quinta-feira, 14 de julho de 2016

A força criativa da organização comunitária: compartilhando relatos de duas experiências memoráveis

Felizmente que, para bem além dos noticiários e programas da mídia comercial que vem hipertrofiando seus espaços com notícias e cenas de violência, conseguimos dar-nos conta de tanta de tanta coisa bonita que se passa nas “correntezas subterrâneas”, das quais não esperemos que a mídia convencional se ocupe…
Aqui nos reportamos a apenas dois acontecimentos que conseguiram mexer profundamente com os respectivos participantes – mulheres e homens, jovens em grande parte: um em Barra de Antas, município de Sapé, e outro em Antas do Sono, município de Sobrado, ambos os municípios no Estado da Paraíba. Tratamos, a seguir, de relatar brevemente o que se deu, em cada um deles, e buscar deles recolher alguns ensinamentos.
1) Reunião ampliada da Diretoria do Memorial das Ligas Camponesas
Fundado em 2006, o Memorial das Ligas Camponesas (cf. site:
http://www.ligascamponesas.org.br/ ) é tocado por, além de membros da Diretoria, à frente Luizinho (Luiz Damásio de Lima), uma equipe ampliada formada por pessoas de distintos segmentos sociais da região, razão pela qual, além de reuniões específicas da Diretoria formal, tem sido comum o trabalho ampliado, que mensalmente (a cada primeiro sábado do mês) se realiza na sede do Memorial das Ligas Camponesas, em Barra de Antas – Sapé – PB.
Tendo em vista os objetivos e plano de ação do Memorial, a referida Equipe ampliada tem sido instado a enfrentar diferentes trincheiras: cultivo da memória histórica das Ligas e das lutas camponesas (de ontem e de hoje!); pendências jurídicas (regularização definitiva da área de 7 ha, onde se situa o Memorial, assistência jurídica às famílias do Acampamento de Antas, etc.); construção de um centro de formação camponesa, em especial de uma Escola Família Agrícola; trabalhos de animação da comunidade de Barra de Antas, ao lado da qual fica a sede do Memorial (o que é feito todos os sábados, tanto na sede do Memorial, com aulas de iniciação à informática para jovens de Barra de Antas; como na própria comunidade; planejamento e implementação de cuidados agroecológicos na área do Memorial (plantio de árvores; pequeno roçado; etc.); trabalho de sensibilização das comunidades rurais e de uma dezena de assentamentos nas imediações do Memorial, entre outras atividades e desafios.
No sábado passado (1 de junho), realizou-se mais uma reunião ampliada, com a participação de cerca de 20 pessoas. Dela constou uma pauta com pontos de informes (uma grande variedade de informes, alguns deles a requerer encaminhamentos imediatos); diante da necessidade de encaminhamentos de projetos para a criação de uma Escola Família Agrícola, pensar que instalações e equipamentos necessários a contar desse plano.
Dentre os participantes da referida reunião ampliada compareceram, além de membros da Diretoria, trabalhadores e trabalhadoras rurais, jovens e adultos da Comunidade de Barra de Antas, membros da CPT/PB, representantes de órgãos governamentais, colaboradores e colaboradoras do Memorial, representante do MCP.
2) Jornada teológica em Antas do Sono (área também chamada “Café do Vento”
Em consequência da implementação das atividades planejadas por membros de vários grupos da Igreja na Base (Kairós/Nós Também Somos Igreja, Grupo Igreja dos Pobres, Movimento dos Trabalhadores Cristãos, Associação Nacional de Presbíteros do Brasil, Pastoral Carcerária, CEDHOC, CEBI, JOC…), todos parceiros ou aliados na organização das Semanas Teológicas Pe. José Comblin, e em função da organização da III Semana Teológica José Comblin, a realizar-se de 22 a 24 de outubro de 2013, na UFPB (auditório do Centro de Educação), foram assumidas as Jornadas Teológicas, a serem realizadas com comunidades do campo e da cidade, tendo sido a primeira Jornada Teológica realizada em “Café do Vento”, ou mais precisamente, em Antas do Sono, no Centro de Formação São José, nesse domingo, 2 de junho de 2013. A próxima Jornada Teológica está prevista a realizar-se numa comunidade urbana, em Santa Rita, no Alto das Populares, mais precisamente na sede do MCP, no primeiro domingo de junho próximo.
Como foi, então, a experiência da Jornada Teológica, em Café do Vento? Aqui registro pontos gerais do Encontro, sem ter feito anotações dos detalhes (a vista já não me ajuda…). Outras pessoas dos nossos grupos o fizeram muito bem, e também oportunamente hão de socializar.
De João Pesoa saímos, numa Van guiada por Rodrigo, um grupo de seis pessoas (João Fragoso, Brendan, Cida, Ronaldo, Élisson e eu), por vota das 7h30, e mais adiante, em Santa Rita, apanhamos Chico Malta e Zeza, ambos membros do MCP (Movimento das Comunidades Populares), seguindo caminho pela BR sentido Campina Grande, até que na altura de Café do Vento, entramos em direção a Sapé. Antes de seguirmos para o local do Encontro, passamos alguns quilômetros adiante até à capelinha à beira da estrada, onde se acha a cruz em memória de João Pedro Teixeira, que aí tombou, em 2 de abril de 1962, vítima da emboscada armada por soldados a mando do famigerado “Grupo da Várzea”… Feita a breve memória em reverência aos lutadores e lutadoras das Ligas e dos embates de hoje, tomamos o rumo do Centro Comunitário São José, onde já nos aguardavam algumas pessoas recém-chegadas de Sobrado e imediações, entre as quais o Pe. Ermínio Canova, Socorro Rodrigues Batista (da Associação local e também Tesoureira do Memorial das Ligas), Jardene, Valdilene, Alexandre (animadores de comunidades da região e estudantes da Escola de Formação Missionária em Mogeiro), Robério e outras pessoas. Outras mias iam chegando: de Areia Vermelha, de Riachão do Poço, de São Miguel do Taipu e de outras comunidades da região. A(o)s que iam chegando, era oferecido um saboroso café (com suco e outros componentes), preparado pelo pessoal da casa.
Pe. Hermínio tomou a iniciativa de começar o Encontro com a Oração, bem participada por todos, por todas. Depois, disse dos objetivos do Encontro, dentre os quias: um intercâmbio de relatos de experiências desde o vivido pelos participantes; avaliação dos cursos frequentados pela maioria dos presentes (Curso Básico da Árvore, Cristologia, História da Igreja, Celebração litúrgica com o Ofício das Comunidades); refletir sobre as experiências e desafios das comunidades da região; propor encaminhamentos e desdobramentos das experiências relatadas.
A seguir, propôs uma apresentação de cada grupo ali presente. As pessoas de cada comunidade ou de cada grupo eram convidadas a levantar-se e a fazer sua apresentação pessoal. Assim se fez, em relação às várias comunidades da região: de Sobrado, de Riachão do Poço, de Antas do Sono, de Imaculada, de Areia Vermelha, do Assentamento Nova Vivência, do município de São Miguel de Taipu, do Grupo Kairós/Nós Também Somos Igreja, do MCP…
Em seguida, foi proposto aos participantes assistirem ao DVD com o relato da fecunda experiência da Escola Família Agrícola Dom Fragoso, em Independência – CE (na Diocese de Crateús).
Trata-se de um precioso relato feito por estudantes daquela Escola, ao modo de um programa radiofônico. Aí se explicitam o sentido e os objetivos da EFA Dom Fragoso, acentuando a importância de uma educação contextualizada, tocada comunitariamente por estudantes, monitores, pais de alunos e comunidade local. Relata como foi iniciada a experência, seus protagonistas. Descreve-se o processo de organização, destacando-se as tarefas assumidas pelos estudantes, o que eles estudam, a dinâmica da pedagogia da alternância, as unidades de produção tocadas pelos estudantes, além de outros elementos.
Após esses momentos iniciais (apresentação, introdução aos trabalhos do dia, apresentação do vídeo), tratou-se de se distribuir o plenário em três grupos, com o objetivo de debater em torno de duas questões-chave:
1) O que de comum pode-se encontrar nas experiências relatadas (inclusive a relatada no vídeo)?
2) O quê dessas experiências comuns priorizar daqui para frente?
A turma foi distribuída em três grupos, de modo a misturar as pessoas participantes, que tiveram cerca de uma hora para discutir, ou seja, até à hora do almoço.
O almoço, preparado e servido com muito gosto constituiu um momento especial de congraçamento e animação.
Após o almoço, os trabalhos foram retomados, às 13h30, iniciando-se pelo relato do que se havia discutido por cada grupo, seguindo as questões propostas.
Primeira pergunta – Com relação à primeira questão, foram contemplados muitos aspectos comuns identificados pelos três grupos. Em verdade, um extenso leque de pontos comuns. Uma forma possível de resumir esses pontos é agrupá-los em três palavras-chave:
1) uma paixão comum pelo Reino de Deus como horizonte da caminhada – O Reino de Deus e sua justiça – mais do que a Igreja – eis a inspiração decisiva, a grande motivação das iniciativas comunitárias relatadas, ao longo da manhã, seja pelas falas das apresentações, seja pelo conteúdo do vídeo sobre a Escola Família Agrícola Dom Fragoso. É a força do Reino de Deus que nos motiva para os trabalhos comunitários, a luta pela justiça e pelos direitos humanos. É o Reino de Deus que constitui o grande horizonte que buscamos fazer acontecer, já aqui, entre nós, na permanente construção de novas relações de justiça, de solidariedade, de partilha, de compromisso com a causa libertadora dos pobres.
2) Perseguir o Reino de Deus por caminhos que efetivamente correspondam a esse horizonte – Isto requer atenção e cuidado em relação aos métodos seguidos. Um exemplo capaz de bem ilustrar essa inquietação foi experimentado por ocasião do Curso da Árvore (curso básico), do qual boa parte das pessoas presentes haviam participado. Trata-se de um curso que cuida de articular adequadamente CONTEÚDO (aqui se trabalham, durante sete encontros, sete temas: Igreja como comunidade; o mundo dos pobres; a missão; a vocação; a oração; os ministérios; o Povo de Deus) e MÉTODO (vivenciado através de oito passos, durante cada encontro: oração, motivação, troca de experiências, caixa de retratos, a vida de um santo, um documento da Igreja, nossa ação, celebração de encerramento).
3) Compromisso pessoal de começar em cada um/cada uma as mudanças que deseja ver realizadas no mundo, na sociedade – Não bastam os cursos presenciais e coletivos. É preciso que eles vão se refletindo efetivamente na vida de cada um/cada uma, no seu (con)viver de cada dia, onde quer que esteja a atuar.
Segunda pergunta – O quê priorizar desses pontos comuns identificados?
A exemplo do que se deu para a primeira pergunta, aqui também foram mencionados diferentes pontos, que, de modo bastante limitado, eu resumiria também em três aspectos a merecerem mais atenção:
1) Priorizar o processo formativo – Alguns grupos apontavam, com entusiasmo, a postura de algumas figuras simples de leigas e leigos bastante admiradas pela sua capacidade de liderança e de animação, seja nos trabalhos de mutirão, seja nas celebrações, seja nos momentos das lutas comunitárias. Uma pergunta se fazia, então: como é que essas pessoas chegaram a reunir tantas qualidades? É que todas passaram por um sólido período de formação (Curso da Árvore, Escola de Formação Missionária, CFM, etc.). Não qualquer processo de formação. Mas, uma formação enraizada no chão da realidade de sua/nossa gente, a partir dos problemas concretas da vida, do compromisso com a causa dos pobres. Uma educação contextualizada (como bem mostra a experiência da Escola Família Agrícola Dom Fratoso). Uma formação continuada. Não se trata de assistir a um curso de um mês, mas de seguir vários momentos (presenciais e de volta às comunidades, como ocorre na pedagogia da alternância), em que cada formando assume e dá conta de várias atividades planejadas. Uma formação integral, em que as pessoas formandas se preparam nas mais distintas dimensões (cidadania, gênero, etnia, situação geracional, econômica, política, cultural, artística, ecológica, espiritual…).
2) Aprimorar os laços orgânicos/organizativos – Trata-se de fortalecer os laços comunitários, organizar a comunidade, animá-la, articular as atividades, cuidando por um bom planejamento, pela avaliação e pela celebração. Superar a tendência tão frequente de cada comunidade fechar-se em si mesma, sem se comunicar com as demais, sem mútua ajuda, sem participar de encontros comuns.
3) Realizar ações concretas – Não dá para ficar só fazendo reuniões e mais reuniões, sem tomar iniciativas concretas, conjuntas, atividades de mutirão (limpar uma roça de uma pessoa necessitada da comunidade; reparar um telhado; fazer uma cisterna, fazer um abaixo-assinado, fazer uma manifestação, etc., etc.)
O Encontro encerrou-se com alguns avisos compartilhados pelo Pe. Ermínio Canova, que nos convidou a todos para a oração e bênção final.
Eis um resumo limitado e parcial da experiência, a ser completado e enriquecido por outros relatos, inclusive por pessoas que tomaram notas dos detalhes, durante o encontro. Estas linhas têm o propósito apenas de fornecer uma vaga idéia do Encontro a outras pessoas e comunidades de outros lugares.
João Pessoa, 3 de junho de 2013.

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