quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O quê o Papa Francisco vai encontrar em Lesbos?

É surpreendente o ímpeto profético-pastoral que o Papa Francisco vem testemunhando, por gestos, palavras e escritos.
Tocante, não menos, sua capacidade de focar os grandes dramas do nosso tempo: migração forçada (não apenas em relação ao caso europeu: lembrem-se de sua postura contundente, por ocasião de sua visita ao México…), conflitos bélicos, terrorismo, expansão armamentista, desemprego, corrupção, etc., etc.
Ele volta a surpreender. No próximo sábado, dia 16 de abril de 2016, o Papa Francisco estará em visita a Lesbos, num gesto de solicitude pastoral e de solidariedade cidadã aos milhares – dezenas de milhares – de migrantes forçados que, a duras penas, conseguiram sobreviver à arriscada travessia, em precárias embarcações. Iniciativa surpreendente, sim, mas não tanto, a julgar pelos sucessivos testemunhos de seu perfil profético-pastoral. Não esqueçamos, a este mesmo propósito, sua visita a Lampedusa!
Na visita a Lesbos, Francisco contará com a relevante e oportuna companhia do Patriarca Bartolomeu I, da Igreja Ortodoxa Grega. Vale lembrar que, há pouco tempo, repercutiu amplamente – e de forma positiva! – o histórico encontro, em Cuba, entre o Papa Francisco e o Patriarca Kyril, da Igreja Ortodoxa Russa, um primeiro passo referencial na (re)construção da unidade cristã, esforço ao qual convém associar o encontro previsto para o dia 31 de outubro vindouro, em Lund, na Suécia, em conjunto com a Igreja Luterana (a LWF – Federação Luterana Mundial), por ocasião dos 500 anos da Reforma. Estamos diante de impactantes gestos propositivos e de grande alcance ecumênico e de uma Cidadania em escala mundial. Gestos emblemáticos do Bispo de Roma, uma figura com extraordinário carisma profético-pastoral, portador de profundas intuições criativas, renovadoras. Em meio a um contexto histórico extremamente escasso de lideranças com esse tipo de perfil, iniciativas como estas chamam a atenção de todo o mundo. Com efeito, não é à toa o que sobre o Papa Francisco dizem alguns analistas, dentre os quais o historiador Eduardo Hoornaert, que, a exemplo do que ele próprio, em outros textos, sublinha no perfil de Jesus de Nazaré, destaca o alcance universal de sua atuação. De fato, o Papa Francisco, nesses três anos de pontificado, se tem apresentado como alguém profundamente marcado pelas inquietações-chave da humanidade, indo muito além de uma atuação voltada apenas para os interesses institucionais da Igreja Católica. Disto dão prova seus gestos, seus escritos, seus pronunciamentos, nas mais distintas circunstâncias.
É o que também se dá em relação à sua surpreendente decisão de visitar a Ilha de Lesbos, que não tem cessado de receber migrantes forçados, para escaparem da guerra, em seus países de origem. Qual o motivo da visita? Quem e o quê encontrarão? O que esperam despertar, com seu gesto? Eis alguns questionamentos que nos fazemos, nessa oportunidade.
Lesbos, como se sabe, é uma do conjunto de ilhas gregas, situadas a Nordeste do Mar Egeu, relativamente próximas da costa da Turquia. A ilha de Lesbos tem cerca de 1.600 Km2, onde vivem em torno de 90 mil habitantes. A estes, no entanto, devem ser somados a dezenas de milhares de imigrantes forçados, vindos como fugitivos da Síria, do Iraque e de outras zonas de guerra e de conflitos intensos.
Francisco e Bartolomeu vão encontrar uma situação clamorosa, sob vários aspectos. Numa pequena ilha de cerca de 90 mil habitantes, a confrontar-se, de repente, com dezenas de milhares de migrantes forçados, num contingente igual ou superior à população local. Não é difícil deduzir daí a série de impasses de grande impacto: falta de infraestrutura, imensos contingentes de migrantes forçados, com crianças, idosos, pessoas tantas em situações de extrema vulnerabilidade. Muitas em estado extremamente precário, em termos de alojamento, alimentação, vestuário, saúde, falta de documentação, a enfrentarem as intempéries da estação…
Por outro lado, a prevalência da insensibilidade do núcleo dirigente dos países mais ricos da Europa tem desempenha um papel-chave no agravamento dessa realidade, à medida que:
– fingem pouco ou nada terem a ver com o problema do qual, em parte, estgão por trás (profundamente imiscuídos nas inciativas militares, protagonizando, por vozes, operações bélicas de alto poder destrutivo nos países mergulhados em sangrentos conflitos;
– sob a alegação de que já acolhem um número significativo de migrantes e refugiados, acham-se assim no direito de hostilizarem ou de “lavarem as mãos” em relação à sorte das centenas de milhares de pessoas em busca de refúgio naqueles países, alguns não hesitando em recorrer a seus respecaitvos exércitos;
– cercas e barreiras são erguidas – e fortemente vigiadas – contra as tentativas dos migrantes em busca de refúgio;
– não bastassem aos migrantes – em grande parte formados por crianças, mulheres e pessoas idosas – as agruras da travessia, o esgotamento físico, as condições de extrema penúria e a falta de horizonte, sobrevêm-lhes também os maus tratos, as discriminações e as humilhações, sob diversas formas, por parte de quem devia respeitá-los;
– optam pelo jogo do “empurra-empurra” entre si, atribuindo a outros a responsabilidade da acolhida.
Como em tantas outras intervenções, o Papa Francisco o o Patriarca Bartolomeu vão ter diante de si situações embaraçosas, mas, ao mesmo tempo, a inspirá-los gestos e pronunciamentos proféticos corajosos, manifestando, de um lado, sua fraterna solidariedade às numerososas vítimas da mais recente onda migratória, e, por outro lado, denunciando responsabilidades e apontando raízes desse fenômeno, sem hesitar de questionar, também, os que não cessam de alimentar guerras e conflitos, inclusive pelo fornecimento de armamentos pesados…

João Pessoa, 12 de abril de 2016

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