Notas a título de resumo do cap. IX e da conclusão do livro de J. COMBLIN. O Tempo da Ação. Ensaio sobre o Espírito e a história” . Petrópolis: Vozes, 1982, pp. 352-389.
Seja em grupo, seja pessoalmente, venho estudando a obra do teólogo José Comblin, há um bom tempo. Em especial, me têm tocado fecundamente seus textos dedicados à ação do Espírito Santo no mundo, que reputo sua contribuição mais densa à Teologia da Libertação. Após entusiástica leitura completa de seu O Tempo da Ação, restrinjo-me aqui apenas ao último capítulo e à conclusão do livro. Dificilmente se lê um livro de tanta densidade, a atravessar o tempo (o livro foi escrito em 1980 e publicado em 1982). Que atualidade!
O autor distribui o capítulo IX em duas partes: na primeira trata de explicitar o tipo de abordagem que orienta o sentido do discernimento (pp. 353-370), enquanto dedica a segunda parte a tratar da libertação dos pobres e suas mediações (370-379). O discernimento é a ação do Espírito de Jesus, iluminando as escolhas e as decisões individuais e coletivas do Povo de Deus, ao longo da história. É o Espírito quem conduz a história por meio do discernimento e da ação dos pobres, dos humildes, dos fracos em quem Sua força se revela. O Espírito conduz a história, sem nada nos impor. O discernimento ocorre nas ações humildes, modestas e sobretudo escondidas, protagonizadas pelos pobres. O discernimento, também na perspectiva de O. Cullmann, é o coração da moral cristã, no plano da ação na história. (pp. 352-353)
Três tópicos compõem a primeira parte, onde explicita que abordagem o guiará em sua reflexão sobre o discernimento: a abordagem paulina, o discernimento na história e a prática do discernimento.
O autor distribui o capítulo IX em duas partes: na primeira trata de explicitar o tipo de abordagem que orienta o sentido do discernimento (pp. 353-370), enquanto dedica a segunda parte a tratar da libertação dos pobres e suas mediações (370-379). O discernimento é a ação do Espírito de Jesus, iluminando as escolhas e as decisões individuais e coletivas do Povo de Deus, ao longo da história. É o Espírito quem conduz a história por meio do discernimento e da ação dos pobres, dos humildes, dos fracos em quem Sua força se revela. O Espírito conduz a história, sem nada nos impor. O discernimento ocorre nas ações humildes, modestas e sobretudo escondidas, protagonizadas pelos pobres. O discernimento, também na perspectiva de O. Cullmann, é o coração da moral cristã, no plano da ação na história. (pp. 352-353)
Três tópicos compõem a primeira parte, onde explicita que abordagem o guiará em sua reflexão sobre o discernimento: a abordagem paulina, o discernimento na história e a prática do discernimento.
Quanto à abordagem paulina do discernimento, o autor toma como ponto de partida os estudos do exegeta P. G. Therrien, para quem o discernimento é colocado no centro da vida cristã. E não se trata de restringir o discernimento apenas às ações do dia-a-dia, no cenário da vida particular ou da vida intra-eclesial, mas de detectar a presença iluminadora do Espírito nos entrechoques da história, buscando identificar as relações orgânicas entre o que se passa fora com o que se passa na vida cotidiana. Também, não se trata de voltar-se para o mundo exterior, apenas com o intuito de pragmatismo, de extrair do cenário externo só o que interessa e é vantajoso para os de casa. Seria uma atitude oportunista e interesseira, a ser evitada, pois os fatos e os acontecimentos da história devem ocupar um lugar central na ação dos cristãos. “O discernimento é o princípio fundamental do agir cristão, enquanto procede do Espírito.”(pp. 353-354)
Dos escritos paulinos acerca do discernimento, o autor, partindo da contribuição de Therrien (“Le discernement dans les écrits pauliniens” (in Études bibliques), sublinha quatro trechos muito densos:
* 1 Ts 5, 19-22: “Não extingais o Espirito. Nâo desprezeis as escrituras. Submetei todas as coisas ao discernimento; ficai com o que é bom; afastai-vos de qualquer espécie de mal.”
* Rm 12, 2: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do sentido moral, a fim de discernir o que o bom: o que lhe é agradável, o que é perfeito.”
* Fp 1, 9.11: “O que peço em oração é que vossa caridade seja cada vez mais abundante em conhecimento e em intuição para cada situação, de modo que possais discernir os verdadeiros valores, a fim de serdes sinceros e irrepreensíveis no dia do Cristo.”
* Ef 5, 10: “Discernindo o que é agradável ao Senhor.”
Dos escritos paulinos acerca do discernimento, o autor, partindo da contribuição de Therrien (“Le discernement dans les écrits pauliniens” (in Études bibliques), sublinha quatro trechos muito densos:
* 1 Ts 5, 19-22: “Não extingais o Espirito. Nâo desprezeis as escrituras. Submetei todas as coisas ao discernimento; ficai com o que é bom; afastai-vos de qualquer espécie de mal.”
* Rm 12, 2: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do sentido moral, a fim de discernir o que o bom: o que lhe é agradável, o que é perfeito.”
* Fp 1, 9.11: “O que peço em oração é que vossa caridade seja cada vez mais abundante em conhecimento e em intuição para cada situação, de modo que possais discernir os verdadeiros valores, a fim de serdes sinceros e irrepreensíveis no dia do Cristo.”
* Ef 5, 10: “Discernindo o que é agradável ao Senhor.”
Inspirado nos escritos paulinos, bem como em João, o autor segue caracterizando o sentido do discernimento, alertando para não confundi-lo com um ato de mera cognição, ao mesmo tempo em que o situa como o ato de fazer a vontade de Deus. Identificar a vontade de Deus supõe o exercício de conhecê-la, sim, desde que se trate de um ato que se dá no campo da ação, enquanto se busca agir: “É ao colocar sua ação que o homem a descobre e a conhece; Antes, buscou-a. É preciso buscá-la no meio dos sinais que se encontram no mundo.” Quem não ousa agir, tomar posição diante dos desafios concretos da vida, não chegará ao discernimento. (p. 355)
Outro ponto relevante a observar: “O Espírito lembra o ensinamento de Jesus sob a forma da ação nova, que está a inventar a cada momento. A lembrança é criadora.” (p. 355)
Outro ponto relevante a observar: “O Espírito lembra o ensinamento de Jesus sob a forma da ação nova, que está a inventar a cada momento. A lembrança é criadora.” (p. 355)
O discernimento é a forma como se dá o encontro entre a história de Deus e a história dos homens, pela qual entra o Reino de Deus. Um encontro que convida à mudança. As burguesias não apreciam essa história de mudança, apegam-se a princípios abstratos que não as obriguem a acatar as lutas de transformação do mundo. Do Espírito, apegam-se apenas a princípios gerais que, no máximo, sejam úteis à sua vida privada. Para os pobres, ao contrário, a mensagem eristã inspira esperança de mudança. Eis por que “A vida do cristão consiste justamente em fazer surgir o novo.” (pp. 356-357)
A esperança suscitada pelo discernimento opõe-se ao escatologismo de tudo esperar por milagre, sem qualquer disposição de fazer a sua parte. A esperança cristão anima os cristãos ao protagonismo, a lutarem enquanto esperam, confiantes, na plenitude dos tempos. Não se omitem de fazer a sua parte, de fazer a sua ação, conforme sua vocação. (p. 357)
Para o autor, “o discernimento não se deixa guiar pela sugestão da circunstância: está à escuta do Espírito para criar alguma coisa de novo que vai além dos costumes, dos determinismos, das exigências das circunstâncias.” (p. 357)
Embora não tenha faltado, ocorre que a tradição teológica cuidou pouco da questão do discernimento. Em parte, por conta da escolástica com sua visão de mundo próxima da civilização helenística; em parte, por conta da Cristandade, e em parte também por conta da Reforma que, ao enfatizar demais a fé pura, desconfiava das mediações temporais, levando, assim, a um entendimento de uma mensagem cristã fora da história ou sem história. Ora, o autor sustenta que o verdadeiro discernimento não pode vir unicamente da fé, mas, ao mesmo tempo, da fé e da história. (pp. 357-358)
Nos momentos conflitivos, de que a vida também se compõe, não há unanimidade nas posições tomadas pelos cristãos. Ocorrem, com frequência escolhas diversas e até opostas. É a massa dos pobres que se levanta, em protesto e mesmo em revolta contra as estruturas perversas do mundo, como no caso das cristandades, em que, ora com uma resistência surda, ora com manifestações de revolta, levantam-se contra a corrupção do clero, contra a aliança da Igreja com os privilegiados. (pp. 358-359)
No caso das massas latino-americanas, sucede a mesma desconfiança dos pobres em relação às elites dominantes. Estas atribuem tal atitude dos pobres à falta de esclarecimento, de instrução, mas o autor atribui tal atitude dos pobres ao exercício do discernimento sob a inspiração do Espírito. Atitude de desconfiança que persiste, mesmo quando as elites tentam cooptar os pobres, fazer reformas para manter inalteradas as estruturas. (p. 360).
O povo dos pobres – especialmente os camponeses – tem tido contínua desconfiança diante das propostas de mudança vindas da burguesia e seus aliados. Tem-se distanciado do oportunismo, da sede de poder dos setores dominantes. Tem preferido a “theologia crucis”, mantendo-se avessos à vitória dos poderosos. (p. 361)
O povo dos pobres – especialmente os camponeses – tem tido contínua desconfiança diante das propostas de mudança vindas da burguesia e seus aliados. Tem-se distanciado do oportunismo, da sede de poder dos setores dominantes. Tem preferido a “theologia crucis”, mantendo-se avessos à vitória dos poderosos. (p. 361)
Ao abordar o sentido do discernimento, o autor sustenta que este se dá em meio aos desafios da história, razão por que não fiquem os cristãos a pretender praticar o discernimento na história, a partir de um ponto zero, pois a história é um contínuo, e o Espírito age como ato segundo e corretivo. Eis por que, para o autor, “Discernir é, ao mesmo tempo, compreender a ação real, compreender o sentido do Espírito e compreender como se compõem o Espírito e o mundo atual.” (p. 364)
O discernimento se faz à medida que os cristãos ousam participar da aventura histórica, e não dela se afastar. Isto requer conhecê-la, em suas esferas econômica, política e cultural, recorrendo à mediação das ciências humanas, mas indo além delas, perscrutando o que o Espírito tem a dizer. As ciências humanas ajudam a dizer o que se passa, mas a voz do Espírito chama para algo mais, para o que pode ser. O discernimento não compactua com a necessidade imperiosa de se vencer, a todo preço. Este tipo de história só interessa àquele que está obstinado a vencer, enquanto o verdadeiro discernimento evita essa lógica, sente-se dela emancipado, donde o sentido da “theologia crucis”, no sentido de que para se ganhar, é preciso saber perder. Ora, para entrar na história, é preciso conhecê-la. Para entrar na evolução da economia, da política ou da cultura, é preciso fazer parte dessa evoluação, saber quais as forças e recursos de que dispõe. É preciso conhecê-la não só no que é, mas naquilo que não é.” (…) “O Espírito fornece o conhecimento do que poderia ser: como o messianismo pode se transformar realidade.” (pp. 364-365)
Só o povo dos pobres se interessa mesmo pelo discernimento, no sentido de ter realizada, já aqui, a utopia do Reino de Deus, já que aos poderosos interessa manter a história tal qual é, entendida como uma necessidade invencível, pois assim mantê-la lhes interessa. (p. 365)
O tópico seguinte trata da “prática do discernimento”, que signica o discernimento na prática, pelos caminhos da história. Um primeiro ponto aqui focado diz respeito ao desafio de se saber dosar bem o tempo entre as tarefas do cotidiano e a responsabilidade cidadã, isto é, a vida pública. Uma esfera está ligada à outra. Uma é importante para a outra. Ao longo do livro, o autor destaca a primazia do público na proposta cristã: “Que o cristianismo não diz respeito apenas, nem mesmo em primeiro lugar, à vida quotidiana, este livro supõe em cada página.” (p. 366)
O grande desafio colocado ao cristão, a cada momento: a tensão entre a defesa da honra (que se faz na vida pública) e a busca de segurança (alvo da vida privada): “A honra o chama para a praça pública e a segurança o retém em seu lar. Entre a honra e a segurança a batalha é permanente.” (p. 366)
O grande desafio colocado ao cristão, a cada momento: a tensão entre a defesa da honra (que se faz na vida pública) e a busca de segurança (alvo da vida privada): “A honra o chama para a praça pública e a segurança o retém em seu lar. Entre a honra e a segurança a batalha é permanente.” (p. 366)
Mas, há o risco de entrar para a vida pública como meio de realização de interesses particulares: é, no caso, a privatização dos espaços públicos… (p. 366)
A vocação do cristão o induz à vida pública, à ação no mundo. Assim é a vocação religiosa: um chamamento ao comparecimento à praça pública, assemelhando-se ao significado do que foi o batismo para Jesus: uma entrada para a vida pública. Daí a afirmação do autor, de que “A vocação religiosa é uma opção pela ação pública o mais integral possível.” (…) “O Espírito, mais que todas as solicitações de honra humana, é capaz de provocar .opções pela ação pública, com sacrifício da vida privada ou quotidiana.”(p. 367)
O discernimento se faz a partir de uma relação madura entre o respeito à subjetividade e o respeito à comunidade. No caso dos jesuítas, de início até se tentou respeitar a autonomia relativa do indivíduo, mas no final, o acento terminou recaindo na obediência total ao superior. Passou-se de um subjetivismo a outro (o do superior). Salvo exceções proféticas, o discernimento nasce de uma construção coletiva, de uma inserção numa corrente, num movimento histórico. O discernimento não procede, normalmente, de um ato isolado. Mesmo quando é difícil construir-se um consenso, é mais seguro tentá-lo por essa via do que aceitar que brote de indivíduos isolados. (pp. 368-370)
Na segunda parte do capítulo, a atenção do autor se volta para a libertação dos pobres e suas mediações. Desde suas origens, o Cristianismo se faz em movimento, em movimento comprometido com a libertação dos pobres. É pela ação dos movimentos históricos que tal libertação se vai fazendo. No período da cristandade buzabtuba, passa-se a centrar a liberdade dos pobres na força do rei ou do imperador, cabendo-lhe a tarefa de proteger os pobres. A partir do século XIX, foi-se entendendo melhor que a libertação dos pobres é fundamentalmente obra deles próprios. Seus aliados podem ajudar tal processo, mas jamais substituir o protagonismo dos pobres, nesse processo: “A tradição cristã impõe uma distinção entre a ação dos pobres que se libertam e a ação dos outros para libertar os pobres.” (…).”Nenhuma ação de libertação feita pelos pobres consegue substituir a ação dos próprios pobres.” (…) “Basta rever a história dos últimos vinte séculos para constatar que, a cada passo, aqueles que assumem a representação dos pobres e assumem ou guiam em seu nome a libertação, se tornam, por sua vez, uma nova classe dirigente e refazem a sociedade de tal modo que ela perpetua seu papel dirigente: a mediação se torna seu próprio fim.” (pp. 371, 372 e 373)
Isto se tem dado secularmente, pela instalação do medo sobre os “de baixo”, em cada época, inclusive nos processos revolucionários contemporâneos, em que o partido assume em nome de toda a classe, e passa a desconfiar da ação das massas. A verdadeira libertação dos pobres não comporta receitas trazidas de fora para dentro nem de cima para baixo. Supõe, isto sim, exercício do silêncio perante os pobres e muita disposição de escuta. Isto também vale em relação à Igreja, como ensinam os documentos de Medellín e de Puebla. Aí a Igreja reencontra sua vocação. (p. 374).
O último tópico da segunda parte do cap. IX trata do sentido e do papel da mediação. Como oprimidos, os pobres são, não raro, mantidos sob a sujeição, a resignação e a acomodação. Sozinhos, não conseguem organizar-se em busca de sua libertação. Precisam de uma mediação, de verdadeiros aliados que os animem, sem tomar-lhes a direção, nesse processo de libertação: “Os pobres não se libertam, se para isso não forem chamados. Precisam de uma promessa e de uma esperança para que tenham fé e se ponham a caminho. ´É este o papel dos profetas. O cristianismo introduz neste mundo a função profética e é uma função animada pelo espírito.” (p. 374)
“A tragédia das igrejas durante ps dois últimos séculos e até esses últimos anos foi que elas renunciaram a levantar a voz. No seio da miséria, a classe operária foi despertada em muitos lugares e impelida para a ação por outros profetas. Os anais do socialismo mostram o quanto, pelo menos os militantes das primeiras gerações, agiram como profetas, no momento em que os profetas oficiais calavam.” (p. 374)
“A tragédia das igrejas durante ps dois últimos séculos e até esses últimos anos foi que elas renunciaram a levantar a voz. No seio da miséria, a classe operária foi despertada em muitos lugares e impelida para a ação por outros profetas. Os anais do socialismo mostram o quanto, pelo menos os militantes das primeiras gerações, agiram como profetas, no momento em que os profetas oficiais calavam.” (p. 374)
Embora haja distinção entre a ação profética e as funções políticas, cabendo, antes, ao profeta “preparar uma palavra”, enquanto a preparação da ação é, antes, da alçada do político, o autor alerta quanto a que “o profeta deve ser livre diante do poder e, sobretudo, deve ter o poder de chegar realmente até os pobres.” (p. 375)
Não há sistema imutável. É preciso conhecer seus pontos frágeis, e pôr-se em ação. Para se manter, o sistema cuida de manter os pobre ignorantes do seu funcionamento. Cabe a quem entra para o discernimento a tarefa de examinar qual é sua parte, já que todos têm uma fatia de poder, e colocá-la a serviço da mudança. Da mudança do sistema: “O discernimento se refere, portanto, em primeiro lugar, à mudança do próprio sistema.” No entanto, o processo de libertação dos pobres é algo incessante, não basta pôr-se abaixo o sistema dominante, é preciso estar sempre disposto a corrigir, a fazer nova conversão, para o que também aí é relevante a ajuda dos que vêm de cima, desde que caminhem lado a lado com os “de baixo” (pp. 377-378).
Não há sistema imutável. É preciso conhecer seus pontos frágeis, e pôr-se em ação. Para se manter, o sistema cuida de manter os pobre ignorantes do seu funcionamento. Cabe a quem entra para o discernimento a tarefa de examinar qual é sua parte, já que todos têm uma fatia de poder, e colocá-la a serviço da mudança. Da mudança do sistema: “O discernimento se refere, portanto, em primeiro lugar, à mudança do próprio sistema.” No entanto, o processo de libertação dos pobres é algo incessante, não basta pôr-se abaixo o sistema dominante, é preciso estar sempre disposto a corrigir, a fazer nova conversão, para o que também aí é relevante a ajuda dos que vêm de cima, desde que caminhem lado a lado com os “de baixo” (pp. 377-378).
No final do capítulo, o autor alerta quanto ao fato de que classe dominante alguma cede espontaneamente o poder, donde a necessidade de uma longa preparação que supõe vários passos. Um deles consiste em distinguir entre discurso e prática, não só do sistema como também de seus aliados. Não raro, estes a pretexto de servir, buscam mesmo sua promoção, a manutenção ou ampliação de seu status, sua ascensão funcional. Tal como ocorre aos próprios aparelhos do sistema: só falam em servir ao povo, quando, na verdade, tratam de preservar ou ampliar seus interesses: “É assim que os funcionários servirão àqueles que poderão aumentar o poder do sistema.” (…) “A ação cristã consiste em uma conversão dos poderes em serviço.” Por mais forte que pareça, todo sistema é mutável, “Continua sendo uma ação de homens e depende da ação de homens pessoalmente responsáveis.” (p. 379)
Conclusão do livro (pp. 380-389)
O autor põe ênfase nos pontos-chave refletidos ao longo das quase 400 páginas do livro: a ação do Espírito no mundo tem sido constante, ao longo da História, em particular dos últimos vinte séculos. Trata-se de uma presença atuante em milhares de ações, em ações múltiplas. A ação do Espírito se conhcce pelo seu caráter libertador. A força libertadora do Espírito se faz a partir dos pobres, dos fracos deste mundo, a quem o mesmo Espírito chama e anima a transformar o mundo, a partir da mudança de si mesmos. (p. 380)
Só conhecemos um pequena parcela da ação que o Espírito suscita e e anima no meio dos pobres. Elas são múltiplas e silenciosas, na maioria das vezes. Aparecem mais pela iniciativa de seus representates (tomados positiva ou negativamente) do que pela dos próprios oprimidos. O Espírito também leva tais ações muito além dos objetivos perseguidos pelos movimentos dos pobres. Sua ação se espalha como manhca de óleo. Nâo necessariamente de forma pura, a ação se dá de forma misturada, de modo a envolver heroísmo, testemunho, mas também medo, covardia, taição…(p. 381)
Agir é entrar num dos canais da correnteza da história da humanidade, sabendo de nossas limitações históricas e buscando superá-las pela força do Espírito. Ação implica mudança, em espaço, em tempo e em ritmos diferentes: às vezes, as mudanças se dão pouco a pouco, lentamente (como na Cristandade, de feição rural, por exemplo), às vezes, também, podem dar-se de modo brusco, nos processos revolucionários. A ação se dá com erros e acertos. Mesmo errando, é melhor agir do que cruzar os braços. (p. 382)
Por vezes, sucede que processos revolucionários instalem a dúvida entre os cristãos, estes não escolhem “o” processo revolucionário de sua preferência, são instados a se posicionar ao lado deles, com discernimento. Isto significa não se contentar com a mudança, mas ousar transformar sempre, libertar da própria libertação (aprimorar a libertação. Isto não pode ser obra espontânea da história, como o entende a secularização, que se conntenta com conferir um sentido, sem agir na transformaçação propriamente (p. 383)
A ação libertadora se dá de vários modos e ritmos. Às vezes, por meio de uma longa resistência muda; outras vezes, aparece mais expressamente. Para cada situação concreta, há uma determinada forma de ação. Tudo tem sua hora. O Espírito está sempre soprando, mas nem sempre se responde positivamente ao Seu chamado. Nos Estados liberais do séc. XIX, não se agia junto aos movimentos sociais, por se entender que tal ação não era própria dos cristãos; outras vezes, a ação foi bastante limitada por conta da repressão do Estado (como na Rússia stalinista), A tentação é substituir a ação pela palavra, pela interpretação, e deixar ao Espírito o que tarefa dos homens (cf. p. 384)
A primeira experiência de inserção da Igreja no palco do mundo se deu por meio da Cristandade bizantina, através dos signos litúrgicos que substituaíam a ação no mundo. O que estava por trás dessa opção é o receio de agir no mundo, por conta dos riscos de impureza, de se misturar com os não-puros. Daí a nostalgia e encantamento pelas comunidades primitivas, que também não tinham uma ação propriamente no mundo, segundo sua voccação, o que vai acontecer um século depois, nas perseguições pelo enfrentamento do mundo, conforme sua vocação (cf. p. 385)
Por não se viver uma “época de síntese”, em que predomina um consenso significativo, mas, antes, um tempo de muitas dúvidas e de uma considerável diversidade de interpretações, os pobres agem dentro dessa diversidade, nela procuram fazer caminho de libertação. Com a modernidade, centrada na razão (ou num tipo de razão), pretendeu-se impor a todos um modelo. O resultado foi a imposição de uma escravidão. É na diversidade que está a ação cristã, à medida que respeita várias razões, com diversidade de ciências. (cf. p. 386)
Dentro da ampla diverdidade e multiplicidade da ação, importa destacar a ação escondida, protagonizada pelos pobres, no anonimato do dia-a-dia, na invisibilidade das correntezas subterrâneas. Tendo em conta tal diversidade de ação, convém evitar reduzi-la a um modelo único, já que a ação se insere em situações particulares, mas não isoladas, mas articuladas e solidárias. Referindo-se à diversidade de perfil entre católicos (que trabalham mais ligados a uma referência mais ampla) e reformados (que tendem a afirmar mais fortemente sua singularidade, dos a diversidade de denominações, enquanto não se consegue uma verdadeira integração, é preferível trabalhar-se a diversidade, por ser mais autêntica. A recomendação é que, entre uns e outros, se aposte na complementaridade, ainda que de difícil articulação. (cf. p. 387)
A conjuntura dessa época (1980) indica a necessidade de se priorizar volta à política, como forma de ação, vencendo-se assim a tendência positivista de se acreditar que o culto à razão e à ciência fosse suficiente para fazer chegar um mundo de paz e de justiça. A volta à política enfrenta, porém, o desafio de se enfrentar a tendência à militarização então reinante, em que tudo se avalia sob o olhar da tática ou da estratégia, em que tudo é olhado como instrumento dessa lógica. (cf. p. 388)
Os desafios presentes (a tendência à militarização da vida civil, tendência a transformar tudo em alvo de tática e estratégia…) precisam ser enfrentados pela volta à política. Volta ou, no caso onde nem isso tem lugar, invenção da política como meio de organizar os pobres, de fazê-los recuperar a voz, e dizer a sua palavra. É a forma atual da ação, nesse tempo, que é tempo do Espírito Santo, de sua ação no mundo. (p. 389)
João Pessoa, 6 de outrubro de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário