SOCIEDADE, IGREJA E MISSÃO DIACONAL:
um olhar político-pastoral ante a atual
conjuntura sócio-eclesial
Alder
Júlio Ferreira Calado, Diácono (Diocese de Pesqueira – PE)
Vivemos
momentos de intensa dramaticidade, no Brasil e no mundo. Impacta-nos sobretudo
o caráter ambíguo do quadro atual, a mesclar saudáveis avanços, aqui e ali, com
sinais de barbárie que se espalham por toda parte. Enquanto cidadãos e
cristãos-diáconos, sentimo-nos também atingidos e interpelados pelos graves
acontecimentos da atualidade, expressão das múltiplas dimensões da profunda
crise que atravessa, ao mesmo tempo, sociedade, economia, Estado, instituições
(inclusive as igrejas), e valores...
Tocados
pela exortação paulina, de nos dispormos a examinar o que se passa ao nosso
redor, e a reter o que é bom (cf. 1 Ts 5, 21: “Omnia autem probate, quod bonum
est tenete.”), vale a pena exercitarmos nossa capacidade perceptiva, à luz dos
critérios do Reino de Deus, buscando sondar os sinais dos tempos, com o firme
propósito de melhor avaliar e reorientar nossa missão diaconal, a partir do
nosso incessante e renovado esforço (pessoal e coletivo) de respondermos
generosamente aos apelos da Graça, que nos chama a uma incessante conversão.
Como ser
diácono num mundo marcado com o selo da ambigüidade e das contradições?
Ambigüidade, sim, porque, a par de tantos descaminhos, o nosso mundo também
apresenta relevantes conquistas e avanços que dignificam a condição humana, e
que não devemos perder de vista.
No plano
científico-tecnológico, as conquistas são de múltipla ordem, nas mais distintas
áreas de saberes. À parte algumas manifestações de infundada euforia, ora a
reeditarem antigas práticas do Cientificismo, de modo a superestimar a ciência
pela ciência, a técnica pela técnica, ou a ciência e a técnica como meros
instrumentos a serviço dos interesses do mercado, entendemos como bem-vindas
conquistas relevantes em tantas áreas, tais como na informática, na
biotecnologia, na fibra ótica, nos novos materiais, etc., etc. Igualmente, no
âmbito das relações humanas e sociais, comemoramos avanços pontuais, em
distintas áreas, notadamente naquelas em que novos paradigmas são exercitados,
sem que neguem necessariamente a validade parcial ou não de velhos paradigmas.
Trata-se, a propósito, não de se recorrer ao novo pelo novo, ou de se rejeitar
o velho pelo velho, em função de sedutores critérios ditados por fugazes
modismos, mas de se avaliar e reavaliar sua eficácia como ferramenta teórica de
enfrentamento concreto dos desafios atuais, numa perspectiva libertadora.
Seja como for,
e feitas as devidas reservas, importa reiterar que se trata de conquistas
relevantes, resultantes do que se tem chamado de terceira revolução
tecnológica. Avanços que, realizados sob critérios éticos, reconhecemos como
sinal alvissareiro das potencialidades humanas, dom de Deus que se dignou nos
criar à Sua imagem e semelhança. (cf. GS, nn. 36 e 44)
Preocupa-nos,
porém, que nem sempre tais conquistas venham sendo devidamente protagonizadas e
aplicadas em favor da efetiva melhoria da qualidade de vida do Planeta e da
maioria dos habitantes da Terra. Cabe-nos, sim, empenhar-nos em saber como e
por que tudo isso tem tomado essa direção.
No plano
internacional, o espectro de crescentes injustiças e profundas desigualdades
sociais infelicita, em escala crescente, nossos povos e nações, fazendo ecoar
um pungente clamor, que sobe aos céus, da parte dos excluídos, cujo atual
perfil é formado por Mulheres das classes populares, Trabalhadoras e
Trabalhadores desempregados e sub-empregados, Índios, Negros, Crianças e
Adolescentes de rua, Jovens diariamente tragados pela violência social, Idosos
abandonados, Pessoas com deficiência, vítimas da prostituição, das drogas,
Migrantes vivendo como estrangeiros em sua própria terra, Sem-Terra, Sem-Teto,
Detentos a sobreviverem em condições desumanas de fétidas e superlotadas
prisões, milhões que sobrevivem a duras penas, sem serviços públicos de saúde,
de previdência social, fora da escola, ou em escola de má qualidade, sem
direito a lazer... Um quadro tenebroso que nos remete, guardadas as
especificidades, à denúncia dos profetas Jeremias (50, 6: “Ovelhas desgarradas:
eis o que meu povo se transformou”) e Ezequiel (34, 6), bem como àquele quadro
descrito no Livro das Lamentações (“Gemendo, o povo labuta em busca de pão” (Lm
1,11); “Arriscamos a própria vida pelo pão” (Lm 5,9); “Seus profetas lhe
falaram de visões falsas, mentirosas” (Lm 2, 14). Pela nossa vocação de
cristãos-diáconos, somos chamados a nos empenhar em passar dessa situação para
aquela anunciada no Livro do profeta Isaías, cap. 65, 17-25, e retomada pelo
Livro do Apocalipse, 21, que Jesus tão bem sintetiza em Lc 4,16-19 ou em Jo
10,10: “Eu vim para que tenham vida e vida em abundância.”
Em busca
de nos empenharmos nessa direção, um primeiro passo pode ser o de tomarmos
consciência do quadro que estamos vivendo, na atualidade, de como e por que ele
acontece.
O quadro
sombrio que vivemos, nos remete à crescente concentração de renda e de riquezas
nas mãos de tão poucos, resultado das antigas e modernas estratégias de
pilhagem infligidas a povos inteiros (na África, na Ásia, na América
Latina...), com graves conseqüências para a enorme maioria das populações e do
Planeta, vítimas de iníquas políticas de endividamento, de massacrantes
invasões expansionistas de natureza imperialista, impostas pelas mega-potências
e seus organismos multilaterais (FMI, BIRD, OMC...), a serviço dos grandes
conglomerados transnacionais, atualmente hegemonizados pelo setor financeiro -
o mais parasitário, aliás, do sistema capitalista -, a imporem estratégias de
privatização do patrimônio nacional, acompanhadas de mecanismos de sucateamento
e desmonte dos serviços públicos essenciais, do que resultam situações caóticas
experimentadas principalmente pelos setores mais empobrecidos, vítimas de
intoleráveis índices de pobreza,
explosão da espiral de violência, grave processo de corrosão ético-política do
tecido social, a começar pelas instâncias institucionais pretensamente
representativas, cujos escândalos só aumentam o clima de frustração e
descrédito generalizado em saídas alternativas...
Resultado
e expressão desse inquietante quadro internacional, a atual conjuntura interna
também se apresenta profundamente ambígua: por um lado, extraordinariamente
marcada pela experiência de um Governo com forte apelo popular, nas suas
origens, e, ao mesmo tempo, por outro lado, repleto de falcatruas e
descaminhos, no plano ético-político, no presente contexto brasileiro.
A mais
recente onda de graves denúncias de corrupção assacadas contra figuras do
núcleo do Governo, do PT e de outros parlamentares de sua base aliada, desde o
presidente da Câmara, amplia e aprofunda consideravelmente o estado de
frustração e de indignação cívica de enormes parcelas do povo brasileiro, que
investiram largamente na eleição do Governo Lula, como principal avalista de um
projeto de Governo comprometido com políticas sociais renovadoras, e no
entanto, eis que, passados mais de dois anos e meio de Governo, vêem com
tristeza um distanciamento preocupante em relação às promessas de campanha.
Em meio a
um sem número de situações graves, não devemos omitir avanços pontuais mais
recentes, em ítens pontuais como controle da inflação, alguma redução do
desemprego, ampliação das parcerias comerciais, antes quase restritas às
grandes potências, relativa sensibilidade às demandas de Gênero e de Etnia,
entre outros. Por outro lado, porém, como silenciar o relativo fracasso nas
políticas sociais de maior alcance (reforma agrária, saúde, educação, segurança
pública, entre outras)? Não bastassem fracassos nessas áreas, eis que a mais
recente onda bate de frente contra uma bandeira que sempre foi uma das marcas
identitárias do PT e do seu governo: a defesa da ética na política. Crise ainda
em curso, e de desfecho imprevisível.
O
contexto eclesial comporta igualmente não poucos desafios. Como é que nossa
Igreja se posiciona diante desse complexo e difícil contexto? Como, em favor de
que(m) e contra que(m)? Como se vem colocando diante dos avanços
científico-tecnológicos, propiciados por recentes conquistas nas áreas da
engenharia genética, da microtecnologia, da informática, dos novos materiais?
Como toma posição, por exemplo, diante da mais recente onda provocada pelo
recurso às células-tronco? Como se porta diante do crescente contingente de
novas expressões e grupos religiosos, que se multiplicam a olhos vistos (grupos
neopentecostais, inclusive os de orientação católica)? No que diz respeito mais
especificamente aos cristãos-diáconos, como vêm respondendo a esses desafios da
conjuntura macro-social e eclesial?
Por outro
lado, convém ter presente que os momentos de crise aguda costumam ser – para
quem ousa perscrutar os sinais dos tempos, na perspectiva do que o Espírito tem
a nos dizer - ocasiões também propícias de (auto-)avaliação e de retomada de
rumo, de caminhos e de posturas conseqüentes, em breve, de conversão pessoal e
coletiva.
No
presente texto, propomo-nos oferecer alguns elementos de reflexão sobre os
desafios do atual quadro social e político brasileiro e da conjuntura eclesial,
como subsídio para o aprimoramento do exercício de nossa missão diaconal, olhos
fitos nos ensinamentos do Diácono por excelência, Aquele que veio, não para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em favor de muitos. (cf. Mc 10, 45).
Para
tanto, iniciamos pontuando os traços que julgamos mais relevantes do atual.
quadro macro-social, dentro do qual se coloca o Brasil. Em seguida, refletimos
sobre os desafios apresentados pela conjuntura eclesial. Por último, tratamos
de ver como nós, cristãos-diáconos somos chamados a nos portar diante dos
desafios presentes, dentro e fora da Igreja, em busca de respondermos com
solicitude diaconal aos apelos do Seguimento de Jesus.
1.
Elementos de contextualização do momento atual
Um rápido
olhar sobre o panorama sócio-econômico e político atual nos permite perceber
que vivemos num mundo cada vez mais globalizado, cada vez mais atravessado por
uma complexa e extensa rede de relações, a nos desafiar constantemente, seja
como cidad@s, seja como crist@s (leigas, leigos, religiosas, religiosos,
diáconos, presbíteros, bispos), nas mais distintas esferas de nosso dia-a-dia,
isto é, tanto no campo da produção, quanto no da política e da cultura.
Para nós
cidad@s crist@s, o processo de globalização é, em princípio, um alvo desejado e
incessantemente buscado. Tendo o Cristianismo, na perspectiva do Seguimento de
Jesus, uma motivação, uma destinação, em breve, uma vocação de caráter
universal, não se entende o cristão, a cristã que não se sinta, ipso facto, provocad@, convocad@ e
comprometid@ com uma ação globalizada, expressa, inclusive, em sua dimensão
local.
Do Antigo
ao Novo Testamento, passando pela densa e multissecular contribuição de
distintos protagonistas crist@s, ao longo da História, o Movimento de Jesus protagonizado
pelas comunidades cristãs primitivas, ao denso legado da Patrística; do
Concílio Ecumênico Vaticano II às conferências episcopais latino-americanas de
Medellín e Puebla e aos documentos da CNBB, os cristãos, as cristãs somos
incessantemente convocados a construir a globalização
da solidariedade e do amor, a partir de, e junto com os pobres, os
prediletos do Reino de Deus, feitos pela vontade mesma do Senhor da História
seus principais protagonistas.
Sucede
que, sobretudo no decorrer das últimas três décadas, o espectro da globalização
vem assumindo uma feição, não apenas distinta, como também oposta à perspectiva
do Reino de Deus. Em vez de uma globalização da justiça, da solidariedade e da
paz, o que temos assistido é à consolidação de valores diametralmente
antagônicos à grade de valores do Reino de Deus, haja vista, por exemplo, o
papel que, não raro, vem cumprindo a mídia. Não só a mídia, diga-se de
passagem, pois essa grade de valores ditada pelo processo de globalização
neoliberal vem, a olhos vistos, atuando sob múltiplas formas, de tal modo que,
vez por outra, somos nós próprios inclinados a assimilá-los e reproduzi-los, em
nosso dia-a-dia, fazendo ouvidos moucos ao alerta de Paulo (Rm 12, 2) – “Nolite
conformari huic saeculo (“Não se amoldem às estruturas desse mundo!”), tentados
que nos sentimos a pretender alcançar a Ressurreição sem passar pela Cruz...
Essa
tendência de globalização capitalista (apelidada “neoliberal”) não se
restringe, como se sabe, aos espaços mediáticos. No campo científico-tecnológico,
os avanços atestados pelas recentes conquistas, por um lado, não raro se fazem
em prejuízo da Natureza e passando por cima de critérios éticos, enquanto, por
outro lado, no tocante aos seus aspectos positivos, não apenas não conseguem estender-se
às maiorias empobrecidas da população, como têm se concentrado em benefício de
cada vez menos pessoas e grupos. Fenômeno que se explica pelo caráter de
crescente monopolização que tem caracterizado toda a cadeia produtiva, seja no
campo da produção científico-tecnológica, seja no âmbito das demais atividades
econômicas, sem esquecer a indústria cultural, todas hegemonizadas pelo setor
financeiro, justamente o mais parasitário.
Como
avalista-mor de tal cadeia monopolista, atuam as grandes potências do
Capitalismo – o G7, à frente os Estados Unidos, hoje mais do que ontem,
transformadas em “comitê” dos grandes conglomerados transnacionais, alguns dos
quais, ainda recentemente, tiveram seus nomes evolvidos no financiamento da
invasão do Iraque. Vale ainda destacar os lucros astronômicos auferidos por
tais conglomerados, a exemplo das transnacionais do petróleo, ramo inclusive
caro à família Bush. Para se ter uma idéia da magnitude dos lucros dessas
empresas, basta comparar o custo do barril de petróleo produzido no Brasil e o
do barril comercializado por essas empresas...
Mas, também
não é pequena a responsabilidade das grandes potências. Mediante os organismos
multilaterais (FMI, Banco Mundial, OMC, etc.), igualmente sob o controle do G7,
essas grandes potências formulam e impõem aos países periféricos, com a
cumplicidade de seus respectivos governantes, políticas econômicas de efeito
reconhecidamente perverso.
Disso tem sido
exemplo a imposição da política impropriamente chamada “Estado Mínimo”, que,
associada à política de privatização do patrimônio público dos Estados
nacionais periféricos, tem se convertido em eficaz estratégia de formação de
fundos públicos para assegurar o pagamento do serviço da dívida e(x)terna,
entre outros mecanismos de pilhagem adotados, de forma velada ou expressa.
Tal
contexto implica um novo papel para os Estados nacionais. Há algum tempo atrás,
a despeito de suas conhecidas limitações, não se questionava a responsabilidade
dos Estados nacionais, quanto ao seu dever de formulação, financiamento e
implementação de políticas sociais tidas como essenciais, como educação, saúde,
transporte coletivo, segurança pública, entre outras.
Se
antes da era Reagan-Thatcher, os Estados nacionais periféricos já amargavam
imposições do Capital, com o avanço e enraizamento do paradigma dito
neoliberal, as estratégias de sucateamento e desmonte das políticas sociais,
combinadas com a adoção de sofisticados instrumentos de pilhagem (política de
privatização e endividamento, volatilidade do capital financeiro, remessas de
lucro indevidas dos conglomerados com representação nos países periféricos para
suas respectivas matrizes, aumento de fraudes quase sempre impunes, entre
outros) têm resultado em crescente redução, por parte dos Estados nacionais, de
sua responsabilidade social e de suas atribuições convencionais.
Graças ao
crescente assujeitamento das instâncias governamentais dos Estados periféricos
ao novo desenho do establishment, esses Estados vêm se transformando em
instâncias secundárias de mera legitimação oficial das decisões tomadas pelos
organismos multilaterais controlados pelo G7 e a serviço dos interesses dos
grandes conglomerados transnacionais, notadamente do seu setor financeiro.
Não
bastassem estudos feitos por analistas de reconhecida notoriedade
internacional, a exemplo dos publicados com freqüência por Le Monde
diplomatique, além de vários escritos produzidos por Ignácio Ramonet,
documentos dos próprios órgãos multilaterais, a exemplo do Relatório PNUD/ONU
de 1996, atestam as contradições como a concentração de riquezas acumuladas por
menos de 400 pessoas, que retêm mais de 40% das riquezas mundiais...
Nesse
cenário de hiperconcentração de riquezas e de poderes dos grandes conglomerados
transnacionais, política e militarmente sustentados pelos países centrais do
Capitalismo, os partidos de esquerda vêm amargando sucessivas e crescente
derrotas, no que diz respeito ao seu declarado propósito de transformação
social. Quando muito, sobra-lhes o direito de espernear, de se pronunciarem
contrários ao modelo imperante, não tardando a voltar a conformar-se à agenda
oficial.
No
caso do Brasil, partidos como o PT, o PCdoB, o PSB, mesmo com enormes avanços
no plano eleitoral (caso do PT), não apenas não conseguem fazer avançar suas propostas
de mudança, como tendem a conformar-se aos padrões ditados pela ordem
dominante, ora sob o pretexto de que as mudanças têm que vir lentamente, ora
sob o argumento de que, sendo irreversível o espectro do atual neoliberalismo,
não restaria outra opção senão a de buscar tirar proveito da situação
dominante. Com raras exceções, passariam de partidos de resistência ao status
quo à categoria de “partidos da ordem”.
Por
outro lado, a maior parte de seus militantes que, nas décadas de 1970 e 1980,
viviam engajados nos movimentos e lutas sociais do campo e da cidade, na época
de ascenso do PT e da CUT, hoje restringe sua atuação às instâncias
governamentais: gabinetes de parlamentares, secretarias municipais e estaduais,
e agora também nos espaços ministeriais... São milhares de militantes, mulheres
e homens, de reconhecida qualificação acadêmica e política, que por distintas
razões (por sobrevivência, uns; outros por desejo de ascensão institucional;
outros ainda por mudança de aposta num horizonte utópico, a despeito de suas
declarações em contrário...), se distanciaram das lutas e dos movimentos
sociais populares.
Tal
redirecionamento político tem implicado uma multiplicidade de conseqüências
práticas (quase todas enormemente nocivas aos interesses das classes
populares), tais como: arrefecimento das lutas, por falta de animadores
engajados; maior exposição e vulnerabilidade a iniciativas de cooptação e a
conseqüentes deslizes éticos (no caso dos partidos de esquerda, com a agravante
de, não raro, se julgarem acima dos mortais); mudança de práticas quase sempre
acompanhadas de discursos autojustificativos (tem virado moda a opção pela
“ética da responsabilidade” em substituição à “ética da convicção”), numa
direção de conciliação com a ordem dominante, entre outras.
2. Desafios da conjuntura eclesial
Santa
e pecadora, nossa Igreja marca, de forma também ambígua, sua presença na
História. Tem sido assim, não de hoje. A Igreja Católica, no decorrer da
História, tem oscilado, ora apresentando práticas de fidelidade ao Reino de
Deus, sobretudo pelo testemunho profético de parte de seu Povo, ora com
práticas de franco contra-testemunho ao Seguimento de Jesus, cometidas por
diferentes segmentos de seus membros, da hierarquia ao laicado.
No
presente contexto sócio-histórico, não é muito diferente. À semelhança do que
se passa no plano macro-social, também ao interno das igrejas cristãs – e aqui
contemplamos as especificidades da Igreja Católica Romana -, vamos encontrar um
número considerável do que Dom Helder Câmara costumava chamar de “Minorias
Abraâmicas”. São, também aqui, minoria. Experiências proféticas protagonizadas
por leigas e leigos, por religiosas e religiosos, por alguns membros da
hierarquia. Trata-se de experiências diversificadas, que têm lugar, ora junto
aos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra, ora junto aos Trabalhadores e
Trabalhadoras Desempregados, ora junto às Mulheres, ora junto aos Índios, ora
junto aos Negros, ora junto às Crianças e Adolescentes do meio popular, ora
junto às Pessoas com deficiência, ora junto aos Presos, e assim por diante. Em
que pese a diversidade de suas práticas, trazem em comum, entre outros
aspectos: o compromisso com, e a fidelidade à causa dos pobres, o respeito ao
protagonismo dos participantes das respectivas experiências, o cultivo do
espírito ecumênico, o emprego do instrumental pedagógico da Educação Popular,
numa perspectiva freireana (uso de múltiplas linguagens, tais como teatro,
poesia, música, desenho, incentivo à tomada da palavra, dinâmicas que promovem
o entrelaçamento do sentir, do pensar, do querer e do agir, o respeito às
diferenças, a tomada de decisões pela base...). São, em geral, experiências com
pouca ou quase nenhuma visibilidade. Fazem parte do que se costuma chamar de
“correntezas subterrâneas”, que fluem sem a publicidade convencional, não
chegam à mídia, nem aos espaços convencionais de publicidade da própria Igreja.
São, como já assinalamos anteriormente, experiências moleculares. São exceção
que não infirmam a regra.
A regra segue
outras trilhas. Influenciadas pelos modismos e pelos sedutores apelos das
instâncias convencionais dominantes, não são poucas as experiências
eclesiásticas atraídas por esses atalhos, com diferentes nomes e expressões:
“marketing”, sacro consumismo, proselitismo aberto ou velado, aposta na
multiplicação numérica dos “clientes”, aceitação do jogo da concorrência
interconfessional, estar de bem com os grandes deste mundo, auto-imagem
privilegiada e sempre acima dos mortais, atração pelos atalhos do triunfalismo,
apego ao ritualismo, distanciamento dos excluídos ou relacionamento
assistencialista, entre outras formas de afinidade com as práticas
convencionais que o mundo contemporâneo apresenta.
Como
se percebe, a regra continua sendo organizar os espaços eclesiásticos à luz dos
critérios convencionais dominantes. Se as sociedades se organizam tendo os
Estados como referência maior, nós também, fazendo aliás ouvidos moucos à
exortação evangélica, de que “entre vocês, não seja assim.” (Mc 10, 43). Se
cada Estado tem sua infra-estrutura, nós, idem, inclusive nossa mídia própria.
Nesse sentido, somos ágeis em interpretar e cumprir, até indo além da conta, o
conciliar “aggiornamento”.
Também no que
concerne à grade de valores, as afinidades são marcantes. Se a ordem é investir
no que dá “resultado”, nossa parcela de colaboração é notável. Se “rende” bons
dividendos fazer parcerias acríticas com órgãos governamentais, propostas
criativas têm a nossa lavra. Com acolhida garantida por parte dos “parceiros”.
Se a competição acarreta boa recompensa, não hesitamos em promover a “santa”
competição entre os grupos e segmentos eclesiais, inclusive premiando “os
melhores”. Se “a propaganda é a alma do negócio”, por que não tirar proveito,
ao “nosso modo”? Se os grupos empresariais e até as igrejas obtêm concessão
para explorar canais de rádio e de televisão, por que nós iríamos fica de fora?
Se as mais aprimoradas técnicas de propaganda estão mostrando formas ousadas de
atrair público numeroso, recorrendo-se aos eventos-espetáculo, por que não
fazermos o mesmo, dentro de sagrados critérios? Se várias igrejas, nossas
concorrentes, se mostram tão criativas, no uso de técnicas apuradas de
arrecadação, a ponto de conseguirem remunerar seus pastores com até mais de R$
10 mil, por que razão temos que ficar de fora? Se o recurso a um pronunciamento
mais incisivo contra as injustiças pega mal aos ouvidos de certas pessoas que
se mostram fiéis no pagamento de seu dízimo, por que não preferir o discurso de
conciliação e de paz?
E,
especificamente, quanto a nós diáconos, que desafios enfrentamos no atual
contexto? O rápido crescimento do número de diáconos, no decurso dos últimos
anos, se, por um lado, merece ser acolhido com alegria, por outro lado,
propicia uma boa ocasião de repensarmos diversos aspectos suscitados por tal
expansão. Destacamos os seguintes, em forma de questionamento:
- O que representa efetivamente
para o conjunto da comunidade eclesial, especialmente os mais pobres, tal
crescimento?
- Como se distribui o quadro de
atividades pastorais desenvolvidas pelos diáconos, nos diferentes países e
regiões?
- O crescimento verificado vem se
dando na direção de um perfil de diáconos correspondente às demandas e às
aspirações pastorais das distintas comunidades eclesiais?
- Como são acompanhados os
vocacionados ao Diaconado?
- Como se dá o relacionamento
entre os diáconos, os leigos e as leigas, os religiosos e as religiosas, os
presbíteros e os bispos?
- Como se dá o processo de
discernimento e de formação, nas distintas dimensões que o ministério requer,
no contexto dos atuais desafios humanos e sociais?
- Como se tem dado o processo de
formação permanente dos diáconos?
3. Traços
identitários dos sujeitos emergentes,
numa perspectiva de alternatividade
Se
em outras dimensões da vida humana e social, já não se concebe um esforço
identitário pré-definido, acabado, posto que os Humanos, como seres
perfectíveis que são, vivem mergulhados no plano histórico, no terreno político
tampouco é razoável pretender-se uma identidade pronta. Vale a mesma orientação
para a tentativa de um esboço de alguns traços identitários de uma força
emergente que se pretenda comprometida com a alternatividade, nas mais
distintas esferas da vida social.
Para
começo do esboço, cumpre ter sempre presente a direção dos seus passos. Se, de
fato, se pretende construir um projeto de sociedade no campo da
alternatividade, isto é, que se contraponha claramente à sociabilidade
capitalista, cada passo (individual ou coletivo) deve refletir, mais no chão
das relações do cotidiano do que no plano da retórica, atitude de inevitável
combate às práticas e à grade de valores da ordem dominante (individualismo,
oportunismo, concentração de poder em mãos de poucos, concorrência, acomodação
ao status quo, apego desmedido a
cargos e funções concentrados em uma única pessoa ou num pequeno grupo, recusa
à autocrítica, etc.) e, ao mesmo tempo, de compromisso com a construção de
relações alternativas, pautadas por valores que apontem em direção oposta aos
da ordem imperante (decisões tomadas pela base, direção colegiada, alternância
de cargos e funções, espírito crítico e autocrítico, postura de respeitosa
autonomia em relação aos dirigentes, recusa da prática dos métodos combatidos
nos inimigos, coerência entre prática e discurso, fidelidade continuamente
testemunhada aos interesses das classes populares, inclusive em situações de
clara infidelidade cometida por quem quer que seja.
Pelo
que ficou acima esboçado, é possível perceber-se que rumo e procedimentos se
acham de tal modo afinados, que transgredir um implica inobservância do outro.
De um lado, merece toda a atenção o ensinamento da personagem José Dolores, do
famoso filme “Queimada” – “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que
saber como e não saber para onde ir”; por outro, não devemos medir esforço em
perceber que o jeito de caminhar no rumo almejado diz muito da intenção e da
postura ético-política do caminhante.
No
que concerne ao rumo em construção, o horizonte de quem se põe a caminho, numa
perspectiva de alternatividade, não poderia ser outro senão o da classe
trabalhadora ou, como costuma expressar Ricardo Antunes,
“os-que-vivem-do-trabalho”, princípio que, na perspectiva d@s cidad@s que se
reconhecem como crist@s, deve coincidir com os critérios do Reino de Deus (Mt 25,
31-45; Mc 10, 42-45; Lc 4,16-19; Jo 10, 10-16), com os do Seguimento de Jesus,
tão bem explicitados na gesta dos Atos dos Apóstolos..
Contribuem
nesta direção todos os protagonistas (coletivos e individuais) que,
ininterruptamente e de modo transparente, apostem na força transformadora das
classes populares, o principal protagonista. E, ao permanentemente darem prova
de sua fidelidade à classe trabalhadora, não conciliem com, nem sucumbam à
prática – hoje moeda corrente – do aliancismo, do colaboracionaismo ou dos
conchavos interclassistas, numa vã tentativa de servir a dois senhores...
Nos escritos
produzidos ao longo de sua vida, Paulo Freire, sempre que analisava a
conjuntura, costumava lembrar ou explicitar uma verdade freqüentemente
esquecida por segmentos que se pretendem de esquerda: a de que se torna
impraticável a quem quer que se pretenda favorável aos interesses da classe
trabalhadoras, não se pronunciar contrário aos interesses dominantes,
implicando uma postura de denúncia e oposição aos interesses dos setores
dominantes.
No
âmbito parlamentar, vez por outra, estamos a ler ou a escutar alegações
autojustificativas de mandatários, em relação a atitudes e votos que contrariam
suas declaradas posições de defesa aos interesses das classes populares.
Declarações do tipo;”Eu votei, porque o partido fechou questão” ou “Embora eu
tenho votado contra, eu recebo aquela verba, porque se não, ela fica para o
Estado.” E daí?
No
presente momento, alguns parlamentares do PT estão ameaçados de expulsão, porque
se recusam a votar contra notórios compromissos históricos do Partido. A
direção do PT tenta justificar que há liberdade de opinião, mas, na hora do
voto, todos devem fidelidade à posição do Partido. Posição que estimula
atitudes esquizofrênicas, à medida que induz que as pessoas externem uma
opinião logo desmentida pela prática do voto: falar, podem à vontade, desde que
ajam em contrário...
Contradição
que pode ser observada, também, em posições corporativas freqüentes nas lides
sindicais com viés burocratizante, em que, sob o pretexto de se lutar pelos
interesses da categoria “x”, “y” ou “z”, não raro se perdem de vista os mais
elementares interesses do conjunto da classe trabalhadora. Por exemplo, em vez
de se fortalecer a luta em defesa do Sistema Único de Saúde (e de outras
políticas públicas), parte-se para a defesa e adoção de planos de saúde ou
similares....
Outro
traço que compõe o perfil de um partido alternativo acena para a formação de um
partido-movimento, cujo maior emblema passa a ser o da figura de um peregrino,
que faz do conjunto dos Humanos sua família, e do Planeta sua pátria, sem que
isso implique qualquer perda de seus traços identitários (de subjetividade, de
gênero, de espacialidade, de etnia, de idade, de cidadania, de condição profissional,
de sua condição de ser cósmico e de sua relação com o Sagrado). Em suma, um
partido-movimento necessariamente anticapitalista e, ao mesmo tempo,
ininterruptamente comprometido com a construção de uma sociabilidade
alternativa, marcada pela justiça social, pela solidariedade, pela radical
democratização do saber, do ter, do poder.
Um
partido que seja capaz de romper as fronteiras intra e inter-partidárias, e de
fincar raízes em diferentes segmentos da sociedade civil (movimentos sociais
populares, setores progressistas de igrejas, etc.). Um partido que se constitua
de pessoas e grupos atuando em qualquer espaço social, desde que comprometidos
(mais pelas práticas do que pelo discurso), a partir dos embates do cotidiano,
com o combate aos valores do Capitalismo, e com a construção permanente e
ininterrupta de novas relações humanas e sociais, de fidelidade à causa
libertadora dos empobrecidos.
Esse
esboço de partido instituinte requer, por certo, um perfil de militantes que
corresponda aos desafios e exigências sócio-históricas, de modo a romper com as
práticas e concepções ainda largamente dominantes. Trata-se, por exemplo, de
militantes que
- primem, no plano subjetivo,
pelo seu desenvolvimento integral, buscando aprimorar, de forma dosada, todas as
suas potencialidades de ser cósmico e de ser humano+;
- sejam pessoas profundamente
amorosas, apaixonadas pelo Povo, não importando que país ou região habite, e
pela nossa Casa Comum, a Mãe-Natureza;
- sejam capazes de recuperar a
primazia da perspectiva classista sobre quaisquer interesses de segmentos
particulares, do âmbito local ao internacional, ou melhor dito, capazes de
experienciar nos embates locais sua dimensão internacional, ao tempo em que, ao
participarem de lutas internacionais, são capazes de perceber as implicações
locais;
- se refontizem incessantemente
da força revolucionária da memória histórica, recuperando lutas, façanhas e
conquistas do passado e respectivos protagonistas;
- não abram mão do persistente
exercício de crítica e auto-crítica;
- sua permanente disposição à
autocrítica, alimentada pelo contínuo exercício da mística revolucionária, os
ajuda sobremaneira a tornar viva e eficaz, enquanto intervenção presentificada,
a memória histórica, de modo a não engessarem num passado longínquo e estéril
suas referências de luta e de militância;
- ao apreciarem com carinho a
memória e o testemunho exemplar de revolucionários e revolucionárias de ontem e
de hoje, cuidam de evitar transformá-los em “gurus”, preferindo apostar mais na
causa, no projeto, do que em seus protagonistas, e se a estes também prestam
reverência, o fazem na medida em que encarnam o projeto;
- constante acompanhamento
crítico da realidade social, mediante o recurso a fontes fidedignas, em função
do que tratam de aprimorar suas estratégias de intervenção;
- efetiva vigilância no sentido
de assegurar condições irrenunciáveis do protagonismo dos distintos segmentos
da sociedade civil, em sua luta de libertação;
- no relacionamento com as
pessoas e grupos de base, saibam pôr em prática uma pedagogia da escuta,
aprendendo com os outros e buscando também exercer sua dimensão docente;
- tenham consciência de que a
qualidade de sua aposta na Utopia é constantemente testada na oficina de
tecelagem do Cotidiano, a partir dos gestos minúsculos e aparentemente
invisíveis;
- sejam pessoas fortemente
desinstaladas e desinstaladoras, ao mesmo tempo inquietas na tomada de
iniciativas, e profundamente serenas, nos momentos de crise e de impasse;
- estejam conscientes de que
navegam sobre águas revoltas, e quase sempre navegam à contra-corrente, o que
implica uma postura ao mesmo tempo firme e serena de lutadores sociais;
- mostrem-se efetivamente
empenhados no seu processo de formação continuada, nas distintas dimensões do
cotidiano e da vida pessoal e grupal;
- exercitem, a cada dia, a
mística transformadora, em virtude da qual asseguram a renovação de seu
compromisso ético-político, no horizonte de uma Utopia libertadora.
4. No atual contexto, qual seria a contribuição específica dos cristãos-diáconos,
no plano social e no âmbito eclesial?
-
Neste
item, como indica o sub-título, mesmo tomando em conta a inter-relação
existente entre as diferentes dimensões da condição diaconal, cuidamos
estritamente de enfatizar a dimensão social e política da missão dos diáconos.
Diaconia é serviço. Não qualquer serviço, nem serviço a qualquer destinatário
(cf. Mt 6, 24: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”). Serviço ao Reino de
Deus – do qual a Igreja é chamada a ser seguidora na pobreza e no testemunho
(cf. Decreto Ad Gentes, n. 5).
Jesus viveu e
pregou o Reino de Deus como pobre (“As raposas têm suas tocas e os aves do céu
têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” Lc 9,
58) e junto com os pobres, a quem tornou referência privilegiada e critério
definitivo de nossa fé (cf. Mt 25). Quaisquer que venham a ser nossas
prioridades no campo da formação ou da atuação social, elas deverão tomar como
referência central o Seguimento de Jesus, a Quem nossa Igreja é chamada a testemunhar
e renovar constantemente seu propósito e suas práticas de fidelidade, seguindo
a direção apontada pela Constituição Dogmática Lumen Gentium, quando afirma que “assim como o Cristo consumou a
obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir
o mesmo caminho a fim de comunicar aos homens os frutos da salvação.” (LG, n.
8).
Para
tanto, um primeiro esforço que merece ser individual e coletivamente renovado a
cada dia, é o de não nos sentirmos acima nem abaixo de ninguém. Só Deus é
Senhor: “Tu solus Dominus”, rezamos no hino do Glória, rememorando o Antigo e o
Novo Testamento, que nos ensinam que a adorarmos um único Senhor, somente a
quem devemos obediência incondicional. No plano humano, somos irmãos e irmãs.
Sujeitos aos mesmos deslizes, aos quais sucumbimos, se não tratamos de,
solícitos aos apelos da Graça, renovar, a cada momento, nosso compromisso e
nossas convicções.
Fiéis
aos apelos do Espírito, vamos conseguindo discernir melhor os sinais dos
tempos, pela contínua apuração de nossos sentidos, de nossa capacidade
perceptiva, de modo a ver melhor o que antes não conseguíamos enxergar; ouvir
coisas novas, perceber e assumir as “correntezas subterrâneas” que existem e
das quais não nos damos conta.
Esse
esforço persistente de busca (o convite é mesmo o de “vivermos em estado de
busca”) nos animará a ousar coisas novas, a não nos conformarmos com as
estruturas viciadas (cf. Rm 12,2), a intuir um mundo alternativo, começando a
partir do nosso cotidiano e incessante esforço de conversão.
Nesse
sentido, no campo da luta por cidadania efetiva, por exemplo, vale a pena
perguntar-nos:
- Temos mesmo consciência da
riqueza que (ainda) possui o nosso País (terras, subsolo, biodiversidade, água
doce, riquezas do mar, parque industrial, tecnologia, e sobretudo um povo
trabalhador)?
- Com toda essa riqueza, é justo
que nos conformemos com o nível de concentração de terra, de renda e de
riquezas, a ponto de nos contentarmos com políticas compensatórias,
correspondentes a verdadeiras migalhas orçamentárias?
- A experiência de sucessivas
eleições convencionais, a cada dois anos, tem mudado qualitativamente as
estruturas injustas?
- Será que investimos mesmo o
melhor de nós nesse ritual visceralmente viciado antes, durante e depois das
eleições?
- Vale a pena continuarmos
apostando todas as fichas na capacidade de mudanças substantivas, de braços
dados com os aparelhos de Estado, à espera de que seus ocupantes de plantão
cuidem de nós?
- Seria, por outro lado, o caso
de sucumbirmos a uma certa ideologia do voluntariado, tão pronta a apelar
acriticamente à solidariedade dos segmentos sociais, de modo a quase dispensar
o Estado de suas obrigações elementares?
- Ainda que não tenhamos receita
milagrosa - até porque as mudanças pelas quais nos batemos, ou são fruto do
nosso protagonismo, ou não se farão -, não está na hora de irmos em busca de
outro desenho de organização social?
- Será que, para isso, temos que
partir da estaca zero ou já conseguimos vislumbrar, no campo e na cidade,
sinais de práticas alternativas que nos convocam a melhor descobrir e reforçar?
- Será que, na presente
conjuntura de inquietante lassidão dos valores éticos, sem desconsiderar
nenhuma das esferas de nossa atuação, não seria prioritariamente missão nossa
contribuir mais diretamente na esfera ética, buscando colaborar, a partir de
dentro de nós, e em nossas relações do cotidiano, com práticas alternativas
convincentes?
- Nas relações intra-eclesiais,
tem sido a nossa conduta de cada dia, individual e coletiva, inspiradora de
práticas alternativas na direção da Utopia do Reino?
João Pessoa, 13 de
setembro de 2005, festa de São Crisóstomo.
+
(“O ser humano - sustenta Marx, em seus Manuscrtos Econômico-Filosóficos -“apropria-se de sua omnilateralidade,
de modo integral, portanto como ser humano total” (“Der Mensch eignet sich sein
allseitiges Wesen auf eine allseitige Art an, also als ein totaler Mensch.” (Ökonomisch-philosophische Manuskripte,
III, XXXIX, VI-VII, extraído da página http;//www.mlwerke.de/default.htm).
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