FORTES MARCAS DO LEGADO DE PAULO FREIRE
Alder Júlio Ferreira Calado
Há pessoas, como Paulo Freire, cujo
legado nos marca continuamente, independentemente de datas referenciais. No
caso dele, destaco traços do seu com-viver, do seu legado, de seus escritos, de
suas palavras.
Um primeiro aspecto que dele me impacta
profundamente, é o de entendê-lo como homem do seu tempo, alguém profundamente
comprometido com o destino libertário dos seres humanos e do planeta, tal
comprometimento, por outro lado, se dava em cima de critérios por ele
profundamente observados. Pensava e tratava seus contemporâneos como seres
inacabados, inconclusos, limitados, e, ao mesmo tempo, historicamente chamados
a superar seu inacabamento, de forma processual e continuada. Estas duas
dimensões que se revelam axiais, em seu legado, desde que sejam tomadas
conjuntamente, e não uma sem a outra.
Para Freire, mais do que entender como
seres inacabados é fundamental que disto tenhamos consciência e atitudes
consequentes. Mais: o firme e incessante empenho de aprimorar tal consciência
ante os novos desafios. Não se trata de mero jogo de palavras. Tal critério
implica consequências teórico-práticas, dentre as quais o exercício contínuo da
autocrítica (pessoal e coletiva). Não se concebe darmos largos passos na
direção da crítica aos maus feitos alheios, sem que, primeiro, examinemos
nossas próprias práticas. Examinemos, com humildade e compromisso, e as
superemos, de forma contínua processual, sem o que nossas críticas aos outros,
por mais razoáveis e fundadas perdem força, e resultam estéreis pela ausência do
próprio testemunho e da própria conduta.
Neste contexto, ser homem ou mulher do
seu tempo, longe de significar atitudes adesistas ou um comportamento gregário
- de entrar na onda da moda - significa discernir, pelos sinais dos tempos,
quais os grandes desafios a serem enfrentados e pistas em vista de um
enfrentamento exitoso, sempre tomando em relação a realidade histórica concreta
local, regional, nacional e internacional, em suas interconexões (macro-micro,
global-local, relações de gênero, relações étnicas, geracionais com o
planeta…). Isto, todavia, não se dá a golpe de voluntarismo, mas como fruto de
incessantes buscas de compreensão adequada da realidade concreta seus meandros
e desafios, recorrendo-se a meios compatíveis com este intento. Dentre estes
meios figura a resoluta atitude de investigar os mais distintos ângulos e
olhares sobre a realidade, por entendê-la como algo complexo e em constante
movimento ao qual somente por aproximação se tem acesso, e para o que é
fundamental ao observador por si, também ele, em constante movimento de
observação. Isto implica, por exemplo, não se conformar apenas com as fontes
habitualmente visitadas, mas ousar ler, interpretar criticamente e levar a
sério uma diversidade de fontes de análises da realidade, sempre a partir de um
olhar de Classe, isto é, das Classes Populares. (O que vai além do olhar do
senso-comum). Em Freire, isto se apresenta como expressão e resultado do
diálogo. Na concepção Freireana de Diálogo os protagonistas aí envolvidos não
se limitam ao ouvir o interlocutor ou a expressarem sua palavra, mas em fazê-lo
tão apaixonadamente, levando a sério o que ouvem e o que dizem, de modo a
correrem o risco de aprenderem uns com os outros, reconhecendo na posição
alheia uma apreciação mais verdadeira do que antes sustentavam, e vice-versa.
Dialogar, dialogar, dialogar. Dialogar com os parceiros, dialogar com os
diferentes, e a despeito da quase impossibilidade de dialogar com forças
antagônicas, dispor-se pelo menos a conhecer suas razões.
Outro aprendizado fecundo do legado
Freireano, que recolho e busco por em prática, diz respeito ao exercício da
memória histórica, das conquistas da humanidade, das lutas sociais no mundo, na
América Latina, no Brasil, no Nordeste... Não se trata, aí, de um exercício
saudosista, mas de uma busca de reconhecer avanços, lutas, derrotas da
humanidade, dos movimentos sociais, das forças de transformação de ontem, em
busca de recolher lições para o enfrentamento dos desafios de hoje, sempre de
olho em ajudar a construir o “inédito viável”, em que também é exemplar nosso
Tecelão da utopia .
As trilhas em busca da construção deste
“inédito viável’ passam necessariamente pela decisão consciente das forças
protagonistas, razão porque se torna irrenunciável o constante enraizamento nas
classes populares sujeito de transformação, no campo e na cidade.
A atravessar todos estes fios
existenciais e comunitários, põe-se em constante movimento, como condição
essencial, o exercício da mística revolucionária (pessoal e coletiva), pois se
trata da grande fonte inspiradora alimentar as práticas e concepções de quem
ousa trilhar as árduas veredas do inédito viável, entendido como o
esforço incessante de concretização, desde as ações moleculares de um novo modo
de produção, de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal,
em harmonia com a dignidade do planeta e de toda a comunidade dos viventes.
João Pessoa, 4 de Maio de 2018.
Boa noite Alder, gostaria muito de ler este texto por completo. Infelizmente nao tenho a visualizacao completa.
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