segunda-feira, 30 de julho de 2018

A EJA: RESPEITO À DIVERSIDADE

A EJA: RESPEITO À DIVERSIDADE
Alder Júlio Ferreira Calado

Um rápido olhar que contemple o tema desta quinta edição de
Intercâmbio de Experiências em EJA, organizado pelas e pelos que fazem a
FACHO, e que também tome em consideração os títulos das mais diversas
Oficinas oferecidas, permitirá uma instigante visão de conjunto das
inquietações mais fortes que marcam as prioridades dos organizadores desta
experiência.

A diversidade cultural manifesta-se, com efeito, sob um vasto e
complexo quadro multidimensional, para bem além, inclusive, do que
possamos oferecer neste V Intercâmbio, ainda que aqui busquemos focar seus
rebatimentos específicos em EJA. Diversidade implica o exercício contínuo e
crescente de diálogo em vários campos do viver e do conviver, tais como nossa
dimensão cósmica; nossas relações sociais de gênero, de etnia; nossas relações
geracionais; nossa dimensão de espacialidade; nossa condição de trabalhadores
e trabalhadoras; nossa dimensão de cidadãos, cidadãs; nossas relações com o
Sagrado, em suma: nossa condição humana.

Nesses dias, somos chamados a refletir, a partir dos distintos espaços
de EJA, diferentes ângulos da diversidade cultural: desde as manifestações dos
estigmas, discriminações e preconceitos, passando pela abertura aos valores do
Outro, seja no campo da linguagem, nos diferentes espaços educativos formais
e não-formais, até o recurso às artes, a exemplo do teatro, como espaços de
humanização.
Tão rica é a diversidade temática e subtemática aqui proposta, que, sob
certo sentido, somente a quem tivesse a oportunidade de acompanhar o
conjunto dos relatos e das reflexões intercambiados, participando de todos os
espaços de debate, seria dado contemplar de modo mais pleno.

Empenhados em refletir sobre a questão da diversidade cultural,
particularmente sobre suas implicações e desdobramentos no campo de EJA,
temos pela frente, desde o início, amplas possibilidades de abordar essa
questão. Poderíamos, por exemplo, optar pelas abordagens oferecidas pelas
oficinas, ou pelo menos por algumas delas. Preferimos, porém, de nossa parte,
sem prejuízo de nos remeter, aqui e ali, a aspectos suscitados pelas distintas
oficinas, optar por exercitar um olhar, inicialmente, sobre as possibilidades e os
limites do exercício da diversidade cultural como fundamento do processo de
humanização dos Humanos entre si e em sua relação com o Planeta; e, em
seguida, examinar a incidência desse processo especificamente no cotidiano

das práticas de EJA.
I. O respeito à diversidade cultural como fundamento do processo de
humanização dos Humanos entre si e em suas ralações com o Planeta
Seres incompletos, interdependentes, historicamente condicionados
(ainda que não determinados), sentimo-nos chamados a tecer, no chão do nosso
cotidiano, inúmeros fios de relações com os nossos semelhantes e diferentes,
sendo estes últimos o nosso desafio maior. Em ambos os casos, nós nos
revelamos seres relacionais. Isolados, estaríamos condenados a sucumbir frente
às inúmeras barreiras que se interpõem, das mais distintas formas, à nossa
caminhada. Impossível se torna uma realização que se deva atribuir a um
desempenho exclusivamente individual, o que não significa negar ou desprezar
o lugar da individualidade no processo de realização humana. O fato é que
nossa condição humana só se realiza na “civilização do nós”.

Situação tanto mais inevitável quanto avançamos no tempo. É verdade
que nossa natureza social não vem de hoje. Os antigos já o atestavam. Ocorre
que, à medida que se complexifica o processo de globalização – e é bem o caso
do atual contexto histórico -, cada vez mais se impõe o desafio de nossa
realização coletiva. Realização que se torna cada vez mais impedida pelo atual
modo de produção e de consumo vigente. Tal como ou até mais ainda do que
outras sociedades de classes, o modo capitalista de organização social,
econômica, política e cultural não cessa de fornecer sinais inequívocos de sua
absoluta incapacidade de atender às necessidades fundamentais – seja as de
natureza material, seja as de caráter espiritual – do conjunto dos Humanos em
harmonia com o Planeta.
Pela qualidade dos frutos, reconhece-se a natureza da árvore. Basta
examinar levemente que frutos tem produzido o modo capitalista de produção e
de consumo, nas distintas esferas da realidade humana e social. No plano
econômico, prevalece a incessante concentração de riquezas e de renda em
mãos de um número cada vez menor de grupos e de pessoas, à custa do
crescente empobrecimento de amplas massas humanas, em todos os quadrantes

da Terra, mal sobrevivendo ou vegetando em condições de desemprego ou sub-
emprego, destituídas das condições mínimas de saúde, de educação, de m

moradia digna e de outros bens e serviços públicos essenciais, não apenas a
uma pequena minoria, mas a todo o conjunto dos membros de qualquer
sociedade humana.

No campo político, o quadro não é diferente. No cenário internacional,
observa-se o domínio dos grandes conglomerados transnacionais que
controlam as decisões supremas da comunidade internacional, a penalizarem
enormes maiorias, nos diversos continentes. No âmbito nacional, a estrutura e o
funcionamento do poder igualmente se dão de modo extremamente
concentrado em mãos de muito poucos, e em detrimento de amplas parcelas da
população. A estrutura de organização política das democracias formais se
encontra profundamente viciada e comprometida. Mesmo os partidos políticos
de esquerda perderam seu potencial transformador. Situação que se reproduz
nos espaços não-estatais, em que se pontifica uma cultura presidencialista (ou
seja: tem que haver alguém que conduza a todos, que faça o que é dever do
conjunto dos cidadãos), e nos quais se verifica a tendência a uma concentração
de poderes nos mais distintos espaços públicos e privados (nos ambientes de
trabalho, nas associações, nos sindicatos, nas igrejas, nos clubes esportivos, nos
espaços acadêmicos, etc.

Desse tipo de relação resulta uma grade de valores, marcada pela larga
vigência do individualismo, da concorrência desenfreada, do mandonismo, do
consumismo, da avidez de em tudo se tirar vantagem, do discurso da razão
cínica, da cultura da ambigüidade, da lassidão ética, enfim, da cultura de uma
esquizofrenia individual e coletiva.

Dinamicamente entrelaçadas, tais esferas concorrem para o
fortalecimento dessa estrutura, desse modelo de organização social, em relação
ao qual todo esforço de reformas pontuais está destinado ao fracasso,
contribuindo apenas para sua consolidação. Sua superação demanda,
inevitavelmente, a construção de uma sociabilidade alternativa, radicalmente
oposta à vigente, e que há de contar com características tais como:
- do ponto de vista econômico, a superação da propriedade privada dos meios
de produção e das fontes de vida, passando a ter um caráter de propriedade
social, com distribuição social das riquezas e da renda;
- do ponto de vista político, em vez do Estado e seus aparelhos, a sociedade
passará a ser gerida por uma rede de conselhos comunitários;
- do ponto de vista cultural, há de se promover uma grade de valores, de modo
a acentuar, nas relações do cotidiano, o exercício da decisão colegialida, da
cooperação, do protagonismo coletivo, da emancipação, da solidariedade, da
partilha, da autonomia, da prática como critério de verdade, da coerência, da
dignidade do trabalho, entre outros valores.
2. O exercício da diversidade cultural no cotidiano de EJA: limites e
possibilidades

Pôr em prática, de modo sistemático, o respeito à diversidade cultural,

nos diferentes espaços de nossa convivência bem como especificamente no
cotidiano das práticas de EJA constitui um grande desafio, em relação ao qual
nos é preciso ter consciência de nossos limites e de nossas possibilidades.
Quanto aos limites, importa ter presente que em vão tentaríamos
assegurar as condições satisfatórias do exercício conseqüente e orgânico da
diversidade cultural – inclusive nos espaços de EJA -, sem que tal esforço se
faça de modo organicamente associado à busca ininterrupta de construção de
uma sociabilidade alternativa.
Sendo a vida humana constituída de uma vasta e complexa teia de
relações humanas e sociais, um processo de formação que se proponha dar
conta de tal complexidade, há de tomar em consideração a necessidade de
empreender uma formação omnilateral, ou seja: a aposta numa formação que
consista no desenvolvimento do ser humano como uma totalidade, e, ao mesmo
tempo, do conjunto dos humanos, e não apenas de uma parte, tal como se dá no
modelo capitalista, afinal de contas,
- apenas uma parte da população tem assegurados os direitos ao trabalho digno,
a condições desejáveis de trabalho, a uma remuneração justa;
- apenas uma parte da população tem assegurados os serviços públicos de
moradia, saúde, educação, previdência social, segurança pública, lazer, fruição
e produção da Cultura, entre outras direitos.

E, inversamente, cabe-nos também perguntar:

- defendendo que não deveria haver entre nós desempregados, mas os há aos
milhões, e desses milhões de desempregados, qual a proporção entre mulheres
e homens, entre negros e não negros, entre pessoas com e sem deficiência?
- defendendo que todos têm direito à moradia, perguntamos: dos que não têm
casa ou moram em casebres indignos, quantos são não-negros, quantos têm
cursos superiores, quantos são pessoas não portadoras de deficiência?
- defendendo que todos têm direito a um justo julgamento, perguntamos: quem
vai mesmo preso, via de regra? (Aqui não vale lembrar as exceções: são
exceções, não constituem a regra do dia-a-dia de nossas prisões)

Até aqui, tratamos de considerar limites relevantes para a desejável
universalização do exercício do respeito às diferenças, do respeito à
diversidade cultural, no cotidiano de nossa convivência, pautada nos padrões
do modo capitalista de organização social. Registro que não devemos esquecer,
ao considerarmos também as potencialidades desse exercício, mesmo no
contexto capitalista. É o de que tratamos, a seguir.

Tendo presente que o nosso dia-a-dia se constitui numa rede de
relações, tornando-se comparável a um grande mostruário composto de
inúmeros fios de nossa existência, de nossa convivência, nas mais distintas
relações (gênero, etnia, geração, espacialidade, trabalho, Natureza, Sagrado...),
quando passamos a ter consciência de nossas potencialidades, vamos encontrar

em cada um desses espaços vitais preciosas oportunidades de exercitarmos o
respeito às diferenças, o respeito à diversidade cultural, ao mesmo tempo em
que cuidamos de combater, pela raiz, as freqüentes manifestações de
preconceitos e discriminações que ainda pululam em nossa convivência.
Algo que nos ajuda consideravelmente nessa aventura humanizadora é
o nosso renovado compromisso de contínuo aprimoramento de nossa
capacidade perceptiva, que se dá pelo esforço de aguçar o potencial de nossos
sentidos. Temos olhos, ouvidos, audição, paladar, tato, coração, intuição...
Mas, nem sempre somos capazes de nos dar conta dos inúmeros sinais que se
apresentam em nossa convivência. Nossos olhos, tão sadios, percebem mal ou
simplesmente nada alcançam de muita coisa que está à nossa frente.
Caminhamos, as coisas se passam, os acontecimentos se dão, e muita coisa
importante deixamos escapar. “Mas, você acabou de passar por lá, e não viu,
não?” – “Não, não vi...”. É que nos acomodamos a ver o trivial, o que estamos
acostumados a ver se repetindo. Nosso olhar não está motivado a perceber
coisas novas, que já estão acontecendo pertinho de nós, em volta de nós, e nós
não percebemos por limitação nossa.

O mesmo sucede, em relação aos demais sentidos. Temos bons
ouvidos, mas costumamos contentar-nos com escutar banalidades: as mesmas
músicas medíocres, os mesmos sons, as mesmas vozes. Não ousamos escutar
vozes novas, novos sons, novas expressões musicais.
- EJA vivenciada na perpectiva freireana de EP (como se faz a tessitura desses
fios do cotidiano de EJA? (Plano de aula, perfil, conteúdo, metodologia,
avaliação)
+ Requerimentos para a formação docente
+ Requerimentos para a Gestão (Projeto Político-Pedagógico, conselhos e
outros)
+ Requerimento para a Comunidade
+ Requerimento para a Política Pública
Outros pontos a sublinhar:
- Perfil
- Exercitar a memória histórica
- Exercitar a capacidade perceptiva (atenção aos sinais,


João Pessoa, 8 de agosto de 2008.

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