quarta-feira, 14 de setembro de 2016

A Europrivataria é ou não expressão e resultado da parceria mercado-estado capitalista?

Anotações interrogantes, a partir do documentário “Catastroika”, em busca de lições para as agendas alternativas ao atual “sistema mercantil totalitário”
Neste final de 2015, a melhor sugestão de vídeo recebida foi, para mim, o documentário “Catastroika: a privatização vem a público”, cf.
http://controversia.com.br/my-product/catastroika?utm_source=wysija&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim+Controversia. Trata-se de um relato contundente, sob a forma de documentáio lançado em 2012, dirigido por Aris Chatzistefanou e Katenina Kitidi, com 87 minutos de duração, lançado em Inglês, e com legenda e/ou áudio em várias línguas ocidentais, inclusive em Português. Em razão de meus limites de vista e da excelente dicção do narrador, preferi ouvir o referido documentário, na versão italiana, cf. https://www.youtube.com/watch?v=57KH8aAOWWo
Trata-se de um percuciente trabalho de desmascaramento/desvelamento da avassaladora onda de privatização dos bens e serviços públicos, pelas grandes corporações transnacionais com a necessária cumplicidade de vários Estados nacionais europeus, de consequências socialmente devastadoras para a enorme maioria dos cidadãos e cidadãs desses países, bem como para a Mãe-Terra. Eis por que julguei apropriado intitular estas linhas de “Europrivataria”, a evocar, “mutatis mutandis”, algo similar produzido entre nós. Portanto, qualquer semelhança com a famigerada “privataria tucana” (depois seguida, em menor escala, por outras forças sucessoras) não será mera coincidência…
O documentário trata de explicitar didaticamente o espírito do projeto implementado, bem como as estratégias e procedimentos de extrema pilhagem dos bens, com suas consequências aterradoras, implicando extrema precarização dos serviços públicos, protagonizadas pelo Mercado capitalista – sempre com a indispensável cumplicidade e parceria orgânica dos respectivos Estados nacionais (lá como aqui…).
O intento das linhas que seguem não é o de resumir o documentário, mas o de, partindo dele, sublinhar, mais uma vez (das n. vezes em que o temos reiterado), pontos axiais do processo de exaurimento do modelo das democracias representativas, sustentadas pelas respectivas estruturas estatais, em avançado processo de caducidade. Eis que hoje, mais do que nunca, tais democracias representativas se acham sequestradas irreversivelmente pelas estratégias de política econômica sob o controle do Mercado (em especial dos grandes conglomerados transnacionais, atuando nos mais distintos ramos atividade econômica, desde a formulação à implementação de políticas “públicas”, em escala global, sempre zelosas de sua lógica-referência, a saber: a lógica do sistema mercantil totalitário, que é inconfundível: privatizar os lucros e socializar os prejuízos! E isto é feito, recorrendo-se à eficaz parceria dos Estados nacionais, parceiros estes ainda insuficientemente compreendido e menos ainda encarados como componente essencial que são do sistema mercantil totalitário.
Alguns questionamentos podem daí resultar úteis às nossas análises:
* Considerada a interminável sucessão de sinais convincentes dos frutos ordinários da aliança Mercado-Estado, na produção de crescentes catástrofes socioambientais, o que ainda nos convence de seguirmos apostando na reforma do Estado (reforma política, reforma tributária, reforma agrária, reforma urbana, reforma da saúde, reforma so sistema prisional, etc., etc.)?
*Prática rotineira entre nós tem sido a de enfrentarmos, de modo fragmentado ou a varejo, cada problema colocado pela dinâmica do sistema hegemônica, na busca de nos atacarmos aos seus efeitos, a cada manifestação. Sucede – e não de hoje! – que tais problemas se acham profundamente interconectados na cadeia do próprio sistema. Desse modo, nossa luta acaba tornando-se funcional à dinâmica do próprio sistema. Limitamo-nos, não raro, a reagir a seus efeitos, os quais até podem momentaneamente refluir ou ser abrandados, mas logo ressurgindo mais adiante, e, por vezes, ainda mais devastadores. Donde nos ocorrem dois questionamentos a este propósito:
= Quando será que ousaremos enfrentar os ataques do sistema sistemicamente, ainda que de forma molecular?
= É razoável seguir despendendo todas as nossas energias criativas em montar estratégias de mera reação (por ex.: via preparação das próximas eleições…), em vez de priorizarmos passos alternativos de construção, a curto, médio e longo prazos, de verdadeira alternatividade a esse “sistema mercantil totalitário”?
* Entretanto, temos que reconhecer que ainda nos encontramos bem aquém dos desafios que somos historicamente convocados a enfrentar. Ainda ressoam vagos e superficiais o nosso despertar e o nosso compromisso com tarefas grávidas de alternatividade. A este propósito, se não uma sociologia da agenda, ao menos uma revisão crítica dos nossos afazeres rotineiros ensejaria, para cada um, para cada uma de nós, a descoberta sobre onde temos efetivamente situado o nosso “tesouro” (“Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração”), isto é: onde se situam nossas apostas e prioridades efetivas:
= em priorizarmos pautas alternativas ou em limitar-nos às pautas oficiais, ditadas pelo Legislativo, pelo Executivo, pela grande mídia?
= em seguir adotando comportamento gregário, como o de bradar acriticamente palavras de ordem e bravatas jogadas ao vento, já pouco ou nada convincentes – razão por que não passam de uma vã ideologização “esquerdista”, que, por exemplo, segue supondo que todo o mundo que se diz de esquerda e grita nas ruas “é dos nossos” -, tendo-se, não raro, se transformado em meros repetidores de “slogans”, interessados em abocanhar uma fatia de poder ou vantagens pessoais? Ou mais nos valeria buscar repensar outramente nossas tarefas (organizativas, formativas, mobilizadoras)?
Urge, por outro lado, precavermos sempre contra, pelo menos, duas tendências perigosas: a de cedermos a certa tendência ao ceticismo, que leva ao imobilismo e ao sentimento de impotência; e, por outro, urge igualemtne resistir à tendência ao discurso (pior: às práticas) da razão cínica, da ética de conveniência: “já que não podemos mudar, tratemos de tirarf proveito da situação”…
Também, em momentos semelhantes, os bons clássicos muito nos podem ajudar. Um deles, por exemplo, sempre nos alerta e nos lembra queos seres humanos não costumam colocar-se problemas para os quais não sejam capazes de buscar alternativas de superação. Não deve ser diferente com nossas gerações.

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