ANOTAÇÕES
EM TORNO DO MÉTODO HISTÓRICO-DIALÉTICO
(Itinerário
seguido, por ocasião da exposição compartilhada, no Seminário de Tese, junto
aos doutorandos e doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
UFPB, em 08/06/2018)
Alder Júlio Ferreira
Calado
Parte considerável de pesquisadores e
pesquisadoras, no campo das ciências sociais - entre eles, alguns doutorandos
presentes, tem-se orientado, em seus trabalhos pelo Método histórico-dialético.
Todos reconhecem o desafio que representa tal escolha, especialmente pela
dificuldade de lidar com tal conceito teórico-metodológico, razão pela qual
houveram por bem, junto com os coordenadores do referido Seminário de Tese,
reabrir o debate acerca deste desafio, para o qual fui convidado a contribuir,
aportando algumas anotações a este respeito. A exposição de mais de duas horas
sobre o tema, tratei de resumir, nas linhas que seguem. E houve por bem
fazê-lo, distribuindo a exposição em três tópicos interrelacionados: primeiro,
lembrando as acepções polissêmicas comportadas pelo conceito
"Dialética", seja em suas raízes históricas (de Heráclito a Hegel),
seja em sua acepção mais diretamente trabalhada por Marx. Em seguida, tratamos
de examinar como Marx lida com este método, em algumas de suas obras
principais. Por último, cuidamos de refletir sobre o potencial fecundo deste
método, bem como quais as condições favoráveis que viabilizam melhor sua
aplicação, na atual realidade.
1. Dialética, conceito polissêmico...
O caráter
polissêmico do conceito "Dialética" não se dá apenas em razão de sua
reconhecida complexidade, mas também decorre de mal-entendidos não
desprezíveis. Um desses mal-entendidos induz a não poucos a associarem tal
conceito exclusivamente à tradição marxista, quando se sabe que o próprio Marx
se reconhece tributário de Hegel, nas origens de sua formulação. Mais: também,
há de lembrar que, a despeito de ter sido Hegel seu
formulador mais
conhecido, convém lembrar que a Dialética antecede, em séculos, à
brilhante formulação hegeliana. Data, conforme o atesta a maior parte das
fontes históricas, ao período pré-socrático. Aqui, se faz conhecida, sobretudo,
a contribuição de Heráclito, a propósito de quem se notabilizou um de seus
famosos fragmentos , onde a idéia de movimento (princípio-chave da Dialética)
se faz presente, ao afirmar, por exemplo, que ninguém se banha, mais de uma
vez, nas mesmas águas de um rio, pois ao nelas mergulhar pela segunda vez, já
não mais encontra as mesmas águas... O movimento faz parte da vida, pois "Panta
rei" (tudo flui).
Na vasta literatura
específica disponível, há referências (diretas ou indiretas) a uma
multiplicidade de autores clássicos lidando com a Dialética, além dos
pré-socratácios. Elencam-se, entre outros: Sócrates, Platão, Santo Agostinho...
É, contudo, a partir de F. Hegel, que se tem um tratamento mais sistemático,
com sua famosa Fenomenologia do Espírito, à qual sucedem-se outras
escritas pelo mesmo autor, nas quais tematiza, de um modo ou de outro, a
questão da Dialética.
Há, também, quem
reconheça no filosofar de Sócrates a presença de elementos da Dialética. Com
efeito, sua própria Maiêutica comporta traços do raciocínio característico da
Dialética, à medida que aí se propõe e se exercita um caminho de produção do
conhecimento por meio da Dialética, de tal modo
que, em Hegel, mais
do que um método, a Dialética constitui o modo mesmo de a história fluir. Distintamente
de figuras que o precederam, Hegel sublinha sobremaneira a historicidade da
"consciência de si", ainda que atribua ao movimento do espírito, ao
movimento das idéias, a dinâmica da história humana, ao que, mais tarde, seu
discípulo Marx se contraporá, como veremos mais adiante. Tal
contraposição, todavia, não significa sua completa negação, mas, antes, de um
lado, o reconhecimento da genialidade de sua formulação, e, por outro, de sua
aplicação ao movimento materialista da história. Com efeito, as característica
da Dialética trabalhadas por Hegel, tais como o princípio das relações
contraditórias, o princípio da totalidade e o princípio das mediações serão
retomadas por Marx, desde o ponto de vista do Materialismo histórico-dialético.
Tomada, aqui, enquanto método científico, quais as principais
marcas da Dialética? Tratemos de destacá-las, mais detidamente.
- Princípio do
movimento – Esta marca da Dialética,
trabalhada desde Heráclito (ou mesmo antes, com a densa herança cultural também
presente em outros povos, como os aborígenes, o povo chinês e outros), ganha
especial relevo com Marx, por meio do Materialismo histórico-dialético, à
medida que, tratado num contexto societal de conflitos de classes, passa a
exercer uma força transformadora inestimável para os “de baixo”: se a situação
se apresenta hoje insuportável para os “de baixo”, estes passam a tomar
consciência de que aquela situação é histórica, portanto mutável, injetando
neles uma esperança extraordinária de mudança, graças ao seu empenho coletivo
de sujeitos históricos. Tal entendimento comporta uma especial energia
transformadora, revolucionária. À medida que os “de baixo” vão assumindo sua
condição de protagonistas, neles vai crescendo e tomando corpo sua consciência
histórica, materializada em suas lutas de alternatividade, diante do sistema
hegemônico.
- Princípio
da Totalidade – Já presente na formulação hegeliana
e outras precedentes, a noção de Totalidade encontra na obra de Marx seu ponto
mais expressivo, principalmente quando ligada, não apenas a categorias
conceituais, mas principalmente como interpretação da realidade, a serviço de
sua transformação. Neste sentido, importa ( tanto ao analista quanto ao
pesquisador-militante) ir além de uma percepção fotográfica ou parcial da
realidade, sempre em busca de apreender sua totalidade.
- Princípio
da Interconexão – Também conhecido como
“interação universal”, o princípio da interconexão consiste na percepção de que
tudo está interrelacionado , tudo está interligado. A este
respeito permitimo-nos remeter a um texto/ canção sobremaneira
ilustrativo: cf. o link: https://www.youtube.com/watch?v=1do_VBZG9Ps
Vale lembrar, a este propósito,
a íntima associação existente entre interconecção e complexidade, questão
também presente e analisada, quando tratarmos das mediações.
- Princípio
das relações de contradição – Ao contrário da
lógica cartesiana, a Dialética atem-se ao movimento da realidade concreta, que
não se faz de modo linear, mas em relações descontínuas, no entrechoque das
relações sociais. Aquilo que se manifesta como fatos, situações ou entes
contrários, comporta, de algum modo, um fio condutor comum, uma espécie de
unidade dos contrários. Assim, é que situações opostas como a existente entre
pobres e ricos, só se compreendem objetivamente inseridas num contexto de
unidade, ou seja: é improvável explicar-se satisfatoriamente o empobrecimento
de um povo, somente a partir dele, mas é fundamental, na Dialética, perceber a
relação que une pobreza e riqueza, de tal sorte que só se explicam os
miseráveis em função da exploração produzida pelos setores dominantes e
concentradores.
- O Princípio das
Mediações- Em Hegel, mas principalmente em
Marx, vem desenvolvida a categoria “Mediação”. No caso de Marx, este conceito
corresponde à sua tentativa de equacionar a tensão entre o ser humano genérico
e o ser humano singular. A grande meta de Marx é a de buscar uma aproximação
processual entre o que é característico do ser humano em geral ( “ homem
genérico”) e o modo de cada ser humano portar-se singularmente. Para Marx,
restam vitais indagações do tipo: por que há seres humanos que conseguem
apreciar e exercitar artes maravilhosas ( contemplar um quadro, fazer uma
escultura, fruir uma saborosa culinária) enquanto tantos outros não logram tal
condição. Neste sentido, importa ver além das aparências ou além de como se nos
apresenta determinada coisa, objeto ou situação. Este é o papel das mediações.
É por força do exercício da mediação, por exemplo, que ao estarmos diante de
uma banca, de uma mesa , de uma cadeira, não nos contentamos com aquela
manifestação, mas sobre cada um desses objetos ou situações, não cessamos de
perguntar coisas do tipo: de que é feito este objeto? De que matéria-prima foi
extraído? Qual o impacto de tal extração sobre as condições socioambientais?
Que processo de produção e de trabalho caracteriza a fabricação deste objeto?
Como se dá sua circulação? Quem ganha? Quem perde?...
- O Princípio da
Transformação da Quantidade em Qualidade – É comum ouvir-se “ não me preocupo com quantidade, mas só com a
qualidade.” No campo da Dialética, todavia, qualidade e quantidade se acham
intimamente vinculadas, de tal sorte que uma pode implicar a outra. Um de
tantos exemplos incide na passagem do estado ( portanto, qualidade), líquido ao
estado gasoso: posta em fervura, a água se evapora, ao atingir cem graus
centígrados...De modo semelhante, no âmbito da realidade social, pode haver uma
diferença qualitativa na ação transformadora da realidade social, quando
protagonizada por um “gato pingado” de militantes ou quando se conta com um
número relevante desses agentes.
.A Dialética como instrumento fecundo de análise da realidade.
A realidade, em
geral -e a realidade social, em particular-, caracteriza-se pela sua
complexidade. Ela não se dá a conhecer imediatamente pelo sujeito cognoscente
(singular ou coletivo). Por estar sempre em movimento, e tratando-se de um todo
uno, sua complexidade resulta inevitável para o seu conhecimento. Não se trata
de algo fora do alcance de quem se empenhe em conhecê-la, mas requer
inafastáveis mediações. O sujeito cognoscente (individual ou coletivo) precisa
dotar-se de instrumentos ou de lentes especiais para buscar acessar a
realidade, sem nunca consegui-lo completamente. Tal “coisa em si” não se deixa
possuir inteiramente pelo sujeito cognoscente. Este contenta-se com
aproximar-se da realidade.
A complexidade da
realidade social requer, portanto, do analista dotar-se de algumas condições,
em busca de aproximar-se mais de perto de seu alvo. Estando a realidade social
sempre em movimento, e sendo ela uma unidade, requer, da parte de quem pretenda
dela aproximar-se, que também se ponha em movimento e analise, não aos pedaços,
mas em sua totalidade. Pretender-se conhecer a realidade social, a qual está
sempre em movimento, como se esta fosse uma fotografia, constitui um risco de
reducionismo. É fundamental busca conhecê-la, mais do que como numa foto,
observá-la como num filme. A este respeito, uma das críticas mais contundentes
levantadas à Modernidade, consiste na tendência ainda presente de tentar ver a
realidade, decompondo-a em recortes, em disciplinas estanques Política,
Economia, Sociologia, Geografia, Antropologia, Educação, etc., etc.).
Eis por que a
dialética, desde que tratada como instrumento analítico-histórico-dialético se
oferece como um método de considerável penetração e compreensão da realidade
social, ainda que, também ela, sujeita a equívocos, uma vez que a própria
ciência não escapa aos limites do conhecimento (parcialidade, provisoriedade...).
2. Como Karl Marx lida, em sua obra, com o método do
Materialismo Histórico-Dialético.
Aos objetivos deste Seminário – acima mencionados -, na sessão
de hoje, ousamos agregar o de render homenagem ao legado de Karl Marx
(1818-1883), razão por que este ano transcorre seu segundo centenário de
nascimento. Durante os seus fecundos 65 anos, dedicou cerca de quatro décadas a
intensas pesquisas, a serviço da humanidade. Marx é uma daquelas figuras
clássicas tornadas alvo de amor e ódio, altamente injustiçadas, quanto à sua
avaliação, inclusive por muitos que nem sequer o leram, mas dele se contentam
com comentários preconceituosos da parte de quem o odeia... Aqui, todavia, não
é o lugar, nem o momento, de fornecer detalhes biográficos. Contentamo-nos com
oferecer alguns elementos superficiais de sua trajetória de pesquisador. Ainda
muito jovem, transitando entre o Direito e a Filosofia – aqui, sob a influência
de Hegel, dedicou sua tese dotoral a uma incursão pelos escritos dos filósofos
gregos Demócrito e Epicuro. Não tardaria a prosseguir seus estudos, desta feita
em atrever-se a uma avaliação crítica da obra de Hegel, enfrentando, inclusive,
as concepções religiosas entaõ hegemônicas, buscando, já então, aplicar
elementos fundamentais da Dialética, à medida que, em sua crítica à Religião,
parte da realidade terrestre, para desvendar a ideologia celeste, não por meio
de argumentos teológicos, mas por meio de abordagem antropológica, pondo no ser
humano seu ponto de partida e seu horizonte de chegada. Mesmo contrapondo-se a
uma leitura religiosa de mundo, nesta vislumbrando o efeito de um ópio (fazendo
sua a visão de mundo de seus contemporâneos, dentre os quais Herder, a quem se
atribui a famosa afirmação de que “A religião é o ópio do povo”, que Marx
também assume e reproduz), convém lembrar relevante detalhe de sua leitura
histórico-dialética: diferentemente de outros materialistas do seu tempo, Marx
também enxerga na entrega do ser humano aos destinos fixados pela divindade
como fruto e expressão de seus sofrimentos, como uma espécie de flores
encobrindo as correntes da opressão.
Resulta impactante, para quem se dispõe a observar o caminho
investigativo percorrido por Marx, em suas pesquisas de cerca de quatro
décadas, no tocante à maneira como aplica, com rigor, as marcas do método do
Materialismo histórico-dialético. Caminho que ele observa, num “crescendum”,
principalmente desde a Ideolgoia Alemã, alcançando o ápice, em seus escritos da
maturidade, em especial em O Capital. Nestas breves linhas, limitamo-nos a
fornecer algumas ilustrações práticas, com um propósito didático.
Já nas conhecidas Teses a Feuerbach, é possível observar-se uma
linha de continuidade que ele imprime em toda a sua obra. Comecemos por
sublinhar a ênfase que ele põe na prática como critério de verdade.
Diferentemente da praxe filosófica, até então, na qual tinha lugar de centralidade
a estrutura discursiva ou uma espécie de formulação idealista, Marx, por sua
vez, subverte tal caminho, antepondo a prática ao discurso ou à expressão de
uma Lógica estritamente formal, para conferir centralidade à historicidade, a
partir do esforço de apreensão do real concreto, desde o chão das relações
sociais efetivas. Eis o que constatamos na Tese 2: “ A questão de saber se ao pensamento humano
pertence a verdade objectiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser
humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter
terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um
pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
De modo semelhante, o mesmo se dá nas demais Teses. Na Tese 3,
por exemplo, sublinha a relevância do processo, também quando trata da
necessidade de formação contínua, inclusive do próprio educador/educadora: “
” A doutrina materialista de que os
seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres
humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma
educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente
pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba,
por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das
quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen). A
coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode ser
tomada e racionalmente entendida como práxiss revolucionante.”
É, contudo, na Tese 11, que Marx estabelece a maior ruptura com
a Filosofia clássica alemã e, de resto, com toda a tradição da Filosofia
clássica, ao enfatizar a prevalência do transformar o mundo sobre o mero
compreender: “ Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de
maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”
Nas obras sucessivas, igualmente, Marx (por vezes, acompanhado por
Engels) segue aplicando o mesmo método, como sucede no Manifesto do Partido
Comunista, de 1948, em que se empenham em partir de fatos históricos concretos,
buscando apreendê-los e interpretá-los dialeticamente, sempre na perspectiva da
transformação social.
De maneira ainda mais percuciente, faz-se presente o mesmo
procedimento em sua longa investigação correspondente ao seu período de
maturidade, como se atesta, por exemplo, nos Grundrisse, uma obra de centenas
de páginas, em que seu autor registrava suas observações à medida que ia
“devorando” livros, jornais, documentos, enfim, textos dos mais variados
autores, de vários períodos históricos. Uma espécie de longo rascunho que
serviu de base para a redação sistematizada de sua obra principal, O
Capital, cuja publicação se dá em 1867, mas apenas do primeiro dos
três Livros. Em vida, o autor só conseguiu ver publicado o Livro I do Capital,
em distintas edições por ele revisadas e alteradas. Os dois outros volumes Marx
confiou ao amigo Engls, que os fez publicar, após o falecimento de Marx.
Importa, ainda, lembrar que Marx nunca parou de produzir, mesmo após a redação
de sua obra-prima. Atribui-se a ele, por exemplo, a autoria de um importante
documento redigido a pedido dos organizadores da Primeira Internacional (
Associação Internacional dos Trabalhadores) , em que, ao tecer crítica ao
Programa, retifica uma afirmação, afirmando que “A emancipação das classes
trabalhadoras deverá ser conquistada pelas próprias classes trabalhadora.” (cf.http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/gotha.html)
Mais do que referir-se porpalavras aoMétodo histórico-dialético,
tratouMarx de materializá-lo em sua vasta obra. Nas centenas de páginas de O
Capital, resta explicitada tal observação. De ponta a ponta, na elaboração de
seus trabalhos, ora de modo explícito, ora de maneira subtendentida, é
perceptível sua linha de conduta, conform a realidade social, os fatos, as
situações concretas; registra acuradamente o que observa; classifica os fatos
que registra; decompõe tais fatos eos analisa, um a um; cuida de apontar suas
interconcexões; situa-os historicamente, sem perder de vista sua dinâmica, seu
movimento, suas contradições, suas mediações, sua relação com a totalidade...
Um de seus tantos preciosos achados consiste em advertir seus
leitores e leitoras, de que não é tanto o passado que ilumina o desenrolar dos
fatos e situações presentes: é, antes, seu futuro. “A
sociedade burguesa é a mais desenvolvida e diversificada organização histórica
da produção. Por essa razão, as categorias que expressam suas relações e a
compreensão de sua estrutura permitem simultaneamente compreender a organização
e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, com
cujos escombros e elementos edificou-se, parte dos quais ainda carrega consigo
como resíduos não superados, parte [que] nela se desenvolvem de meros indícios
em significações plenas etc. A anatomia do ser humano é uma chave para a
anatomia do macaco.” (MARX, K.
Grundrisse, São Paulo: Boitempo, p. 85. cf. https://nupese.fe.ufg.br/up/208/o/Karl_Marx_-_Grundrisse_(boitempo)_completo.pdf) Eis por que, tal é seu empenho em perscrutar o destino
social dos humanos, que se revela alguém dotado de uma esperança quase
invencível, como se pode apreender de aquela sua afirmação, que se encontra no
prefácio de Contribuição à Crítica da
Economia Política, de que os humanos só se defrontam com problemas para os
quais apresentam capacidade de encontrar
soluções, ou em suas palavras: “É por isso que a humanidade só levanta os
problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta,
descobrir-se-á, que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais
para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos em vias de aparecer.”
3. Fecundidade e condições do uso do método do
Materialismo Histórico, na atualidade.
Não é, à-toa o
interesse considerável despertado pelo Método histórico-dialético junto a
pesquisadores e pesquisadoras contemporâneos, bem como junto à
pesquisadores-militantes. Com efeito, trata-se de uma fecunda contribuição,
especialmente quando amparado na formulação e efetiva aplicação por parte de
Karl Marx, pelas razões acima rapidamente aventadas.
Em seguida,
buscamos ilustrar tal contribuição, em vista de sua utilização por
pesquisadores e pesquisadoras e por militantes. E o fazemos, assinalando
algumas condições para o seu efetivo emprego, começando pelos pesquisadores a
braços com o desenvolvimento de suas teses.
Nos mais distintos
campos de saber ligados às ciências sociais, o Método histórico-dialético tem
lugar assegurado, à medida que:
- seus
pesquisadores se empenhem em fazer uma análise objetiva da realidade concreta;
- utilizem as
práticas, antes que os discursos, como critério de verdade;
- mesmo buscando,
sem cessar, aproximar-se o mais possível da realidade concreta, tenham
consciência do caráter limitado e provisório de todo esforço de produção do
conhecimento, inclusive o científico;
- a despeito de, em
suas pesquisas, também buscarem resultados, estejam ainda mais atentos aos
processos;
- jamais se
resignem ou se contentem com a detecção de fatos ou situações singulares, sem
que se empenhem, ao mesmo tempo, em observar interconexões com outros fatos e
situações;
- não se resignem a
uma apreensão fenomênica, sem que, a partir daí, tratem de perceber toda uma
extensa cadeia de mediações, apontando para bem além da manifestação imediata
do objeto, dos fatos ou situações observadas;
- diante de fatos ou
situações contraditórias, resulta fundamental atentar para as relações que os ligam,
sempre buscando apreender algum fio de unidade que os atravessa;
- atentar para a
incidência dos elementos quantitativos a alterarem, de algum modo, a natureza
ou o estado das coisas, dos fatos, das situações.
Com relação aos
militantes ou pesquisadores-militantes, importa ir sempre além de meras constatações,
por mais relevantes que sejam, assumirem o compromisso de contribuir para a
superação das situações injustas e lacunosas. Trata-se, com efeito, de um compromisso
comportando múltiplas tarefas. Manter acesa e vigilante sua capacidade
perceptiva, no exercício da crítica e da autocrítica. Quem diz comprometer-se
com o “exercício”, assume o dever de testemunhá-lo pelas suas práticas, tanto
em relação à crítica, quanto em relação à autocrítica. Assume-se, por via de consequência,
o compromisso de buscar estar atento ao que se passa, no movimento incessante
da realidade social, em suas diferentes esferas, de modo a acompanhar o
desenrolar dos projetos societais em disputa, bem como o mover-se das forças
que os representam, assim como suas respectivas estratégias e táticas. Tal
compromisso implica, ainda, um posicionamento político em favor das vítimas do
atual modo de produção, de consumo e de gestão societal, em respeito à
dignidade do Planeta, dos humanos e do conjunto da comunidade dos viventes.
Implica, outrossim, empenharem-se na busca de favorecer condições organizativas
e formativas, a serem protagonizadas pelas vítimas do sistema, em busca da
superação das injustiças e, de alternatividade.
No que diz respeito
ao exercício da autocrítica importa estarem vigilantes quanto aos próprios deslizes
ético políticos sob pena de não reunirem condições de criticar as forças
adversas. Tal exercício de autocrítica implica, também, a manutenção de uma
postura coerente com os princípios característicos de quem combate o sistema
dominante, de modo à não reproduzirem seus vícios, na prática, tal postura
demanda atitudes tais como:
- A capacidade de
denunciar todo tipo de malfeitos, não importando quem os cometa;
- Não confundir
origem de classe com posição de classe;
- Empenhar-se
(pessoal e coletivamente) num processo formativo contínuo, que exercite a
memória histórica, do legado da humanidade, dos povos e suas conquistas e
derrotas, bem como o esforço organizativo classista, alimentado pelos valores revolucionários
- Ser capaz de
manifestar divergência com pessoas e grupos aliados; exercitar, dia após dia, a
mística revolucionária, entre outras iniciativas.
João Pessoa, 20 de junho
de 2018.
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