quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Intérpretes do Brasil (XIV): Nísia Floresta, pioenira Educadora feminista
Intérpretes do Brasil (XIV): Nísia Floresta, pioenira Educadora feminista
Alder Júlio Ferreira Calado
Dando sequência à série de textos dedicados a uma revisitação de figuras paradigmáticas - homens e mulheres - de nossa sociedade, cuidaremos, desta vez, de voltar nossa atenção ao legado de Nísia Floresta. Ao fazê-lo, não nos cansamos de lembrar quem são os nossos destinatários primeiros - a militância de nossas organizações de base, buscando animá-las ao exercício contínuo da memória histórica dos oprimidos, tanto em sua dimensão coletiva, quanto no âmbito pessoal, como meio eficaz de transformação de nossa realidade.
Nísia Floresta - ou Nísia Brasileira Augusta - é o pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, nascida em Papari, hoje Município de Nísia Floresta, a menos de 40 km do Rio Grande do Norte, em 1810. Era filha de Dionísio Gonçalves Pinto, um advogado lusitano, e de Antônia Clara Freire, uma grande proprietária de terras (tão extensas, que correspondiam à área de dois ou três municípios), condição que permitirá à filha parte do sucesso de sua trajetória. Nísia Floresta casou-se aos 13 anos, casamento que logo seria desfeito. Por enfrentar circunstâncias de tensão e adversidade, por conta da condição de lusitano de seu pai, a família migra para a Província de Pernambuco mais precisamente para o município de Goiana, onde Nísia Floresta seguirá seus estudos em uma Escola mantida no Convento das Carmelitas, aberta aos filhos das famílias locais.
A família de Nísia Floresta não tardaria a migrar, mais uma vez, para Olinda e Recife, onde Nísia Floresta prosseguirá sua formação e iniciará a escrita de seus primeiros textos. Já em 1832 aos 21 anos publica seu primeiro livro, “Direitos das mulheres, injustiças dos homens”, em cuja capa ela escreve tratar-se de uma livre tradução do livro “A Vindication of the Rights of Woman”, de autoria de Mary Wollstonecraft (de 1792). Sobre este detalhe, circulam diferentes interpretações: desde a de quem o tenha recebido como uma mera tradução do livro inglês, até a de quem defenda - é o caso de Constância Lima Duarte, sua principal biógrafa que sustenta tratar-se de um recurso tático por ela utilizado, com objetivo de aliviar o impacto mais forte sobre a consciência mediana dos leitores, tendo em vista o caráter inovador presente no livro.
Parece-nos mais convincente a versão sustentada pela sua biógrafa ao interpretar a “livre tradução” como um recurso literário usado por Nísia Floresta, para fazer passar suas ideias inovadoras e a frente de seu tempo, recorrendo assim a uma espécie de paráfrase, por meio da qual Nísia Floresta denunciava as injustas condições a que as mulheres eram submetidas, ao tempo em que ousava propor pistas alternativas, todas elas apontando a Educação como caminho de libertação para as mulheres. Neste livro, por exemplo, Nísia Floresta criticava a vedação às mulheres do acesso à instrução, que aos homens era reconhecido. Aqui, ela denunciava um paradoxo: por um lado, às mulheres negava-se o acesso a cargos públicos, justificado por lhes faltar instrução; por outro lado, negava-se-lhes o direito à instrução.
O período em que Nísia Floresta vive em Recife apresenta uma marca forte em sua trajetória: ela exercita importantes diálogos com figuras relevantes da região, tendo inclusive conhecido e se casado com Manuel Augusto de Faria Rocha, um acadêmico gaúcho, com quem teria dois filhos - Lívia Augusta e Augusto Faria; ainda em Pernambuco, pontificava como articulista nos jornais locais, inclusive “O Espelho das Brasileiras”.
Sob vários aspectos, o período aí vivido por Nísia Floresta lhe deixaria profundas marcas, também refletidas em algumas de suas obras. A então Província de Pernambuco destacava-se como um forte pólo de oposição e rebeldia - haja vista as famosas “Revoluções Libertárias” especialmente, as que eclodiram em 1817 e a de 1824, em que tiveram reconhecido protagonismo figuras tais como Pe. João Ribeiro, Domingos José Martins, Cruz De Cabugá, Frei Caneca, e outros. Quanto a Nísia Floresta, importa destacar o apreço que devota em seu poema “A lágrima de um Caeté”, à figura de Joaquim Nunes Machado, um dos membros do Partido da Praia, um Partido liberal que se contrapunha aos “homens do Imperador”.
Em seguida a família vai residir em Porto Alegre, terra do marido, em uma circunstância histórica particularmente tensa, pois coincidia com o tempo da Revolução Farroupilha (ocorrida de 1835 a 1845 que deu origem à República Riograndense).
No entanto, com o falecimento precoce de Augusto, Nísia Floresta vai morar no Rio de Janeiro, com os dois filhos. É sobretudo aí que ela se firma como educadora feminista e como escritora. É fundadora de um colégio - “Colégio Augusto”- que vai dirigir oferecendo uma pedagogia inovadora inteiramente destinada às adolescentes e jovens, primando pela qualidade da educação, concorrendo assim com os melhores colégios destinados ao público masculino do Rio de Janeiro. Esta iniciativa vai durar dezessete anos. Por outro lado, empenha-se em dar sequência à sua vasta produção, por meio de artigos publicados em vários jornais da região. Daí resulta outro importante livro seu - “Opúsculo Humanitário” -, no qual publica sessenta e dois artigos que havia escrito para diversos jornais. Quase todos os artigos destinavam-se a educação em uma perspectiva feminista. Vale aí ressaltar a força dos seus argumentos: não se referindo apenas ao Brasil, ela buscava fazer um apanhado do que sucedia em diversos continentes, culminando com sua análise acerca da educação no Brasil.
Outro traço marcante na trajetória de Nísia Floresta tem a ver com o longo tempo vivido em diversos países da Europa, em três distintas vezes: A primeira, de 1849 a 1852; a segunda, de 1870 e 1872, e 1875 a 1885, quando vêm a falecer, em Rouen (França). Ao todo, Nísia Floresta vive 26 anos. Acerca de sua longa estadia na europa, cumpre fazer alguns registros. Tendo a França como lugar de referência, aí morando seja em Paris ou Alhures, Nísia Floresta circula por diversos países (Inglaterra, Alemanha, Suíça, Portugal, Bélgica…) tendo residido também na Itália (em Roma e em Florença), viagens sobre as quais dedica um livro, “Trois ans en Italie, suivis dun voyage en Grèce”, em 1870 enquanto faria outros registros de viagens a Alemanha e Grécia. Vale observar um relevante incidente, em sua primeira estada na França: ela e seus filhos se encontravam residindo em Paris, desde 1870, e no ano seguinte, em 1871 , eclode a famosa “Comuna de Paris”, movimento revolucionário que sacudiu a frança, embora com maior incidência em Paris, razão pela qual Nísia Floresta passa a residir no interior, com seus filhos, até 1872, quando retornam ao Rio de Janeiro.
Dos 15 livros de sua autoria, boa parte dos quais publicados na Europa, em outras línguas, propomo-nos destacar os que se seguem: Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832); Conselhos à minha filha (1842); Fany ou O modelo das donzelas (1847); Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta (1847); A lágrima de um Caeté (1849); Opúsculo humanitário (1853); A Mulher (1859); Le Brésil (1871); Fragments d'un ouvrage inédit: notes biographiques (1878).
Ponderações acerca do legado de Nísia Floresta
Pelo já exposto resumidamente, podemos perceber os principais traços que marcaram Nísia Floresta, como uma pioneira feminista, como uma educadora, uma escritora, uma jornalista, uma indigenista, uma abolicionista, uma republicana. Tais marcas aparecem no conjunto de sua obra em “A lágrima de um Caeté”, por exemplo, Nísia Floresta dá mostras de sua sensibilidade indigenista, eis que neste poema épico (composto de 712 versos, ocupando em torno de 50 páginas), ela descreve a figura do índio Caeté, não como o heroi dos escritos indianistas de José de Alencar, de Olavo Bilac, e outros que transferiam para os indígenas os valores que lhes atribuiam os colonizadores, enquanto Nísia Floresta realça seu martírio (Donde “a lágrima”), fazendo questão de ressaltar o antagonismo entre os colonizadores e os povos indígenas, de modo a distinguir-se do estilo romântico indianista.
Ainda neste poema épico, que Nísia Floresta tece alternando versos decassílabos e redondilhas (redondilha maior e redondilha menor), ela deixa transparecer outro antagonismo: o que separa os protagonistas das revoluções liberais, especialmente a Revolução de 1848, de um lado, e o ideário colonialista dos “Homens do Imperador” de outro. Tanto neste poema quanto em vários outros escritos seus, Nísia Floresta fornece elementos de seu compromisso libertário, seja no que diz respeito à defesa dos nativos, seja no tocante ao seu apreço aos valores liberais da época.
Outro traço a merecer destaque, na trajetória de Nísia Floresta tem a ver com suas simpatias pela causa abolicionista. Entretanto a dimensão que nela mais se sobressai, é sua postura de educadora feminista. Em seus livros principais, Nísia Floresta, desde seus primeiros escritos, se empenha em apontar as situações sociais de injustiças e de violação aos direitos das mulheres. Não se limitando a denunciar essas relações estruturais, deu provas convincentes, ao longo de sua vida, de apontar caminhos libertários para as mulheres, principalmente a partir do seu acesso à Educação, tal como era assegurada aos homens.
Em se tratando de uma mulher economicamente bem situada não causa estranhamento sua postura de pouco encantamento quanto a uma perspectiva de classe, como a demonstraram figuras como a de Vânia Bambirra, Lélia Gonzalez, Rui Mauro Marini, Clovis Moura, Conceição Evaristo, entre outros, isto posto, contudo, há de se reconhecer em seu legado, seu inegável compromisso com as causas feminista, indigenista, abolicionista, testemunahdo pela educadora Nísia Floresta.
João Pessoa, 20 de Fevereiro de 2025.
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As ideias revolucionárias de Nisia Floresta colaborou à mobilização da sociedade feminina a lutar por igualdade de gênero. Continuemos na luta, por que ainda somos injustiçadas.
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