DE OLHO NA CONJUNTURA E SUA INCIDÊNCIA NA PARAÍBA:
breves considerações
(Versão resumida)
Alder
Júlio Ferreira Calado
Exercitar uma “leitura de mundo” constitui sempre uma empreitada
desafiante, em qualquer tempo e em qualquer lugar! Se o exercício de análise de
conjuntura nunca foi algo apreensível a olho nu, muito menos ainda hoje, em
tempos de intensa e crescente globalização capitalista. Aqui nos contentamos com
aflorar elementos de nossa realidade atual, seja em escala macro ou em nível
local.
Iniciamos alertando sobre uma
dificuldade enfrentada por quem pretenda ter uma visão aproximada do quadro
atual. Uma primeira dificuldade: distinguir, sem separar, o “quantum” da
realidade analisada tem de conjuntural, e a porção estrutural nela imbricada. Nesse
sentido, não deixa de se constituir em certo reducionismo pretender-se fazer
análise de conjuntura, sem tomar em conta fatores histórico-estruturais que ela
carrega. Imagine-se em que resultaria a pretensão de alguém, de explicar o
complexo quadro de manifestações de violência (racismo, sexismo, discriminações
de vários tipos...), apenas a partir do atual contexto conjuntural, sem tomar
em conta séculos de dominação colonialista e capitalista, introjetada por um
longo processo de educação, desde a Casa Grande, que hoje continua disfarçada
em cenários sutis e sofisticados do nosso cotidiano...
Tratamos, agora, de levantar
alguns fatos do atual contexto, com incidência no âmbito da Paraíba, a partir
dos quais buscamos situar os projetos de sociedade em disputa, bem como as
forças sociais que os representam, com suas respectivas estratégias de
intervenção, de um lado e de outro. Ao final dessas linhas, levantamos alguns
questionamentos acerca de nossos possíveis posicionamentos frente ao atual
quadro.
Partindo de alguns fatos ou acontecimentos
impactantes
Ainda vivemos um quadro de
suspensão da rotina, alterada por uma confluência de situações extraordinárias:
clima de festejos juninos, copa mundial de futebol, início oficial da campanha
eleitoral, com eleições gerais (à Presidência da República, ao Senado Federal,
à Câmara Federal, aos Governos estaduais, às Assembléias estaduais)...
Desnecessário lembrar que cada uma dessas ocorrências comporta efeitos –
positivos ou negativos, a depender do lugar social de quem faça tal exercício
de análise. Determinada comemoração junina pode favorecer essa ou aquela força
política local. O foco nesse ou naquele “flash” da Copa pode render créditos a
esse ou àquele protagonista, nas disputas eleitorais.
Grande é o susto experimentado
por algum Cidadão/Cidadã interessad@ em examinar a relação custo-benefício (no
sentido da aplicação dos recursos públicos) do que se gasta para a manutenção
de apenas uma casa parlamentar - no caso, o Senado - e o retorno de sua
atuação, tomada em seu sentido estritamente público. A esse propósito, ainda
recentemente, circulou pela internet o teor de uma ação ajuizada por dois
advogados gaúchos contra o Senado, na qual consta inclusive uma especificação
detalhada de gastos revoltantes que o erário faz para sustentar as despesas do
Senado, cujo total monta a 406.400.000, 00 (quatrocentos e seis milhões e
quatrocentos mil reais), por ano, o que equivale a uma despesa média, atribuída
a cada senador, na ordem de 5.017.280, por ano... Soma que inclui uma vasta lista de vantagens e
privilégios, não apenas de cada senador, mas também relativa a despesas com uma
estrutura perdulária que também comporta despesas com milhares de funcionários
da casa. A lista inclui vantagens para cada senador, tais como: “-R$ 16.500,00 (13º, 14º e 15º
salários); mais R$ 15.000,00 (verba de ga-
binete isenta de impostos);-mais R$ 3.800,00 de auxílio moradia; mais R$ 8.500,00 de cotas para materiais gráficos;-mais R$ 500,00 para telefonia fixa residencial, mais onze assessores parlamentares (ASPONES) com salários a partir de R$ 6.800,00;-mais 25 litros/DIA de combustível, com carro e motorista; -mais cota de cinco a sete passagens aéreas, ida e volta, para visitar a 'base eleitoral'; -mais restituição integral de despesas médicas para si e todos os seus depen-dentes, sem limite de valor” ...
binete isenta de impostos);-mais R$ 3.800,00 de auxílio moradia; mais R$ 8.500,00 de cotas para materiais gráficos;-mais R$ 500,00 para telefonia fixa residencial, mais onze assessores parlamentares (ASPONES) com salários a partir de R$ 6.800,00;-mais 25 litros/DIA de combustível, com carro e motorista; -mais cota de cinco a sete passagens aéreas, ida e volta, para visitar a 'base eleitoral'; -mais restituição integral de despesas médicas para si e todos os seus depen-dentes, sem limite de valor” ...
(cf.
http://jardim-aquarius.com/slide.php?id=25 )
Quando
se examina a vasta lista de vantagens e de serviços privilegiados de que
dispõem esses mandatários, a pergunta salta à vista: se esse é o padrão de vida
dos “representantes”, qual é o padão de vida dos “representados”? A que serviço
têm acesso os senadores e a que serviços públicos tem acesso a enorme maioria
de nossa Gente. É daí que brotam versos como esses que fiz, seguindo o mote; SE
OS GESTORES NÃO SÃO SEUS USUÁRIOS / OS SERVIÇOS DO PÚBLICO SE DÃO MAL, assim
glosados: “Quanto tempo esperando esse transporte! / Quando chega, é lotado, e
vou em pé / Anda lento, parece em marcha à ré / Quatro vezes por dia, há quem
suporte? / Pro gestor, isso já seria a morte... / Sua vida, porém, é especial /
Pois a máquina lhe dá completo aval / E, não raro, tornando-o perdulário / Se
os gestores não são seus usuários / Os serviços do público se dão mal! “
No contexto atual, em que se
experimenta a crise mais aguda do Capitalismo, seus efeitos perversos são
sentidos, em parte, de modo comum; em parte, variando de país para país ou de
região para região. Não se trata de efeitos perversos sentidos de forma
homogenia. Se é verdade que, de um modo ou de outro, todos são atingidos pela
crise sistêmica, também é certo que, dados seus condicionamentos particulares,
os efeitos da mesma crise são sentidos diferentemente, em termos de tempo (mais
imediatamente, menos imediatamente, em relação ao epifenômeno do momento; com duração
mais longa e menos longa dos respectivos efeitos sobre esse ou aquele país), de
maior ou menor estrago nas contas públicas; de alcance social mais ou menos
devastador, etc.
No caso do Brasil, dada sua maior
adequação ao figurino macro-econômica, em relação inclusive aos índices
oficiais do desempenho estritamente econômico, as vantagens são por quase todos
elogiadas. Índices como “risco Brasil”, controle monetário e controle fiscal,
controle da inflação, superávit primário (para garantir pagamento religioso dos
juros abissais ao Capital...), entre outros, são alvo de constante enaltecimento
e de freqüente alegação quanto à sanidade da economia brasileira. Por tabela,
também se elogiam índices de crescimento e ritmo das atividades econômica,
implicando inclusive crescimento do número de empregos formais. Exalta-se, alto
e bom som, a “robustez dos fundamentos de nossa economia”, enquanto o Mercado
faz a festa...
As estatísticas oficiais dando
conta do aumento de postos de trabalho formais impressionam, sobremaneira, até
quem costuma acompanhar, com senso crítico, a evolução dos números. Por outro
lado, quando se pensa melhor no fato, vai-se com menos sede ao pote. Examinam-se
a consistência e a extrema rotatividade dos empregos gerados. Dá-se conta da
precariedade das condições de trabalho, dos salários oferecidos, dos direitos
trabalhistas surrupiados, com ou sem cobertura legal... Vai-se comparando, por
exemplo, o número dos “novos” postos de trabalho em relação ao número de
Trabalhadores e Trabalhadoras desempregados. Some-se a esse exercício a
quantidade de novos postos necessários (mais de um milhão e meio!), a cada ano,
para atender ao número de jovens que atingem a idade de arrumar emprego,
precisando portanto garantir seu posto trabalho. E, pouco a pouco, vai-se tendo
um balanço mais consistente e bem menos eufórico...
Além disso, vale perguntar: que tipo de trabalho aparece ao alcance dos
Trabalhadores do campo e da cidade. Ainda que estejamos longe de assegurar o
que se convenciona chamar de “emprego pleno”, mesmo que atingíssemos tal
patamar, como prometia o Estado do Bem-Estar Social, ainda assim isto não basta
gara satisfazer adequadamente às justas aspirações dos Trabalhadores e das
Trabalhadoras. Haveria, ainda, que indagar-se: a que tipo de trabalho se tem
acesso. Será que vale a pena assumir qualquer tipo de trabalho, ainda que se
trate de um trabalho formal (com carteira assinada e com outras garantias
trabalhistas)? Por exemplo, o agronegócio alega que também gera emprego. Além
de fazê-lo em número bem reduzido, em relação ao que propaga, há de se
perguntar se vale mesmo a pena saudar esse tipo de conquista, sabendo-se que,
ao assumi-lo, os Trabalhadores e Trabalhadoras, sem quererem, passam a ser
sujeitos a condições, ritmo e tarefas nocivas à sua própria saúde bem como à do
solo, das águas (de superfície e subterrâneas, da flora e da fauna...
No cenário urbano, de vez em quando, veiculam-se, com estardalhaço,
notícias dando conta do aumento de milhares de empregos nas montadoras de
automóveis... Será que isto é mesmo motivo de alegria a celebrar, apenas pelo
fato de se contar com mais postos de trabalho, sem tomar em conta os terríveis
problemas ambientais daí decorrentes – e para os humanos, também, claro –
causados pela crescente poluição e pelo aumento incessante dos engarrafamentos
nos centros urbanos, enquanto pouco ou nada se faz para se garantir transporte
coletivo limpo e de boa qualidade para a maioria da população...
No caso específico da Paraíba,
tão grave é a situação que, mesmo nos restringindo tão somente aos dados
relativos ao número de empregos formais (mesmo sem questionar que tipo de
emprego), as estatísticas dão conta de um crescimento avassalador da economia
informal, em que se enquadram algo em torno de três quartos dos Trabalhadores e
Trabalhadoras. Não precisamos detalhar o que isto significa, no concreto do
dia-a-dia: insegurança do amanhã, ausência ou negação de relevantes direitos
sociais (seguidade social, previdência, saúde, férias, 13 mês, salário-desemprego...),
propensão ao caminho das drogas, aumento dos índices de violência social...
Situação agravada, no caso desses
mesmos Trabalhadores e Trabalhadoras, por conta da ausência do Estado em tantos
outros serviços públicos com acesso precarizado ou até sem qualquer acesso:
moradia digna, saneamento, água potável, transporte coletivo regular, postos de
saúde de qualidade, escolas decentes...
O que, de hábito, se deve
esperar, em relação a toda uma vasta parcela da população – a grande maioria! –
em especial dos jovens e adultos mergulhados nesse turbilhão de problemas? É
razoável daí esperar-se integração familiar, comportamento cordato dos
moradores, crianças bem educadas, clima de paz social, resistência ao mundo das
drogas, ausência de violência, etc.? Claro que NÃO! Assustamo-nos, cada dia
mais, e com justo motivo, com o incessante crescimento da violência, a dizimar vastas
parcelas de nossos jovens – mulheres e homens, as principais vítimas da
violência, cujos níveis são comparáveis à situação de países em guerra aberta.
Será que fazemos uma leitura capaz de dar conta dessas raízes sócio-econômicas,
ou será que apostamos todas as fichas em assegurar eficácia a um policiamento
ostensivo, crentes de que é pela repressão que vamos deter toda essa onda?
Na esfera mais diretamente
política, a situação caminha de modo semelhante. Também aqui tem
prevalecido o que vimos chamando de cultura da ambigüidade, um tipo de
concepção de mundo, de ser humano e de sociedade, cuja estratégia tem sido
marcada pela atitude de cultivo de sentires, de pensares, de quereres e de agires
visivelmente antagônicos, contraditórios, misturados. No plano especificamente
político, tal estratégia aparece, por exemplo, no empenho, por um lado, em
assegurar-se, como nunca antes, políticas compensatórias para vastas parcelas
da população quase completamente à margem dos serviços públicos essenciais, e,
por outro lado, escancarar os cofres públicos ao agronegócio, aos bancos, às
transnacionais (principalmente brasileiras), vantagens escandalosas. Há poucos
meses, dava-se conta de que, a despeito das constantes reclamações da Senadora
Kátia Abreu – principal referência do Agronegócio no Parlamento -, as verbas
destinadas ao agronegócio correspondem 19 vezes ao que é destnado à Agricultura
Familiar, que, entretanto, é responsável por cerca de 90 % da produção de
alimentos...
Outro caso: por um lado, ousa-se, como nunca antes, romper o quase
monopólio de comércio com os Estados Unidos e com as grandes potências
ocidentais, abrindo-se amplo caminho para o fortalecimento do intercâmbio com
países do Sul, em especial com os países africanos; por outro lado, mantém-se,
por vezes, uma postura de aparente neutralidade nas situações de conflito, da
qual se beneficiam as potências mais dominadoras, exceção feita ao honroso caso
do contencioso internacional entre Irã e potências hegemônicas ocidentais, em
que o Governo brasileiro vem tendo uma postura de altivez e independência.
No que tange ao campo congressual, as contradições são crescentes. Sob
a insustentável alegação de uma tal de “governabilidade”, impõe-se à sociedade
a prática danosa do aliancismo, por força do que são celebrados acordos
escandalosos com forças políticas de uma amplamente reconhecida tradição de
coronelismo, bem marcada pela combinação de práticas violentas, clientelísticas
e de impostura. Basta que se examine o perfil dos aliados governamentais no
Senado e na Câmara, estratégia que se tem estendido às demais instâncias e aos
diferentes entes federativos, estados e municípios. A Paraíba e João Pessoa não
são exceções...
É sobretudo nesse tipo de estratégia política – o aliancismo -, que se
deve buscar as razões inclusive de sucessivos deslizes éticos. A dimensão
ética, antes mesmo de sucederem os escândalos (mensalões e tantos outros), já
impregnava tais sujeitos, por ocasião da celebração de pactos eleitorais
inconseqüentes, movidos basicamente pela avidez de acesso aos espaços
governamentais, a qualquer preço. A esse respeito, Leonardo Boff, em recente
exercício de releitura de O Príncipe,
de Maquiavel, destacava evidentes semelhanças de procedimentos entre as
estratégias dos antigos e dos novos “príncipes”...
Os tempos se sucedem, e seguem
basicamente as mesmas, as formas de se lidar com a experiência, seja por parte
dos “de cima”, seja por parte “dos debaixo”. Quanto aos primeiros, é facilmente
compreensível: por que haveriam de se preocupar com uma estratégia que só lhes
tem trazido benesses? O mesmo, contudo, não se dá em relação aos “de baixo”.
Bem ao contrário: entra governo, sai governo; vai eleição, vem eleição – e a
cada dois anos! – e as coisas, não apenas não mudam no essencial, como até se
agravam, ou, quando muito, apresentam, aqui e ali, um verniz de melhoria no
superficial.
Tão enraizada em nosso imaginário
político é a forma de organização social hegemônica, que impede ou bloqueia
decisivamente nossa capacidade de ousar outros caminhos. Isto não é sequer
cogitado, em nossas discussões do dia-a-dia. Com raras exceções. Nossas
reservas de criatividade se têm restringido a iniciativas de ensaiar
“alternativas” apenas dentro da lógica do sistema reinante. Na ilusão de
“mudar”, de vez em quando, estamos a empreender iniciativas novas, seja visando
a “renovar” o Congresso, as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores,
seja empreender organização de campanhas de moralização (punição à venda de
votos, inibição de mecanismos de corrupção, cujo exemplo mais recente foi a
campanha do “Ficha Limpa”, entre outros.
Todavia, sentimos uma resistência
quase invencível, quando se trata de ousar caminhos alternativos, até porque um
exame mais acurado dos resultados concretos dessas iniciativas, digamos,
intra-sistêmicas, tem mostrado a pouca eficácia de se investir no recurso
eleitoral. Ao examinarmos judiciosamente uma a uma, damo-nos conta de quão
pouco (ou quase nada) conseguimos avançar: afinal, em que tem resultado o
gigantesco esforço de renovação parlamentar, mesmo quando conseguimos a
“façanha” de renovar mais de 50%? O que sucede concretamente, quando logramos a
eleição de alguns excelentes candidatos? Não há dúvidas, quanto às suas
qualidades. Só que esquecemos as raízes estruturais do problema: na medida em
que o Parlamento (em qualquer uma das três esferas – União, Estados,
Municípios) é um aparelho do Estado, e este se move sob o controle dos
interesses dos setores dominantes, não há como pretender-se que a eventual eleição
de alguns bons candidatos seja suficiente para alterar signficativamente a
correlação de forças, em favor dos setores subalternizados. O Parlamento e, de
resto, os demais aparelhos do Estado se acham comprometidos pela raiz, e não
comportam espaços de atuação individual com capacidade de “virar a mesa”...
Quando muito, se consegue eleger bons candidatos, boas candidatas, que lugar
estes ocupam no universo de seus respectivos espaços?
A mesma lógica vale em relação ao
esforço de moralizar os espaços governamentais ou parlamentares, por meio de
campanhas como a do Projeto “Ficha Limpa”. Num esforço individual e coletivo,
requerendo o emprego de amplas energias e recursos, conseguimos finalmente o
objetivo. Mas, será que nos damos conta de quão modesta foi nossa conquista?
Inibir a candidatura de gente, direta ou indiretamente envolvida em falcatruas
e imposturas, enfim, gente desonesta... Muitas dúvidas nos invadem: Quem disse
que tal medida impede a incidência e mesmo a reincidência de atos incompatíveis
com a decência? Os muitos casos de candidatos acusados decorrem, em grande
parte, de flagrantes. E os atos ainda mais numerosos que não são flagrados? Ainda
que se conseguisse “zerar” essa questão da compatibilidade ética dos
candidatos, restaria a pergunta: tal predicado, bem antes de se exigir de
alguém, enquanto candidato, não tem a ver com uma exigência elementar inerente a
toda convivência humana e social? Quem disse que devemos votar num candidato,
numa candidata, por ser portador apenas de predicados éticos? Não se trata de
algo visivelmente insuficiente?
Uma das conseqüências concretas
desse tipo de aposta, é que dedicamos, não raro, o melhor de nosso potencial de
Cidadãos, de Cidadãs, a esse tipo de atividade eleitoral, restando-nos pouco ou
nada de energia e de disposição para pensar e ousar coisas alternativas, fora
da lógica desse sistema. Como costuma dizer o Prof. Ivandro da Costa Sales, é
indispensável que pulemos fora da lógica desse sistema, ousando buscar acertar
no que dá certo.
O “dá certo” aqui não quer dizer
que se tenha receita pronta para alcançarmos as saídas desejadas. Receitas não
há! Mas, há pistas instigantes, a partir mesmo de algumas indagações ou mesmo
constatações:
- Onde e
quando se obteve verdadeira mudança, seguindo-se o ritual eleitoreiro?
- É razoável
esperar-se mudança para valer, a partir de cima para baixo ou a partir de fora
para dentro?
- Nas mudanças
concretas alcançadas ao longo da História, quem foram os verdadeiros
protagonistas: os “de cima” ou os “de baixo”, representados por forças sociais
organizadas em movimentos sociais e outras formas de organização de base?
- Aqui mesmo
entre nós, na Paraíba, de quem tem mesmo dependido o ingente esforço de
realização da Reforma Agrária, inclusive com a conquista de algumas centenas de
assentamentos? Dos govenantes ou das lutas travadas pelos principais
interessados, os Trabalhadores e Trabalhadoras?
- Se, de fato,
as conquistas fundamentais não vêm de cima para baixo nem de fora para dentro,
por que investir tantas energias, tanto esforço, tanto tempo precioso, em
trincheiras cujos resultados já são sobejamente conhecidos pelas suas
reiteradas frustrações, como no caso da via eleitoral, principalmente numa
conjuntura de crescente descrédito desses espaços?
No tocante mais diretamente à esfera
cultural, os dilemas não são de menor envergadura. A ideologia de mercado
segue fazendo estragos profundos e irreparáveis. As forças dominantes têm nela
uma formidável alavanca de manutenção “pacífica” do sistema, e até com a
vantagem de multiplicar-se incessantemente, incluvise por áreas antes adversas.
Aqui nos referimos a segmentos antes combativos da sociedade civil, que hoje
dão crescentes sinais de domesticação, acomodação ou até mesmo de encantamento
com as façanhas do deus Mercado.
Nesse sentido, não é sem rezão
que as forças dominantes se têm empenhado uma ferramenta decisiva nesse
processo de manipulação ideológica: o tratamento científico do “marketing” como
preciosa ferramenta de convencimento. Ferramenta usada e abusada pelo Mercado e
por seu Estado. Nunca se gastou tanto (inclusive dinheiro público!) com
propaganda.
Uma das estratégias mais
apreciadas é sondar, por meio de pesquisas, os gostos, os desejos, as
aspirações mais em moda, e aí centrar a força dos argumentos ou os pretensos e
anunciados predicados dos produtos... Destes pouco ou nada importa a qualidade
real dos produtos anunciados, mas que estes pareçam e apareçam recheado dos
predicados veiculados. Assim, “se vendem” quaisquer produtos: de automóveis de
luxo a mansões; de agrotóxicos a alimentos suspeitos; de políticas
governamentais fantasiosas a candidatos mais sujos do que pau galinheiro...
E a população, de tanto ver e
escutar essa rede de propagandas e publicidades, em geral sucumbe a seus
argumentos, passando consumir, a assumir e a reeditar os mesmos valores.
Valores que têm incidência não desprezível, também, no “modus operandi” das
igrejas, por meio da teologia da prosperidade...
Vai-se invertendo, com efeito, a
grade de valores, até em instâncias antes comprometidas com o combate à
ideologia de Mercado. Quem antes apostava nas lutas sociais como ferramenta de
transformação, hoje se acha cada vez mais seduzido pela descoberta de um
atalho: basta confiar nos eleitos do “nosso Governo ou do nosso partido”, pois
“eles estão do nosso lado”... Valendo tal aposta, o caminho fica aberto a
passos mais ousados, nessa direção. Um deles é o de se partir para a conhecida
prática de aliança, inicialmente assumida como tática eleitoral, mesmo assim
celebrada apenas com forças semelhantes ou diferentes, contanto que sejam do
mesmo campo, e aliança feita em cima de um programa de governo coerente com os
princípios essenciais das classes populares. Ato seguinte, tendo em vista o
encantamento com os espaços governamentais e parlamentares = normalmente
proporcional ao afastamento das bases e de suas lutas, o que facilita
sobremaneira a lassidão em relação aos princípios fundantes, descambando, com
freqüência para acordos espúrios -, chega-se à conclusão de que é preciso
seguir governando e no Parlamento, o que exige a ampliação do arco de alianças,
sem o que não se logrará resultado eleitoral favorável... Aí se escancara o
arco de alianças, celebrando-se pacto, não apenas com as forças do campo de
referência tradicional, mas também com outras (será preciso lembrar que casos
houve em que o PT celebrou acordo até com o PSDB?). E assim, o que antes se
fazia apenas como recurso tático, passa a fazer parte da estratégia de poder.
Claro que, nessa prática, há vantagens para os donos do partido, e enormes
estragos para as bases e para as classes populares.
Daí para a frente, tudo começa a
valer: em vez de comitê do partido, cada candidato promove sua própria
campanha; os recursos disponíveis ao Partido passam a ser distribuídos, não
mais com eqüidade, mas de acordo com o prestígio do candidato perante os donos
do partido... Nivelou-se, por baixo, aos “paridos da ordem”..
Essa inversão de valores, é
claro, também se dá em outras áreas: abandona-se o processo de formação
contínua das bases e das lideranças; já não se abre mão de um estilo de vida
refinado (carro de luxo, equipamentos sofisticados, padrão distante dos
trabalhadores comuns da base...). Instala-se o discurso da razão cínica: “Os
tempos agora são outros: como já não podemos mudar o mundo, tratemos de tirar o
melhor proveito”... Questionamentos
“finais”
Diante dos pontos acima considerados, vale perguntar-nos, para “fecho”
dessas linhas:
- Se é uma
constatação histórica que as verdadeiras mudanças sociais nascem da organização
e das lutas dos principais interessados que são as classes populares, quais têm
sido os sujeitos históricos que temos tido como nossos parceiros e alados?
- No estudo da
literatura dos clássicos (Marx à frente), não se tem uma posição dogmática
quanto à participação ou não em processos eleitorais protagonizados pelas
forças da burguesia, dependendo das condições conjunturais concretas, o que nos
assegura que a via eleitoral se presta efetivamente como prioridade nossa, na
atual conjuntura?
- Examinando
nossa agenda política, que tempo nosso é dedicado ao acompanhamento e presença
efetiva junto aos movimentos sócias = principais protagonistas dos processos de
mudança – e que tempo dedicamos às lides partidárias convencionais?
- Diante do
abandono completo pelas forças partidárias dos processos formativos, em que
atividades formativas contínuas estamos engajados e com elas comprometidas?
- Atos e comportamentos
edificantes e contraditórios -
encontramo-los isoladamente ou mesmo eventualmente de modo coletivo – em
quaisquer forças ou sujeitos políticos. A partir de cada um, de cada uma de
nós. Também nos partidos políticos e respectivas coligações, de parte a parte.
Há de tudo. Não é disso que estamos tratando. Aqui focamos diretamente esse
aspecto: na atual conjuntura, o quê garante que, votando em A, B, C ou D,
asseguramos avanços qualitativos, na direção das mudanças desejadas?
- Uma vez
tendo êxito na eleição de candidato A, B, C ou D, que chances concretas vão ter
eles/elas de levar adiante seus objetivos anunciados? Quais as chances maiores:
a de mudarem as regras do jogo ou de a elas se adaptarem, ainda que mantendo
discurso e promessas inovadores?
O cerne de
nossa contribuição almeja, de fato, a superação concreta da ordem capitalista
ou sustenta a necessidade de irmos além da mesma? Ao optarmos pela luta
eleitoral como centro de nossas intervenções, estamos contribuindo,
objetivamente, para a superação do Capitalismo ou para o seu fortalecimento?
3 de Agosto de 2010.
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