Movimentos Sociais de hoje. Faz parte da dialética da história: em determinado momento o movimento irrompe, com toda a sua força transformadora, e, a partir de algumas conquistas pontuais vão diminuindo sua força transformadora, vão se acomodando ao sistema. Outro ponto: o compromisso com a formação. Este é um aspecto relevante que também explica o retrocesso das forças de esquerda, dos movimentos sociais. Nenhum movimento social popular digno deste nome se sustenta sem a formação. Não me refiro, aqui, à escolarização, mas a formação protagonizada pelos movimentos sociais em relação ao conjunto de seus membros, de caráter classista. Muitos movimentos sociais abandonaram seu processo formativo. Não digo todos - o MST, por exemplo, mantém a Escola Florestan Fernandes, ainda que mais voltada para dirigentes e coordenadores -, mas o PT, por exemplo, abandonou esta via, faz muito tempo, antes, havia o Instituto Cajamar, em São Paulo, que recebia muitos militantes, mas isto ficou para trás. O Instituto Cajamar prestava um grande serviço de formação. O MST tem a Escola Florestan Fernandes. Mas é insuficiente para dar conta de uma enorme massa de militantes espalhadas pelo país. E não basta assegurar formação a dirigentes e coordenadores, tem que haver também formação para a base. Trata-se de oferecer uma formação classista. Não vale qualquer formação. Tem que ser uma formação alimentada pela memória histórica, pelos bons clássicos, alimentada por uma lista de revolucionários e revolucionárias. Isto foi se perdendo, à medida que as necessidades dos assentamentos passaram a levar a uma crescente aproximação, às vezes exagerada, dos dirigentes com o Governo, reclamando verbas para acudir essa ou aquela necessidade dos assentamentos. Então, havia do auto-financiamento, da auto-organização foi pro brejo… Isto vai fazendo com que vários movimentos sociais, não digo todos, mas em especial seus dirigentes, vão se aproximando de quem não deviam. Com isto, não quero dizer que eu entenda um movimento social como algo fechado, indisposto a dialogar com outras forças. Acho que a gente tem que estar aberto a conversar com todo o mundo, mas uma coisa é conversar, outra é assumir compromisso governamentais, enquanto dirigentes de movimentos populares. O problema está nos compromissos que se celebram com tais interlocutores. O fato é que tais práticas têm se distanciado muito do horizonte da Classe Trabalhadora. No estando, eu continuo muito esperançoso em várias experiências moleculares que andam acontecendo…

Philippe Degrave: Como por exemplo?

Alder Calado: Confio muito nas “correntezas subterrâneas”. Vou dar um exemplo de uma dessas experiências. Ela é quase desconhecida pelo grande público, mas nela tenho apostado. Refiro-me, por exemplo, ao MCP (Movimento das Comunidades Populares). Você já escutou falar neste movimento? Trata-se de um movimento que já conta 43/44 anos. É cria da JAC (Juventude Agrária Católica). Ao longo de sua trajetória, este movimento passou por vários nomes: MER (Movimento de Evangelização Rural), CTI (Corrente de Trabalhadores Independentes), MCL (Movimento de Comissões de Lutas)... Atualmente, já há vários anos, atua como MCP (Movimento das Comunidades Populares). Então, o que é que me fascina neste movimento, sem me esquecer de suas contradições e de seus limites? Fascinam-me vários pontos. Um primeiro: ele se acha profundamente enraizado nas lutas populares, no campo e na cidade. É um movimento relativamente pequeno, presente em aproximadamente em 12 Estados do Brasil. No Nordeste: Bahia, Maranhão…

Philippe Degrave: Só no Nordeste?

Alder Calado: Não, mas também várias regiões do país, inclusive no Sul e no Leste (São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro...). Trata-se, pois, de um movimento enraizado nas lutas populares, nas pequenas comunidades do campo e das periferias urbanas. Outro ponto que nele me fascina, é o seu zelo pela autonomia: não tem vínculo orgânico nem com o Mercado nem com o Estado…

Philippe Degrave:  Nem com Partidos?

Alder Calado: Tem vínculo fraterno com os Partidos de esquerda, mas sem qualquer dependência. Trata-se de um movimento que, pelo seu zelo de sua autonomia, cuida de auto-financiar-se, por meio da manutenção de sua caixa-comum, através do que seus militantes chamam de GIC (Grupo de Investimento Coletivo). Tratam de arrecadar outros recursos por conta própria, a partir de brindes, de rifas, feijoadas, de organização de festinhas…  É com isto que mantêm em circulação dos jornais, 3 ou 4 vezes ao ano: um dirigido ao público adulto (“Jornal Voz das Comunidades”), enquanto outro se dirige mais especificamente ao público jovem (“Jornal da Juventude Popular”).  Esses Jornais têm características, ao mesmo tempo informativa e formativa. Esses Jornais não são vendidos, como convencionalmente se faz, são distribuídos aos militantes nas várias regiões do país, bem como a colaboradores e outros leitores e assinantes. Isto me dá força e esperança de alternatividade, No contexto eclesial, também aposto nas CEBs, apesar de suas fragilidades. Aposto nas escolas de formação missionária…

Philippe Degrave:  Qual é mesmo a situação das CEBs, hoje?

Alder Calado: Encontram-se bastante fragilizadas…

Philippe Degrave: Por quê?


Alder Calado: Porque, a exemplo do PT, elas foram perdendo suas características organizativas de origem. O compromisso que tinham com as lutas pela mudança de uma nova sociedade e também ao interno da Igreja - porque sempre tiveram o compromisso de mudar a sociedade, mas também as estruturas da Igreja -, foi sendo arrefecido, durante o longo período dos pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, figuras muito associadas, e dificilmente vistas em separado, juntos estiveram eles à frente da Igreja, mais de trinta anos. Durante esse tempo, houve um grande combate as forças progressistas, à Igrej na Base, ao mesmo tempo em que eles promoveram abertamente movimentos conservadores - é o caso do Movimento de Renovação carismática, é o caso do “Opus dei”... Então, as CEBs hoje, sofrem esse recuo, ficaram muito acomodadas e reféns das estruturas paroquiais, relativamente distantes das pequenas comunidades rurais e das periferias urbanas. Sempre há boas exceções, mas a tendência geral tem sido esta. Então com isto, sua autonomia fica muito arrefecida, ficam muito coladas à oficialidade, distanciando-se de suas origens.

Philippe Degrave: Então, para terminar, qual é sua avaliação geral do PT? Pode dar dois ou três exemplos de medidas positivas e outras que ache negativas...

Alder Calado: Pois não. Do ponto de vista da trajetória escolhida pelo PT, eu digo que ele vai bem. Acho que vai bem, e vai prosseguir assim por um bom tempo. Em mim, por exemplo são poucas as dúvidas da reeleição de Dilma. Eu acho que sua reeleição não está ameaçada. Digo isto muito à vontade, porque já há doze anos eu não voto. Compareço à urna, mas não voto: voto nulo. Então me sinto à vontade para dizer isto. Seja no Governo Dilma, seja no Governo Lula, eu reconheço uma série de conquistas populares, em especial favoráveis aos extratos mais sofridos da população. Esses programas compensatórios tiveram e têm uma função importante por terem proporcionado importantes ganhos a milhões de pessoas. Além disto, têm atuado com parceria com os movimentos sociais, com afinidade com o MST e com outros movimentos também. Outro aspecto importante diz respeito à sua política externa. Na medida em que conseguiu romper aquela tradição de dependência com os países centrais do capitalismo, do ponto de vista de suas iniciativas comerciais, alargando suas relações também para a África e para a Ásia. Destaco ainda suas políticas em relação a certos segmentos de Movimentos Sociais, como o Movimento Negro. E há outras e outras conquistas que reconheço. O problema surge, quando eu avalio tal desempenho, do ponto de vista  das raízes societais, da consistência de uma nova sociedade. Entendo difícil, nas próximas décadas, haver uma retomada do PT, nesta linha, até porque seus dirigentes seguem apostando o melhor de suas forças na máquina do Estado, e por aí, não vejo saída, pois a máquina do Estado está tão azeitada, que quem quer que seja, não vai mudá-la…

Philippe Degrave: Então, você acha que hoje o PT não tem tendências com este papel transformador?

Alder Calado: Eu não acho. A este respeito, lembro-me de um companheiro da tendência “O Trabalho”, um velho e querido militante desta tendência ligada à IV Internacional...

Philippe Degrave: Eu entrevistei um de seus representantes, em São Paulo: o Sokol…

Alder Calado: Para este companheiro, de quem falo, o problema reside todo na direção do PT. Entende que, mudada a direção, o Partido volta ao seu rumo. Eu não entendo assim. Não entendo que o problema esteja só na direção, nem principalmente na direção. O problema está principalmente na base, na falta de formação, na falta de organização, no abandono dos fundamentos que sustentavam o PT, em suas origens. Não se tem mais trabalho de Núcleos, o processo formativo foi abandonado, o princípio do autofinanciamento também. Este companheiro reage dizendo: “mas, vai chegar um tempo, em que as coisas vão estourar não se aguenta mais…” só que, digo eu, isso já faz uns dez anos, e nada… Hoje, esse companheiro, se acha um tanto afastado da Tendência. Portanto, eu continuo entendendo que não há, no PT, tendência capaz de reverter esse processo, até porque um tendência é uma partícula do Partido. Não vejo como ter força suficiente para modificar tal tendência. Não vejo como isto possa se fazer, inclusive, pela atual conjuntura…

Philippe Degrave: Mas, você ainda acha que há vários militantes petistas fiéis ao ideal das origens do Partido?

Alder Calado: De fato, eu tenho no PT vários amigos queridos que seguem apostando nessa possibilidade de mudança, mas eu não aposto na sua aposta. Ao meu ver, o PT tende a continuar assim. Ele está marcado pela engrenagem do Estado e do Mercado… Há necessidade do surgimento de outra força…

Philippe Degrave: De outra força política?  

Alder Calado: como aconteceu ao próprio PT, que se iniciou como uma nova força política marcada pelo projeto de uma nova sociedade...

Philippe Degrave: Mas, esta força já não existe? Com o PSOL e o PSTU, por exemplo? Você não aposta neles?

Alder Calado: Minha leitura me leva mais longe: eu já não acredito na via partidária, por ser um componente que segue trabalhando mais na perspectiva de um novo Estado do que propriamente numa nova sociedade. A aposta dessas forças citadas é em que se pode mudar a sociedade, por meio do Estado. Eu já não aposto mais mais nisto. Isto já não me convence. O que me convence é o compromisso com a luta contínua, de longo prazo, o que tenho buscado fazer, em busca de criar condições para o exercício da consciência crítica, alimentada pela mística revolucionária por parte dos militantes. Neste sentido, não tenho tanta pressa de ver acontecer tudo isto, em sua plenitude, mas cultivo o compromisso de, no que está ao meu alcance, e fazendo isto acontecer, nos minúsculos passos de cada dia, sabendo que isto há de ser feito a longo prazo, mas começando já. Já não acredito nessa história de “vamos derrubar o Estado que aí está, para implantar um novo Estado”... isto já não me convence. Quanto mais leio e revisito os clássicos, mais eu os entendo, no seu tempo, tendo feito o seu melhor em vista dos desafios do seu tempo. Deles eu colho uma enorme contribuição, de grande importância, para os dias de hoje, mas não para repetir a história, mas para reinventá-la. Nem acho que este seria o seu desejo. Digo então que minha crítica não é só com relação ao PT, mas é em relação ao estilo de sociedade com base no Estado, e portanto fundada na via partidária, tal como convencionalmente se acha organizada, sobretudo considerando que dificilmente assims e alcança o horizonte da Classe Trabalhadora. O Internacionalismo, por exemplo, vai “pras Cucuias”, no máximo, se tem conseguido trabalhar, até certo ponto, com América Latina, por meio da via Campesina, mas em relação aos trabalhadores da Europa e de outros continentes, é muito pouco o que se faz, no exercício da solidariedade. Às vezes se diz: “Há! Mas os trabalhadores da Europa não são solidários conosco...“ Ora, eu vou lá esperar que eles sejam solidários… Eu preciso mesmo é tomar a iniciativa de criar laços de solidariedade com os trabalhadores dos vários continentes. Minha Consciência de Classe me deve fazer comunista o tempo todo, lá onde eu estiver, no meu dia-a-dia. Isto me faz comprometido, desde já, nos pequenos gestos do cotidiano. Neste sentido, sinto como fundamental o exercício contínuo da mística revolucionária. Nesse sentido, um risco que tenho presente é de me aproximar demais das pessoas quem quer que elas sejam, sem referência à causa maior, isto é, mantenho laços incondicionais com as pessoas, mesmo quando sei que elas resvalam, mesmo assim eu as apoio, sob a alegação de que são do meu lado, invés de exercitar com elas a auto-crítica de modo fraterno. Aí, eu aposto incondicionalmente nos amigos, mas do que na causa, e isto é um equívoco. Esta lição eu aprendi muito, nesta trajetória mais recente do PT e de outras forças de esquerda.

Philippe Degrave: Pois bem, vamos encerrar por aqui, muito obrigado.


João Pessoa, 22 de Junho de 2014.

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