quinta-feira, 14 de julho de 2016

Copa, circo e desperdício: sobre quem incidem ônus e bônus?

Um dos numerosos e desafiantes fios de nossa realidade social está ligado à tão cobiçada e perdulária política de esportes. Já há um tempo e, sobretudo, daqui até o início da Copa das Confederações (e, em seguida, a Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas), poucos temas estarão tão em alta no dia-a-dia da mídia comercial e outros espaços de comunicação.
Diariamente – e várias vezes ao dia! -, o noticiário e as reportagens se multiplicam, num crescendum, a envolverem de modo impactante todas as esferas de nossa realidade social. No plano econômico, os mega-eventos esportivos constituem um “prato cheio” para os grupos privilegiados das suntuosas instâncias (internacionais e nacionais) que controlam, como aves de rapina, os grandes negócios relativos à pomposa infraestrutura que os mega-eventos esportivos requerem, em qualquer parte do mundo.
As grandes empreiteiras e seus aliados das instâncias estatais não ficam atrás… Por aqui, a indústria da corrupção opera em várias frentes, e sob variadas formas:
– supercontratos celebrados por caminhos enviesados;
– desapropriações injustificadas de terrenos e construções, inclusive de não poucos recém-construídos, e já listados para demolição…
– superfaturamentos em doses cavalares;
– projetos, além de gigantescos, também frequentemente alterados, sem justificativas razoáveis, dentro da lógica republicana;
– vulpinos atrasos de obras implicando vultosos ajustes orçamentários… entre tantos outros ítens de mazelas…
No plano político, as consequências não são menores. Como nas relações capitalistas (ou de qualquer sociedade de classes), os esportes são, não raro, convertidos em instrumentos de alienação de grandes parcelas da população, assumindo tonalidades de ópio, de modo semelhante ao que o Império Romano oferecia às massas em matéria de diversão – o circo! -, também as elites políticas atuais se valem também dos esportes, para manter distraídas e entretidas multidões pelo mundo afora.
Ao fazermos tal crítica, não se entenda qualquer sinal de menosprezo pelos esportes, pelas artes, pelos entretenimentos. Tudo isto é indispensável ao processo de humanização. Ai de nós humanos, não recorrêssemos ao constante exercício dos esportes, das artes, do lúdico. Acabaríamos transformando-nos em seres embrutecidos. As políticas de esporte, de atividades culturais, em suas mais distintas expressões, seguem – e seguirão – sendo essenciais ao processo de humanização. Aqui estamos alertando para a instrumentalização da política de esportes e seus propósitos e artimanhas escusos.
Neste caso, como ignorar a voracidade com que, não raro, escutamos notícias de contratos milionários SUPERFATURADOS, celebrados por prefeituras com conjuntos musicais e figuras e grupos artísticos, em datas festivas especiais (por ocasião de festas juninas, por exemplo)? Num plano ainda mais grave, como desconsiderar episódios simplesmente humilhantes, protagonizados por tratativas de chefes de Governo e com chefes de Estado submetidos a exigências esdrúxulas feitas por poderosas instâncias do futebol mundial, como condição para a realização de megaeventos em seus respectivos territórios? Pior do que as exigências aéticas impostas pelos mandarins da FIFA ou de órgãos semelhantes – tantas vezes implicados em negócios sabidamente espúrios e antidemocráticos – é a aceitação dessas condições por esses chefes de Governo e de Estado… Por que será que eles – representantes formais de nações inteiras – acedem a exigências descabidas? Mais do isto, por que os representados, afora uma ou outra manifestação pontual de contestação, não se insurgem contra essa negociata?
No terreno cultural, os efeitos pernósticos seguem fazendo estragos profundos. Arma-se toda uma caríssima rede de publicidade e propaganda – com vultoso dinheiro público! -, não apenas para justificar gastos suntuosos, como para mobilizar a população a apoiar esses malfeitos… O circo está formado!
Quem ganha com isso – não é tão difícil adivinhar: os dirigentes da FIFA e seus altos quadros internacionais e nacionais, regiamente tratados, aliás; os grandes aliados da rede de cartolas, as grandes empreiteiras, as grandes empresas atuando em áreas implicadas pela grande diversidade de operações, os próceres do Estado e seus respectivos aparelhos (no mínimo, quanto aos ganhos político-eleitorais…).
E quem paga o pato? Ah! Aqui a conta é pesada, de longa duração, fazendo profundos estragos diretos e colaterais. Por exemplo, como megaeventos como esses requerem um turismo de fachada, é preciso limpar os ambientes por onde os turistas vão circular… Não fica bem deixar o povo da rua a “enfeiar a paisagem”… Tem que ser retirado, à força, e depositado longe desses lugares…
Inúteis elefantes brancos, cuja construção implicou cortes e redução de orçamentos em áreas essenciais – reformas estruturantes, infraestrutura, habitação, saneamento público, saúde, educação, segurança, a própria política de esportes numa dimensão de investimento saudável na educação de talentos em todas as modalidades, etc., etc., etc.
Quem será capaz de calcular o montante exato da sangria perpetrada contra as maiorias marginalizadas da sociedade brasileira pelo gigantesco investimento de dinheiro público nesses megaeventos? E com uma agravante: a possibilidade nada remota de que todos esses gastos feitos para preparar uma apoteose (o vencedor da copa) a ser fruída por outros, a julgar pelo andar da carruagem… “Pra frente, Brasil”?

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