Por maiores que sejam nossa ira e nossa indignação cívicas – e devemos expressá-las com toda a força! -, a rigor, não dá para qualificar de surpreendente a iniciativa dos parlamentares brasileiros, de aumentarem escandalosamete seus próprios vencimentos, estendendo sua larga generosidade, feita com chapéu alheio (o já tão arrombado erário), a seus colegas do Executivo… (O Judiciário já tinha feito sua parte…).
Estamos cansados (será que estamos mesmo?) de sofrer na pele toda uma vasta sucessão de desmandos ético-políticos, protagonizados, de distintas formas, por essa gente que diz “representar” o povo brasileiro… Sua mais recente iniciativa revela-se, pois, como mais uma, no amplouniverso de falcatruas, de que temos sido vítimas. Até quando?
Uma coisa temo-nos obsessivamente negado a reconhecer: longe de tratar-se de atos isolados, tais iniciativas fazem, antes, parte da natureza mesma da estrutura do Estado. Concernem à sua lógica intrínseca. Exceções pode haver, as há – alguns votaram contra, uma pequena minoria, uma exceção que não compromete a regra, mesmo na improvável hipótese de estes virem a comprometer-se efetivamente a devolver ao erário a gordura do aumento desproporcional…
Inútil, recorrer-se ao pretexto de equiparação ao nível de vencimentos de seus colegas do Judiciário, que também recebem mais do que deveriam, considerando-se o contexto de remuneração da enorme maioria da população brasielra. Um erro não justifica outro. Para ter consistência ética, sua atitude deveria ser a de denúncia e de pressão, junto às forças da sociedade, no sentido de forçar o Judiciário a conter sua ganância.
Não é isto o que sucede. Não é isto que vai demover os parlamentares de sua decisão. Por quê? Porque sabem muito bem que, passado um certo temo, “o povo esquece”, e tudo volta ao “normal”, até que sobrevenha um novo escândalo. Nas próximas eleições, eles seguirão contando seguramente com os votos de “seus” eleitores…
A tendência da enorme maioria é a de conformar-se, é a de “naturalizar” tal iniciativa, sob os mais distintos pretextos: “Política é assim mesmo, não tem outro jeito.” E, chegadas as próximas eleições, as pazes já estarão feitas: todos vão comparecer normalmente às urnas, e eleger seus “representantes”…
Há, contudo, quem assim raciocine: “O Parlamento tomou tal decisão desastrada, mas o parlamentar em que votei, posicionou-se contra.” Se, por um lado, isto nos traz algum consolo – “Nem todos os políticos calçam 40” -. por outro lado, é chegada a hora de nos fazermos algumas perguntas incômodas:
– No universo dos que votaram o acintoso Projeto, em causa própria, quantos tiveram a honradez de votar contra? Que percentual isto represnta? Menos de 10%!
– Tendo em vista que não parece razoável descolarmos rigidamente o parlamentar do seu respectivo partido, qual foi a posição do partido? Fechou questão? Liberou geral? Lavou as mãos?
– Sem negar o acerto do seu voto, no caso específico em apreço, qual o efeito concreto do mesmo na configuração do resultado?
Incomodando queridos amigos e amigas, mantive uma atitude de quase indiferença em relação a campanhas do tipo “Ficha Limpa”. Sem cobrar nada de ninguém, custa-me muito empenhar-me por algo que me parece um tanto bizarro: lutar por que no exercício da política, os protagonistas sejam éticos. Mas, isto não deve ser assumido como um pressuposto? E não apenas de candidatos e candidatas, também de eleitores e eleitoras, ou seja, de cidadãs e cidadãos. Ser ético não é um requisito para todos os humanos, em quaisquer espaços sociais? Isto me indigna: gastar meu tempo em lutar por gente ética no exercício da política, enquanto critérios especificamente políticos correm o risco de ser negligenciados!?…
Damo-nos conta de uma situação mais complexa do que um ou outro sintoma: vivemos numa sociedade gravemente enferma, razão por que somos chamados a buscar um bom diagnósticos, não nos contentando com sintomas mais aparentes. Um desses sintomas incide, certamente, na dimensão ética. Mas, nossa intenção é de examinar as raízes mais fundas do mal. Tentar curar o mal por sintomas superficiais pode resultar enganoso. No caso da campanha “Ficha Limpa”, são várias as dúvidas:
– Como configurar um “ficha-suja”, para além de sinais superficiais/artificiais?
– No emaranhado ético-político do cenário político brasileiro, o que significa ser “Ficha Limpa”, nas diferentes esferas do Estado?
– E na esfera da sociedade civil, não há fichas-sujas? Os eleitos caem do céu, sem passar pelo crivo dos eleitores?
– Quem julga os fichas-sujas?
– Qual o resultado efetivo dessa Lei? Foram apanhadas figuras tão notórias, a exemplo de Maluf? São tantas perguntas, que me fazem evocar uma poesia medieval, “Manus ferens munera” (A mão que dá propina), bem no estilo satírico dos Goliardos, da qual cito algumas linhas:
“A mão que dá “presentes”
Torna mau a quem é bom
O dinheiro firma alianças
A propina é conselheira
O dinheiro torna liso o que é áspero
O dinheiro amansa adversários.
(…) Onde fala o dinheiro
O direito é invertido”
Torna mau a quem é bom
O dinheiro firma alianças
A propina é conselheira
O dinheiro torna liso o que é áspero
O dinheiro amansa adversários.
(…) Onde fala o dinheiro
O direito é invertido”
Deixei de votar, já faz algum tempo. Mas, se ainda votasse, não votaria num candidato, numa candidata só por ser ético/a. Isto tomo como um pressuposto de todo ser humano, para qualquer atividade: na família como na profissão; nas igrejas como nos clubes; nos espaços privados como nos espaços públicos. Claro que também no Parlamento, no Executivo e no Judiciário. Para o exercício político, sendo esta qualidade um pré-requisito, tenho que ter outros critérios específicos, que com o entusiasmo acrítico da campanha, podem resultar sub-avaliados.
Mas, já não acredito que logremos êxito, seguindo apostando o melhor de nossas forças e do nosso tempo em corrigir o incorrigível, tentando enxugar gelo ou ensacar fumaça…
O que fazer? Não tenho qualquer receita. Ignoro “o” caminho. Todavia, mantenho aceso o alerta da personagem José Dolores, do filme “Queimada”: “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como, e não saber para onde ir.”
Quanto ao caso – mais um – dos parlamentares brasileiros, estou convencido de que corresponde à natureza da estrutura do Estado, tem a ver intrinsecamente com sua lógica. A função efetiva do Estado e seus aparelhos (legislativo, executivo, judiciário, aparelho repressivo) – ainda que se declare outra coisa: “fazer o bem comum” – é o de manter, em última instância, e até ampliar os interesses das forças dominantes (conglomerados transnacionais atuando em diferentes áreas estratégicas; G-7/G-20, organismos multilaterais, (quase todos os) demais estados nacionais e seus aliados: alô, mídia!). Nessa direção é que se definem as leis, inclusive a do orçamento. Para dourar a pílula, as sobras do orçamçamento vão para as políticas compensatórias, visando a aplacar a fúria das massass…
Enquanto não despertarmos para uma Cidadania crítica, tomando em conta os reais interesses das grandes maiorias alijadas dos serviços públicos de boa qualidade, e com um alcance universalizante, seguimos contentando-nos com as migalhas caídas do banquete das tansnacionais e do agronegócio… Até quando?
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