INSTITUIÇÃO
OU MOVIMENTO: QUAL DESTAS FORMAS MELHOR CORRESPONDE À PROPOSTA DE JESUS?
Registros em torno do capítulo X - "Fundador de um Movimento", do
livro "Jesus, aproximação histórica", de autoria do teólogo José
Antonio Pagola
Alder Júlio Ferreira Calado
Ao contemplarmos o espectro organizativo das
Igrejas cristãs, dois milênios após a apresentação, por Jesus, da proposta do
Reino de Deus, e ao revisitarmos os Evangelhos, temos enorme dificuldade de
compreender a sintonia entre o que hoje se passa, no cotidiano das Igrejas
cristãs, salve exceções, e a proposta inicial anunciada e inaugurada pelo
“Profeta do Reino de Deus”. Fundar uma instituição não parece corresponder ao
propósito inicial do Profeta itinerante do Reino de Deus, Jesus de Nazaré. Ele
estava antes, tocado pelo Projeto do Reino de Deus e sua justiça. Enviado pelo
Pai e guiado pelo Espírito Santo, o “Profeta do Reino de Deus” entrega-se
completamente a anunciar e a inaugurar a vinda deste reino. Sua tarefa central,
em sua brevíssima vida pública, consistiu fundamentalmente em anunciar ao seu
povo - especialmente, aos pobres e desvalidos - mendigos, cegos, paralíticos,
surdos-mudos, mulheres, pecadores, em breve, os marginalizados de sua sociedade
- que o Reino de Deus já estava presente no meio deles. Tratava-se de sacudir
corações e mentes de toda aquela gente da Galileia e da Judeia, razão por que
escolheu a vida itinerante com o seu estilo de vida, percorrendo as aldeias e
povoados da Galiléia sempre cercado por seus discípulos e discípulas e
consideráveis multidões, a ensinar-lhes em que consistia o Reino de Deus. Na
verdade, correspondia (e corresponde) a uma profunda revolução, sob vários
aspectos:
- Propunha
completa inversão de valores: distanciando-se dos mestres de então, dos
escribas e doutores da lei, ciosos de guardar a pureza e a formalidade dos
códigos sagrados, Jesus, por sua vez, testemunhava amor, compaixão,
solidariedade com a causa libertária dos últimos de seu povo, como sendo a
essência de sua mensagem, de suas práticas e de suas pregações;
- Sua
proposta revela-se profundamente chocante para os chefes religiosos,
políticos e toda elite econômica. Tarefa nada simples para quem ousa
chamar em direção a uma nova sociedade, a um “Novo Israel”;
- Sobretudo
desafiantes mostravam-se as forças em quem confiava tal tarefa: gente
oprimida, explorada, marginalizada, vítima de toda sorte de preconceitos.
A quem Jesus
confiou a tarefa de libertação?
No cotidiano
das preocupações oficiais das Igrejas Cristãs, salvo raras exceções, seu
empenho mais frequente em solidarizar-se com os pobres e sofredores segue sendo
de caráter assistencialista, inclusive recorrendo aos ricos e poderosos para
que “ajudem” os pobres em suas necessidades, neste sentido, não hesitam em
apelar para o Mercado e para o Estado por meio de seus representantes,
solicitando-lhes socorro aos “mais carentes” ou aos mais “desprovidos da
sorte”. O atual Bispo de Roma, Francisco, constitui exceção, ao preferir contar
com os próprios pobres através de suas organizações e movimentos, incentivá-los
a serem sujeitos de sua própria libertação, tal como sucedeu nos três encontros
mundiais por ele organizados, com a participação efetiva de representantes de
diversos movimentos populares, procedentes de vários países.
Em sua
análise, por sua vez, o teólogo José Antonio Pagola, cuida de relatar no décimo
capítulo de seu livro, como Jesus confiou justamente aos mais injustiçados do
seu povo, a tarefa de mudar o rumo de vida característico daquela sociedade
extremamente desigual, patriarcal, elitista e controladora das consciências,
falando em nome de Deus. “Bendigo-Te,
ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e
aos entendidos e as revelaste aos pequeninos" (Mt. 11, 25).
É claro, que tal reviravolta, não se dá de forma mágica, instantânea, mas se
trata de um longo processo, de algo que se vai fazendo, ao longo de séculos,
desde que efetivamente assumido pelos sujeitos - mulheres e homens seguidores
da Proposta de Jesus -, ao longo de séculos. Não se trata de algo imediatista,
mas de um processo que se vai construindo, com protagonismo dos principais
interessados, guiados pelo Espírito do Ressuscitado.
Ensinando “como quem tem
autoridade”, a quê Jesus convidava Seus seguidores?
Pela longa
observação e já sólida experiência dos profundos traços necrófilos das bases em
que se assentava a vida social do Seu tempo, Jesus se mostrava convencido de
que ali já não serviam meros remendos – que só serviriam para tornar ainda
maior o raio do tecido roto. Era preciso preparar Seus discípulos e discípulas
para irem protagonizando um verdadeira reviravolta naquela vida societal, a
partir da profunda conversão interior de cada protagonista. Uma reviravolta
desde os valores que caracterizavam as relações sociais do seu tempo. E não
adiantava apenas que Ele “apontasse” alternativas a serem cumpridas por Seus
discípulos e discípulas, sem que Ele mesmo desse o exemplo, ou seja, ensinasse
como quem tem autoridade. Jesus propunha – e segue propondo! – a via revolucionária
(de “revólvere”, revolver (cuidado: não confundir com revólver!...), pôr de ponta
a cabeça, mas a partir do interior de cada protagonista. Um chamamento radical,
na busca de irmos tornando-nos, cada um, um novo homem, uma nova mulher, e,
pela força do exemplo, dom da Graça e expressão de nossa acolhida da Graça – e não
pela razão da força ou de argumentos retóricos – vamos tornando-nos luz do
mundo, sal da Terra, fermento na massa.
E de que
conversão se trata? Daquela que brota da convicção de que “É na fraqueza de vocês,
que o Amor de Deus se manifesta por completo.” Do nosso empenho pessoal e
comunitário em não quedarmos à espera de que as coisas mudem a golpes de magia,
desde fora, desde cima, desde os lados, mas a começar do nosso exemplo, de nossa
efetiva e cotidiana acolhida da Palavra que transforma. E aí Jesus propõe, em
distintos momentos e situações, atitudes radicais. Vejamos alguns exemplos de
passagem:
– Jesus, ao
chamar Seus discípulos e discípulas, pede-lhes para deixar tudo e, só então,
segui-Lo. Mesmo àquele jovem rico que dEle se aproximou, perguntando-Lhe o que
fazer para entrar no reino seu, e mesmo tendo respondido a Jesus que, desde
cedo, vinha cumprindo todos aqueles mandamentos, Jesus lhe responde faltar-lhe
ainda uma coisa: vender suas riquezas, distribuí-las aos pobres, e então
juntar-se ao Movimento de Jesus...
- Jesus, também,
adverte aos Seus discípulos e discípulas, de que quem quiser segui-lo, deve
saber das dificuldades extremas que encontrarão na caminhada;
- Previne-os quanto a evitarem preferir os caminhos
fáceis, pois geralmente levam à perdição: “ Entrem pela porta estreita; porque larga é a porta,
e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela (Mt 7:13)
- Adverte-os de que quem quiser ser o maior,
torne-se o servidor de todos, porque “ (o Filho do homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de
muitos." (Mt 20:28);
- Advertindo os que alimentam a ilusão de apostar na forma de organização
social convencional, Jesus adverte: “Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem
que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as
pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Pelo
contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo (Mc 10 42-43)
Afinal, instituição ou
carisma – qual melhor corresponde à Proposta de Jesus?
Como tantas outras,
também esta não constitui uma pergunta cuja resposta se limite a um seco “A” ou
B”. Uma e outra requerem fundamentação criteriosa. Nada se deve absolutizar. Há
experiências institucionais, no universo das Igrejas cristãs, que merecem
acolhida, do ponto de vista dos critérios do Reino de Deus. Trata-se daquelas
que se forjam na construção do consenso, no “sensos fidelium”, em respeitosas
consultas ao conjunto dos Batizados e Batizadas, inclusive aos membros hierárquicos.
É, contudo, forçoso reconhecer que isto é exceção. Via de regra, os caminhos da
institucionalidade – não apenas em relação ao campo religioso, mas abrangendo
ainda vários outros campos da vida social (Estado, Partidos, Escola, etc.),
sofrem a grave tendência de se engessar, de se burocratizar, de viciar seus
dirigentes, inebriados pela sedução do poder, induzindo-os a se perpetuarem no
poder, tratando a instituição como uma finalidade em si mesma, independentemente
da perversidade de seus frutos. Tal é o poder de embriaguez que a ocupação dos
espaços governamentais exerce sobre a quase totalidade de seus ocupantes, que
estes resultam seus reféns, não importando o preço que tenham que pagar. Tentam
defender-se de todas as críticas que lhes são lançadas, de todas as maneiras:
- ora negando
categoricamente os malfeitos, ainda que constatados a olhos vistos;
- ora
tentando defender-se, dizendo que, para alcançarem os objetivos almejados pela sociedade,
é preciso fazer concessões (conchavos, alianças, negociatas, pois isto faz
parte do jogo político;
- ora
tentando convencer os incautos, de que seguem fiéis aos interesses da classe
trabalhadora...
O fato é que
não arredam de seus postos: eleição após eleição, não se importando com a gravidade dos escândalos, lá estão eles a
postos...
E, por acaso,
o fato de ser movimento, por si mesmo, é capaz de blindar os discípulos e discípulos
de tais vícios? Não. Também os movimentos são sujeitos a graves equívocos e
infidelidades à causa do Reino do Reino de Deus, à medida que se distanciam do
grande horizonte de transformação social, e acabam acomodando-se ao atual
estado de coisas. A história está repleta de exemplos ilustrativos. De todos os
modos, desenho “Movimento!, DESDE OS ALBORES DO ANÚNCIO E INAUGURAÇÃO DO Reino de
Deus por Jesus, parece mais próxima da Proposta de Jesus. A este respeito, as
tantas narrativas evangélicas se acham plenas de exemplos convincentes.
João Pessoa,
29 de setembro de 2018
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