segunda-feira, 25 de junho de 2018

NOVOS E VELHOS MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES: quais saberes necessários à construção de uma sociabilidade alternativa?

NOVOS E VELHOS MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES:
quais saberes necessários à construção de uma sociabilidade alternativa?

Alder Júlio Ferreira Calado*


Principalmente nesses tempos de apelo abusivo ao “novo” (na perspectiva da ordem imperante), experimentamos forte resistência a lidar, sem mais, com o confronto entre “novo” x “velho”. Tem sido, com efeito, extremamente abusiva a retórica liberal contra o “velho”, sempre identificado com atraso, reação, conservadorismo ou algo do gênero, enquanto se reproduz, com gratuita euforia, o encantamento pelo “novo”, identificado com posições modernas, avançadas... Daí também a facilidade e a freqüência - inclusive no cotidiano da Academia – com que se rejeita (quase) tudo o que é antigo, chegando-se até a se repelir paradigmas clássicos, sob o estigma de “tradicionais”, como se tradição estivesse necessariamente associada a obsolescência, a caducidade.
É lamentável que, também aqui, se reeditem práticas comuns ao “marketing” musical, associadas ao lixo cultural que a mídia costuma veicular nas tardes de domingo, para deleite de parcelas consideráveis de nossa juventude, destituídas de condições elementares de escolha criteriosa, face à voracidade da ideologia do pensamento único. A propósito dessa ausência, nas sociedades de classes, de condições favoráveis a boas escolhas, Marx escreveu páginas antológicas em seus Manuscritos Econômico-Filosóficos., ao sustentar, por exemplo, que

É somente graças à riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva (um ouvido musical, um olho sensível à beleza das formas, em suma, sentidos capazes de satisfação humana e que se confirmam como faculdades humanas) é cultivada ou criada. Pois não são apenas os cinco sentidos, mas igualmente os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (desejar, amar, etc.), em suma, a sensibilidade humana e o caráter humano dos sentidos, que só podem vingar através da existência de seu objeto, através da natureza humanizada. O cultivo dos cinco sentidos é a obra de toda a história anterior. O sentido subserviente às necessidades grosseiras só tem um significado restrito. Para um homem faminto, a forma humana de alimento não existe, mas apenas seu caráter abstrato como alimento. Poderia muito bem existir na mais tosca forma, e é impossível afirmar de que modo essa atividade de alimentar-se diferia da dos animais. O homem necessitado, assoberbado de cuidados, não é capaz de apreciar o mais belo espetáculo. O vendedor de minerais só vê seu valor comercial, não sua beleza ou suas características particulares; ele não possui senso mineralógico. Assim, a objetificação da essência humana tanto teórica quanto praticamente, é necessária para humanizar os sentidos humanos, e também para criar os sentidos humanos correspondentes a toda a riqueza do ser humano e natural. (cf. Os Pensadores, vol. XXXV, p. 18).

Diante da espantosa performance da ideologia do pensamento único, inclusive em meios considerados mais críticos, ficamos a nos perguntar até que ponto tal avidez pelo “novo” pode contaminar também a produção acadêmica? Desse risco, a rigor, ninguém sai isento, nem os movimentos sociais populares.
Não me refiro aqui à legítima distinção que se tem feito entre, de um lado, os movimentos sociais populares característicos dos anos 60 e 70, cujo perfil se definia principalmente pelo seu empenho de compreensão e de intervenção nas macro-relações (estrutura de produção, Estado e seus aparelhos...), e, de outro, aqueles movimentos sociais populares mais recentes que se empenham mais decididamente em compreender e intervir nas micro-relações sociais (Gênero, Etnia, Idade...). Refiro-me, antes, à tendência reducionista de clichês, por força da qual se faz uma leitura hermética dos processos históricos vivenciados pelos movimentos sociais populares, na contemporaneidade, de modo a imputar-lhes, de forma estigmatizante, um caráter exclusivamente engessado, seja pela sua atenção às macro-relações, seja por conta de seu cultivo das micro-relações sociais.
Eis por que entendemos oportuno, nesta reflexão, propor uma abordagem de movimentos sociais populares cuja compreensão se dê mais por conta da qualidade ético-política de sua atuação do que por força de uma eventual redução dos mesmos ao simples conflito entre “velhos” e “novos”, sem consideração criteriosa dos respectivos conteúdos ético-políticos.
Aqui, não se priorizará, portanto, a discussão ou o confronto “novos” x “velhos”, mas, antes, nosso propósito é de buscar saber:
  • Quais movimentos sociais populares – “velhos” e/ou “novos” – se acham empenhados em transformar substancialmente as relações sociais características da sociabilidade capitalista em curso?
  • E, neste caso, de que modo o fazem? Em quais condições? Que conquistas têm alcançado, nessa direção?
  • Quais os seus limites e desafios principais?

I.“Nem o passado como era, nem o presente como está”

Perguntas como essas é que buscamos refletir, a seguir. E iniciamos, tomando como ponto de partida o registro de uma forte convicção nossa, de que tanto é abominável a herança colonial e capitalista, como nos opomos com veemência ao presente tal como se nos apresenta. Convicção, aliás, bem expressa numa frase emblemática que, nos fecundos (do ponto de vista das lutas sociais) anos 80, serviu de lema a uma das candidaturas do PT: “Nem o passado como era, nem o presente como está.”
Não devemos perder de vista a pesada herança colonialista, sucedida e reforçada pelas relações sociais capitalistas. Todas as vezes que nos é dado fazer análise de conjuntura, começamos por registrar esse aspecto. Querendo ou não, uma leitura consistente do atual contexto demanda tomar em conta elementos, não apenas conjunturais, mas igualmente a parcela estrutural que o atual quadro carrega. Uma boa análise de conjuntura não se faz, sem se levar esse dado em sua devida conta. Há, sim, em todas as esferas da realidade social, traços relevantes secularmente enraizados, seja na economia, seja na vida social, seja no imaginário político, seja na grade de valores. Não há, por seguinte, como enfrentar-se adequadamente os desafios conjunturais, sem levar a sério o peso extraordinário desses fatores históricos estruturais.
A mentalidade colonialista impregna o cotidiano das relações sociais, também na sociedade brasileira. Vira-e-mexe, assistimos a uma retomada (por parte dos setores dominantes) de modelos econômicos ao modo de monocultura, a exemplo da atual febre do agronegócio (infelizmente privilegiado também pelo atual Governo). No plano político, a cultura presidencialista (a mania de se apostar num “salvador da Pátria”) reina, soberana, inclusive nos abusivos períodos eleitorais. Mas, não apenas! E tal cultura não afeta apenas os setores dominantes. Impregna o tecido social, de alto a baixo. Isso não se dá menos, no terreno dos valores. Claro que a sociedade brasileira não se reduz exclusivamente a isso. Há exceções, sim, mas como exceções. A regra continua marcada por essa “herança maldita”.
Não nos esqueçamos, a propósito, de que, até recentemente, tivemos um período promissor e até auspicioso, sob certos aspectos. O final dos anos 70 e os anos 80 foram tempos de esperança, para os movimentos sociais populares. Graças às suas lutas no campo e na cidade, tivemos sinais de raro protagonismo por parte de pelo menos alguns deles. Foi a época do surgimento do Movimento Pró-PT, do nascimento do Partido dos Trabalhadores, da fundação da CUT. Foi um período de grandes mobilizações e de relevante ascenso das classes populares.
Na cidade e no campo, saudava-se com esperança o reencontro de trabalhadores e trabalhadoras e intelectuais. Estes se achavam empenhados no acompanhamento diuturno das lutas. Quem se lembra do Programa de Lutas da CUT? Tanto no campo quanto na cidade! E do que representava para os militantes do PT a formação oferecida pelo Instituto Cajamar? Havia participação também eleitoral? Havia, sim, mas subordinada aos critérios mais fundantes do Partido, como punham claramente seus principais documentos.
Seduzidas pelas facilidades dos atalhos eleitorais, essas mesmas forças puseram a perder uma rara oportunidade histórica. Estragaram anos e anos de lutas conseqüentes, com gravíssimos efeitos ético-políticos e pedagógicos. Ávidos de poder, acederam ao Governo, e fizeram quase tudo ao contrário do que deles se esperava... Chegada a nossa vez, fizemos igual a quem tanto criticávamos...
Ocorre, a nosso favor, que as heranças malditas e até os erros crassos são também históricos. Podem e devem ser superados, desde que sejam corretamente submetidos a uma séria autocrítica, e tenhamos a coragem de retomar o rumo e os caminhos dos nossos melhores dias, recomeçando por identificar os avanços consideráveis de forças sociais que permaneceram fiéis aos interesses das classes populares, a exemplo de alguns movimentos sociais populares, principalmente do campo.
E, se nos ativermos ao que se passa nessas chamadas “correntezas subterrâneas”, vamos identificar alvissareiros sinais nessa direção de alternatividade, que nos animam a levantar alto e fortalecer essa convicção: “Nem o passado como era, nem o presente como está”.

II. Que condições e fatores terão mais pesado nesse fiasco ético-político?

Encerrou-se, há pouco, no Brasil, o primeiro turno das eleições de 2006 (para os cargos de Deputado Estadual, Deputado Federal, Governador, Senador e Presidente da República). Embora uma parte do ritual já se tenha completado (eleição dos cargos proporcionais), os cargos majoritários, como se sabe, só se definirão no segundo turno das eleições entre o atual Presidente e Candidato Lula e o Candidato Geraldo Alckmin, ex-Governador de São Paulo.
Em se tratando, pois, de uma eleição ainda em curso (salvo para os cargos proporcionais), o que se pode avançar, por enquanto, é um olhar avaliativo parcial (no caso, tanto “partial”, quanto “partiel”, ou seja, exercitado por alguém que já não aposta – pelo menos na atual conjuntura - no processo eleitoral como ferramenta de transformação social...)
As considerações que seguem, virão em forma de perguntas, a título de provocação/convocação de um debate com pessoas e grupos que, tendo embora participado do processo eleitoral, ainda se mantêm firmes na defesa dessa participação como instrumento de denúncia.

1) Primeiras impressões parciais

Mesmo estando no início do segundo turno, já é possível destacar alguns pontos do vivenciado até aqui, em relação a alguns pontos, tais como quanto à relação custo-benefício das eleições, quanto ao processo em si, quanto aos resultados parciais (não nos esqueçamos de que já conhecemos as listas dos Deputados Estaduais, dos Deputados Federais e dos Senadores eleitos).

Quanto à relação custo-benefício, sob a ótica das classes populares
- Quanto tempo passam os brasileiros ocupados com os processos eleitorais, cujo ritual, embora se realize oficialmente em cerca de três meses, implica, no mínimo, um ano de movimentações?
- Que estimativa é possível fazer-se quanto ao volume de recursos financeiros e outros empregados, antes, durante e depois de cada campanha eleitoral?
- De onde vêm esses recursos?
- No exame acurado da relação custo-benefício, do ponto de vista das classes populares, qual o resultado?
- Quem ganha com as eleições?
- No caso de quem admite vantagens político-sociais no processo eleitoral, questionamos também sobre os gastos eleitorais, no âmbito nacional, na esfera estadual e no plano municipal: caso fosse aplicado todo esse volume de recursos (somando-se os contabilizados e os não contabilizados) em políticas sociais, o que daria para construir?

* Quanto ao processo em si
- Qual o percentual de eleitos (no Legislativo ou no Executivo) por três, quatro, cinco ou mais mandatos, conferindo ao exercício do mandato um caráter profissional?
- De que tem adiantado, na essência, a troca de nomes, freqüentemente apelidada de “renovação”?
- Quem escolhe e como são escolhidos os candidatos?
-Quais os critérios convencionais de escolha dos candidatos?
- Quem financia os candidatos?
- Quais os critérios desse financiamento?
- E os partidos como se compõem para o processo eleitoral?
- Quais os critérios para a formação de alianças partidárias?
- Quem anima as campanhas: os militantes movidos pelo seu ideal ou pessoas remuneradas?
- Qual o peso exercido pela mídia e pelo poder econômico no processo eleitoral?
- Como se dá a relação com a mídia?
- Qual o papel das chamadas “pesquisas” eleitorais?
- Quais os mecanismos habituais de convencimento dos eleitores?
- Salvo pouquíssimas exceções, como costumam posicionar-se, na prática, os candidatos de partidos ditos de esquerda e até autoproclamados comunistas?

* Quanto aos resultados
- Conhecidas as listas dos eleitos (inclusive no plano nacional, em que, a despeito de alguns nomes respeitáveis, (re)elegeram-se figuras abomináveis, entre velhas raposas e folclóricas, perguntamos: qual é mesmo o perfil dominante dos eleitos, nesta e noutras eleições?
- Quem resultou efetivamente eleito para o segundo turno que compromisso tem com a classe trabalhadora?
- Tendo em vista o mais recente resultado dos eleitos a cargos proporcionais, que novidades substantivas esse resultado apresenta em relação a outras eleições, quanto ao perfil dominante dos candidatos?
- Do ponto de vista da classe trabalhadora, qual a diferença essencial entre os programas macro-econômicos do Governo Lula e do Governo Geraldo Alckmin?
- Mesmo para se cumprir o programa anunciado pelos candidatos majoritários, qual a garantia de se efetivar, de modo eticamente aceitável?
- Numa eventual “reforma política”, o que se pode esperar de um Congresso com o perfil dos eleitos?

2) Qual é mesmo o papel das eleições no atual contexto do Capitalismo?

Iniciamos essas linhas, buscando exercitar algo tão ao gosto do Mercado, sob cuja égide nos movemos: a relação custo-benefício dos processos eleitorais. Mas, vamos fazê-lo com uma diferença capital: sob a ótica das classes populares... Então, acerca das eleições, vamos perguntar: quem ganha e quem perde com as eleições? Ganha (ou perde) o quê e como?

2.1. A) Quem ganha? B) Ganha o quê? C) Como ganha?

1. A) Ganham, em primeiríssimo lugar, as forças dominantes externas do Capitalismo - em especial seu segmento financeiro atualmente hegemônico: as transnacionais operando no País, o G-7 e seus organismos multilaterais (FMI, BIRD, OMC): seus interesses são ampliados ou pelo menos preservados, independentemente de quem venha ganhar as eleições.

1.B) Essas forças ganham com a certeza da ampliação ou da continuidade da política macro-econômica (pagamento da “dívida”, juros, remessa de lucro, respeito de contratos de todo tipo...) praticada por não importa qual dos candidatos que se torne vitorioso. Pode haver alterações no varejo (as chamadas políticas compensatórias: bolsa-família, Fome Zero e outras do gênero...

1.C) Sendo historicamente inviabilizado o sucesso eleitoral de qualquer força social de esquerda conseqüente, fiel aos interesses das classes populares, os setores dominantes externos (as transnacionais, G-7 e seus organismos multilaterais) tornam reféns seus, por antecipação, os candidatos vitoriosos, não importando quem (de direita ou de “esquerda”). Durante o pleito eleitoral, podem até “fechar” os olhos quanto à rebeldia de algum candidato de esquerda conseqüente, já que o seu desempenho eleitoral se acha previamente traçado, ficando restrito seu desempenho a apenas marcar posição, o que aliás até confere legitimidade ao pleito
“democrático”...

2. A) Ganham as forças dominantes internas, (setor financeiro, agronegócio, exportadores, latifundiários, etc.), que conseguem ampliar ou preservar, ainda que em menor escala do que as forças dominantes externas, seus interesses de classe.
B) Depois das forças dominantes externas, são elas que vão faturar as maiores fatias do bolo da economia do País: juros privilegiados, pagamento da dívida, isenção e renúncia de impostos, facilidades fiscais, inclusive anistia, licitações nebulosas...).
C) Tais vantagens são conseguidas graças a uma variada combinação de mecanismos de pilhagem (legalizada ou clandestina) dos recursos públicos:  injusto sistema tributário, sonegação fiscal, renúncia fiscal por parte dos governantes, arbitrário repasse de custos ao consumidor, sob a alegação de “livre concorrência”, achatamento salarial, desrespeito à legislação trabalhista, facilidades de empréstimos públicos, freqüentes casos de anistia de débitos ao erário, “caixa dois”, corrupção ativa e passiva, entre outras falcatruas endêmicas e “normais”, do ponto de vista do sistema.

3. A) Também ganham as forças que gerem o Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário e respectivos aparelhos).
B) Mantêm suas prerrogativas e vantagens, podendo até ampliá-las. Não é por acaso tanta gula pelo poder, implicando gastos astronômicos, para reaver, mais na frente...
C) Não é por acaso que os gestores do Estado fazem tanta força para justificar a continuidade do Estado, via eleições. As eleições sacramentam, legitimam a organização do Estado, sua ordem e seu funcionamento. A despeito de conflitos internos pontuais, essas forças estão unidas na essência, salvo raros casos de fissura.

4. A) Os candidatos e chefes partidários
B) Os partidos são, em geral, obedientes servis à ordem estabelecida. Mesmo quando desrespeitam suas leis, o fazem por atitudes de banditismo, por interesses privados, não para atender aos interesses da sociedade, a não ser no que diz respeito a detalhes ou a políticas assistencialistas.
C) Embora eleitos pela enorme maioria dos pobres, os eleitos pouco ou nada representam seus eleitores. Têm um padrão de vida que os separa radicalmente do comum dos mortais da população: não andam em ônibus, têm previdência privada, seus filhos estudam em seletos colégios particulares, não conhecem o que é uma fila de hospital da rede pública, têm quase tudo ao alcance das mãos. No Congresso, submetem-se às regras das lideranças privilegiadas, em geral subordinadas ao Executivo e às forças do Capital, sendo quase sempre movidas à base de vantagens materiais. A elaboração do orçamento pode ser um exemplo emblemático. Quem menos ganha aí é a maioria da população, a quem são destinadas as migalhas do orçamento, enquanto o filé mignon fica reservado a pagamentos aos agiotas externos e internos.
5. A) Os assessores e auxiliares mais próximos dos candidatos
B) Salvo exceções, tratam de defender seus postos, enquanto durar o mandato do seu chefe, razão por que tudo fazem para que se reelejam, independentemente do perfil do candidato, do seu projeto político ou de sua prática política. Entre eles, alguns são vítimas: devem a esse cargo sua sobrevivência. A situação geral de desemprego frustra suas aspirações profissionais.
C) Mantêm seus currais eleitorais, a prática é de assistencialismo, distribuição de migalhas a um e a outro, em troca do voto, disputado e conquistado graças a uma série de mecanismos, na maioria ligados a ações assistencialistas. Têm inclusive jornal, que, em vez de ser do Partido, normalmente trata do marketing do candidato, de sua reprodução.
6) A) Vários segmentos da elite, em troca de apoios e vantagens futuras
B) Os chamados “lobbies” ficam colados nos candidatos, e até lhes dão apoio financeiro, em geral não-contabilizado, porque oriundo de “Caixa Dois”. Seu interesse é futuro: caso seja eleito o “seu” candidato, este se sente na obrigação de votar projetos que favoreçam aos grupos que o apoiaram, ainda que o eleito nunca deixe de dizer que o faz “pelo interesse do povo”...
C) Esses “Lobbies” ou grupos de pressão passam a cobrar dos candidatos eleitos o cumprimento dos conchavos, ou seja, a adesão do eleito a tal ou qual projeto do interesse de quem financiou a campanha.
7) A) Uma parcela dos segmentos mais pobres
B) Assim como em outros eventos, os mais pobres conseguem alguns trocados, vendendo alguma coisa, recebendo favores, inclusive em troca do voto.
C) São variadas as formas de obtenção de algum ganho por parte de parcela dos pobres: levantar bandeiras, fazer passeatas, engrossar carreatas, distribuir material de campanha dos candidatos, ceder muros para propaganda, trocar votos por vantagens ou por promessas.

2.B) Quem perde?
1. A) As forças que lutam por transformação social substantiva
B) Vêem reduzido seu potencial instituinte, à medida que se tornam, durante a campanha eleitoral, reféns do sistema representativo que deveriam combater expressamente, numa conjuntura como a atual. Mas, só podem fazer isso em parte, pois devem obediência ao jogo eleitoral “democrático”. Do ponto de vista ético-político, vêem empalidecida sua denúncia ao sistema, à medida que dele participam, ao menos durante o tempo da campanha. Do ponto de vista pedagógico, não ajudam os segmentos das classes populares a buscarem construir uma alternativa política. Perdem, enfim, recursos, tempo, energia, criatividade.
C) Em vez de se aplicarem a tarefas instituintes, junto às massas, ajudando-as a formarem sua consciência crítico-transformadora, e a rejeitarem participar dessa farsa, a partir de suas lutas, e ajudando-as a conquistarem autoconfiança, em vez de reforçar nelas a cultura presidencialista e a confiança em “salvadores da Pátria”.

2. A) Perdem os segmentos mais pobres.
B) Embora arranquem uns trocados durante o processo da campanha, depois vão continuar suportando a carga mais pesada da opressão, tendo que contentar-se, quais Lázaros dos novos tempos, com as migalhas que lhes são atiradas do banquete dos magnatas transnacionais, nacionais, regionais e locais.
C) O grosso do bolo das riquezas continuará seguindo para os grandes de dentro e, sobretudo, de fora...), enquanto esses segmentos mais pobres (Trabalhadores Desempregados, Mulheres das camadas populares, Negros, Índios, Sem-Terra, Sem-Teto, Povos da rua, Migrantes...) vão continuar curtindo o seu dia-a-dia de desemprego, arrocho salarial, ausência ou precarização dos serviços públicos essenciais, doença, miséria, desespero...

3.A) Perde o conjunto da classe trabalhadora, que se mantém refém de um processo, em relação ao qual ela só tem a perder, a despeito de aparentes vantagens imediatas.
B) Enquanto está metida nos processos eleitorais da Democracia Formal, vê reduzidas suas forças no investimento em saídas alternativas. Perde um tempo precioso (as campanhas duram meses e se passam a cada dois anos), em vez de estar junto às massas do campo e da cidade, animando suas lutas e ajudando na formação de sua consciência crítico-transformadora, gestando uma sociabilidade alternativa cujo calendário se desenvolve a curto, médio e longo prazos.
C) Objetivamente, termina por coonestar os processos da Democracia formal, perdendo força sua denúncia e seu discurso de desmascaramento das forças dominantes.

III) Em busca de uma sociabilidade alternativa: considerações sobre o caso específico do processo eleitoral

Em ocasiões precedentes (cf. CALADO, 2003, 2004, 2005a, 2005b), já tivemos oportunidade de pontuar diferentes aspectos de nossa tese acerca de um projeto de sociabilidade alternativa. Aqui nos restringimos apenas ao aspecto das relações Sociedade-Estado-Governo, e mais precisamente, ao caráter ético-político dos processos eleitorais nas Democracias Ocidentais, em particular, a que se dá no Brasil.

Que valores fundamentais inspiram a sociabilidade de mercado, da qual o processo eleitoral é uma expressão emblemática?

Um balanço sereno da relação custo-benefício, a partir da perspectiva das classes populares, se revela enormemente prejudicial às classes populares. Aqui tratamos de realçar um desses aspectos: a grade de valores própria da visão de mercado a incidir (também) nos processos eleitorais.
A ideologia do mercado é inimiga do diferente, enquanto diferente. Pode até tolerar valores outros, desde que lhe sejam afins ou complementares, e não colidam com os seus. Na lógica do mercado, “o outro”, sim, mas só se for extensão de “mim”, minha imagem e semelhança. Em sua fase mais exacerbada, como a do Capitalismo dito neoliberal, só se admite a difusão de “minha” palavra, da palavra do “meu” grupo, do meu setor. Os “outros” são meros ouvintes e consumidores de “minhas” idéias, que eles devem, porém, incorporar e assumir como se fossem suas próprias...
Talvez ainda mais do que em outras fases (por exemplo, na Social-Democracia), o Capitalismo em sua fase atual, dita de globalização neoliberal, confere completa razão ao velho dito marxiano, de que numa sociedade de classes, a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante.
Para isso, lhe é essencial centrar fogo na figura do chefe ou de seu preposto, ao mesmo tempo que trata de detonar (ainda que nem sempre consiga...) os ensaios de construção coletiva, de reduzir a pó o protagonismo de sujeitos plurais (a menos que se trate de sujeitos plurais aliados às forças dominantes....). Atomizada, qualquer sociedade acaba perdendo de vista suas esperanças de mudança. Monopolizar o exercício do poder passa, então, a ser uma eficaz estratégia de manutenção (e, se possível, de perpetuação) do poder da classe dominante.
Chega mesmo a passar a idéia de que o preposto tem voz própria. Age de modo autônomo, ainda que por trás esteja refém de decisões “superiores”... Ou não é assim que agem as superpotências e seus organismos multilaterias (FMI, Banco Mundial e cia., a própria ONU)?
Nessa esteira, a concorrência passa a ser um instrumento eficaz, uma moeda valiosa, à medida que consegue semear a cizânia entre os “outros”. A velha máxima das classes dominantes de todos os tempos – “Dívide et ímpera!”, a do dividir para reinar...
E a saída para as classes dominantes termina sendo o apelo ao imobilismo, que lhes favorece sobremaneira.
Por uma infeliz combinação de motivações exógenas e endógenas, temos sido historicamente educados a não encarar propositivamente os desafios das mudanças sociais, mesmo quando reconhecemos não estar sendo favorecidos pelo status quo.
Somos herdeiros de uma tradição sócio-cultural que nos tem tornado reféns desta secular sociabilidade imperante. Do espaço familiar à Escola, do ambiente profissional às instituições eclesiásticas, do terreno sindical aos espaços político-partidários...
E desses costumes fazem parte atitudes como: não duvidar nem questionar os ensinamentos dos antigos; não desobedecer, em hipótese alguma, às “ordens superiores”. A despeito de muita coisa estar mudando, a esse respeito, não se deve descartar esses e outros exemplos como página virada. Muita coisa ainda se vê, se ouve, se sente, e sobretudo se faz por aí... Coisa que, às vezes, nem se diz, mas sobre a qual a prática fala mais forte. E boa parte de nós não só incorpora esses valores, como também passa a reproduzi-los, ainda que nem sempre de forma consciente ou de modo disfarçável. Não poucos de nós, mesmo percebendo o equívoco, têm dificuldade de superar tais contradições.
Constrange-nos registrar situações esdrúxulas em que, por um lado, jovens e adultos perdem a vida por razões fúteis de cenas de ciúme e por atitudes possessivas extremadas, enquanto, por outro lado, poucos estão dispostos a correr risco – nem sequer de perder o emprego – de enfrentar coletivamente situações de evidente injustiça social.
Por outro lado, cumpre enfrentar a questão de se examinar se isso é mesmo da “natureza” humana, ou se tal “naturalização” tem caráter ideológico. É o de que trataremos, em seguida.

Que práticas e valores podem favorecer a busca de alternatividade no tocante ao processo político-eleitoral em vigor?

Em um dos artigos referidos, dizíamos que o fato de estarmos acostumados a navegar no curso das águas que fluem na superfície do cotidiano dificilmente nos propicia acompanhar o que se passa nas correntezas subterrâneas. Isso tem implicações múltiplas. Uma delas mexe com nossas esperanças. Como rarissimamente temos contato com experiências de outro caráter, termina firmando-se em nós a tendência de que as coisas não podem ser diferentes. Ou, mesmo que em nós continue ardendo alguma centelha utópica, não consegue firmar-se no terreno da prática, seja por estarmos relativamente isolados, seja por não contarmos com um clima que nos encoraje a tentar, a ousar, a ir além do instituído, além de uma momentânea indignação, que acaba sendo uma indignação estéril.
À medida, porém, que ousamos chegar perto de experiências alternativas, ainda que moleculares, protagonizadas por algum movimento social popular, por pequenos grupos ou por pessoas, aquela chama utópica volta a arder de modo não apenas crítico, mas crítico-propositivo, impulsionando-nos a encampar ações grávidas de alternatividade, ainda que se trate de “pequenas” iniciativas, nos mais distintos campos de atuação que as relações do cotidiano nos oportunizam.
A seguir, tratamos de elencar algumas situações concretas que, bem aproveitadas, podem suscitar em nós elementos de reencantamento (coletivo e individual) pela incessante busca de pistas de alternatividade, nas relações do cotidiano.
Ao enfatizarmos aqui situações mais diretamente voltadas à esfera cultural - e mais expressamente a dos valores, em direção a uma cultura política alternativa -, lembramos os laços orgânicos que unem todas as esferas da realidade humana e social, de modo que experiências em qualquer uma dessas esferas implica sempre, de algum modo, interfaces e distintas formas de interação com outras.
Manter o rumo do Projeto implica recuperar, de forma atualizada, o horizonte da classe trabalhadora e da ampla massa dos excluídos – Se sombrio é o quadro que campeia, não devemos perder de vista que, apesar disso, sempre houve, sempre há e sempre haverá quem faça diferente, quem tenha outras apostas. Se ousarmos ensaiar mergulhos nas “correntezas subterrâneas”, vamos verificar experiências alternativas, apontando para uma cultura política alternativa.
Assim agindo, vamos encontrar práticas de alguns movimentos sociais populares, de pequenos grupos e pessoas honradas que teimam em ter uma prática e uma concepção alternativas de se fazer política, a começar por não perderem de vista o rumo maior da caminhada, o compromisso irrenunciável e inegociável com a classe dos-que-vivem-do-trabalho (da qual fazem parte, além do contingente cada vez mais reduzido de trabalhadores do setor formal, toda a massa dos excluídos: trabalhadores e trabalhadoras do setor informal, desempregados e desempregadas, os trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, as populações sem-teto ou morando em condições sub-humanas, pessoas portadoras de deficiência, crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas idosas das classes populares, mulheres vítimas da marginalização, moradores e moradoras de rua, presos...), para quem não há partido que consiga substituir a classe trabalhadora. Não adianta que o partido cresça, sem que a classe trabalhadora não seja, ao mesmo tempo, protagonista, gestora e beneficiária desse crescimento.
Manter firme o horizonte e os interesses da classe trabalhadora é o que importa. Esse é o rumo, esse é o horizonte. Essa gente aplica magistralmente, em seu dia-a-dia aquela conhecida afirmação da personagem José Dolores, do filme “Queimada”: “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como e não saber para onde ir.”
Nem todo caminho leva a esse rumo – Não basta, é claro, ter presente o rumo. Já sabendo que a recuperação e a manutenção do rumo são passos decisivos para quem se coloca no seguimento das classes populares, importa também adequar ao rumo os caminhos que para ele apontam. Se é certo, por um lado, que há uma pluralidade de caminhos demandando o rumo, também é certo, por outro lado, que nem todo caminho leva à meta desejada.
Na história das principais revoluções populares ou das mudanças sociais dignas desse nome, o protagonismo se deveu fundamentalmente à ação dos movimentos sociais compostos pelos setores dominados. Nunca e em lugar algum, as mudanças substantivas foram protagonizadas pelas classes dominantes. Destas só se deve esperar o empenho pelo continuísmo e pela ampliação e perpetuação de seu domínio.
Ao longo da História, nunca se registrou que alguma classe dominante tenha abdicado do poder, tenha cedido o poder de forma pacífica. Quando eventualmente as classes dominantes ou alguns de seus segmentos se metem em alguma empreitada reformista, só o fazem para livrar sua pele, entregando os anéis para não perderem os dedos... Inclusive a histórica recente do Brasil está cheia desses episódios, aos quais as próprias classes dominantes se apressam em chamar de “revoluções” (a “Revolução de 30”, a “Revolução de 64”...).
Trata-se, porém, de refletir aqui o papel dos protagonistas das classes populares nas transformações sociais, na perspectiva das classes subalternizadas. E, há séculos - embora ainda mais enfaticamente no Capitalismo, em sua atual fase, dita de globalização neoliberal - desse sujeito coletivo participam forças múltiplas, plurais, distintas, mas não antagônicas. Movimentos populares do campo e da cidade, segmentos profissionais, setores organizados da sociedade civil, partidos, forças sindicais...
Nos processos revolucionários dos últimos tempos, dentre os protagonistas coube aos partidos operários um papel mais destacado. Pelo fato de se atribuir ao partido a tarefa central de pensar e conduzir todo o processo revolucionário (projeto da nova sociedade, estratégia e táticas de enfrentamento das classes dominantes, tomada do poder, expropriação da propriedade privada dos meios de produção, estatização dos bens de produção, reorganização em bases novas dos processos e organização do trabalho e definição dos critérios das novas relações sociais), apenas “coadjuvado” por outras forças, permitiu-se o desenvolvimento de um hiato tremendo entre o partido (que, na prática, tudo decide, transformando-se “representante” exclusivo da classe trabalhadora) e as demais forças das classes trabalhadoras. À parte conquistas econômicas não desprezíveis, o resultado, sabemos hoje, foi altamente trágico: em nome da classe trabalhadora, um grupo de privilegiados erigiu-se em ditadura sobre o conjunto da classe trabalhadora.
Ou não foi essa a herança do Stalinismo, cujas marcas continuam disseminadas, inclusive, na sociedade brasileira, especialmente nos espaços governamentais? Pois bem, esse caminho não nos serve, simplesmente porque definitivamente não nos leva ao horizonte, ao rumo que desejamos. Pelo contrário!
Não sendo esse o caminho, qual será? Mesmo que não o tenhamos pronto, porque, como bem nos lembra o poeta, “o caminho se faz ao caminhar”, podemos e devemos reconhecer e procurar veredas que apontem numa direção de alternatividade. Como, então, reconhecê-las? A quem busca é sempre possível reconhecer alguns sinais.

Enfrentando a cilada dos caminhos fáceis e atalhos sedutores – Numa sociedade complicada como a nossa, ninguém está imune de sucumbir à sedução dos atalhos. Numa situação de crise aguda, de desemprego estrutural e crescente compressão salarial, é extremamente difícil, por exemplo, a um jovem das classes populares, resistir aos argumentos do convite feito por um amigo hoje completamente envolvido nos negócios da droga: “Você não aceita por quê? Você desempregado, sua família passando necessidade, quando faz um bico, mal dá para enganar o estômago... Enquanto isso, se você topa essa parada, você vai ganhar num dia o que não consegue arrumar num mês...”
Quem disse que algo semelhante não sucede em outros planos, inclusive no escorregadio terreno político-partidário? “Esse negócio de conscientização e de lutar nas e com as bases não dá em nada. O que é que eu ganho com isso? Já no terreno político-partidário, a história é outra. Como assessor parlamentar de um vereador, pelo menos meu emprego está garantido.” O fato é que, seja por necessidade de sobrevivência ou por re-opção, um número expressivo de militantes foi pouco a pouco refazendo suas escolhas, apegando-se aos aparelhos do Partido ou incursionando, cada vez mais fundamente, pelos cômodos espaços governamentais (parlamento, cargos executivos, instâncias partidárias...).
Como? Mantendo o discurso e mudando a prática. Importa todo empenho em dominar argumentos de auto-justificativa, “provando” que tal escolha é melhor para “todos”. O caminho tem que ser o diálogo com todo o mundo. Pelos caminhos democráticos, pouco a pouco, vamos conquistando espaços, progressivamente, até chegar lá, pouco importando o que seja esse “lá”. Importa mesmo é desenvolver atividades que fortaleçam o espaço partidário, é fazer o Partido crescer. Ou mais do que o Partido: minha candidatura ou o meu candidato. Nem se pergunta se basta o engajamento pelo crescimento do Partido. Automaticamente, o Partido substitui a classe trabalhadora.

Buscando e assumindo uma agenda alternativa – Deslumbrados com os atalhos sedutores – e nisso também as classes dominantes são especialistas -, não poucos terminam sucumbindo à agenda da oficialidade, mesmo dizendo-se contra. Como o foco da atenção se resume aos fatos e acontecimentos trazidos pela mídia (que repercute exclusivamente a agenda oficial – esse é o seu papel!) são levados aos mais diferentes ambientes, é “natural” que as ações de resistência se tornem reféns desses espaços.
Resultado: vamos centrando a nossa ação de resistência, em nome das classes populares, de acordo com os pontos de pauta do Governo, do Congresso, dos ministérios, das secretarias estaduais, das prefeituras, secretarias e câmaras municipais, das instâncias judiciais, das forças de repressão, dos partidos convencionais, das altas hierarquias das igrejas, das notícias extremamente seletivas da mídia, em breve: vamos organizando nossas ações em função desse cenário instituído, cedendo às suas determinações. “Ah! Não é bem assim”, pode-se objetar, “no Congresso, votamos sempre contrariamente ao rolo compressor dos setores dominantes. Se atuamos nesses espaços, o fazemos para defender os interesses dos trabalhadores”. Até pode ser. O que questionamos é a eficácia transformadora dessa ação. O que adianta votar “Não” num Congresso cuja quase totalidade é composta por prepostos ou representantes das classes dominantes? Qual foi mesmo o sentido do meu “Não”, por exemplo, ao longo das votações das reformas constitucionais? À parte o sentido ético de minha intenção, em que contribuí efetivamente para mudar o quadro atual? Nesse sentido, não apenas não contribuí efetivamente para as mudanças necessárias, como sem querer (?), terminei legitimando/coonestando o processo “democrático”, ao contar com os votos da oposição simbólica.
Não se trata aqui de negar o papel do partido. Trata-se, isto sim, de não dogmatizar as ações do partido. Afinal, o partido não é o único instrumento de luta da classe trabalhadora. Às vezes, nem mesmo o principal. Às vezes, pode até atrapalhar. Não se trata nem satanizar a atuação partidária nem sacralizá-las. A atuação de um partido não deve ser tomada como um fim em si mesma. Tem que estar voltada para os efetivos interesses da classe trabalhadora. Sua atuação depende, portanto, da conjuntura histórica, que pode favorecer ou pode desaconselhar o recurso a esse instrumento. Estimamos que, na atual conjuntura, a classe trabalhadora tem pouco ou nada a ganhar com a atuação em partidos convencionais.
Especialmente em conjunturas com esse perfil, uma pista fecunda é deixarmos um pouco de privilegiar o que anda se passando nas águas que correm na superfície, e voltar-nos com mais empenho para o que anda se passando nas “correntezas subterrâneas”.

E o que anda se passando nas “correntezas subterrâneas”? - Nem precisamos abandonar de vez o estamos fazendo. Importa, como primeiro passo, invertermos nossas prioridades do cotidiano, tomando algum tempo para ousar enxergar o que anda se passando noutras passagens (para nós) inéditas ou pouco exploradas.
Não estamos propondo nenhum delírio. Apenas abrirmos os olhos, os ouvidos e o coração a coisas que se passam efetivamente diante de nós ou perto de nós, e que nós não estamos percebendo, limitações nossas.
Que tal considerarmos, na atual conjuntura, o protagonismo dos movimentos sociais do campo? Quem tem chegado mais perto do horizonte que dizemos ser o nosso: as forças de esquerda que atuam exclusivamente na esfera partidária, parlamentar, governamental, ou as forças que atuam nas lutas sociais? Quem protagonizou a conquista de milhares de assentamentos que, se ainda estão longe de ser suficientes, apontam mais de perto para o sonho da Reforma Agrária?
Quem tem investido na formação continuada de seus membros: a esquerda partidária ou a esquerda que vem priorizando as lutas sociais? Quem tem mostrado ações instituintes, mesmo sem apostar em rupturas, no atual quadro sócio-histórico?
Nossa aposta consiste em exercitar um protagonismo classista não mais centrado numa única força (quem quer que ela seja. No caso presente, o partido), mas no efetivo reconhecimento da capacidade criativa e transformadora das mais distintas expressões das forças comprometidas numa transformação social, que respeite o rumo, os caminhos e o jeito de caminhar de seus protagonistas.
Protagonismo tanto mais fecundo quanto construído como expressão viva de saberes e ações de sujeitos plurais de todos-os-que-vivem-do-trabalho e seus demais integrantes (mulheres e homens de todas as idades, de todas as espacialidades, de todas as etnias, de todos os credos, com todas as habilidades artístico-culturais, organizados em movimentos, em sindicatos, em partidos, em inúmeras outras instâncias de base (entidades religiosas, igrejas, escolas, universidades, associações, cooperativas...), caracterizados todos como protagonistas unidos pelo mesmo horizonte de sociabilidade, pelos caminhos que levam a esse rumo, e pelo seu jeito de caminhar.

A título de “fecho” dessas linhas

Ontem como hoje, os movimentos sociais populares (“velhos” e/ou “novos”), enquanto componentes privilegiados das forças vivas da sociedade, seguem sendo os principais protagonistas de mudança social digna deste nome. Sem negligenciar a contribuição de tantos que se empenham em lutas parciais, mas complementares, vale destacar o potencial transformador daqueles movimentos sociais populares que cultivam como horizonte maior a luta por uma sociabilidade alternativa.
Sempre que me vejo a analisar situações semelhantes, me vem à lembrança uma imagem impactante: a que foi exibida, há alguns anos atrás, nos telejornais. Ao lado de Arafat, à frente do Governo da Palestina, então sitiada por Israel - que hoje reedita práticas de que foi vítima pelos nazistas – via-se a tremular uma bandeira do MST... Para a fúria de comentaristas como Boris Casoy, a exclamar algo como: “O que faz aí o MST? Sua bandeira não é a luta por terra?” É, sim, por terra e por uma sociedade alternativa, que só se constrói com forças sociais de todo o mundo.
Enquanto isso, tendemos a nos contentar com o processo eleitoral, que nos toma quase todo o tempo, as energias e até os sonhos... A cada dois anos, repete-se o ritual. Com uma agravante: um ano antes, já se está a planejar o pleito do ano vindouro...
Nossos bisavós, avós, pais, nós e nossos filhos, nossos netos, temos experimentado o real alcance dos processos eleitorais, nas Democracias representativas. “Muito barulho por nada”... Até quando, vamos prosseguir nesse ritual de “faz-de-conta”? Não ignoramos que alterações pontuais, aqui e ali, se produzem. Mas, no grosso, as coisas não apenas não avançam, como, sob vários aspectos, até retrocedem.
Por outro lado, a forma de organização social que hoje prevalece, é, como tantas outras, de caráter histórico. Se deu certo em determinado tempo, para determinados segmentos de alguma sociedade, também frustrou aspirações legítimas de tantos outros segmentos. Isso não tem que ser eterno. Pode e deve mudar. Mas, jamais se dará alguma mudança significativa por via de inércia ou graças à iniciativa dos segmentos direta ou indiretamente beneficiados com o sistema imperante.
Em que pese ainda prevalecer amplamente, em alguns segmentos marxistas ortodoxos, a tendência a identificar revolução com “assalto ao quartel”, temos tido o cuidado de evitar tal reducionismo de triste memória. E não o fazemos por um procedimento tático. Entendemos que de pouco ou nada adianta – a História o tem ensinado! – o controle militar dos aparelhos de Estado, sem que os protagonistas saibam para onde ir. Como alertava “José Dolores”, a famosa personagem do filme “Queimada”, “É melhor saber para onde ir, sem saber como, do que saber como, e não saber para onde ir.” Para nós ambas as condições são complementares.
De todos os modos, mudanças significativas só virão, se protagonizadas pelos reais interessados nesse processo: as classes populares. Processo longo e penoso, mas necessário e indispensável para resgatar a dignidade de milhões de pessoas e da própria sociedade. Nesse sentido, a própria História é testemunha de momentos auspiciosos de ensaios de uma sociabilidade alternativa, fundada no protagonismo dos produtores, em todos os momentos do processo. A organização em conselhos autônomos, organicamente constituídos. Pequenos grupos, qualquer que seja o nome (conselhos, células, pequenas comunidades, etc.) que se lhes impute. Importa o conteúdo de suas relações, de suas decisões, pois é pelos frutos que se conhece a qualidade da árvore...
Valendo-nos, por fim, da linguagem dos versos, concluímos essas notas com o seguinte recado:

ONDE E QUANDO ELEIÇÃO JÁ FOI VITAL
PRA MUDAR DO SISTEMA A TAL RAIZ?


Quanto mais em idade a gente aumenta
Mais escuta histórias de eleição
Tanto esforço parece ser em vão
Quando pinta algo bom, a marcha é lenta
Bons pretextos, porém, a gente inventa
E assim toca às cegas o País
Conferindo mandato a tipos vis
Repetindo à exaustão o festival
Onde e quando eleição já foi vital
Pra mudar do sistema a tal raiz?

À exceção de contextos singulares
Quando a ação partidária mobiliza
Militância empenhada bem precisa
Hoje em vão navegamos nesses mares
Testemunhos nós vemos, exemplares
Urge, assim, laborar outra matriz
Do contrário, ficamos imbecis
Confiando a pilantras nosso aval
Onde e quando eleição já foi vital
Pra mudar do sistema a tal raiz?

Mesmo quem ´inda aposta em campanha
Logo vai procurar alternativa
Pra que o Povo decente um dia viva
E dê cabo à injustiça que é tamanha
Do sistema vencendo a torpe manha
Em lugar de eleger homens servis
Se organizem Conselhos de Civis
E outros órgãos, também, pois afinal
Onde e quando eleição já foi vital
Pra mudar do sistema a tal raiz?

Apostar nesse tipo de sistema
Que restringe a tão poucos a gestão
“Democrática”, dizem, mas eu não
Poucos lucram, embora o pobre gema
Sem cessar, mais se agrava seu problema
Se os pontos quisermos pôr nos “is”
Cumpre, então, superar esse infeliz
E ousar mutirão tão fraternal
Onde e quando eleição já foi vital
Pra mudar do sistema a tal raiz?

Nem o passado iníquo me atraía
Nem o presente corrupto satisfaz
“Outro mundo é possível”: vamo´ atrás!
No horizonte da humana Utopia
Cuja estrada se faz dia após dia
E por gestos concretos, bem sutis
Bem ao ritmo de quem faz o que diz
Só u´a nova Cultura enfrenta o mal
Onde e quando eleição já foi vital
Pra mudar do sistema a tal raiz?


Alder
Trecho Recife-Aracaju, 24/08/2006





TEXTOS DE APOIO

- CALADO, Alder J. F. Desafios dos movimentos sociais populares e sindical frente à atual conjuntura. In: Universidade e Sociedade, nº 12, São Paulo:ANDES/SN, 1997, pp. 74-79.

__________________. Partidos de esquerda frente à globalização neoliberal: ponderações sobre os riscos de domesticação. In: Revista Bazar, fase II, n. 1, João Pessoa, março/1999.

__________________. A esquerda brasileira face ao neoliberalismo: riscos de domesticação. In: Política Operária, n. 69, Lisboa, maio-junho, 1999, pp. 19-20.

__________________. A dialética instituído X instituinte: notas sobre a burocratização da esquerda brasileira. In: CALADO, Alder J.F. (Org.). Por uma Cidadania Alternativa. João Pessoa: Idéia/ Caruaru: Edições FAFICA, 2004, pp. 11-30.

_________________. Tecendo saberes em busca de uma sociabilidade alternativa. In: CALADO, Alder J.F. & SILVA, Alexandre M.T.da. (Orgs.). Desafios da produção de saberes político-educativos. João Pessoa: Idéia/ Caruaru: Edições FAFICA, 2004b, pp. 9-24.

________________, Movimentos Sociais Populares: qual Cidadania? Qual Educação? In: CALADO, Alder J.F. & SILVA, Alexandre M.T. da. (Orgs.). Cidadania no Horizonte do Trabalho. João Pessoa: Idéia / Caruaru: Edições FAFICA, 2005b, pp. 9-30.

__________________. Sob o impacto da crise: em busca de entendê-la para tentar superá-la. In: alainet.org (13 de agosto de 2005).

LOUÇÃ, Francisco; BENSAID, Daniel; LÖWY, Michael. Carta à DS, 01.01.2005. In:
ipp.uerj.net (Acesso em 03 de outubro de 2006).

RODRIGUES, Francisco Martins. Acção comunista em tempo de maré baixa. In Política Operária, nº 62, novembro-dezembro, 1997, pp. 31-33.

__________________________. Concorrer ao parlamento: princípio comunista? In: Política Operária, nº 74, Lisboa, março/abril, 2000, pp. 27-30.
- Documentos fundantes de alguns partidos de esquerda.

























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