terça-feira, 6 de novembro de 2018

BRASIL, PÓS-ELEIÇÕES 2018: Como retomar os passos, em busca de alternatividade? Alder Júlio Ferreira Calado A pergunta que encima as notas que seguem, há de ser tomada de modo desprovido de qualquer pretensão a receita. Trata-se, apenas, de modestos questionamentos destinados a ajudar a provocar uma contínua reflexão crítica e autocrítica, junto às nossas organizações de base, comprometidas com a construção de uma sociabilidade alternativa, a curto, médio e longo prazos, no horizonte de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo, e de um novo modo de gestão societal. Passados os primeiros momentos de luto, em face do resultado eleitoral, cumpre as nossas organizações de base, comprometidas com um horizonte alternativo à barbárie capitalista, retomar passos prenhes de alternatividade à sociabilidade hegemônica, cabendo aqui destacar velhas e novas prioridades a perseguir. Passos preliminares Vencidos os momentos de paixão e de indignação (ver, por exemplo debate pós-eleitoral, na USP, provocado por André Singer, Vladmir Safatle, Marilena Chauí e Ruy Braga: https://www.youtube.com/watch?v=ux4rh0cHL7g , bem como entrevista concedida por Pedro Cardoso a uma emissora Portuguesa: https://www.youtube.com/watch?v=uP3i5cyvBVQ ), e voltando a ter presentes os fatores externos deste mais recente revés político-eleitoral, estamos mesmo dispostos a reconhecer a incidência, neste processo, de fatores também internos? Que práticas e decisões recentes e menos recentes, que concorreram para este desfecho, sinalizam parcela de nossa responsabilidade? Que passos empreender a curto, médio e longo prazos, no sentido de buscar retificar rumo, caminhos e posturas? Dentre importantes análises e reflexões críticas, que vêm circulando, a exemplo do livro organizado por Esther Solano, “O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil” (pela Boitempo) e do livro de Jessé Souza, A elite do atraso: Da escravidão à Lava Jato (pela Leya). considerando portanto o lugar dos fatores externos, não seria também de bom alvitre ousar algo semelhante em relação aos fatores internos deste mesmo processo? Se nossas organizações de base, que têm estado a frente das iniciativas políticas mais recentes não se dispuserem a uma efetiva auto-avaliação ético-política, se sentirão à vontade (ou mesmo legitimadas) para seguirem à frente, nestes tempos tormentosos? (Participar do processo é uma coisa, liderar é outra…) Na esfera organizativa Parece consenso a avaliação positiva das práticas organizativas semeadas e cultivadas por nossas organizações de base (sindicais, partidárias, estudantis populares, eclesiais…), nas origens de organizações e movimentos que (re)surgiram a partir de meados dos anos 70, cujos bons frutos se deveram a iniciativas tais como fundação e cultivo de círculos culturais, de núcleos, de pequenas comunidades, de conselhos populares… por que tais práticas foram interrompidas? Consequência deste modo organizativo bem sucedido, prosperou por um bom tempo a aposta numa organização de base autônoma (em relação ao Mercado e aos espaços governamentais). O que nos fez deixar de apostar no que estava dando certo? Apesar de lacunas? A ênfase por (quase) todos abraçada, recaía sobre a força das decisões coletivas democraticamente tomadas (de baixo para cima), sem deixar de reconhecer a participação individual, por um lado, mas, por outro, criando mecanismos de prevenção contra a tendência de superestimar figuras individuais. O que nos fez deixar de apostar nesse caminho, e reeditar práticas individualistas ou de pequenos grupos controladores, combatidas por nós mesmos? As práticas de autonomia tomavam em conta desde a organização de nossas finanças, alimentadas pelos “tostões” recolhidos de seus militantes e associados (mulheres e homens). O que nos levou a progressivamente nos distanciar ou abandonar o que estava dando certo? Nosso modo organizativo, salvo exceções, se alimentava pelo princípio da delegação, isto é, tendo em vista a necessidade permanente de interconexão com outras instâncias (populares, partidárias, sindicais, pastorais, estudantis…), recorríamos à eleição de delegadas e delegados, cuja incumbência era a de comunicar às outras instâncias, as decisões tomadas, no âmbito dos núcleos, estando ou não os delegados e delegadas de acordo com as decisões. O que nos fez optar por outro caminho? Considerando aspectos práticos de organicidade, também era comum recorrer-se à eleição de coordenadoras e coordenadores, por um breve período, com o encargo de articulação mais direta entre os demais núcleos e instâncias, sendo que se zelava pela alternância constante de cargos e funções, de modo a não se permitir que um pequeno grupo de coordenação se assenhorasse dos núcleos ou das instâncias. O que nos fez abandonar tal prática? Nos começos, quem se associava ou quem se filiava, o fazia por convicção. A partir, porém, dos primeiros êxitos eleitorais, já começam a aparecer pessoas sem compromisso de classe, fato a que dirigentes e coordenações estavam atentos para evitar. No entanto, tais critérios foram sendo deixados de lado. Qual o resultado disto? Em que pese nossa hesitação em encampar espaços governamentais ( o que nos custou caro ), buscamos ser precavidos em nossa condução em processos eleitorais, de tal modo que a indicação de candidatos e candidatas constituía o último passo a ser definido, após toda uma discussão e análise crítica da realidade estrutural e conjuntural ( em escala internacional, nacional e local ); ter claros os projetos de sociedade em disputa; quais as forças representativas de cada projeto; quais suas estratégias; quais nossas prioridades numa eventual participação eleitoral; que perfil de candidaturas (falávamos mais em candidaturas do que em candidatos) atendia melhor aos nossos interesses coletivos; quem, nessas condições e nesse contexto, melhor poderia responder a este desafio. Uma das consequências produzidas pelo atalho eleitoreiro foi a passagem progressiva desses critérios de candidaturas coletivamente construídas, para um desvairado carreirismo individualista: passou-se de candidaturas coletivamente construídas e controladas para o desvario de meros candidatos de si próprios. O que nos levou a isto? A crescente superestimação dos espaços governamentais e do papel do(s) Partido(s) ensejou o progressivo afastamento ou abandono do trabalho de base e, por conseguinte, o enfraquecimento dos laços orgânicos de nossas organizações de base e da sociedade civil, inclusive por meio de lamentáveis práticas de cooptação de dirigentes sindicais, populares, eclesiais, estudantis, fato que se deveu sobretudo porque tais dirigentes ou mesmo parcelas de nossas organizações de base se deixaram cooptar… A que se devem tais desvios éticos-políticos? Na esfera formativa Há algumas décadas tinha-se mais clareza, em relação ao nosso horizonte perseguido (a “nova sociedade”), aos caminhos trilhados, bem como as posturas cultivadas pelas organizações protagonistas. Isto continua, entre nós? O quê, senão o progressivo descompromisso com o nosso processo formativo, nos fez subestimar ou mesmo abandonar nossa formação contínua? Ainda que com falhas e insuficiências, em nossas organizações de base, era dada prioridade ao processo formativo contínuo, que não se confunde, é claro com escolarização, durante o qual os participantes (mulheres e homens destas organizações de base cultivavam práticas formativas contínuas, seja pelo exercício constante da memória histórica da Classe Trabalhadora, seja pelo interesse em recolher lições deste passado (lutas, vitórias, revezes…), seja pelo continuado reavivamento do horizonte que nos propúnhamos perseguir (falava-se então, de uma sociedade alternativa ao Capitalismo, não de um Estado, sobre o qual pairava enorme desconfiança em seu potencial transformador), seja ainda e sobretudo fortalecendo nossa práxis. Isto é, nossos compromissos de transformação social. O que nos levou a tomar tanta distância destas posições? Dentre tantas teses e práticas falaciosas em que hoje se acham metidos não poucos protagonistas, que se pretendem comprometidos com os interesses libertários das classes populares, vale a pena destacar algumas: · confusão entre origem e posição de classe; · dogmatização da participação nos espaços governamentais, ainda que em prejuízo do enraizamento no campo e na cidade, junto às mesmas classes populares; crescente priorização do processo eleitoral, em prejuízo do fortalecimento e avanço organizativo de base; · a progressiva perda de autonomia, em relação ao Mercado e ao seu Estado, sobretudo do ponto de vista do financiamento de suas atividades (“quem come do meu pirão prova do meu cinturão” alerta um ditado popular”). O que nos levou ao afastamento e ao abandono da aposta e confiança em nossas próprias forças, em nossos próprios “tostões”? O que nos fez desacreditar na força organizativa dos “de baixo”, embora tendo (já àquela época) claras as consequências de quem confia nas ”doações”de quem controla o Mercado e seu Estado? - Nas origens dessas nossas organizações, ainda que a duras penas, eram mantidas várias formas de alimentar teoricamente a formação contínua de nossas bases e articulações, por meio de revistas (Teoria e Debate, Tempo e Presença, etc.), por meio de vários periódicos de massa (Companheiro, Em Tempo, Aconteceu, etc.) Enquanto durou nosso compromisso com o processo de formação contínua, conseguimos manter mais claros (ou pelo menos, de modo menos impreciso) práticas , concepções e valores concernentes ao papel do Estado, no contexto de uma sociedade de classes, em especial no contexto do modo de produção capitalista: move-se como organismo garantidor dos interesses das forças hegemônicas. A depender da manutenção de seus interesses, aqui e ali, até que abre mão de algumas concessões, com o que ilude a não poucos de que, por meio dele, seja possível avançar rumo a uma nova sociedade. Isto, porém, tem limite: tão logo se sinta minimamente ameaçado por conquistas populares, não hesita em abandonar quaisquer eventuais escrúpulos de atuar “a manu militari” para assegurar seus privilégios de classe. Prova de que não tomamos isto a sério tem sido o reiterado comportamento aliancista, fazendo composições políticas com toda sorte de setores dominantes, sob o pretexto de uma tal governabilidade... que nada mais representa senão a determinação da vontade de pequenos grupos agindo em interesse próprio, ainda que digam estarem agindo em nome das classes populares. Outro aspecto concernente aos valores fundamentais de nossas organizações de base, tinha (será que ainda tem?) a ver com a defesa e promoção da Ética na Política. Neste campo, chegamos a nos mobilizar intensamente, mais de uma vez, a exemplo do final dos anos 90. Mais uma vez, por conta do afastamento ou do abandono desses valores, sob o pretexto da “governabilidade”, não raro, passou-se a esboçar práticas de conciliação de classes, com base em arranjos espúrios. Até hoje, sente-se dificuldade em se assumir uma postura ético-política convincente, quando se trata de combater as raízes da corrupção sistêmica, relativizando-se em demasia os profundos estragos econômicos, políticos e culturais daí decorrentes. Um outro deslize ético-político daí resultante ou a isto associado diz respeito à tendência descontrolada à lógica do endividamento. Não raro, sem critérios razoáveis, defendem-se, promovem-se e praticam-se atos de endividamento, sob várias formas, inclusive crédito consignado e até em campanhas eleitorais. A que isto nos tem levado? Diante de desafios de novo tipo Como dito, o propósito destas linhas nada tem a ver com pretensas receitas, mas como um elenco de perguntas humildemente compartilhadas, em vista de reacender nossos compromissos de (auto)crítica. Na esteira deste propósito, também nos defrontamos com desafios de novo tipo, isto é, que ou não existiam ou apenas afloravam levemente, quando do surgimento destas novas organizações de base, dos quais destacamos, de passagem, os desafios socioambientais, os das relações sociais de gênero, de orientação sexual, de etnia, de espacialidade, de nossas relações com o Sagrado, entre outros. Quanto aos novos desafios socioambientais, sentimo-nos crescentemente interpelados em sua defesa e promoção, a partir de iniciativas moleculares ou de grande porte, protagonizadas pela sociedade civil e seus principais agentes sociais, ou seja, nossas organizações de base. Neste sentido, é que nos vêm pergunta do tipo: · Será suficiente, ante tais desafios, que nos contentemos apenas com o empenho na construção de um novo modo de produção, ou, a ele articulados, somos instados também a comprometer-nos com a construção de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal, respeitando a dignidade da Mãe- Terra e de toda a Comunidade dos viventes? Como testemunhar – mais do que “pregar” ou recomendar aos outros – “pequenas” iniciativas pessoais e coletivas de um estilo de vida sóbrio, de clara resistência ao desenfreado consumismo? Com relação ao foco maior da formação de nossas organizações de base, em décadas passadas e ainda hoje, quase se reduz a uma formação estritamente política ou, pior, ao restrito conflito entre sociedade-Estado. Será que isto também não esteja a merecer uma reavaliação, no sentido, não de subestimar a importância de uma formação política, mas de associá-la, de modo mais bem articulado e profundo, a tantas outras esferas de nossa vida social, conscientes de que, por um lado, tudo passa pelas relações políticas, por outro lado, lembramos que a Política não é tudo... João Pessoa/Olinda, 05 de novembro de 2018.

BRASIL, PÓS-ELEIÇÕES 2018: Como retomar os passos, em busca de alternatividade?


Alder Júlio Ferreira Calado


A pergunta que encima as notas que seguem, há de ser tomada de modo desprovido de qualquer pretensão a receita. Trata-se, apenas, de modestos questionamentos destinados a ajudar a provocar uma contínua reflexão crítica e autocrítica, junto às nossas organizações de base, comprometidas com a construção de uma sociabilidade alternativa, a curto, médio e longo prazos, no horizonte de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo, e de um novo modo de gestão societal.


Passados os primeiros momentos de luto, em face do resultado eleitoral, cumpre as nossas organizações de base, comprometidas com um horizonte alternativo à barbárie capitalista, retomar passos prenhes de alternatividade à sociabilidade hegemônica, cabendo aqui destacar velhas e novas prioridades a perseguir.


Passos preliminares


  • Vencidos os momentos de paixão e de indignação (ver, por exemplo debate pós-eleitoral, na USP, provocado por André Singer, Vladmir Safatle, Marilena Chauí e Ruy Braga: https://www.youtube.com/watch?v=ux4rh0cHL7g , bem como entrevista concedida por Pedro Cardoso a uma emissora Portuguesa: https://www.youtube.com/watch?v=uP3i5cyvBVQ ), e voltando a ter presentes os fatores externos deste mais recente revés político-eleitoral, estamos mesmo dispostos a reconhecer a incidência, neste processo, de fatores também internos?
  • Que práticas e decisões recentes e menos recentes, que concorreram para este desfecho, sinalizam parcela de nossa responsabilidade?
  • Que passos empreender a curto, médio e longo prazos, no sentido de buscar retificar rumo, caminhos e posturas?

Dentre importantes análises e reflexões críticas, que vêm circulando, a exemplo do livro organizado por Esther Solano, “O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil” (pela Boitempo) e do livro de Jessé Souza, A elite do atraso: Da escravidão à Lava Jato (pela Leya).

  • considerando portanto o lugar dos fatores externos, não seria também de bom alvitre ousar algo semelhante em relação aos fatores internos deste mesmo processo?
  • Se nossas organizações de base, que têm estado a frente das iniciativas políticas mais recentes não se dispuserem a uma efetiva auto-avaliação ético-política, se sentirão à vontade (ou mesmo legitimadas) para seguirem à frente, nestes tempos tormentosos? (Participar do processo é uma coisa, liderar é outra…)
Na esfera organizativa


  • Parece consenso a avaliação positiva das práticas organizativas semeadas e cultivadas por nossas organizações de base (sindicais, partidárias, estudantis populares, eclesiais…), nas origens de organizações e movimentos que (re)surgiram a partir de meados dos anos 70, cujos bons frutos se deveram a iniciativas tais como fundação e cultivo de círculos culturais, de núcleos, de pequenas comunidades, de conselhos populares… por que tais práticas foram interrompidas?
  • Consequência deste modo organizativo bem sucedido, prosperou por um bom tempo a aposta numa organização de base autônoma (em relação ao Mercado e aos espaços governamentais). O que nos fez deixar de apostar no que estava dando certo? Apesar de lacunas?
  • A ênfase por (quase) todos abraçada, recaía sobre a força das decisões coletivas democraticamente tomadas (de baixo para cima), sem deixar de reconhecer a participação individual, por um lado, mas, por outro, criando mecanismos de prevenção contra a tendência de superestimar figuras individuais. O que nos fez deixar de apostar nesse caminho, e reeditar práticas individualistas ou de pequenos grupos controladores, combatidas por nós mesmos?
  • As práticas de autonomia tomavam em conta desde a organização de nossas finanças, alimentadas pelos “tostões” recolhidos de seus militantes e associados (mulheres e homens). O que nos levou a progressivamente nos distanciar ou abandonar o que estava dando certo?
  • Nosso modo organizativo, salvo exceções, se alimentava pelo princípio da delegação, isto é, tendo em vista a necessidade permanente de interconexão com outras instâncias (populares, partidárias, sindicais, pastorais, estudantis…), recorríamos à eleição de delegadas e delegados, cuja incumbência era a de comunicar às outras instâncias, as decisões tomadas, no âmbito dos núcleos, estando ou não os delegados e delegadas de acordo com as decisões.  O que nos fez optar por outro caminho?
  • Considerando aspectos práticos de organicidade, também era comum recorrer-se à eleição de coordenadoras e coordenadores, por um breve período, com o encargo de articulação mais direta  entre os demais núcleos e instâncias, sendo que se zelava pela alternância constante de cargos e funções, de modo a não se permitir que um pequeno grupo de coordenação se assenhorasse dos núcleos ou das instâncias. O que nos fez abandonar tal prática?
  • Nos começos, quem se associava ou quem se filiava, o fazia por convicção. A partir, porém, dos primeiros êxitos eleitorais, já começam a aparecer pessoas sem compromisso de classe, fato a que dirigentes e coordenações estavam atentos para evitar. No entanto, tais critérios foram sendo deixados de lado. Qual o resultado disto?
  • Em que pese nossa hesitação em encampar espaços governamentais    ( o que nos custou caro ), buscamos ser precavidos em nossa condução em processos eleitorais, de tal modo que a indicação de candidatos e candidatas constituía o último passo a ser definido, após toda uma discussão e análise crítica da realidade estrutural e conjuntural ( em escala internacional, nacional e local ); ter claros os projetos de sociedade em disputa; quais as forças representativas de cada projeto; quais suas estratégias; quais nossas prioridades numa eventual participação eleitoral; que perfil de candidaturas (falávamos mais em candidaturas do que em candidatos) atendia melhor aos nossos interesses coletivos; quem, nessas condições e nesse contexto, melhor poderia responder a este desafio. Uma das consequências produzidas pelo atalho eleitoreiro foi a passagem progressiva desses critérios de candidaturas coletivamente construídas, para um desvairado carreirismo individualista: passou-se de candidaturas coletivamente construídas e controladas para o desvario de meros candidatos de si próprios. O que nos levou a isto?
  • A crescente superestimação dos espaços governamentais e do papel do(s) Partido(s) ensejou o progressivo afastamento ou abandono do trabalho de base e, por conseguinte, o enfraquecimento dos laços orgânicos de nossas organizações de base e da sociedade civil, inclusive por meio de lamentáveis práticas de cooptação de dirigentes sindicais, populares, eclesiais, estudantis, fato que se deveu sobretudo porque tais dirigentes ou mesmo parcelas de nossas organizações de base se deixaram cooptar… A que se devem tais desvios éticos-políticos?


Na esfera formativa
  • Há algumas décadas tinha-se mais clareza, em relação ao nosso horizonte perseguido (a “nova sociedade”), aos caminhos trilhados, bem como as posturas cultivadas pelas organizações protagonistas. Isto continua, entre nós? O quê, senão o progressivo descompromisso com o nosso processo formativo, nos fez subestimar ou mesmo abandonar nossa formação contínua?
  • Ainda que com falhas e insuficiências, em nossas organizações de base, era dada prioridade ao processo formativo contínuo, que não se confunde, é claro com escolarização, durante o qual os participantes (mulheres e homens destas organizações de base cultivavam práticas formativas contínuas, seja pelo exercício constante da memória histórica da Classe Trabalhadora, seja pelo interesse em recolher lições deste passado (lutas, vitórias, revezes…), seja pelo continuado reavivamento do horizonte que nos propúnhamos perseguir (falava-se então, de uma sociedade alternativa ao Capitalismo, não de um Estado, sobre o qual pairava enorme desconfiança em seu potencial transformador), seja ainda e sobretudo fortalecendo nossa práxis. Isto é, nossos compromissos de transformação social. O que nos levou a tomar tanta distância destas posições?
  • Dentre tantas teses e práticas falaciosas em que hoje se acham metidos não poucos protagonistas, que se pretendem comprometidos com os interesses libertários das classes populares, vale a pena destacar algumas:
·         confusão entre origem e posição de classe;
·         dogmatização da participação nos espaços governamentais, ainda que em prejuízo do enraizamento no campo e na cidade, junto às mesmas classes populares; crescente priorização do processo eleitoral, em prejuízo do fortalecimento e avanço organizativo de base;
·         a progressiva perda de autonomia, em relação ao Mercado e ao seu Estado, sobretudo do ponto de vista do financiamento de suas atividades (“quem come do meu pirão prova do meu cinturão” alerta um ditado popular”). O que nos levou ao afastamento e ao abandono  da aposta e confiança em nossas próprias forças, em nossos próprios “tostões”? O que nos fez desacreditar na força organizativa dos “de baixo”, embora tendo (já àquela época) claras as consequências de quem confia nas ”doações”de quem controla o Mercado e seu Estado?
- Nas origens dessas nossas organizações, ainda que a duras penas, eram mantidas várias formas de alimentar teoricamente a formação contínua de nossas bases e articulações, por meio de revistas (Teoria e Debate, Tempo e Presença, etc.), por meio de vários periódicos de massa (Companheiro,  Em Tempo, Aconteceu, etc.)
Enquanto durou nosso compromisso com o processo de formação contínua, conseguimos manter  mais claros (ou pelo menos, de modo menos impreciso) práticas , concepções e valores concernentes ao papel do Estado, no contexto de uma sociedade de classes, em especial  no contexto do modo de produção capitalista: move-se como organismo garantidor dos interesses das forças hegemônicas. A depender da manutenção de seus interesses, aqui e ali, até que abre mão de algumas concessões, com o que ilude a não poucos de que, por meio dele, seja possível avançar rumo a uma nova sociedade. Isto, porém, tem limite: tão logo se sinta minimamente ameaçado por conquistas populares, não hesita em abandonar quaisquer eventuais escrúpulos  de atuar “a manu militari” para assegurar seus privilégios de classe. Prova de que não tomamos isto a sério tem sido o reiterado comportamento aliancista, fazendo composições políticas com toda sorte de setores dominantes, sob o pretexto de uma tal governabilidade... que nada mais representa senão a determinação da vontade de pequenos grupos agindo em interesse próprio, ainda que digam estarem agindo em nome das classes populares.
Outro aspecto concernente aos valores fundamentais de nossas organizações de base, tinha     (será que ainda tem?) a ver com a defesa e promoção da Ética na Política. Neste campo, chegamos a nos mobilizar intensamente, mais de uma vez, a exemplo do final dos anos 90. Mais uma vez, por conta do afastamento ou do abandono desses valores, sob o pretexto da “governabilidade”, não raro, passou-se a esboçar práticas de conciliação de classes, com base em arranjos espúrios.  Até hoje, sente-se dificuldade em se assumir uma postura ético-política convincente, quando se trata de combater as raízes da corrupção sistêmica, relativizando-se em demasia os profundos estragos econômicos, políticos e culturais daí decorrentes.
Um outro deslize ético-político daí resultante ou a isto associado diz respeito à tendência descontrolada à lógica do endividamento. Não raro, sem critérios razoáveis, defendem-se, promovem-se e praticam-se atos de endividamento, sob  várias formas, inclusive crédito consignado e até em campanhas eleitorais. A que isto nos tem levado?
Diante de desafios de novo tipo
Como dito, o propósito destas linhas nada tem a ver com pretensas receitas, mas  como um elenco de perguntas humildemente compartilhadas, em vista de reacender nossos compromissos de (auto)crítica. Na esteira deste propósito, também nos defrontamos com desafios de novo tipo, isto é, que ou não existiam ou apenas afloravam levemente, quando do surgimento destas novas organizações de base, dos quais destacamos, de passagem, os desafios socioambientais, os das relações sociais de gênero, de orientação sexual, de etnia, de espacialidade,  de nossas relações com o Sagrado, entre outros. Quanto aos novos desafios socioambientais, sentimo-nos crescentemente interpelados em sua defesa e promoção, a partir de iniciativas moleculares ou de grande porte, protagonizadas pela sociedade civil e seus principais agentes sociais, ou seja, nossas organizações de base. Neste sentido, é que nos vêm pergunta do tipo:
·         Será suficiente, ante tais desafios, que nos contentemos apenas com o empenho  na construção de um novo modo de produção, ou, a ele articulados, somos instados também  a comprometer-nos com a construção de um novo modo de consumo e de um novo modo de gestão societal, respeitando a dignidade da Mãe- Terra e de toda a Comunidade dos viventes?
Como testemunhar – mais do que “pregar” ou recomendar aos outros – “pequenas” iniciativas pessoais e coletivas de um estilo de vida sóbrio, de clara resistência ao desenfreado consumismo?
Com relação ao foco maior da formação de nossas organizações de base, em décadas passadas e ainda hoje, quase se reduz a uma formação estritamente política ou, pior, ao restrito conflito entre sociedade-Estado. Será que isto também não esteja a merecer uma reavaliação, no sentido, não de subestimar a importância de uma formação política, mas de associá-la, de modo mais bem articulado e profundo,  a tantas outras esferas de nossa vida social, conscientes de que, por um lado, tudo passa pelas relações políticas, por outro lado, lembramos que a Política não é tudo...
João Pessoa/Olinda, 05 de novembro de 2018.

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