O Povo de Deus clama, há mais de meio século; o Papa Francisco escuta e propõe, mas seus “colaboradores” são mesmo solícitos ao que o Espírito Santo nos diz por meio do “sensus fidelium”?
Quantas esperanças legítimas pôde o Concílio Vaticano II reacender no coração do Povo de Deus na Igreja Católica! Décadas antes de sua convocação pelo bom Papa João, foram necessárias até essa convocação. Foram muitos os apelos de renovação das tão enferrujadas estruturas eclesiásticas.
O Vaticano II foi um período de bênçãos de renovação. Bem podem expressar isto suas palavras-chave como “refontização”, “Povo de Deus” como centralidade da organização da vida eclesial, “diálogo”, “colegialidade”, solicitude ecumênica, missionariedade, reconhecimento do pobre como alvo prioritário do serviço ao Reino de Deus. Disso são testemunho vivo, por exemplo, suas quatro constituições, seus nove decretos e suas três declarações.
O que se viu, todavia, foi uma sombria sequência de traições ao espírito do Concílio Vaticano II, agravadas nos últimos quarenta anos. Nesse longo período, o Povo de Deus na Igreja Católica, representada especialmente pelo povo dos pobres, não cessou de perseguir os objetivos do Reinado de Deus, a despeito de perseguições, de punições, de tantos contratestemunhos de parte significativa da hierarquia institucional.
Eis que o Espírito Santo, que nunca esteve ausente da caminhada das “minorias abraâmicas”, manifesta-se efusivamente na escolha do novo Bispo de Roma, que, não por acaso, assume o nome de Francisco, buscando incansavelmente dar as razões de sua fé.
Dentre tantas ocasiões-referência que o Papa Francisco vem testemunhando, uma se manifesta mais enfaticamente: o lançamento de sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, verdadeira proposta programática para a Igreja Católica Romana, para os próximos anos. No número 17, aparecem mais claramente os pontos-chave de sua proposta: evangelização “em saída missionária”, vencer as tentações dos agentes de pastoral, restabelecer a centralidade do Povo de Deus na organização eclesial, exercitar o diálogo com o mundo pela justiça e pela paz, fazer justiça aos pobres, reavaliar o papel teológico-pedagógico da homilia.
Contra a centralidade do Povo de Deus na organização eclesial têm-se manifestado forças reacionárias, clericalistas, androcêntricas, impregnadas de cultura principesca, marcas tão combatidas pelo próprio Papa Francisco, em recorrentes ocasiões. São as grandes tentações de parcelas significativas da hierarquia, como aponta a “Evangelii Gaudium”…
Todos sabemos do tamanho dos desafios que se apresentam todas as vezes que se tenta mudar, seja em relação à sociedade, seja em relação à(s) Igreja(s). Disto o Papa Francisco está consciente. Ainda em recente mensagem sua, fazia referência à necessidade de o pastor discernir bem onde deve caminhar: por vezes, à frente do rebanho; às vezes, no meio do rebanho; por vezes, atrás do rebanho a encorajar as ovelhas de passo mais lento…
Ah! Se assim também entendessem seus colaboradores! Boa parte destes parece arredia aos apelos de renovação. Não apenas não se dispõem a colaborar nessa direção, mas se atrevem mesmo a pôr obstáculos…
Um único exemplo ilustrativo. Num tempo de intenso e crescente apelo ao exercício de diálogo e de abertura, faz sentido apelar-se para expedientes tão extremos quanto obsoletos como o da “excomunhão”?
Eis, com efeito, a notícia mais recente que tem circulado pelas redes eletrônicas: ontem, dia 21 de maio, o casal católico austríaco (de Insbruck) Martha Heizer e seu esposo Gert foram notificados pela Congregação da Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício, de tenebrosa memória), comunicando-lhes que ambos estão “excomungados”! Sem deixar as tarefas de sua paróquia, ambos celebravam em casa, junto com alguns amigos, a memória da ceia do Senhor, como, aliás, o têm feito centenas de comunidades eclesiais espalhadas pela América Latina e pelo mundo, seguindo, aliás, o belo costume das primitivas comunidades cristãs.
Para a Congregação da Doutrina da Fé, o que não está estritamente previsto no sacrossanto Código de Direito Canônico (ainda que sugerido na Sagrada Escritura, no Novo Testamento), não é permitido. Confesso que, ao tomar ciência dessa notícia tão aberrante, senti-me remetido a um trecho do conhecido livro “Os Irmãos Karazamov”, de Dostoievski, no trecho relativo ao monólogo do grande inquisidor ao se deparar com ninguém menos do que o próprio Jesus… e “De súbito, nas trevas, abre-se a porta de ferro do calabouço e o grande inquisidor aparece, com um archote na mão. Está só e a porta se fecha por trás dele. Por fim, aproxima-se, pousa o archote na mesa e diz-Lhe:
– És Tu, és Tu? – E, como não recebe resposta, acrescenta rapidamente: – Não digas nada, cala-Te. De resto, que poderias Tu dizer? Já o sei de mais. Não tens o direito de juntar uma palavra ao que disseste outrora. Por que vieste incomodar-nos?”
– És Tu, és Tu? – E, como não recebe resposta, acrescenta rapidamente: – Não digas nada, cala-Te. De resto, que poderias Tu dizer? Já o sei de mais. Não tens o direito de juntar uma palavra ao que disseste outrora. Por que vieste incomodar-nos?”
Uma verdadeira reforma bem poderia implicar o desmonte desses organismos burocráticos que,não apenas têm pouco a ver com o Evangelho, como tem causado muito sofrimento ao Povo de Deus.
A Martha Heizer (atual Coordenadora do International Movement We are Church)e a Gerd, a expresão de nossa solidariedade, desde “Kairós/Nós Também Somos Igreja”.
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