quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Voa sabiá

Não consta da fonte, da qual foram retiradas as estrofes, a autoria da canção, que, já pelo título, traz um alerta quanto a um hábito ainda muito estendido pelas nossas regiões, de se criar pássaros engaiolados.
Ao percorrer distintos lugares pelos sertões, constatamos, com espantosa freqüência, o hábito de numerosas famílias rurais (e também urbanas, ainda que em menor escala), de criarem pássaros, com o propósito de terem consigo uma sinfonia permanente bem ao seu alcance. Muitos o fazem por inocência. Outros já nem tanto: tem havido campanhas de se alertar a população em relação a essa prática.
Mesmo em meios religiosos, de cujos moradores se espera uma sensibilidade mais refinada em relação ao tratamento respeitoso aos animais, registram-se casos de viveiros de pássaros em gaiolas…
Contra isso é que investe o Autor da canção, apelando, porém, à sensibilidade da vítima, esta sim, completamente inocente, e completamente vulnerável à sanha dos Humanos… Por que será que o Autor da canção começa por apelar diretamente à vítima? Até que ponto sua atitude não carrega traços de decepção e de descrença em relação aos Humanos, razão por que prefere apelar diretamente aos passarinhos? Como não sentir a beleza do canto dos pássaros, esses “maestros da floresta”?
Em seguida, porém, dirige sua denúncia (diretamente aos “assassinos de passarinhos”) e seu apelo também aos demais seres humanos: “Eu peço aos donos / De viveiros e gaiolas / Abram as suas portinholas / Para os pássaros libertar”.
Voa, sabiá
Do galho da laranjeira
Vem zoando pelo ar (Bis)
Os passarinhos
São maestros da floresta
Que cantam fazendo festa
Pra a Natureza acordar
Mas eu aviso
Pro passarinho inocente
Por aí tem muita gente
Querendo lhe assassinar
Voa, sabiá…
As nossas aves
Ao invés de protegidas
Estão sendo perseguidas
Por quem gosta de matar
As que ´stão presas
Nas gaiolas da maldade
Sonham com a liberdade
E com o direito de cantar
Voa, sabiá…
O sertanejo
Sempre acorda muito cedo
Para ouvir o passaredo
Na hora de gorjear
Esse trinar
Traduz um som tão bonito
Que deixa o rico, o erudito
Tansformado em popular
Voa, sabiá…
Eu peço aos donos
De viveiros e gaiolas
Abram as suas portinholas
Para os pássaros libertar
Vamos cobrar
O empenho do Ibama
Que a floresta não reclama
Porque não sabe falar
Voa, sabiá
Vamos dar fim
A tudo que é baladeira
Espingarda socadeira
Pois tem que se aposentar
Da arapuca
O badoque, o alçapão
Pedimos a extinção
E ai de quem discordar
Voa, sabiá
Tem o vem-vem
Nos arvoredos sombrios
Que solta seus assobios
Quando alguém ´stá pra chegar
O João-de-barro
É o maior arquiteto
O carão é analfabeto
Mas sabe profetizar
Voa, sabiá
O socó pesca
Sabiá come pimenta
A coruja é agourenta
Seu canto é de arrepiar
O papagaio
Tem a pena esverdeada
Tem a língua enrolada
Mas lhe permite falar
Voa, sabiá…
A canção estrutura-se formalmente num estribilho de três versos, sendo o primeiro de apenas cinco sílabas, enquanto os dois últimos com sete sílabas. As estrofes se acham organizadas em oito versos, sendo o primeiro e o quinto compostos de quatro sílabas, enquanto os demais, setessilábicos. Do ponto de vista de sua rima, obedecem ao formato ABBCDEEF.

In: Florilégio de estrofes da poesia sertaneja (João Pessoa: Edições Buscas, 2009)

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