ESPERAR E LUTAR PELO QUE DÁ CERTO:
bebendo nas “correntezas” subterrâneas
Alder Júlio Ferreira Calado
“Tudo faço com amor
Se não fosse, não faria
Alimentos agradáveis
Que comemos todo dia
Presenteio, troco e vendo
Muita fartura, vou tendo
Partilho com alegria. ”
(Lita Bezerra)
No decorrer os últimos 30 dias, tive
a graça de participar de três encontros memoráveis, do ponto de vista do que
neles aprendi e pude compartilhar. Refiro-me ao Encontro realizado em São
Lourenço da Mata - PE, promovido pelo MCP (Movimento das Comunidades Populares);
o Encontro celebrativo da memória de Charles de Foucauld, organizado pelas respectivas
Fraternidades, a cada 1º de dezembro, desta vez realizado em Várzea Nova, Santa
Rita - PB; e o mais recente, organizado pela ASA – CENTRAC - SPM, em Itatuba -
PB. A exemplo de tantas outras experiências similares, aí situo a fecundidade
revolucionária das "Correntezas subterrâneas" (expressão utilizada
por João Batista Magalhães, por José Comblin e outros protagonistas da Teologia
da Enxada). Desta feita, com a participação de cerca de 40 militantes, vindos
de onze municípios do Agreste: Aroeiras, Mogeiro, Ingá, Itatuba, Gurinhém,
Fagundes, Puxinanã, Salgado de São Félix, Campina Grande, Conde (Jacumã),
trataram de avaliar sua caminhada conjunta e de planejar suas atividades, para
o próximo ano.
Na parte da manhã do dia 06/12, os
participantes – mulheres e homens – foram convidados a fazerem uma visita a uma
fecunda experiência de produção agroecológica desenvolvida por uma das figuras
de referência dessas organizações, a agricultora e educadora Lita Bezerra, que
também é poetisa, autora de cordéis, um dos quais intitulado “Mulheres do Semiárido
e Sementes da Paixão”
Em qualquer tempo, mas muito especialmente
durante os períodos sombrios, as experiências desenvolvidas nessas
"correntezas subterrâneas" seguem fazendo enorme diferença, por
diversas razões:
Na parte da tarde, os trabalhos são
retomados, Salão do belo edifício onde se desenrolou o Encontro. Madalena,
membro da Coordenação do Projeto FOLOIA (Fórum de Lideranças do Agreste), componente
da ASA, anuncia as atividades da tarde (não sem antes sublinhar a relevância do
Feminismo como uma prática cotidiana, a ser assumida por todas e todos): nova
apresentação dos participantes, inclusive dos recém-chegados; roda de testemunhos
sobre o que se viu e se aprendeu na visita feita pela manhã, às experiências
desenvolvidas por Lita Bezerra e familiares; uma reflexão problematizada
proposta por Alder; uma suculenta merenda, no final da tarde; à noite, estava
programada uma atividade cultural. E assim se fez.
A apresentação comportou, além do
nome de cada membro da equipe e do seu município, a oferta de um símbolo ligado
à sua região de onde vinham. E, ao som de uma conhecida canção de saudação
(“Aroeiras, vem cá, vem saudar e participar...”), Amélia e Madalena, iam
chamando a Equipe de cada município (em torno de quatro, por município, sempre
tendo em consideração o equilíbrio de gênero - homens e mulheres). E assim após
cada qual se apresentar, a equipe mostrava para a Assembleia o símbolo trazido,
e depositava num recipiente, à frente de todos: uma expressiva variedade de
sementes cultivadas e compartilhadas; frutas, fava, milho, macaxeira, arroz, algodão,
etc., etc.
Em seguida, na roda de conversas
sobre o rico aprendizado experimentado, na parte da manhã, ouvimos as falas de
várias pessoas, destacando, entre outros aspectos:
- O impacto da iniciativa, suscitando
intensa emoção dos presentes, pelo alcance comunitário e pela criatividade da
experiência visitada;
- A rememoração de vários mecanismos
e estratégias de produção agroecológica, a exemplo do biodigestor, da
importância da captação e armazenação da água de beber e da água de produzir
utilizando-se inclusive, do reuso;
- O impacto da biodiversidade ali
cultivada (há dezenas de espécies de plantas e flores ali cultivadas)
- O protagonismo comunitário e o
denso aprendizado da experiência, considerando sobretudo seu enorme alcance
social;
- O forte significado pedagógico de aprender a
criar e utilizar novas tecnologias de convivência com o semiárido;
- A consciência cidadã protagonizada,
aprofundada e compartilhada, de modo crescente e multiplicativo, por outras
comunidades...
Na fala de Alder, tratou-se, em
primeiro lugar de realçar as potencialidades transformadoras presentes, tanto
na experiência visitada, quanto nas falas e relatos complementares, relativas a
semelhantes experiências protagonizadas por vários dos participantes.
Em seguida, tratou-se de sublinhar a
fecunda presença da Educação Popular, de Matriz Freireana, no cotidiano das
experiências compartilhadas, fazendo questão de evidenciar os traços
revolucionários contidos e cultivados nessas experiências moleculares, sem as
quais não se sustentariam as iniciativas consideradas “macro”:
- Atentas ao que se passa nas águas
de superfície, não se deixam seduzir por aparência ruidosas, compreendendo seu
alcance extremamente provisório, por vezes lembrando ao efeito de cortinas de
fumaça;
- Não temem ser chamadas de
"micro-experiências" ou de "experiências moleculares", que
se vão firmando e espalhando, com muita confiança, com denso enraizamento no
meio popular no campo e nas periferias urbanas, e sem muita notoriedade. Destas
experiências moleculares bem atestam inscrições tais como a que se acha no topo
de uma grande cisterna - uma dentre outras -, no Sítio Juriti, a cinco quilômetros
de Caruaru, onde se acha o Santuário das Comunidades: "Gente simples,
morando em lugares pouco conhecidos, e fazendo coisas maravilhosas";
- Diferentemente de alguns movimentos
e organizações sociais que restringem suas ações apenas ao enfrentamento
explícito e de grande monta, tantas vezes com resultados a quem dos esperados,
as mico-experiências de alternatividade, sem deixarem de se fazer presentes
também nas grandes manifestações de rua, preferem priorizar o trabalho de base
contínuo, repartido organicamente entre seu compromisso organizativo, seu
compromisso formativo e sua mobilização;
- Ao contrário de uma avaliação ainda
dominante, de que as micro-experiências não são capazes de responder aos
"grandes" desafios colocados pelo Mercado e pelo Estado, essas organizações
de base, chamadas de experiências moleculares, por sua vez, entendem que é
preciso enxergar no "micro" a presença também do "macro".
Há, sim, fecundas sementes de macro-relações nas micro-experiências. Mais:
as macro-relações não terão lugar se não passarem pelo aprendizado, pelo
acúmulo organizativo e formativo das micro-experiências. E a recíproca é verdadeira.
As potencialidades das micro-relações carregam, já em si, manifestações do
grande Projeto de uma nova sociedade. Para tais experiências, não adianta
trabalhar-se a nova sociedade, apenas após a derrubada "do que aí
está". Já vimos este filme, e dele não podemos ter saudades... Os
traços da nova sociedade, protagonizada por novos homens e novas mulheres, ou
se constroem desde já, nas micro-experiências, ou em vão se luta por uma nova sociedade,
pois, como o tem mostrado a história recente e menos recente - e à saciedade,
para quem tem olhos para ver - que, não sendo assim, a consequência certa é a reprodução
de vícios terríveis da velha sociedade (caudilhismo, individualismo,
personalismo, continuísmo, reedição de vícios ético-políticos, antes combatidos
nas forças adversárias...).
Eis uma notícia sucinta do vivido,
com algumas provocações, convidando-nos a todos, para a retomada, em novo
estilo, de nossos trabalhos de base, tanto em nossos compromissos
organizativos, quanto em nossas tarefas formativas, quanto em nossa
mobilização.
João Pessoa, 08 de dezembro de 2018.
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