A MENTIRA COMO COMBUSTÍVEL DE PODER, NAS SOCIEDADES DE
CLASSES: o lugar dos mecanismos ideológicos nas relações societais
Alder Júlio Ferreira Calado
A mentira, como recurso de acesso, manutenção e ampliação de
poder, acompanha a trajetória humana, desde priscas eras. O ser humano é o
único animal a dela usar e abusar, como refinada estratégia de poder. Outros
animais recorrem à finta, a subterfúgios ou camuflagem, como estratégia de
sobrevivência, mas nunca na escala ou com a sofisticação empregadas pelos
humanos. Passar-se pelo que não se é, aparentar-se predicado que não se tem -
eis a que leva os humanos a usarem e abusarem da mentira, sob suas mais
diversas formas e manifestações. Retenho vivo o alerta, a este respeito, feito
por um ex-presidente, em uma de suas declarações. Dizia mais ou menos assim: o
problema da mentira é que ela, desde a primeira expressa, acaba nos fazendo
reféns, para toda a vida. Ao dizermos uma mentira, pela primeira vez, e ao
esbarrarmos em cobranças, sentimos "necessidade" de inventar uma
segunda, para justificarmos a primeira. Depois, uma terceira, uma quarta, e por
aí segue... se no dia-a-dia de nossas relações, já constatamos o tamanho dos
estragos produzidos pela cultura da mentira, o quê dizer em relação a toda uma
complexa e vasta teia de relações societais? Entre os humanos e no âmbito das
relações macro-sociais, este processo alcança seu ápice nas sociedades de
classes. A classe dominante só pode chegar ao poder, valendo-se de um sistema
de mentiras, combinadas com o emprego da violência. E não apenas, para aceder
ao poder: também, e até mais, para mantê-lo e ampliá-lo. É aí que tem lugar
decisivo a armação de todo um sistema ideológico, cujo objetivo central é o de
alimentar constantemente o conjunto da sociedade com toda sorte de mentira, nas
mais diversas esferas da realidade. As linhas que seguem, buscam ressoar,
brevemente, sobre tais mecanismos de dominação.
Malgrado a mentira esteja associada à condição humana, como
marca de seu inacabamento, a mentira alcança elevado grau de sofisticação nas
sociedades de classes, em que a classe dominante sente-se "obrigada"
a recorrer sistematicamente à mentira, primeiro, para chegar ao poder; em
seguida, para mantê-lo, a todo custo, e, mais ainda, para ampliá-lo, ainda que
tenha que combinar a mentira com outros recursos tais como a violência
institucionalizada. E tudo fazendo, "em nome do povo, em nome da
nação...".
Cuidamos, em seguida, de ilustrar didaticamente alguns casos
de nossa atualidade, recorrendo a exemplos em várias esferas da realidade, ao
mesmo tempo em que lembramos que sua eficácia maior reside na articulação, na
combinação de tal recurso nas diversas esferas, mas do que em qualquer delas,
tomadas em separado.
Na esfera da produção, por exemplo, o desafio da classe
dominante é o de passar a impressão para o conjunto dos membros de determinada
sociedade, de que o atendimento devido as várias necessidades e aspirações
daquela sociedade é o seu real objetivo, enquanto, por sua vez, esta classe
dominante foca suas estratégias de ação na busca sistemática de manter e
ampliar privilégios de classe, à custa da sonegação e da retirada de direitos
da grande maioria. Nisto são mestras as grandes empresas transnacionais, que
operam nos 4 cantos do Planeta, sempre à cata de manter e aumentar seu processo
de acumulação, à custa e em detrimento dos direitos sociais mais elementares.
Ao atuarem nos diversos setores econômicos – no campo das finanças, na produção
de bens estratégicos, de bens duráveis, de bens de consumo;
no setor agrário, desde a exploração
extrativista (de minerais, de vegetais, de animais), nos esquemas estruturantes
da agricultura e da pecuária, no setor do comércio e dos serviços; na esfera
cultural e até religiosa – as transnacionais e as grandes empresas nacionais
não hesitam em recorrer sistematicamente ao Estado, como suporte fundamental,
na implementação de suas respectivas políticas econômicas. Sempre combinando
poderosos mecanismos ideológicos e recorrendo, sempre que “necessário”, a
violência, tratam de perseguir e alcançar seus interesses acumulativos, não
importando a forma como os obtêm. Para elas, embora digam o contrário, o Estado
lhes é essencial, ainda que chamando-o de “mínimo”, que na verdade, por vezes, corresponde
ao máximo, à medida que se utilizam das mais distintas instâncias do Estado,
apenas no que exclusivamente lhes interessa.
Para tanto, recorrem a múltiplos mecanismos ideológicos,
dentre os quais o marketing e a propaganda se revelam exemplos bem
ilustrativos. Por meio da mídia comercial e das redes sociais, cuidam de “enfeitar
o pavão” ou de “dourar a pílula”. Basta que nos atenhamos às fortunas que são
gastas diariamente, no uso de propagandas enganosas, que, de tanto circularem
aos olhos e ouvidos de uma enorme massa acrítica, acabam convertendo mentiras
em verdades, males em bens, doenças vendidas como saúde, etc, etc, etc.
No plano da Política os mecanismos ideológicos, usados e
abusados, revelam-se igualmente eficazes. A recente campanha eleitoral
constitui apenas a ponta deste enorme “Iceberg”. As famigeradas “Fake News” constituem
apenas uma pequena mostra. No Brasil e Alhures, é a classe dominante quem dita
as regras, estando ou não seus protagonistas pessoalmente à frente deste
processo. Não raro, grandes financistas, banqueiros, controladores de
transnacionais, etc, nem precisam dar-se ao trabalho de se candidatarem: contam
de sobra com seus representantes, ainda que a enorme maioria deles se eleja em
nome do povo...
Na esfera cultural, a esperteza vulpina do capitalismo tem
sido igualmente ou ainda mais exitosa, à medida que, graças a um crescente
contingente de massas mantidas acriticamente, consegue iludir ainda mais
facilmente a multidões destituídas de um processo de formação contínua que, de
massa, as torne povo consciente. Ainda nesta esfera cultural, convém realçar os
efeitos deletérios provocados pelo fundamentalismo religioso, a medida que suas
lideranças de referência manipulam abertamente e “em nome de Deus” controlam as
consciências de seus fiéis.
Uma perspectiva de superação deste trágico quadro, tem lugar
fundamental o protagonismo daquelas organizações sociais de base, comprometidas
com a retomada, em novo estilo, dos trabalhos de base, na e com a base, seja no
campo organizativa, seja no campo formativo, seja no campo das ações mais
explicitas.
João Pessoa, 19 de novembro de 2018.
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