O PROCESSO FORMATIVO CONTÍNUO COMO PRIORIDADE DE
NOSSAS ORGANIZAÇÕES DE BASE
Alder Júlio Ferreira Calado
O processo formativo como expressão maior do
processo de humanização
De qual formação se trata?
A Educação Popular como baliza deste processo
Pela retomada, em novo estilo, do trabalho de base
Que prioridades sublinhar?
Esboço de um plano de formação contínua
Pressupostos a não perder de vista:
Prática-Teoria-Prática
Protagonismo de todos os participantes
Por um plano de atividades formativas
- Fios que se entrelaçam: memória histórica,
práxis, horizonte alternativo
I. Mantendo aceso o horizonte alternativo (que
sociedade nos comprometemos a ir construindo?
Do ponto de vista da produção da organização
política, do ponto de vista da diversidade cultural...
II. Práxis: fazendo a ponte
presente-passado-futuro
De olho
na realidade social
Projetos
societais em disputa
Protagonistas
de cada projeto
Estratégias
principais de cada força social
Enfrentando
velhos e novos desafios
1. Elementos do processo
organizativo (retomada, em novo estilo, dos núcleos ou pequenas comunidades;
protagonismo de todos; primazia do comunitário sobre o individual; trabalhando
a individualidade; permanente controle comunitário dos cargos de coordenação;
alternância de cargos e funções; autonomia frente ao mercado e ao estado;
interconexão dos núcleos entre si e com outras instâncias; retomada do
princípio da delegação)
2. Elementos do processo
formativo (educação popular como referência formativa; exercitando conceitos
básicos do legado marxiano; exercício da crítica e autocrítica; instrumentos de
análise da realidade social; aprofundando a identidade e a consciência de
classe; identificando e enfrentando velhos e novos desafios: atualização dos
conceitos fundamentais do marxismo, aprofundamento das relações cósmicas e
socioambientais, aprimorando as relações sociais de gênero, de etnia, de
gerações, de espacialidade, de mística revolucionária
III. Trabalhando o fio da memória histórica:
Reavivando
a memória sobre emblemáticas conquistas e reveses da humanidade, da América
Latina e do Brasil
Revisitando
movimentos sociais revolucionários: contexto histórico, protagonistas, projetos
em disputa, estratégias...
Testemunhos
de vida de figuras de referência
Introdução
Tem sido recorrente a fraternal cobrança, da
parte de várias lideranças de nossas organizações de base, em relação a uma
explicitação mais detalhada acerca do que tanto se fala de formação alternativa
como tarefa prioritária de nossas organizações de base e movimentos populares:
“Afinal, de que formação se trata, concretamente?” Interpelado por tal cobrança,
sinto-me também desafiado a contribuir, modestamente que seja, com essa tarefa.
As linhas que seguem têm, portanto, o propósito de compartilhar idéias-chave
que ouso submeter ao debate, entre protagonistas destas mesmas forças sociais.
O trágico desfecho político-eleitoral mais recente,
no Brasil (e em outros países) pode ser assumido como mais uma circunstância
propulsora de enfrentamento concreto desse desafio. A sucessão de malogros
ético-políticos acaba por convencer-nos, finalmente, de que não temos
alternativa: ou seguimos acumulando reveses
e mais reveses sócio-políticos e econômicos, como resultado também de
nosso descaso de investimento no
processo formativo de bases e lideranças, ou despertamos, de vez, para a
urgência de retomarmos, em novo estilo, nossas lutas, nosso Trabalho de Base,
buscando responder à altura os desafios – velhos e novos! 0u, combinando, de m
modo orgânico, nossas tarefas organizativas, nosso quefazer formativo e nossos
compromissos de lutas, nas distintas frentes de resistência proativa. Nestas
linhas, ocupamo-nos apenas da questão formativa (ainda que sabendo-a
dinamicamente relacionada às outras dimensões).
Começamos por explicitar didaticamente de que formação não se trata, buscando, desde
já, dissipar confusões ou falsas expectativas. Em seguida, sim, passamos a
explicitar traços e procedimentos da formação aqui proposta.
Revisitando aspectos fundantes da Educação Popular,
de matriz marxo-freireana, cuidamos de sintetizar tais traços, sublinhando a
relevância de se ter sempre presente o horizonte alternativo que desejamos
perseguir; a importância inafastável da memória histórica, como fonte de
inspiração – não de reedição automática: até por que outra é a realidade hoje
vivenciada, sob vários aspectos e desafios que não eram tão impactantes, há
décadas e séculos atrás. Nesse sentido, tratamos de esboçar alguns elementos axiais,
em busca de um plano formativo, a ser constantemente aprimorado pelos
protagonistas, antes, durante e depois das experiências formativas vivenciadas.
1. De que formação
aqui NÃO se trata?
Resulta supérfluo insistir na importância da
formação, da educação, seja a formal, seja a de outro tipo. Nunca é demais
expressarmos reconhecimento da importância da educação escolar – da Educação
Infantil à Pós-Graduação. Fartos são os exemplos de que nenhuma sociedade
moderna alcança níveis razoáveis de desenvolvimento social, sem que tal sucesso
passe necessariamente por investimentos maciços no processo educativo de seus
cidadãos e cidadãs. Importância reconhecida, não apenas pelo potencial
produtivo alavancado pela formação escolar, mas também em razão dos benefícios
daí advindos, em relação às dimensões de sociabilidade, de participação
cultural e outros níveis. Nada obstante, não é desta formação que aqui se
trata. E por que não? Afinal, não é também a educação escolar, bem conduzida,
que habilita cidadão e cidadãs para o exercício e bom desempenho dos mais
variados ofícios e oferta de serviços
para a própria sociedade? Por certo, também isto reconhecemos. Então, por que
fazer uma separação entre a educação escolar e o processo formativo próprio das
organizações de base e dos movimentos populares? Importa, primeiro, não separar
um e outro tipo de educação. Não se deve separar. Antes, importa reconhecer, em
grande medida, sua complementaridade. Ou, de modo mais preciso, suas zonas de
complementaridade, pois, de fato, em não poucas dimensões, existe um hiato, um
traço disjuntivo, entre uma e outra. Mas, por quê?: Vejamos alguns elementos
desta questão.
Para uma compreensão das respectivas diferenças – e
às vezes, trata-se inclusive de antagonismos -, tratemos de refrescar a memória
sobre o lugar específico da educação escolar. Comecemos por lembrar quem, em
última instância, a organiza? Qual é o lugar do Estado, em seu processo
organizativo: desde sua concepção, seu planejamento, seu controle, sua fiscalização, sua avaliação, etc.? Quem, de
fato, controla a formação escolar, desde a Educação infantil à Pós-Graduação? É
o Estado, em especial suas instâncias governamentais. Temos claro, sim, que, a
depender de quem são seus operadores, o sistema educativo comporta
consideráveis graus de respostas às chamadas políticas públicas, isto é – daí a
impropriedade do termo – sob o controle das instâncias estatais (sendo assim,
será que dá mesmo para confundir políticas estatais e ou governamentais com políticas
púbicas?)
No Brasil, na América Latina e em tantos países, aqui e ali,
se tem experimentado alguns avanços positivos, no interesse das classes
populares. Mas, isto tem sido cada vez mais exceção. Ademais, mesmo quando
despontam conquistas populares, quando comparadas com os ganhos obtidos, no
âmbito dos mesmos governos, os interesses dos setores privilegiados são
infinitamente mais e melhor atendidos. No caso do Brasil (mas, não apenas), que
nos baste comparar as taxas de lucros
escandalosas obtidos pelo setor financista...
E o que isto tem a ver com o sistema educativo controlado pelo
Estado? Tem a ver, e muito! Os ganhos escandalosos , auferidos pelas
transnacionais, sob a proteção dos Estados, estendem-se por todos os setores da
economia e das instâncias organizativas da sociedade, inclusive na esfera da
Cultura e da Educação. O grande capital também se instala em inúmeras empresas
educativas, estando por trás de verdadeiras indústrias de diplomas e
certificados. Em breve, o Estado constitui um parceiro indispensável dos
interesses do Mercado. A autonomia do Estado – e mesmo sua soberania – tem
limites! Por mais abertura que seus governantes possam ter em relação às
aspirações das classes populares, sempre têm que se contentar com oferecer-lhes
as migalhas, também na esfera educativa. Outro limite: o tempo escolar dos
cidadãos e das cidadãs é sempre limitado: está longe de atender aos requisitos
de uma educação contínua, e nos termos das aspirações das classes populares.
Controlada, portanto, pelo Estado, parceiro indissociável do Mercado, não há
como falar-se propriamente numa Educação Popular, na perspectiva freireana, por
exemplo., ainda que as classes populares se empenhem em disputar também os espaços
da educação formal, da educação escolar, cientes, contudo, de que seria em vão
esperar que tal sistema educativo corresponda às suas necessidades e aspirações
mais profundas.
II. Por
que Educação Popular, na perspectiva marxo-freirenana, como horizonte do
processo de formação contínua de nossas organizações de base e dos movimentos
populares?
Múltiplas são as razões que nos movem a tomar a Educação
Popular, na vertente proposta por Paulo Freire, apoiado inclusive no legado
marxiano, como o horizonte próprio de formação das classes populares, inclusive
de nossas organizações de base e de nossos movimentos populares, atuando como
protagonistas de uma sociabilidade alternativa
ao modelo societal dominante. Vejamos algumas das principais razões
adiante destacadas.
Na proposta pedagógica formulada por Paulo Freire, inspirada
também no legado de Marx, a Educação é assumida como espaço apropriado para o
desenrolar do próprio processo de humanização. Na Educação Popular, os humanos
encontram terreno fértil para o desenvolvimento de sua capacidade perceptiva e
auto-perceptiva, tanto de suas potencialidades, quanto de seus limites. Isto se
dá pelo contínuo exercício de sua criticidade e autocriticidade. Considerando
que os humanos, mais do que nascem humanos, vão se tornando humanos, graças à
sua relacionalidade, isto é, graças ao contínuo aprendizado que vão acumulando,
a partir de sua socialização, de sua experiência de com-vivência com os demais
humanos. Isolados, os seres humanos não se tornam propriamente humanos, isto é,
são incapazes de se autocompreenderem, em seus limites e em suas
potencialidades. Diferetemente dos demais animais, que nascem , em grande medida, programados,
prontos e acabados (pelo menos, em relação aos humanos), estes, por sua vez,
nascem inconclusos, imaturos, inacabados, necessitando passar pelo convívio
como condição de aprendizado de saberes inúmeros, ao longo de sua vida.
Diferentemente dos demais animais, os humanos não sobrevivem, sozinhos, desacompanhados,
sem parceria. Desde a coleta de
alimentos à necessidade de abrigo, de resistir ao frio, à fome, etc., os
humanos precisam passar por um aprendizado incessante. Muito mais ainda, quando
se trata das necessidades imateriais, as do mundo da Cultura: os valores, as
artes, a criatividade, as relações com o Sagrado, a produção e fruição da
beleza, da ética, etc., etc.
Será mesmo razoável, da parte das classes populares, pretender
que todo esse universo de saberes seja assegurado pela educação controlada pelo
Estado? Até pode haver exceções – que não infirmam a regra, mas é quase
impossível que a escola oficial, seja na rede estatal, seja na rede particular,
dê conta suficientemente dessas tarefas. Pelos bancos escolares passamos apenas
uma pequena parte de nossa existência. Isto inviabiliza a pretensão de um
enraizamento de saberes, com a necessária profundidade para o exercício
desejável de uma vida humana, em busca de plenitude. O tempo, aliás, constitui
apenas uma das barreiras. Há outras de não menor gravidade. Ainda que com
exceções, o foco da educação escolar controlada pelo Estado reside na
transmissão de saberes pragmáticos, isto é, ligados ao núcleo mais duro de seus
interesses, mais precisamente dos interesses das classes dominantes, centrados
na obtenção de lucros infinitos, meta incompatível com o compromisso de
assegurar uma educação integral. Garantir tempo, por exemplo, para o
aprofundamento de vivência de conteúdos ligados à Filosofia, à Sociologia e
similares soaria como supérfluo e até como um risco para seus interesses, na
medida em que esses concidadãos e concidadãs tenderiam a “saber demais”, inclusive a desmascarar os
sofisticados mecanismos de exploração postos em prática, no cotidiano do
trabalho... A este respeito, nenhuma surpresa devemos ter quanto à idéia-motriz
da chamada “Escola sem partido”... Seria mesmo razoável, da parte “dos de
baixo”, pretender-se que uma escola controlada pelo Estado se disponha a
promover, em escala ampla, o exercício da criticidade, condição que favorece o
despertar da consciência de classe e, por conseguinte, as ferramentas de
desmascaramento das estratégias de exploração, de dominação e de
marginalização, contribuindo, desta forma, a deixar o rei nu?
Não se trata, por via de consequência, de se esperar que a
rede oficial de ensino, secundada por outros agentes ideológicos, a exemplo da
mídia comercial, tenha interesse em despertar ou promover o exercício da
consciência crítica. Muito pelo contrário. Que nos baste, de passagem, um
exemplo ilustrativo: a fortuna e o tempo gastos pelas transnacionais do
agronegócio (para citar um único caso) em publicidade e propaganda, de modo a
martelar abusivamente na cabeça do cidadão/da cidadã a idéia de excelência dos
seus produtos, o benefício milagroso que sua produção oferece à saúde do
Planeta e dos humanos...
É na Educação Popular – e bem menos ou de modo algum na escola
oficial -, que se busca aprimorar, dia após dia, nossa capacidade perceptiva,
habilitando-nos a ver melhor o que antes quase não percebíamos ou percebíamos
mal; a ouvir coisas novas, compartilhar relatos de experiências fecundas nas
quais somos instigados a nos inspirar; a sentir-nos instados a exercitar uma
leitura alternativa de mundo, da realidade circundante, em escala mundial,
nacional, regional, local; a exercitarmos a intuição, que nos permite ousar
coisas novas, alternativas à normose sob a qual vivemos, reféns de pautas
ditadas pelo sistema; é na Educação Popular, desde que assumida pelos seus
verdadeiros protagonistas – as classes populares como sujeito de sua condução
-, que vamos construindo condições de ensaiarmos passos alternativos ao sistema
hegemônico, preparando-nos assim, continuamente, para fazer avançar traços
relevantes de uma sociabilidade alternativa à barbárie capitalista.. E não
deveria haver surpresas ou mistérios, de nossa parte, diante do que ora se
afirma, pois a tarefa histórica de mudar este modelo só pode ser obra do
protagonismo de quem é vítima do modelo
dominante. Assim tem sido em incontáveis casos de transformações, ao longo da
história.
Que
colunas-mestras sustentam este edifício construído sob a inspiração da Educação
Popular?
Mais do que propiciar as condições favoráveis e necessárias à
construção de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo e de um novo
modo de gestão societal, a Educação Popular não se contenta em assegurar
condições aos protagonistas de um novo modo de produção, de um novo modo de
consumo e de um novo modo de gestão societal, de exercitarem uma nova leitura
de mundo. Isto é um primeiro passo, sem
o qual não se tem como seguir adiante, em busca de concretizar seu horizonte.
Mais do que dotá-los de instrumentos para uma leitura alternativa de mundo, a
Educação Popular ocupa-se em propiciar condições favoráveis a esses mesmos protagonistas,
de irem reescrevendo o mundo, isto é, de ensaiarem passos concretos, desde o
chão de seu cotidiano, a se capacitarem na arte de transformação do mundo e da
sociedade, a partir da transformação de si próprios, em novos homens e novas
mulheres, em convivência amorosa com o Planeta e com toda a comunidade dos
viventes. Isto não se faz, sem uma formação contínua, da qual realçamos três
eixos ou três colunas sobre as quais se tenta erigir tal edifício, de modo
processual e incessante: esboço de horizonte
a perseguir; exercício da memória da histórica; a práxis, isto é, os
compromissos fundamentais, no sentido de conectara passado-presente-futuro.
Vejamos traços de cada uma dessas três colunas.
III. Mantendo aceso o horizonte
alternativo (que sociedade nos comprometemos a ir construindo?
Reavivar continuamente
traços do horizonte com cuja construção nos comprometemos, tem-se mostrado uma
tarefa irrenunciável, sob pena de sucumbirmos a um certo ativismo normótico,
isto é, que nos conduz a desenvolver mil atividades, sem pensarmos nossa
prática. Não são poucas a s vezes em que as classes populares cederam – e não
impunemente – a este grave risco. No tão citado filme “Queimada”, tornou-se
célebre aquela afirmação da personagem José Dolores:” É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber
como e não saber para onde ir.” Em que pese a sucessão de malogros e reveses
que tivemos neste campo, dói constatar que seguimos com dificuldade de apender
a lição...
Por conseguinte,
resulta fundamental manter-nos sempre alertas em relação a que horizonte
devemos caminhar. Faz-nos bem rememorar traços axiais deste horizonte.
O que, na prática,
significa lutar por um novo modo de
produção, por um novo modo de consumo e por um novo modo de gestão societal,
que assumimos como nosso horizonte maior? Que traços comporiam esse horizonte,
seja do ponto de vista da produção, seja do ponto de vista político, seja do
ponto de vista cultural?
IV. Reabastecendo-nos da/na memória
histórica de nossas Gentes
Nunca é demais
realçarmos a relevância da memória histórica da humanidade, dos povos, de
nossas Gentes, como um frutuoso
exercício de refontização de tal exercício extraímos uma força propulsora de
transformação, desde que dele saibamos recolher lições que nos ajudem a reparar
caminhos equivocadamente percorridos. E, ao fazê-lo, não se trata de pretender
reeditar ou copiar sua gesta – o que resultaria em vão, pois cada contexto
histórico tem seus desafios específicos, ainda que também haja alguns comuns a
várias gerações.
Reavivar nossa
memória histórica significa dar-nos ao trabalho de revisitar fatos,
acontecimentos e situações enfrentadas por outros povos, por outros movimentos
sociais, em diferentes tempos e lugares. Vamos, então, aprendendo ou
rememorando como nossas Gentes foram capazes de enfrentar e vencer desafios
aparentemente insuperáveis, mas também como e por que malograram em algumas de suas lutas. Como se
organizaram para tais enfrentamentos, quais estratégias priorizaram, como foram
ou não capazes de seguirem adiante sua caminhada.
No caso de nossas
gentes brasileiras, temos a oportunidade de
reavivar relevantes momentos vividos por movimentos populares tais como
Palmares, as lutas indígenas conhecidas como as da República Comunista Cristã
dos Guaranis (Clovis Lugon), o Movimento de Canudos, o Movimento de Caldeirão,
o das Ligas Camponesas e outros.
Assim fazendo,
também nos ocupamos de revisitar a saga de figuras de referência, biografias
que nos enchem de inspiração pela qualidade de sua luta, pela força de sua
contribuição. Trata-se de lideranças populares a não perdermos de vista, tanto
as que protagonizaram conquistas extraordinárias, em âmbito internacional (Marx,
Rosa Luxemburgo, Gramsci e outros), como os de atuação mais diretamente em
âmbito da América Latina (Antônio de Montesinos, Zumbi dos Palmares, Sepé
Tiaraju, Antônio Conselheiro, Beato Lourenço, João Pedro Teixeira, Carlos
Marighella, Gregório Bezerra, Olga Benário e tantos outros, tantas outras.
V.Diante do que compõe nosso
horizonte societal, e com base nas lições extraídas do exercício da memória
histórica, como vamos orientar nossa Práxis?
Revisitar fatos e
acontecimentos do passado não deve significar um mero exercício de saudosismo,
mas
implica a renovação
de nossos compromissos históricos com o processo libertário dos “de baixo”,
assim como o hábito frutuoso de manter aceso o horizonte societal que nos move,
representam momentos a serem interconectados com nossa ação coletiva e pessoal,
no presente, de modo a viabilizar a ponte entre passado-prsente-futuro. De que
Práxis, então, se trata? Aqui, elencamos alguns passos, nessa direção.
O primeiro pode ser
o de irmos, dia após dia, aprimorando nossa capacidade perceptiva do mundo, da
realidade e de nós mesmos e de nós mesmas. Como enxergar melhor nossa realidade
atual: Como nos dotar de instrumentos eficazes de leitura e compreensão do que
anda acontecendo, no atual contexto, seja do ponto de vista estrutural, seja do
ponto de vista conjuntural. Isto demanda um especial empenho e continuidade. A
realidade é complexa, está sempre em movimento, donde a necessidade de também
nos pormos em movimento para dela nos aproximar, compreendê-la em seus
meandros, em seu vai-e-vem, em suas contradições, em suas interconexões.
No processo
formativo de nossas organizações de base e de nossos movimentos populares,
vamos aprendendo a ver fatos e
ocorrências em tantos detalhes, que antes nos escapavam, e, no entanto, se
mostravam e se mostram fundamentais para uma melhor compreensão e intervenção
sobre a mesma realidade.
No contínuo
exercício de análise de conjuntura, vamos aprendendo a distinguir melhor os
projetos societais em disputa; vamos aprendendo a distinguir as forças sociais
que representam cada um desses projetos em disputa, e aqui, sempre atentos a
não reconhecermos tais forças, apenas sob o ângulo formal, isto é, a não
confundir os protagonistas da Classe Trabalhadora, apenas por suas pertenças
formais (registro, carteirinhas, crachás, distintivos externos, etc., mas
sobretudo pelas suas práticas, pela qualidade revolucionária de sua ação, desde
as relações moleculares em que vivem imersos. Tal cuidada, já por si, teria
evitado tantas consequências trágicas, ontem como hoje Quantas vezes, não
hesitamos em contar como Classe Trabalhadora apenas pro critérios formais, não
percebendo que práticas tantas há, no seio de segmentos entendidos como Classe
Trabalhadora, que militam em sentido paradoxalmente inverso... acarretando
graves desvios ético-políticos, numa afronta, por exemplo, à famosa Tese II,
dirigida pelo Filósofo da Práxis a Feuerbnach, segundo a qual não é por
palavras que se comprova a verdade, mas pelas práticas.
Ainda no terreno da
análise de conjuntura, cumpre avaliar-se também quais devem ser as posições a
serem priorizadas, como estratégias de resistência e de alternatividade, por
parte das forças que se assumem como portadoras de um projeto alternativo.
É igualmente por
força da Práxis, que nossas organizações de base e demais protagonistas de uma
sociabilidade alternativa ao modelo hegemônico cuidam de exercitar-se na boa
tecedura de relações, nos mais distintos campos da existência, tais como nas
relações sociais de gênero, de etnia, de gerações, de natureza cósmica e
socioambiental, etc.
Graças ao contínuo
exercício da Práxis, é que tais forças portadoras de alternatividade conseguem
pôr em marcha suas atividades axiais orientadas a fazerem a ponte entre
passado0presente0futuro. Atividades que podem ser sintetizadas em três passos
interconectados: sua proposta organizativa, seu investimento na formação
contínua e seu compromisso de luta. É a adequada articulação desses três eixos
de atuação, que esses protagonistas vão
potencializando sua força transformadora, de baixo para cima, de dentro para
fora, em âmbito interno e entre si. Esse cuidado interconectivo não se faz a
contento, sem que cada um desses três eixos busque consolidar sua contribuição
específica. Isto ajuda a evitar decisões reducionistas, do tipo: “Não e preciso
formação teórica: basta a formação exercitada no calor da luta”, ou do tipo: “É
preciso, primeiro, garantir formação, para só depois partir para a luta”... Nem
uma coisa nem outra, tomada separadamente. A eficácia e a fecundidade do
esforço organizativo, do processo formativo e da militância na luta mais direta
se entrelaçam constantemente, de modo que uma se faz presente na outra. Por outro lado, cada uma precisa ser tomada e
assumida em particular, conforme sua natureza de contribuição.
No âmbito do
esforço organizativo, por exemplo, trata-se de exercitar continuamente, em cada
Núcleo (célula, círculo, conselho, pequena comunidade... não importa o nome),
se apenda e se exercite, dia após dia, a mostrar-se como é fundamental a
assiduidade aos encontros e reuniões; como nestas, importa assegurar
protagonismo a cada participante; como se deve partir das necessidades locais;
como se deve evitar o mandonismo de um ou de um pequeno grupo; como as decisões
devem ser fruto de ampla discussão interna; como as decisões precisam ser
tomadas pela base e compartilhadas com outras instâncias, por meio dos
delegados e delegadas fiéis em seus relatos, ao que foi decidido pelo coletivo;
como é importante zelar pela autonomia financeira, partindo dos próprios tostões, isto é, da contribuição
assídua de cada membro, conforme suas possibilidades; como é importante zelar
pela alternância dos membros de coordenação, de modo que, findo o prazo de
gestão/coordenação, quem nela estava siga de volta para a base, e quem é da
base, venha exercer função coordenativa; como é importante exercer vigilância em
relação aos riscos de aliancismo, etc...
No campo
especificamente formativo, bastem, por enquanto, as indicações acima
compartilhadas, ainda que sabidamente insuficientes e provisórias. Ousaria
apenas acrescentar que nunca é demais insistir sobre a necessidade e urgência
de se consagrar a devida atenção a este eixo, superando de vez a tentação de
subestimá-la, a pretexto de que ela já se faz presente nos espaços de luta e de
mobilização. Eis um outro risco de reducionismo: pensar a prática requer
ambiente e condições (de tempo, de sistematização, de sequência, de
planejamento, de avaliação, etc.).
Quanto ao eixo
relativo à mobilização, vale ressaltar tratar-se de uma culminância do
processo, do momento mais explícito de exposição, desde que devidamente abastecido
dos dois componentes precedentes (o organizativo e o formativo). Participar,
por exemplo, de uma manifestação de massa comporta diferenças, se e quando
antecedidas de um acúmulo organizativo e
formativo, ou se desprovido desses momentos. Daí resulta, por exemplo,
uma atitude de maior ou menor compromisso de classe. Sem tal conexão, alguém
que se limite a participar espontaneisticamente de uma grande manifestação,
corre o risco de portar um cartaz, gritar uma palavra de ordem ou portar uma
faixa, sem ter suficiente consciência do que está a fazer...
Elementos em vista
de um Plano de atividades formativas
Ao buscar responder modestamente à reiterada cobrança que me
tem sido feita por algumas lideranças e pela base de alguns movimentos e
organizações, devo lembrar que felizmente já encontramos muita coisa boa
elaborada e vivenciada, em algumas organizações e movimentos, que não se têm
descuidado de nutrir suas bases e lideranças dos necessários componentes organizativos, formativos e de luta. Com
efeito, o Trabalho de Base já conta com uma lista apreciável de subsídios e
textos relevantes, por parte de algumas organizações de referência. Por outro
lado, em respeito inclusive ao referencial teórico de Educação Popular, aqui
assumido, é fundamental não se tomar qualquer subsídio ou texto de Trabalho de
Base (e de outros conteúdos e metodologias) como bastante em si mesmo, mas como
um aperitivo, isto é, como uma primeira conversa ou reflexão provocativa, a
partir da qual tantos outros fios existenciais das ricas experiências
compartilhadas pelos protagonistas, vão sendo puxados e aprofundados
criticamente., tomando distância, portanto, de qualquer pretensão de
“receita”...
Que elementos, então, tratamos de realçar, como alguns
componentes de um Plano de Formação Contínua? Destaqyenis is segyubntes,
0 Objetivos:
Ensaiar passos embrionádios de uma proposta formativa
contínua, com base nas características centrais da Educaçao Popular de matriz
freireana, inspirada em bons clássicos e contemporâneos;
Dotar os participantes da proposta de condições propícias ao
despertar e ao desenvolvimento de sua
potencialidades, partindo do reconhecimento de seus limites;
Assegurar a todos os participantes o exercício de seu
protagonismo, em todos os momentos da proposta;
Instiagr os participantes a ensaiar passos concretos, desde o
chão do seu dia-a-dia, em busca de uma formação omnilateral, isto é,
comprometida com o desenvilvimento de todas as suas potencialidades (do campo
da produção às relações sociais de gênero; do âmbito político às atividades
artístico-culturais; da capacidade de leitura e reescrita da realidade ao
exercício da mística revolucionária...)
- Traços de sua metodologia e de sua dinâmica:
Partir sempre da vivência do dia-a-dia compartilhada pelos
participantes;
Entrelaçar, de modo orgânico, o estudo de cada conteúdo e os
procedimetnos metodólgicos adotados;
Alternar, ce forma complementar, atividades realizadas em
mutirão e tarefas pessoais, considerando cada tema trabalhado;
Exercitar um processo avaliativo cntínuo e propostivivo, isto
é, focando mais nas potencialidades dos participanteses do que em seus limites;
Instigar os participantes o compromisso pratíco da crítica e
da autocrítica;
Assegurar espaço pra o exercício da mística revolucionária,
isto é, da capacidade de pôr em prática uma resistência proativa e ,
constantemente nutrida pela renovação dos compromissos de Classe e com a
dignidade do Planeta e de toda a comunidade dos viventes.
- Aperitivio temático:
Desenvolvimento ou aprimoramento da capacidade perceptiva e
autoperceptiva
Análise crítica da realidade social, a partir de instrumentos
conceituais básicos, inspirados no referencial teórico adotado
Conceitos básicos do legaod de Marx
Exercíco de análise de conjuntura
História
A das lutas e dos movimentos sociais e das organizações de
base
História da riqueza do Homem
Obras de referência de nossos clássicos e contemporâneos
Biografia de bons clássicos e contemporâneos
Oaknares 0- a gyerra dis escravis 0 Dpecui Freutas
Os Anjos de Canudos – Eduardo Hoornaert
A República Comunista Crtistã dos Guaranis – Clovis Lugon
SAs Ligas Camponesas (há v´rios autores a serem consultados)
A Elite do Atraso – Jessé Souza
O Ódio como Política – Esther Solano (ORg.)
Batismo de Sansgue – Frei Betto
Brasil Nunca Mais – James WWright
As Veias Abertas da América Latina – Eduardo Galeano
Considerações
sinóticas
Como acima asinalado,
ousamos compartilhar algumas linhas acerca de elementos relevantes a comporem
uma proposta formativa contínua, com base na Educação Popular, numa perspectiva freireana em diálogo com Marx e
outros bons clássicos e contemporâneos – homens e mulheres. Estas linhas nos
permitiram sublinhar elementos essenciais, componentes de uma proposta
formativa contínua, a ser protagonizanada por nossas organizações de base, em
especial aqueles movimentos sociais que
lidam com um projeto alternativo ao modelo vigente. Ao final , ousamos elencar
alguns elementos que consideramos relevantes, na elaboração de um plano de
atividades formativas, nesta perspectiva.
Olinda/João Pessoa,
13 de dezembro de 2018.
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