Karl Marx, na perspectiva do movimento de Jesus: aproximações.*
Alder Júlio Ferreira Calado
Antes de mais nada, exponha-nos, precisamente hoje, para fazer memória do trágico 11 de Setembro de 1973, quando se instalou, no Chile, a sanguinária Ditadura Militar encabeçada pelo monstruoso General Pinochet. Um pavoroso “Rumor de botas“ ( Eder Sader) rondava o Colisor. Não bastasse a Ditadura Civil Militar instalada no Brasil em 1964, desde então, esse regime de terror foi expandindo-se pelo Uruguai, pelo Chile e pela Argentina.
Exercitar a memória destas ocorrências é tarefa de todo dia, para quem não deseja sua reincidência. Atando-nos, agora, ao tema proposto, ouso confessar, que desde os meus 18 anos, duas fontes me inspiram a fé: O Cristianismo da Libertação e a Teologia da Libertação. Graças a JOC, de cujas reuniões participei, em 1968, em Santa Maria-RS, ano em que também comecei a ler a Revista Ponto Homem, na qual lia avidamente os artigos de Hugo Assimann, ate hoje, essas duas fontes me tem alimentado a fé no Movimento de Jesus.
Ainda que alternando épocas sombrias e períodos de certas tolerâncias, figuras como Marx seguem sendo nomes proibidos, proscritos ou pouco conhecidos. A este propósito o mais recente livro publicado por Michael Löwy, ”Marx esse desconhecido”, lança luz sobre questões de que se ocupavam Marx e Engels, tematizando sobre questões tais como a força transformadora do Cristianismo Primitivo (Seara mais específica de Engels), os efeitos pernósticos do Patriarcado sobre a condição feminina, o impacto deletério do capitalismo sobre o Planeta, além de refletir sobre traços do Romantismo revolucionário encontrados na obra de Marx e Engels. Estes tópicos correspondem à primeira parte do livro (“As explorações”), enquanto na segunda parte (“As revoluções”), o autor apresenta diversos desdobramentos dos processos revolucionários, desde 1844-1848, 1871 até os processos revolucionários do século XX. O próprio Jesus, na visão de tantos, segue, também ele, sendo desconhecido, principalmente no tocante às suas propostas revolucionárias.
Nas linhas que seguem, tratamos de forma abreviada, de trazer elementos de reflexão acerca de como, na perspectiva do movimento de Jesus, a figura de Marx pode ser entendida, não como um inimigo, mas como alguém cuja trajetória de vida repercute, direta e indiretamente, vários aspectos em consonância com a proposta do movimento de Jesus. Insistimos em que nos limitamos a tangenciar a questão em tela. De início, trazemos breves considerações sobre a trajetória existencial e bibliográfica de Karl Marx. Em seguida, tangenciamos, em breves linhas, aspectos fundamentais do movimento de Jesus. Neste terceiro momento, tratamos de destacar diversas atividades acerca dessas questões.
Traços biobibliográficos de Karl Marx
Karl Marx nasceu em Tréveris (Alemanha), 1818, de uma família de classe média, sendo o pai, um advogado e a mãe exercendo atividades domésticas. Em decorrência do clima pouco simpático aos judeus, reinante na Alemanha da época, seu pai teve que converter-se à religião cristã (igreja luterana), para exercer sua profissão, sem maiores problemas.
O jovem Karl mostrava-se inquieto, um espírito aventureiro, em busca do seu caminho. Consta que, na conclusão do seu ensino médio, seu professor lhe pediu uma redação sobre o que ele entendia como sendo os objetivos maiores para a escolha de uma profissão. O jovem Marx escreveu como objetivos motivadores: escolher uma profissão pela qual ele conseguisse fazer mais felizes as pessoas, ao mesmo tempo em que reconhecia os entraves circunstâncias para levar a bom termo tal escolha.
Aos 17 anos, foi estudar na Universidade de Bonn, optando pelo curso de direito, posteriormente preferindo enfrentar o desafio da filosofia, ao mesmo tempo, não tardou a tomar parte de um grupo de outros jovens apreciadores de Hegel, a ilustre figura de maior referência da época. Com eles, Marx compunha o grupo da esquerda Hegeliana. Não obstante, suas críticas acerca dos escritos de Hegel, Marx e seus colegas sempre demonstraram muito respeito pelo mestre, do qual muitas propostas acolheu para a construção processual do seu arcabouço teórico.
Não foi na universidade de Bonn, nem na de Berlim, para a qual se transferiu, que Marx concluiu seus estudos. Foi na Universidade de Iena que ele apresentou sua tese de doutorado, com o título 'Diferenças entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro' (1841).
Marx casou com Jenny von Westphalen (em 1841), experienciando uma longa paixão da qual resultaram 7 filhos. Tendo-se preparado para exercer o magistério universitário, com o apoio de Bruno Bauer (de quem chegou a seguir um curso optativo sobre o Cristianismo), e tendo frustrada esta aspiração pela demissão de Bruno Bauer de seu cargo universitário, Marx decide exercer o Jornalismo, primeiro como colaborador e depois como Redator da “Gazeta Renana”, cargo que lhe permitiu publicar diversos artigos, até que, por conta de suas ideias progressistas, acabou tendo que deixar a redação deste jornal. No período seguinte, foi residir em Paris por alguns anos, época em que se aproximou mais diretamente do movimento operário e de intelectuais de Esquerda, ao mesmo tempo em que elaborou inclusive seus “Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844”, texto considerado como uma referência do jovem Marx, por introduzir conceitos relevantes bem como uma análise perspicaz dos mecanismos de dominação e exploração aos quais o Capitalismo submete os trabalhadores e trabalhadoras, de modo a produzir neles uma alienação, um estranhamento do trabalho que realizam, já não mais se reconhecendo como verdadeiros autores do seu próprio trabalho. Ainda nos “Manuscritos”, Marx denuncia os mecanismos desumanizantes sob os quais viviam os trabalhadores precarizados, a tal ponto que eram destituídos das condições mínimas de fruir as belezas da natureza e das artes.
Foi também durante este tempo em Paris que Marx estabeleceu uma sólida parceria com o amigo Friedrich Engels, de quem recebeu, por meio de um denso artigo produzido por Engels intitulado “Esboço para Crítica da Economia Política”, uma contribuição fundamental para o entendimento mais agudo do sistema capitalista. Chega-se a dizer que, não tendo nascido “Marxista”, Marx aí começa a sê-lo, ainda que predomina então sua concepção filosófica-crítica ao Capitalismo.
A parceria Marx-Engels se mostraria fecunda por diversas vezes. Já em 1845, os dois amigos elaboram conjuntamente (ainda que a maior parte da obra tenha sido de autoria de Marx) o livro “A Ideologia Alemã”, que trata de desvelar os verdadeiros elementos do modo de sentir, de pensar e de agir da classe dominante Alemã da época, ao mesmo tempo em que sinalizam os meios de superação desta ideologia, ao indicarem a necessidade da construção de uma sociedade comunista. Neste mesmo livro, consta uma peça relevante de autoria de Marx. Trata-se de uma página encontrada em seus materiais, onde constava uma espécie de rascunho com 11 proposições dirigidas ao filósofo Feuerbach, com o objetivo de tecer críticas às posições materialistas daquele filósofo. Delas, aqui destacamos duas: a Tese 2 sustenta que não é o discurso, mas a prática, o critério da verdade; a Tese 11, por sua vez, afirma que, até hoje, os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas trata-se de transformá-lo.
A parceria com Engels segue presente na elaboração de outros textos, a exemplo de “A Sagrada Família”, em que se faz a crítica às concepções sustentadas por Bruno Bauer. Por outro lado, “A Miséria da Filosofia” corresponde a outra crítica formulada por Marx às ideias defendidas por Pierre Joseph Proudhon, autor de “Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da Miséria”, na qual reflete, sob a ótica do Socialismo Utópico, as condições socioeconômicas vividas pela maioria da população, obra que, publicada em 1846, teve considerável repercussão no meio operário.
Em 1848, a parceria Marx/Engels foi retomada, desta vez como resposta aos anseios de uma Assembleia de Trabalhadores, delegando a Marx e Engels a tarefa de redigir as decisões coletivamente tomadas por aquela Assembleia, o que resultou na publicação do 'Manifesto Comunista', obra de destaque do legado marxiano.
O período conhecido como de maturidade de Marx implicou em seu profundo empenho investigativo sobre a estrutura e o funcionamento do modo de produção capitalista. São deste período, por exemplo, livros como “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”,”Contribuição à Crítica Economia Política” (1859), os “Grundrisses”, “O Capital' (1867)”, “Crítica ao Programa de Gotha”, entre outros.
Marx, como poucos militantes, empenhou-se profundamente em aliar seu esforço investigativo a sua participação no acompanhamento diuturno das lutas operárias do seu tempo, como o fez em relação à comuna de Paris, sobre a qual escreveu uma perspicaz análise dos fatos e das lutas, nos textos depois reunidos na publicação (1871) de “Guerra civil na França”.
A vida e a obra de Marx constituem um precioso legado, pela força do seu testemunho profético e de sua mística revolucionária, com que se dedica a combater, pela raiz, as diversas formas de opressão, exploração e de marginalização, inclusive por meio do desmascaramento de suas formas ideológicas e religiosas. Neste sentido, como afirma Enrique Dussel, em seu livro "As metáforas teológicas de Karl Marx", que se fazem presentes na obra do jovem Marx, como também em sua maturidade, tal como se pode observar em 'O Capital'. A este propósito, vale evocar o episódio da morte de seu filhinho Edgar, em grande parte decorrente da vida econômica precária da família, por força da qual teria reagido, mal dizendo o deus Moloch, ao qual o Capital teria oferecido em sacrifício seu filho.
Do ponto de vista específico da religião, Marx, especialmente, mas não exclusivamente, se ocupou na conhecida análise crítica que faz da Filosofia de Direito de Hegel, quando argumenta que a religião é objeto da Antropologia, negando-se a entendê-la fenômeno sobrenatural. Entende a religião como uma dupla manifestação: primeiro, como desempenhando a função de um suspiro dos oprimidos, uma espécie de ópio que acalenta a carga sobre-humana de um mundo sem coração a oprimir os desvalidos;ao mesmo tempo, reconhece a religião em seu protesto contra a ordem desumana a qual os seres humanos se acham submetidos, especialmente os explorados e oprimidos. Mesmo em sua maturidade intelectual, Marx não silencia de todo sobre as manifestações religiosas, inclusive em “ O Capital ”, no qual também aparecem alusões ao fenômeno religioso, por meio do uso de metáforas, como atesta o já mencionado estudo desenvolvido por Enrique Dussel.
Bem mais do que Marx, Engels se mostrava tocado pelo fenômeno religioso, tal como o manifestou na apreciação da ação protagonizada pela figura do teólogo Thomas Müssem, líder revolucionário da Guerra Camponesa Alemã.
Karl Kautsky, ainda mais do que seu amigo Engels, empenhou-se em uma profunda pesquisa _ seu famoso livro “ A Origem do Cristianismo “ tem mais de 500 páginas _ dedicou-se a investigar, desde o perfil de seu fundador, relevantes traços comuns entre as práticas das comunidades cristãs primitivas e os comunistas modernos.
Outra figura de relevo na trajetória dos revolucionários marxistas, foi Rosa Luxemburgo, cujo o livro “ O Socialismo e as Igrejas: o comunismo dos primeiros cristãos “ emerge como uma relevante investigação acerca das profundas marcas comuns apresentadas pelo comunismo primitivo dos cristãos neste livro, Rosa Luxemburgo começa por constatar a posição hostil da imensa maioria do clero contra os trabalhadores que buscavam resistir às diversas formas de exploração e de dominação de que eram vítimas. Denunciar as graves contradições cometidas pelo clero: em vez de ser fiel aos ensinamentos do evangelho, dos apóstolos e das primitivas comunidades cristãs, conforme inclusive o pensamento de teólogos como João Crisóstomo, preferindo romper com a Tradição de jesus e aliar-se a classe dominante.
Nesta toada Rosa Luxemburgo, já em 1908 faz lembrar a profética atuação da Teologia da Libertação, iniciada na América Latina, após os anos 1970. Na esteira deste clássicos marxistas, importa incluir outras figuras, tais como Gramsci, Ernst Bloch e, mais recentemente, Michael Lowy.
Principais marcas do movimento de Jesus
Entre os diversos autores que se têm dedicado ao exame da Tradição de Jesus, entendendo-a como um movimento, está o teólogo-sociólogo Alemão Gerd Theissen. De seus escritos e pesquisas sobre o tema, destaca-se o livro 'O Movimento de Jesus: A história social de uma revolução'. Nele, Theissen empenha-se em recuperar o contexto histórico, os fatos, gestos e palavras de Jesus, com base em vasta bibliografia, de modo a sublinhar uma verdadeira revolução de valores, protagonizada pelo movimento de Jesus.
Com efeito, tal e o impacto provocado pela saga do Movimento de jesus,ao longo da história,que não raramente se avalia o legado de jesus como o de um revolucionário, ainda que com características diversas do perfil convencional de um mero rebelde ou de um protagonista de uma revolução entendida apenas como mera tomada do poder. Nesta perspectiva, vale conferir o conhecido trabalho de Martin Hengel,” Foi Jesus um Revolucionário?
Nascido Judeu e formado em sua cultura sócio-religiosa jesus expressa diversos traços desta cultura, ao mesmo tempo em que manifesta frequente oposição aos valores dominante da época tendo frequentado, como tantos jovens de sua geração,a sinagoga, jesus assimilou valores fundamentais do antigo Testamento, em especial os ensinamentos dos profetas, haja vista a leitura do profeta Isaías ( Is 4, 15-19) que ele leu, na sinagoga. De fato, o legado profético se faz presente de tal modo na vida de Jesus que seus contemporâneos costumavam vê-lo como um profeta ou alguém semelhante (São citados, por exemplo, Moisés, Elias, Jeremias).
Jesus é percebido e interpretado pelos seus contemporâneos como um profeta ,a exemplo de Elias e Jeremias. Com efeito, as atitudes corriqueiras de jesus, em suas andanças pelas aldeias da Galileia, comportam profundas semelhanças com os profetas do Antigo Testamento. A forma como o Antigo Testamento situa o profeta Isaías e o profeta Jeremias, por exemplo, especialmente no que se refere a sua vocação, apresenta traços fortes como anúncio do reino de Deus feito e testemunhado por Jesus.
Não é por acaso a passagem do profeta Isaías lida por jesus, na sinagoga:de fato,oque está escrito no Evangelho de Lucas (Lc 4,15-19). Constitui o reavivamento da mesma passagem de Isaías, capítulo 61, que Jesus assume literalmente como seu programa missionário.
Os demais profetas do Antigo Testamento - a exemplo de Amós, Miquéias, Oséias Habacuc, Joel, entre outros - apresentam igualmente traços semelhantes ao que Jesus anunciava. Nestes escritos proféticos, constatamos um grande número de episódios de teor acusatório contra os opressores dos pobres, contra os falsos pastores, contra toda sorte de injustiça praticada contra “os de baixo”, ao mesmo tempo tais escritos constituíam um testemunho vigoroso do projeto de Deus em favor de mundo sem opressores e sem oprimidos, sem exploradores e sem explorados. Dentre tantas passagens, aqui destacamos algumas.
“O Espírito do senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres a curar os quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, a proclamar um ano aceitável a Iahweh e um dia de vingança do nosso Deus” (Is 61,1-2), trecho lido por jesus na sinagoga. Outra passagem emblemática encontrada no Livro de Isaías acentua a força da vocação profética a liberdade: ”Dizeis aos cativos,e aqueles que encontram as trevas:vinde à luz”! (49, 9).
É ainda em Isaías, que encontramos um belo trecho que injeta esperança nos trabalhadores injustiçados: ”Eis que vou criar um novo céu e uma nova terra; e não haverá mais lembranças das coisas passadas”, ”eis que crio para jerusalém uma alegria, e para o seu povo gozo” (Is 65, 17-18). E prossegue dizendo os motivos desta alegria: vocês não plantarão mais para que apenas outros se alimentem; construirão casas e nelas habitarão…
Por sua vez, o Livro do Profeta Jeremias, desde o seu início, quando é narrada a vocação do Profeta “Olha que hoje te constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares e também para edificares e para plantares” (Cs. Jr 1, 10), mostra o compromisso com a causa libertadora dos injustiçados: “Assim diz o SENHOR: Executai o direito e a justiça e livrai o oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar”(Jr 22, 3).
Nesta toada, seguem os demais profetas, inclusive Joel que faz questão de despertar no povo o compromisso com a construção de uma nova sociedade: “E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões” (Jl 2, 28).
Dando sequência ao legado dos profetas do Antigo Testamento, Jesus se mostra o profeta dos profetas, dado o caráter de sua mensagem dirigida aos opressores como denúncia e aos oprimidos como anúncio. São muitas as passagens dos Evangelhos que mostram a marca profética de Jesus, entre as quais as invectivas contra os poderosos e as bem-aventuranças dirigidas aos pobres e perseguidos pela justiça (Cf. Mt 5, 3-11). Mensagem que é reforçada por Maria, Mãe de Jesus, em seu famoso “Magnificat”: “Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes". Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos” (Lc, 52-53)
Na verdade, Jesus se comportava como profeta, ao anunciar o Reino de Deus inaugura-lo, testemula-lo ao mesmo tempo em que ousava denunciar os poderosos do seu tempo,sua opressão contra os pobres, sua hipocrisia, sua arrogância, como podemos conferir em tantos trechos dos Evangelhos, inclusive o do capítulo 23 do Evangelho de Mateus, em que Jesus dirige aos escribas e doutores da lei, contundentes invectivas. Igualmente ilustrativos da atitude profética de Jesus são dois episódios: o encontro com o jovem rico e sua leitura crítica contra os ricos. No primeiro caso o jovem rico, após perguntar a Jesus que ele devia fazer para entrar no Reino do Céus, e após relatar a Jesus uma lista dos preceitos que observava, recebeu de Jesus uma resposta desafiadora: "só lhe falta uma coisa: vá, venda todos os seus bens e os distribua com os pobres, e depois venha e siga-me." (cf.Mt 19:21) .O Evangelho diz que o jovem ficou triste com a resposta, porque possuía muitas riquezas. Não é, por acaso - e este é o segundo episódio-, que Jesus afirma que é mais fácil um camelo entrar pelo fundo da agulha do que um rico se salvar (cf. Mt 19:24 ).
Eis a razão pela qual a vida de Jesus traduz um forte e contínuo compromisso com a causa libertadora dos oprimidos e dos pobres. A este compromisso Ele foi fiel, até o fim. Perseguido duramente pelo poder religioso e pelo poder político, por conta de suas denúncias contra os poderosos, ele foi perseguido, preso, torturado e crucificado. Seu legado, porém, resultou vitorioso com a sua ressurreição, que injeta coragem e compromisso em seus discípulos e discípulas, através da história.
O Livro dos Atos dos Apóstolos constitui igualmente um atestado do caráter comunista das primeiras comunidades cristãs, haja vista o relato da convivência dos primeiros cristãos que tinham tudo em comum (“Omnia sunt communia”), e ninguém reclamava propriedade privada (Cf At 2, 42-44), enquanto os bens partilhados eram distribuídos a todos, conforme suas necessidades. Daí o lema comum de Cristãos e Marxistas: “De cada um, segundo suas possibilidades, para cada um, de acordo com suas necessidades”.
Os três primeiros séculos do Cristianismo dão conta da expansão da mensagem de Jesus em diversas partes da Ásia menor e do Mediteranio, com a multiplicação de comunidades animadas pelos discípulos e discípulas de Jesus, difundido uma mensagem de solidariedade e de compromisso com a causa dos pobres e marginalizados, de modo a traduzir experiências profundamente inspiradas no Seguimento de Jesus. Disto dão testemunho muitos documentos e escritos de importantes teólogos da chamada Patrística a exemplo de João Crisóstomo, de Basílio, de Gregorio Nazianzeno. De João Crisóstomo constam duras invectivas dirigidas aos ricos exploradores dos pobres: ”- Mais uma vez vocês me dizem te revoltas contras os ricos? Mais uma vez vocês estão contra os pobres! Mais uma vez ataca os que roubam? Mais uma vez vocês se colocam contra os que são espoliados! Não se fartam de devorar e engolir os pobres e eu não me canso de lançá-lhes isso em face (...) Se eu fosse pastor de ovelhas, por acaso não me acusariam de não perseguir o lobo que invadisse meu rebanho?”.
Tão ainda mais incisivo do que João Crisóstomo, foi seu amigo Basílio, em defesa dos direitos dos pobres: “Quem é avarento? Quem não se contenta com as coisas necessárias. Quem é ladrão? O que tira dos outros o que não lhe pertence. Ou por acaso você não é ladrão e não é avarento, quando se apropria do que recebeu a título de administração? É considerado ladrão o que tira a roupa de quem está vestido, e merece outro nome aquele que não veste quem está nu, se puder fazê-lo? Pertence ao faminto o pão que você retém e ao nu o manto que guarda em arcas, assim como ao que está descalço o sapato que apodrece em sua casa”.
Menos contundente do que os precedentes, eis que Gregório Nazianzeno segue semelhante linha profética: “Rompeu-se o que pertencia à mesma linhagem e cindiu-se numa variedade de nomes. A avareza acabou com o que havia de nobre na própria natureza, tomando, de antemão, a lei como auxiliar do poder. Mas vejo a igualdade primitiva e não a diferença posterior: não a lei do poderoso, mas a do criador”.
Tão impactante é o legado destes Teólogos da Patrísticas, que sua voz ecoou retumbante na Constituição Pastoral “ Gaudium et Spes ”, n.69: “Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita (11). Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres - alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o “ ( GS, n.69).
Retomando a trajetória do movimento de Jesus, após a patrística, importa ressaltar o testemunho profético de monges que, diante do crescente contra testemunho da hierarquia eclesiástica, houveram por bem abandonar os centros de poder, para manifestar seu desacordo com o descaminho que, sobretudo a partir da era Constantiniana, da Tradição de Jesus.
Sobretudo a partir do Imperador Romano Constantino, no século IV, assiste-se a uma escalada de bispos e do alto clero como membros de uma casta subordinada aos ditames do imperador, distanciando-se do convívio do povo comum, especialmente dos pobres. Isso se deu graças a um conjunto de iniciativas e estratégias de concentração de riqueza e de poder das forças aliadas do Imperador, entre as quais a alta hierarquia eclesiástica. Com efeito, seja pela elaboração de uma teologia voltada para a legitimação do poder clerical, seja pela criação de mecanismos de auto-enriquecimento, a alta hierarquia eclesiástica foi mostrando-se protagonista de sucessivos e crescentes escândalos de enriquecimento ilícito e de luxúria, inclusive pela feroz disputa do poder temporal na qual diversos papas estiveram envolvidos.
Malgrado o contra testemunho do alto clero, durante séculos, jamais cessaram as vozes proféticas de denúncia daquela situação e de anúncio do Evangelho, semente que prosperou entre os pobres, que foram se tornando fermento na massa. A Partir do século XI, e romperam diversos movimentos populares, em denúncia contra a opulência e a luxúria do alto clero aliado aos interesses do Império Romano, ao mesmo tempo em que tais movimentos pauperistas - os Valdenses, e Albigenses, os Espirituais Franciscanos, as Beguinas e outros - se empenharam, de distintos modos, em testemunhar a Boa Nova do Reino anunciado e inaugurado por Jesus.
Inspirados em Francisco de Assis, os também chamados pobres de Lyon, trataram de testemunhar os feitos das primeiras comunidades cristãs, relatadas pelo Livro Atos dos Apóstolos, desfazendo-se de suas riquezas e compartilhando-as com os pobres, de tal modo a fazerem valer o princípio “De cada um, conforme suas possibilidades; para cada um, segundo suas necessidades“.
Esses movimentos patrísticos que se manifestaram do século XI ao século XIV se revelam preculsores da reforma, cujo ápice se alcança com Lutero, em 1515, com a afixação de suas famosas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, são, por diferentes razões a antecipação da Reforma Protestantes, a medida que:
Denunciar profeticamente o sistema de dominação da alta hierarquia eclesiástica, em conluio como Império Romano, mergulhada que estava em numerosos escândalos de simulia e de luxúria, distanciando-se visivelmente ou mesmo traindo de-novo os grandes ensinamentos do Evangelho
Empenharam-se em ser fiéis aos valores fundamentais da Tradução de Jesus, que bem caracteriza as práticas das primitivas Igrejas Cristãs
Ousaram, enquanto leigos, anunciar publicamente o Evangelho, tarefa exclusiva do clero;
Em um tempo em que apenas o clero se sentia no direito de ler a Bíblia, e em latim, os movimentos dos pobres ousaram traduzir a Bíblia (ou parte dela) para as línguas vernáculas, assegurando a todos o acesso direto às Sagradas Escrituras. Outro aspecto de sua rebeldia profética tem a ver com sua disposição de pregar a Palavra de Deus em público, quando a alta hierarquia tinha esta tarefa como privilégio seu. Em consequência desta ousadia, os movimentos pauperistas foram duramente perseguidos, tendo sido alvo de cruzadas.
Outro movimento popular deste período (séculos XIII e XIV, principalmente) foi o conhecido Movimento das Beguinas, protagonizados por mulheres que, sentindo-se vocacionadas ao exercício de uma espiritualidade libertária, e não aceitando submeter-se ao controle de Ordens Religiosas chefiadas pelo clero, e não aceitando pronunciar votos, trataram de responder a sua vocação religiosa, com autonomia, organizando-se em pequenas comunidades (ou mesmo sozinhas), dividindo o seu tempo em oração, trabalhos manuais e serviço aos necessitados do seu tempo e de sua região. Tratava-se de mulheres míticas, sábias e intelectuais de grande reconhecimento, razão por que passaram a ser também vítimas de perseguição, em grande parte, pela alta hierarquia. Dentre estas mulheres, podemos destacar as seguintes: Maria d’Oignies (1177-1213), Hadewijch de Antuérpia (1200-1260), Mathilde de Magdebourg (1207 em Helfta – 1283), Marguerite Porete (1250-1310), Teresa de Cartagena (1425-1478), Juliana de Norwich ( 1342 – 1416), Margery Kempe (1373 - 1438), Catarina de Siena (1347-1380), entre outras. As beguinas constituem uma marcante experiência de afirmação de liberdade frente ao Patriarcado, pelo que se mostram de grande inspiração ao movimento feminista.
A Reforma protestante que alcançaria seu ápice com Martinho Lutero, em 1515, foi preparada por séculos de profecia, inclusive por movimentos como o liderado por Jan Huss e os Tabolismo, pelo Movimento Anabatista ao qual também esteve vinculado o teólogo Thomas Müntzer, que liderou a Guerra Camponesa Alemã, estudada por Engels. Mais tarde, o filósofo Alemão Ernst Bloch consagraria um estudo percuciente sobre a figura deste teólogo “Thomas Müntzer, Teólogo da Revolução“.
Nesta mesma toada profética de denúncia e de anúncio, o processo de colonização das terras e dos povos latino-americanos vai ensejar, a começar pelo episódio protagonizado pelo grupo de missionários dominicanos (entre os quais, Frei Pedro de Cordoba e Frei António de Montesinos entre outros) uma série de experiências profética, nos caminhos do Movimento de Jesus.
A Revolução Francesa a exemplo de outros processos revolucionários (A Comuna de Paris, a Revolução Russa e outras, inclusive na América Latina, vai ensejar a continuidade de duas posições políticas antagônicas: de um lado, a daqueles que, em nome do Cristianismo, se colocavam como partícipes ou colaboradores da classe dominante, e, por outro lado, a dos que se mostraram fiéis e coerentes aos ensinamentos e as práticas do Movimento de Jesus. Do lado dos seguidores do Movimento de Jesus, também no século XX e na atualidade, podemos observar um vasto conjunto de experiências protagonizadas pelos cristãos e cristãs da Libertação, no Brasil, na américa latina e em outros continentes.
Delas dão testemunho múltiplos episódios e iniciativas, entre as quais, ainda no final da primeira metade do século XX,o movimento dos Padres operários (Na França, na Bélgica, na Itália e mesmo no Brasil); O Pacto das Catacumbas como expressão do compromisso libertador assinado, pouco antes do encerramento do Concílio Vaticano II, por quarenta Bispos e alguns outros participantes da Celebração realizada na Catacumba de Santa Domitila, nos arredores de Roma, em 16 de Novembro de 1965; O movimento “Sacerdotes para o Terceiro Mundo“; a Conferência Episcopal Latina-Americana de Medellín; o IV congresso Ecumenico Mundial de Teologia das comunidades cristãs, realizado em São Paulo, em 1980, precedido por outros realizados no México, em na Tanzânia, em Gana e em Seri-Lanca; as diversas experiências da Igreja na Base (As CEBs, as Pastorais sociais, CEB, da Comissão Justiça e Paz Centro de defesa dos Direitos Humanos, entre outros), experiências estas que desembocaram, como ato segundo, na Teologia da Libertação.
Com efeito, a Teologia da Libertação, especialmente graças aos seus principais fundadores, constituiu a expressão teórica mais avançada da Igreja Latino-Americana, a interpretar os grandes acontecimentos da História do povo latino-americano, sedento de sua autonomia inclusive teológica, à luz dos ensinamentos de Jesus e seus seguidores e seguidoras. Neste esforço hermenêutico, com apoio inclusive na Constituição Pastoral “Gaudium Et Spes”, do Concílio Vaticano II, seguidos encontros de estudos e reflexões vinham a ser realizados por cerca de uma dezena de teólogos (entre os quais: Gustavo Gutiérrez, José Comblin, Juan Luis II, Segundo Galileia, Ivan Illich, Frei Gorgulho, Ana Flora Anderson…) ora em Petrópolis (Brasil, 1964), ora em Cuernavaca (México, 1965) , ora em Santiago (Chile, 1966), ora em Montevideo (Uruguai 1967).
Sempre lembrando o surgimento da Teologia da Libertação como expressão e resultado da efervescência política na América Latina e no Brasil, de relevantes sujeitos coletivos, fora e dentro dos espaços eclesiais, importa ressaltar o trabalho conjunto realizado entre teólogos e teólogas de diferentes Igrejas Cristãs latinoamericanas. A este respeito, convém realçar o pioneirismo de certas figuras de teólogos protestantes, a exemplo de Richard Shaull, da Igreja Presbiteriana, cujo livro “A Igreja e a Revolução Social”, publicado em 1953, por União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB), que bem mais do que uma editora, designava o protagonismo do movimento estudantil cristão da época. Outro aspecto a ressaltar, acerca das origens da Teologia da Libertação é o encontro fecundo, em Cuernavaca (México), a partir de meados dos anos 60, de figuras tais como Ivan Illich, Paulo Freire, Richard Shaull, José Comblin, entre outros fundadores da Teologia da Libertação. Ainda a este respeito, vale notar um episódio curioso: em um encontro que Paulo Freire com Richard Shaull, conta-se que a Shaull foram apresentados por Freire os originais manuscritos de Pedagogia do Oprimido, após certificar-se de que Freire não possuía cópia de seus manuscritos, cuidou de fotografá-los/filma-los, empenhando-se a seguir, em sua publicação, em inglês em 1970.
Cumpre lembrar que tais encontros continuam acontecendo após a Conferência de Medellín, em 1968, e de modo que resultaram em grandes encontros continentais na Tanzânia, em Gana, em Sirilanca, tendo sido o maior deles realizados, no Brasil (São Paulo), em 1980.
Impõe-se, ainda, reconhecer um papel extraordinário cumprido pela Comisión de la Historia de la Iglesia Latinoamericana (SEHILA), ao empreender um fecundo Projeto visando a uma reelaboração da história das Igrejas latino-americanas e do Caribe, a partir de uma perspectiva popular. Entre as principais referências dos coordenadores da SEHILA, estão Enrique Dussel, José Oscar Beozzo e Eduardo Hoornaert (este último coordenou, inclusive, a SEHILA Popular).
Ao longo desta trajetória, vieram a tona dezenas de publicações, produzidas ora por iniciativas individuais, ora por iniciativas institucionais, a exemplo da coleção “Teologia e Libertação“, tematizando os mais diferentes aspectos da relação entre o Seguimento de Jesus e os clamores dos pobres.
Neste período, graças a iniciativas de diferentes editoras cristãs, em âmbitos latino-americano, Espanhol e brasileiro, (Siguime em Salamanta, Fontanela em Barcelona, Vozes, Luterana, Metodista, Loyola e outras), dezenas de Teólogos e Teólogas da Libertação oferecem constantes reflexões críticas, nas mais diferentes áreas do conhecimento.
É com alegria e esperança que saudamos a recente iniciativa dos organizadores Emerson Sbardelotti; Edward Guimarães e Marcelo Barros do livro “50 anos de Teologias da Libertação”, primoroso registro da memória da Teologia da Libertação, ou melhor: das Teologias da Libertação, apontando a diversidade temática e de abordagens, de modo a trazerem à tona diversos aspectos deste fazer teológico, tais como: as dimensões ecológica, ecumênica, feminista, dos povos originários, das comunidades quilombolas, dos homoafetivos.
Principais afinidades entre marxistas e cristãos
Há, por certo, notáveis diferenças entre cristãos e marxistas, até porque, não há um só marxismo (Após haver lido certo escrito de alguém que se pretendia marxista, Marx afirma: "Eu não sou marxista…”). Sem embargo, nesses últimos séculos, não tem faltado notícias de cristãos a expressarem simpatia pelo legado de Karl Marx e outros marxistas, a exemplo de Engels, de Rosa Luxemburgo, de Gramsci, Ernst Bloch, Jose Carlos Mariategui, Michael Lowy, entre outros.
Sem desconhecer ou minimizar suas diferenças, passamos, em seguida, a ressaltar suas principais afinidades. Uma primeira tem a ver com o sentimento de pertença ao gênero humano, lembrando que Jesus se manifesta de tal modo solidário a condição humana, que Ele próprio faz questão de testemunhar radicalmente este compromisso, em razão do qual foi perseguido, preso, torturado e assassinado pelos representantes religiosos e civis da classe dominante do seu tempo. Traços biográficos de Marx e de outros comunistas também se acham em sintonia com os principais valores do Movimento de Jesus. Tanto nos discípulos e discípulas de ontem e de hoje, quanto em diversos seguidores de Marx, constatamos semelhante compromisso de solidariedade com os “De Baixo”, vítimas da opressão e da exploração características de todo modo de produção classista, sobretudo o modo de produção capitalista.
Neste sentido, cristãos e marxistas perseguem, de forma militante, a realização do processo de humanização da humanidade (Lema, aliás, do Bispo Pedro Casaldáliga). Ambos procuram uma vida plena começando já aqui neste mundo, de modo que a todos os seres humanos seja assegurada a satisfação não apenas das necessidades materiais (alimentação, habitação, vestimentas, etc.), como também as necessidades imateriais (a contemplação da natureza, a fruição e o exercício, das artes, dos valores estéticos, a imaginação criativa, etc.). Ora, a História tem mostrado ser impossível que tais necessidades sejam satisfeitas, com alcance universal, em qualquer sociedade de classes, especialmente dentro do modo de produção capitalista. Este sistema, com efeito, se faz sempre por meio de uma crescente acumulação de riquezas em mãos de alguns, à custa do trabalho explorado e da apropriação privada dos bens de produção, daí resultando inevitavelmente profundas e crescentes desigualdades estruturais.
Cristãos e marxistas, por conseguinte ao constatarem os frutos perversos do Capitalismo, organiza-se para identificar, desmascara o complexo conjunto de mecanismos ideológicos de dominação e exploração, e para combater pela raiz este modo de produção, como compromisso de irem criando condições para a construção de uma nova sociedade, alternativa a essa barbárie, buscando torna a realidade o princípio comum, segundo o qual “De cada um segundo suas possibilidades e para cada um conforme suas necessidades”.
Também aí podemos destacar afinidades como o reconhece, por exemplo, Michael Lowy, em seu livro recém-publicado pela editora Boitempo, no qual, incluindo em relação aos ataques do Capitalismo ao Planeta, o autor traz passagens luminosas de Marketing, quanto ao caráter eminentemente destrutivo do modo de produção capitalista. Outro ponto comum entre cristãos e marxistas tem a ver com o horizonte internacionalista de seu projeto. Assim como o Movimento de Jesus é movido por uma perspectiva universal de transformação das relações humanas e sociais, também o Marxismo é movido por este mesmo horizonte, não se tratando, portanto, de uma proposta circunscrita apenas a um povo ou a um país, mas que se propõe alcançar toda a humanidade, cada ser humano tomado como um todo e todos os seres humanos, sempre em busca de um novo Homem e de uma nova Mulher historicamente vocacionados à construção de um novo mundo, e de uma nova sociedade.
Conquanto devamos reconhecer nuanças convém ainda realçar aspectos metodológicos comuns a estas duas correntes do pensamento humano. Ambos acentuam a importância desse partir da realidade concreta, da História feita por seres humanos, em uma perspectiva de humanização, em sua integridade, do ser humano como um todo e de todos os humanos. Percebe-se que, em ambos, o método se acha sempre organicamente vinculado a sua visão de mundo. No caso do Crisitianismo da Libertação, sobretudo a partir do século XX, assume relevância metodológica o método conhecido ver - julgar - agir que se tem constituído, até hoje, como um procedimento habitual de leitura crítica da realidade (Paulo Freire chama isso de ”leitura de mundo”), que, cotejada com a grade de valores característicos do Movimento de Jesus, instiga os crstãos e as cristãs a contribuírem para a transformação da mesma realidade, nos mais diversos aspectos, orientando-os a serem construtores de uma novo homem, e de uma nova mulher, de uma nova sociedade, ecologicamente sustentável (Eco-socialismo), economicamente justa, politicamente participativa, culturalmente diversa.
Do ponto de vista teórico-metodológico da Filosofia da práxis, o alvo-mor parte sempre da ação investigativa da realidade concreta, perceptível sempre em movimento, uma vez que tal realidade, não se deixando ver em sua nudez requer da parte do sujeito cognoscente que também se ponha em movimento e se revista de instrumentos especiais, capazes de irem desvelando-a em sua múltiplas determinações, sempre a exercitar seu esforço de aprendê-la/compreendê-la em sua totalidade.
Eis apenas alguns traços comuns e afins, apresentados tanto por cristãos como por Marxista. Lembrando que diversas afinidades podem ser acrescentadas, limita-nos realçar os pontos que entendemos mais relevantes, comuns às duas correntes de pensamento e de ação com o objetivo de ajudar nossas organizações de base a dialogarem e a extraírem pistas comuns de ação.
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* O autor deste texto reitera seus agradecimentos a Gabriel Luar, a Heloíse, Eliana e a Elisabete, pela digitação.
João Pessoa, 11 de Setembro de 2023.
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