sexta-feira, 2 de setembro de 2016

As igrejas abriram um crediário para venderem Jesus a prestação

Na poesia repentista do sertão nordestino (José Galdino e Gilberto Alves), a comercialização da fé, a mercantilização da religião, sao denunciadas de maneira profética.
(Festival de Cantadores e Repentistas realizado em Pernambuco, em 2003, com final em Recife, após dois meses de disputas, realizadas em Ouricuri, Tabira, Arcoverde, Gravatá, Panelas, Palmares, Surubim e Nazaré da Mata)
O apelo ao Sagrado se acha inscrito no coração da Humanidade, ontem e hoje. Vez por outra, irrompe mais efusivamente, fato às vezes confundido com a “volta do Sagrado”.
Acompanhando o estilo e o ritmo da globalização capitalista, em sua atual face/fase, o Sagrado emerge em tons sedutores. A religião torna-se um imenso balcão de supermercado dos bens religiosos, a inebriar vastos públicos, principalmente graças à força do “marketing”, hoje praticado de modo cientificamente aprimorado.
Forjam-se novas “necessidades” de consumo religioso, a fazer despontar um numeroso público de consumidores, ávidos por satisfazer suas necessidades. Necessidades de todo tipo. O Sagrado, com todo o seu potencial de magia, surge a deslumbrar, a inebriar vastos “adoradores”, ou consumidores em sua avidez de imediatismo.
Num mercado ultra-especializado, encontram-se gêneros muito diversificados de produtos religiosos: dos orientais aos ocidentais, de diferentes procedências: igrejas cristãs, com grande predomínio das expressões neopentecostais (inclusive de cunho católico romana), televangelismo, expressões não-cristãs, esotéricas, afro-indígenas, etc.
As estrofes a seguir selecionadas atêm-se, especificamente, ao mercado religioso das igrejas cristãs, católicas e evangélicas.
Sua crítica reporta-se, especialmente, âs suas astutas estratégias de persuasão, tomando como tática o apelo à prosperidade, do que resulta engenhosa estratégia de arrebanhamento interesseiro, visando ao incremento financeiro das atividades religiosas.
A expressão poética da crítica nos remete a outros tempos. À Idade Média, por exemplo, período durante o qual grassaram diversos movimentos de protesto. Época de intensa ebulição, não apenas pela irrupção dos chamados movimentos pauperísticos (“Os pobres de Lyon”), tais como: ao Cátaros, os Albitenses, os Valdenses, os “Fraticelli”, as Beguinas, entre outros.
A similaridade da crítica aqui levantada nessas estrofes tem, porém, ainda mais a ver com a investida dos Goliardos, uma espécie de “Hippies” medievais, que tratavam de opor-se à ideologia ecelesiástica, por meio da arte literária, dos seus famosos poemas, a exemplo dos “Cármina Burana”. Tal era a irreverência com que os Goliardos se levantavam contra os hierarcas medievais, que não hesitavam em compor poemas cujas melodias tomavam de empréstimo às que vigoravam no próprio hinário eclesiástico.*
Nos dias atuais, o quadro religioso, em que pese a especificidade dos tempos de hoje, carrega marcas consideráveis daquela época: crescentes casos de corrupção dos dirigentes, pouca semelhança com as práticas do movimento de Jesus de Nazaré, situação semelhante à dos antigos chefes religiosos tão criticados pelos profetas e pelo próprio Jesus.
Vejamos, pois, o teor da crítica formulada nas estrofes seguintes.
Para mim todo crente é sabedor
Que as Igrejas têm sua artimanha
Tem que dar dez por cento do que ganha
Para encher a carteira do pastor
Pra vender a Palavra do Senhor
Sempre existe a maior negociação
Quem se ilude com tal religião
Bem que pode findar justo ao contrário
As igrejas abriram um crediário
Pra vender Jesus Cristo a prestação
Jesus Cristo está sendo vendido
Em crucifixo, rosários e bandeja
Pelos membros que fazem sua igreja
Nenhum deles chorou arrependido
Mas Jesus lá no céu ´stá ofendido
Vendo a grande e total corrupção
Pois os padres, as freiras, sacristão
Todo mês pedem aumento de salário
As igrejas abriram um crediário
Pra vender Jesus Cristo a prestação
Do ponto de vista da forma, as estrofes retomam o estilo das décimas, já comentado anteriormente, em seu padrão de métrica e em sua paradigma de rima.
Do livro do autor: Florilégio de estrofes da poesia sertaneja

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