quinta-feira, 7 de julho de 2016

FILME/DOCUMENTÁRIO “LA GUERRE PERDUE DU VATICAN”

Apresentamos aqui alguns tópicos do filme acima, de maneira resumida.
– 50 anos após a abertura do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica, graças à poderosa reação das forças conservadoras, e ao apoio dos últimos papas, toma crescente distância em relação às decisões do Vaticano II.
– João XXIII, ao ser eleito papa, já idoso (perto dos 80 anos), em 1958, era tido como um papa de transição, isto é, eleito por pouco tempo, tempo suficiente para viabilizar a eleição de um papa mais estável, com força de levar à frente a caminhada da Igreja.
– Foi com enorme surpresa que se tomou conhecimento de sua ousadia de, a poucos meses de sua investidura, ter anunciado, em 1959, a convocação do Concílio Vaticano II…
– Situação emblemática, uma pedra de contradição! Para uns – a grande maioria do Povo de Deus, uma bênção! Para a minoria privilegiada, principalmente a Cúria romana, um escândalo!
– Fase preliminar do Concílio: o embate entre as pretensões abortivas da Cúria e os gestos de coragem de João XXIII, apoiado pelos que apostavam na convocação do Concílio como uma bênção, como a oportunidade de a Igreja abrir-se para o mundo, sem reeditar práticas de condenação da modernidade.
– Tem, enfim, início o Concílio Vaticano II, com a presença de mais de 2.500 bispos católicos de todo o mundo, numa época em que a população de católicos era de cerca de 500 milhões, hoje alcançando mais de um bilhão. O filme também foca cenas dos bastidores do Concílio, do embate entre as correntes opostas, inclusive nas chamadas aulas conciliares, das quais só participavam bispos e cardeais que dominassem o Latim…
– Instalado em outubro de 1962, o Concílio Vaticano II duraria três anos – e ao apenas uns quinze dias, como pretendiam os curiais. Três anos, em sessões anuais com duração de cerca de três meses.
– Dos embates conciliares fazia parte a necessidade de a Igreja mostrar-se humilde e pobre, mais comprometida com a justiça e os direitos humanos, como se apresenta no Documento Gaudiu et Spes, de 1965. Havia também um apelo a que a Igreja fizesse autocrítica, em relação à pompa ostentada inclusive nas instalações do Vaticano.
– João XXIII, filho de camponêses e fiel à causa dos pobres, tinha apreço pela experiência dos padres operários. Ele havia passado um tempo na França, como núncio apostólico, quando passou a acompanhar, de perto, a experiência dos padres operários franceses. Num encontro com um deles, André Depierre, este lembra da simpatia do Núncio pela causa dos padres operários, ao lembrar de suas origens pobres. Na fala do Pe. André Depierre, fica claro que os padres operário não se sentiam “padres do culto”, mas, antes, como enviados por Jesus a evangelizar os pobres, sendo pobres no meio dos pobres e com eles comprometidos.
– Durante o concílio, tornou-se forte, em setores mais sensíveis, o apelo às origens do Cristianismo, inspirando a busca de uma Igreja pobre, a serviço dos pobres, donde o chamamento a uma “Igreja pobre e servidora” (Y. Congar). Desse apelo tornaram-se testemunhas fiéis os famosos signatários do “pacto das catacumbas”.
– Esse chamamento de volta às origens do Cristianismo não não cai das nuvens. Expressa o grande anseio de parcelas significativas de cristãos católicos, a exemplo dos padres operários. Sua atuação desde o final da Segunda Guerra Mundial, junto aos trabalhadores, vários deles ligados ao Partido Comunista, e de quem os padres operários se fizeram companheiros, com singificativos laços fraternos, foi proibida por Pio XII, em 1º de março de 1954: uma tragédia na caminhada dos padres operários. Sob a justificativa de que o padre era homem da paróquia e do culto, Pio XII interrompeu formalmente, de modo brusco, essa frutuosa caminhada. Formalmente, porque, na prática, os padres não a abandonariam.
– O Papa João XXIII e o Concílio representaram um grande alento também para esses padres. Para começo de conversa, os padres operários foram recebidos pelo próprio Papa João XXIII, em sua biblioteca, em 1960.
– Outro ponto focado pelo filme: a Teologia da Libertação, uma fecunda experiência, que a partir das intuições do Vaticano II, vai brotar, da América Latina, no Brasil, nas comunidades do povo dos pobres, com o apoio de figuras como Dom Helder Câmara, Dom Manuel Larraiña, Dom Leônidas Proaño e outros, como lembra Dom Tomaz Balduíno, em seu depoimento, em que saúda o Concílio como um novo Pentecostes.
– Dom Helder, num fragmento de sua fala, denuncia as desigualdades sociais, em que 20% dos humanos detêm 80% das riquezas. Fato que deve inquietar os cristãos, sobretudo porque grande parte desses privilegiados se dizem cristãos…
– Dom Helder não se limita a denunciar. Ele próprio passa a levar uma vida de simplicidade, deixando de morar em palácio e indo abrigar-se nos fundos de uma igreja – a Igreja das Fronteiras, em Recife, em estreito contato com os pobres. Graças também ao seu empenho, prosperaram as CEBs, a Teologia da Libertação, as pastorais sociais, as comunidades de religiosas inseridas no meio popular (PCIs), em breve, a “Igreja na Base”.
– O Vaticano II implicou alterações impactantes:
+ na mudança das celebrações em Latim, passando a ser desde então em vernáculo;
+ na liturgia, celebrada distante ou de costas para o povo, agora com incentivo à participação dos leigos;
+ no incentivo à leitura da Bíblia (fonte de inspiração para os famosos círculos bíblicos e celebrações populares)
+ na consciência ecumênica, em diálogo e abertura aos irmãos evangélicos, aos não cristãos, e aos não crentes (ecumenismo e diálogo interreligioso). Nesse sentido, o filme lembra o grande encontro realizado em Assis, em 1986, promovido pelo Papa João Paulo II, com lideranças evangélicas, judias, mulçumanas, budistas e animistas. Iniciativa considerada uma blasfêmia pelos católicos reaciionários.
+ no reconhecimento explícito da liberdade religiosa, ao reconhecer que todo ser humano pode ser salvo mesmo fora da Igreja. Deus tem seus próprios caminhos.
– O Vaticano provocou várias outras alterações. Sobretudo a partir de 68, graças ao contexto de extraordinária efervescência na França e na Europa e outros continentes, as idéias do Vaticano II inspiraram muitas iniciativas, inclusive ao interno da Igreja. Houve grande mobilização dos padres, a reivindicarem uma atitude mais comprometida da Igreja em apoio aos pobres, e contra posição da lei do celibato.
– Em Roma, reúne-se uma assembléia de centenas de padres europeus, sob o tema “Uma Igreja a libertar para nós significa libertar o mujndo”, em que levantam sua voz profética contra uma Igreja muito empenhada em condenar os “pequenos pecados”, enquanto silencia grandes escândalos: o crescente fosso entre ricos e pobres; o sistema que só visa lucro, etc.
– Foi também em 68 que se dá um grande abalo entre os católicos, em especial as mulheres, em razão da publicação da encíclica “Humanae Vitae”, do Papa Paulo VI. Ele que havia sido ovacionado pela publicação da grande encíclica “Populorum Progressio”, em 1967, deparava-se com uma forte onda de decepção em relação à Igreja, pela proibição dos contracptivos.
– Surge, ainda, a impetuosa onda reacionária, capitaneada pelo bispo francês, Mons. Lefèbvre , a contestar abertamente o Concílio e a provocar um cisma. Ele funda a Fraternidade São Pio X, e, na Suíça, instala um seminário para formar padres tradicionlistas. Movimento que, depois, também tem repercussão em Paris, inclusive com ameaça pelos tradicionalistas de ocupação da catedral de Notre Dame…
– A eleição de João Paulo II vai favorecer um aprofundamento da linha conservadora da Igreja Católica. Seu pontificado começa por seu engajamento na luta contra o “Comunismo”, culminando com a derrocada da ex-URSS, e seu combate aos regimes de esquerda na América Latina.
– No Brasil, nos anos 80, milhares de padres se engajam, sob a inspiração do exemplo de Dom Helder, nas lutas em defesa dos camponeses sem terra. Atividades consideradas, então, como “subversivas”. Palavra-chave tomada pelas ditaduras militares de então, para incriminar os aliados dos pobres.
– Em 1980. é assassinado Dom Oscar Romero, pelas forças de repressão que, por ocasião do enterro do mesmo, não hesitam em atirar contra a multidão reunida. João Paulo visita El Salvador, visita o túmulo de Dom Oscar, sem dizer uma palavra: entendia que isto pudesse render em benefício da Teologia da Libertação, que ele e seu assessor próximo, Ratzinger, queriam punir. Foi essa,a atitude do Papa, ao visitar a Nicarágua, em 1983: em abençoar o Pe. Ernesto Cardenal, que, reverente, lhe pedia a bênção, dele recebeu uma repreensão em público. Fato que se refletiria em certa atitude de protesto pela multidão, por ocasião da fala do Papa, ao celebrar a Missa…
– O entusiasmo semeado pelo Concílio Vaticano II, saudado por D. Balduíno como um “novo Pentecostes” é substituído, durante o pontificado de João Paulo II, “or outra coisa”: controle dos seminários, mudança dos seus superiores, suspeição contra a Teologia da Libertação. Isto vai ser especialmente reforçado a partir do Sínodo de 1985,
– Em 1985, João Paulo II substitui Dom Helder por um bispo conservador, Dom José Cardoso, radicalmente contrário à Teologia da Libertação. (São exibidas belas imagens e músicas carnavalescas, bem populares, em memória e em homenagem a Dom Helder, falecido em 99).
– João Paulo II beatifica e canoniza (em 1992) a grande referência do “Opus Dei”, José Escrivã. Tão ou ainda mais graves são a familiaridade e a aproximação do fundador da Seita Legionários de Cristo, conhecido como Maciel, com o Papa João Paulo II e com outras figuras da alta hierarquia (inclusive o Cardeal Sodano). Maciel é um grande milionário mexicano, de vida desregrada (tendo mulheres e filhos clandestinos, abusador de crianças e adolescentes), traços que conseguiu ocultar, durante décadas, não sem o emprego de propinas e muita corrupção, sobretudo com altas altoridades eclesiásticas. Quando isto foi denunciado em dossiê de cerca de quatrocentas páginas, entregue e recebido pelo então Cardeal Ratzinger, o dossiê foi engavetado, até estourar , descontrada, outra onda de denúncias… A “saída” encontrada pelo Vaticano foi a de simular uma condenação de Maciel, sem abrir mão da parceria com os “Legionários de Cristo”…
– Mais recentemente, passos importantes foram dados pelo pontificado de Bento XVI, no sentido de recuperar de volta ao seio da Igreja Católica a Fraternidade São Pio X, de Mons. Lefebvre, retirando-lhe a excomunhão e fazendo-lhe significativas concessões, inclusive a liberdade de criticar o Concílio Vaticano II… E há poucos anos, sob o pontificado de Bento XVI, foi restabelecida a celebração da Missa em Latim, ampliando ainda mais o campo de manobra e de expansão dos segmentos reacionários, nos diversos países.
– Apesar de tudo, há experiências fecundas protagonizadas pelas “correntezas subterrâenais” ou, como dizia D. Helder, pelas “minorias abraâmicas”, que nos infundem esperança. Há experiências de evangélica convivência ecumênica entre católicos, muçulmanos, budistas… Há muitos padres, bispos que, em silêncio, resistem às ordens reacionárias e anti-evangélicas de Roma, quanto a situações tais como a discriminação contra as mulheres, a lei do celibato, o uso de preservativos, etc.
– Em 2011, mais de 300 padres austríacos romperam o silêncio, e publicaram um manifesto de desobediência às proibições descabidas por parte de Roma. Também na Áustria, em 1995, foi criado o Movimento Internacional Nós Somos Igreja, hoje espalhado por dezenas de países no mundo católico.

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