segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes XII

 Traços da Mãe África: Em busca de nossas raízes XII


Alder Júlio Ferreira Calado


Angola por um angolano contemporâneo. Trata-se do Agrônomo Fernando Pacheco, um dos coordenadores da ADRA - Associação de Desenvolvimento Rural e do Meio Ambiente -, recém-convidado pelo Centro Paulo Freire - Estudos e Pesquisas, a proferir conferência por ocasião do V Colóquio Internacional Paulo Freire, realizado em Recife, de 19 a 22 setembro próximo findo.

A conferência do Agrônomo Fernando Pacheco teve por título “Angola: construindo cidadania, num país em reconstrução - a experiência da ADRA”. Em estilo elegante e objetivo, o conferencista organizou sua fala em quatro momentos. Começou situando o contexto angolano. Fez questão de sublinhar os fortes laços tecidos entre Angola e Brasil, mais até em relação a Portugal. Ao reconhecer a diversidade étnica lá existente, lembrou também com ênfase a vigência de um substrato comum ao povo angolano, graças a dois fatores: a Comunidade Banto e, com ganhos e perdas, a presença de igrejas cristãs.

Lembrou que o processo de colonização portuguesa tem caráter relativamente recente (últimos cem anos). Mal conseguiu conquistar sua independência de Portugal, teve que enfrentar guerra civil e forças apoiadas pela África do Sul. Razão principal: a cobiça do petróleo, do qual Angola é o segundo país africano em produção.

A construção da cidadania se dá aos trancos e barrancos. Os estragos provocados pela guerra explicam parte da situação de penúria da maioria da população do país, que ocupa 160º lugar no IDH (índice de Desenvolvimento Humano), que mede a qualidade de vida. Outro fator tem a ver com as políticas governamentais, de que decorrem tanto a sub-utilização das terras angolanas como o baixo índice de industrialização, o que implica a importação “de quase tudo”. Situação que se complica, inclusive num governo dito de esquerda, que, como tantos outros (fala, Brasil…), tem implementado políticas francamente neoliberais. Funcionando como enclave, a produção de petróleo se faz a serviço de interesses de grandes grupos econômicos, sem compromisso sequer com a geração de empregos para os nativos.

Como em outras regiões do mundo, o grande problema da democracia burguesa reside no seu faz-de-conta. Limita-se a atender a meras formalidades, que pouco ou nada tê a ver com o grosso da população, principalmente as populações ruais. Resultado: a institucionalização das desigualdades. Uma pequena minoria se locupleta das benesses “democráticas”, à custa da miséria e da penúria da maioria.

É nessa apertada margem de ação, que a ADRA busca se mover, fazendo o que está ao seu alcance. Embora visando a um ação cidadã, protagonizada pelas maiorias mantidas à margem da distribuição das riquezas produzidas, as conquistas se dão, com mais força, no campo das iniciativas que permitem aos camponeses uma sobrevivência digna.

Nesse sentido, a AGRA promove iniciativas em distintas áreas socias do campo. No caso de sua intervenção no âmbito da educação escolar, por exemplo, busca partir de ações cidadãs no interior da escola, protagonizadas pelos docentes e discentes, articulando tais ações com a participação das comunidades em torno da escola, visando a integrar escola e comunidade. O passo seguinte consiste em articular as ações educativas, no âmbito das regiões.

O relato das experiências da ADRA nos remete aos limites impostos pelo Capitalismo e seus aliados (de fora e do próprio país), deixando pouca margem a uma ação transformadora de alcance substantivo. Em todo caso, vale saudar os protagonistas da AGRA, por continuarem apostando na possibilidade de mudança, para além dos limites que os “donos do poder” costumam impor.


João Pessoa, outubro de 2005


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