Durante o ano de 2010, em várias unidades da Federação, inclusive na Paraíba, estão sendo organizados encontros ou seminários de celebração, avaliação e planejamento das ações do Movimento das Comunidades Populares (MCP), nesses quarenta anos de sua história.
No domingo, 24 de outubro, tive a alegria de participar desse Seminário, realizado em Santa Rita, na sede municipal do MCP, situada no bairro do Alto das Populares, próxima ao Ginásio. Posso imaginar o semblante de apreensão de quem leia este breve relato, a partir mesmo do título: “E existe também este movimento? É a primeira vez que ouço ou leio sobre ele…” Pois bem, estamos diante de uma experiência densa de organização popular, enraizada em comunidades rurais e em periferias urbanas, com pouca ou nenhuma visibilidade midiática. Característica típica de experiências fecundas do que se tem chamado, a justo título, de “correntezas subterrâneas” Não é a única, por certo. É mais um afluente dessas “correntezas” quase invisíveis a olhos acostumados ao fluir das águas de superfície, como a experiência que tivemos durante a enxurrada do período eleitoral recém-findo…
Contrariamente ao que se poderia esperar, os protagonistas deste Movimento não agem isoladamente. Articulam-se, ao seu modo, em pequenas comunidades fortemente atuantes localmente e em constante interação com as demais, ou, na feliz expressão de Dom Fragoso, são as “articulações de micro-experiências”. Cumpre assinalar, a esse respeito, que ainda em outubro do ano passado, celebrávamos, em Serra Redonda e em Salgado de São Félix – PB, a memória de quarenta anos de uma outra de tais experiências, a da Teologia da Enxada, que também contou, entre dezenas e dezenas de participantes, com a presença atenta e servidora da representação do MCP, também conhecido pelos seus dois veículos de comunicação – Jornal A Voz das Comunidades” e o Jornal Voz da Juventude Popular, que circulam duas vezes por ano, funcionando como instrumento, ao mesmo tempo, informativo e formativo.
Pelas informações recebidas de seus membros, foi bem fácil chegar até à sede do MCP, em Santa Rita. Ao descer em frente ao Ginásio, segui em frente, e, na terceira rua (Rua Eneas Soares, salvo engano), entrei à esquerda. Logo me deparo com uma casa na frente da qual se pode ler, em letras bem visíveis, Movimento das Comunidades Populares.
Seminário marcado para iniciar às 9 horas. Cheguei por vota das 8h30, e por lá já encontrei alguns membros a ultimarem os preparativos do salão. Foram chegando os demais membros, tanto os de Santa Rita quanto os que vinham de outros municípios (o pessoal de Mogeiro – PB; a representação de São Lourenço da Mata – PE e outros).
Acolhida e início do Seminário: memória
O salão estava bem asseado, com as carteiras já dispostas em círculo, materiais sobre cada carteira, a bandeira do MCP, músicas do movimento (inclusive o hino) sendo tocadas, e com todo um clima de boa acolhida e confraternização entre os que iam chegando.
Coube a uma jovem do MCP, de Santa Rita, Domitilla (da segunda geração do Movimento), fazer a abertura do Seminário, expressando oficialmnete as boas-vindas a todos, a todas, e propondo uma apresentação de cada uma, de cada um, e rememorando a pauta antecipadamente combinada e enviada para os participantes.
Em seguida, foi solicitado aos membros mais experientes do movimento que sintetizassem o que sabiam sobre as origens do MCP. Vários dos membros foram fazendo a memória, desde as origens do MER – Movimento de Evangelização Rural, muito atuante em vários Estados. Foram relembrando facetas de suas lutas, de suas conquistas, de sua organização, recordando a caminhada em distintos períodos, os diferentes nomes pelos quais passou, inclusive a CIT – Corrente Independente dos Trabalhadores – até assumir o nome atual, Movimento das Comunidades Populares.
Foram também rememoradas características fundamentais do MCP, até hoje respeitadas pelos seus membros, dentre as quais:
– aposta na força da e na organização dos pobres, por meios e caminhos libertários;
– cultivo da organização nas e das bases (nas associações de moradores, nas associações por local de trabalho, inserção comunitária e nos movimentos populares, grupos de mulheres, grupos de jovens, escolas infantis, trabalhos em comunidades eclesiais, em rádios comunitárias, em pequenas cooperativas autogestionárias;
– investimento na formação permanente de seus membros, incluindo crianças e jovens;
– zelo pela autonomia, com vigilância para não se tornarem correia de transmissão de partido, de aparelhos governamentais e do Estado ou de igrejas;
– compromisso com os interesses da Classe Trabalhadora, com suas bandeiras e com suas lutas.
– o compromisso da solidariedade com as diferentes comunidades e respectivos membros, bem como o cultivo do respeito ao jeito de cada uma se organizar, tendo em comum os objetivos fundamentais do Movimento.
Laborando uma pauta avaliativo-propositiva
Ao agradecer pelo recebimento do convite à representante do MCP, do segmento de Santa Rita (a quem coube a delegação de fazer e divulgar o mesmo), solicitei informação sobre a pauta do Seminário. Eis a resposta:
“Pauta
1. Como avaliamos a situação do povo nos últimos 10 anos?
a) Na Economia – Trabalho renda e poupança.
b) No Social – Saúde, escola, moradia, lazer, esporte…
c) Na Política – Participação nas entidades, movimentos, pastorais e eleições.
d) Na Ideologia – Cidadania, ética, religião, consciência comunitária, respeito às crianças e aos idosos, respeito à vida humana e à natureza.
2. Qual é a causa desta situação?
3. O que estamos fazendo para melhorar esta situação?
4. Que proposta temos para os próximos 10 anos em vista de mudar a vida do povo para melhor?”
Tocante, a simplicidade da pauta, elaborada comunitariamente, bem na perspectiva do MCP. Nela vários aspectos podem ser sublinhados. De minha parte, destaco os seguintes: elaboração comunitária; propósito de exercitar um olhar (auto)avaliativo, mas partindo do chão do povo dos pobres e das comunidades, abrangendo um período de dez anos, como é o costume no MCP; disposição de identificar os entraves principais e suas causas; inquietação prospectiva…
E assim se fez. Para tanto, após o momento da rememoração das origens do MCP, a plenária foi solicitada a reunir-se em pequenos grupos, buscando orientar-se pelas perguntas constantes da pauta. A cada pequeno grupo foi indicado um local. Uns se mantiveram no próprio salão, enquanto outros se reuniram em outros lugares da sede, inclusive coube a um dos grupos reunir-se no quintal da sede, sob uma frondosa mangueira. Aqui também fiquei.
Como de hábito, em encontros do gênero, os pequenos grupos propiciam uma participação horizontal mais efetiva, à medida que, uma vez proposta uma roda de falas, cada uma, cada um tem pedaços de sua história a compartilhar, tomando a pauta como roteiro, com a coordenação de uma pessoa e a relatoria de uma outra. Bem no estilo da Educação Popular, na perspectiva de Paulo Freire.
Um bom tempo foi tomado para o cumprimento dessa tarefa, até o final da manhã. Na socialização de tais discussões, quanta riqueza de detalhes, das coisas aparentemente “miúdas” e que também encerram a beleza do Movimento e de seus protagonistas.
Saíram tantos depoimentos ou relatos tocantes de experiências do cotidiano dos membros/comunidades do MCP, na Paraíba. Sublinho os que espontaneamente me vêm à memória, com mais força:
– Investimento na auto-organização por meios próprios: o GIC (Grupo de investimento coletivo – uma espécie de caixa comunitária, na qual se depositam pequenas reservas, por um período fixo, após o qual quem nela deposita, terá assegurada a devolução integral mais uma módica remuneração, sendo que uma parte da remuneração do valor depositado vai para uma caixa comum, visando a financiar despesas com a publicação dos jornis, com o custeio de viagens e outras despesas do coletivo;
– feira coletiva: arrecadação de produtos de uma cesta básica, a ser sorteada no dia aprazado, com uma simpática acolhida e participação de muitas pessoas da comunidade;
– consórcio de objetos ou produtos, como meio de arrecadação a serviço do coletivo;
– mercadinho coletivo: organizado e coletivamente gerido por membros do MCP, com o propósito de auto-sustentação, com compromisso também com o Movimento…
No final da manhã, foi feita apenas uma parte da socialização, quando se ouve: “O almoço já está pronto!” – gritava o pessoal mais diretamente encarregado de preparar o almoço (o pessoal de Santa Rita, com a coordenação de Terezinha e Francisca). Uma delícia de almoço! Abençoadas, as mãos de quem o preparou!
Conversa vai, conversa vem, eis que alguém chama de volta todos ao salão, para assistirmos a um comovente DVD com fotos expressivas de pessoas e lugares, celebrações, eventos, relembrando momentos-chave dos 40 anos do MCP, fotos acompanhadas das músicas de referência do MCP, em cada época, inclusive do hino, que cantamos, logo no início.
Em seguida, foi dado prosseguimento à socialização do que foi discutido nos pequenos grupos, agora com uma inquietação não apenas avaliativa em relação aos últimos dez anos do MCP, mas também prospectiva para os próximos dez anos.
Em relação ao planejamento, saíram igualmente idéias muito instigantes, entre as quais:
– melhorar a articulação com as comunidades de outras regiões;
– utilizar mais e melhor os periódicos do MCP, o Jornal A Voz das Comunidades (JVC) e o Jornal da Juventude das Comunidades Populares, ambos de circulação semestral, não apenas para divulgação, mas também com propósito formativo e informativo;
– pensar um programa de formação contínua, que se possa viabilizar também por meio da internet, recorrendo-se, inclusive a uma página eletrônica para o Movimento, sem se descuidar dos contatos e visitas indispensáveis.
– cultivar com mais entusiasmo as raízes bíblicas do MCP, por meio de uma mística formativa pessoal e comunitária, à luz da Teologia da Libertação.
Aqui apenas tangencio um ou outro ponto, lembrando a rica diversidade de pontos, experiências e sugestões socializados. Aqui se trata de socializar apenas alguns momentos do referido Seminário, a partir do meu olhar parcial e limitado. Consola-me o fato de que o MCP tem seus próprios relatores e relatoras, que hão de socializar o mesmo acontecimento, de modo mais circunstanciado.
Ao me despedir, agradecido, daquele marcante Seminário, do qual participaram, entre outras pessoas, Chico Malta (Carrapateira, Cajazeiras – PB), Aldo (São Lourneço da Mata – PE), Domitilla (Santa Rita), Terezinha (Santa Rita, Jaqueira), Tiago (Santa RIta), Ronaldo (Santa Rita), Francisca (Santa Rita), Augusto (Santa Rita), Juan (criança, Santa Rita), Marília (Santa Rita), Zezinho (Assentamento João Pedro Teixeira, Mogeiro), Tito (Assent. J. P. Teixeira, Mogeiro), saí com a convicção de tratar-se de um movimento com um jeito alternativo de lutar por uma nova sociedade, bem ao modo do que se vem chamando de “correntezas subterrâneas”.
João Pessoa, 09 de novembro de 2010.
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