quarta-feira, 6 de julho de 2016

Tentando discernir os Sinais dos Tempos: entre o olhar da Lei e o espírito do Evangelho…

Avizinha-se o tempo quaresmal: nele estaremos em menos de três semanas. Isto não quer dizer – bem o sabemos – que o processo de conversão só deva acontecer em tempo de Quaresma. Este é, de fato, um período de um apelo mais forte à conversão. Até as leituras diárias ressoando a voz dos profetas nos ajudam, nesse sentido. Entendendo conversão, não como apenas um momento mágico, logo desconectado dos fatos e ocorrências do dia-a-dia, mas como um processo, como uma longa e incessante caminhada pessoal e coletiva pelos sinuosos caminhos da História, temos condições mais favoráveis de escutar o que o Espírito nos tem a dizer, a cada momento. É preciso, então, que tenhamos e mantenhamos acesas nossas lamparinas, e abertos os ouvidos, os olhos, o coração, o entendimento, a alma, sob pena de em nós ressoar em vão a voz do Espírito de Jesus, o bom Pastor.
Nesse processo de conversão, somos chamados, a todo instante, a ler com atenção e cuidado os sinais dos tempos. Sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, aprendemos a conviver, com freqüência, com essa bela expressão – “os sinais dos tempos”, por meio dos quais aprendemos a ler e entender a voz de Deus, Seus constantes apelos de conversão. Conversão pessoal e coletiva! Neles – em especial na figura profética dos pobres – está o recado que o Espírito Santo nos envia. Somos capazes de percebê-lo? O processo de nossa conversão passa pela acolhida, de nossa parte, desse recado, e, portanto, pela leitura atenta dos múltiplos e contínuos sinais que a vida nos oferece, seja em nosso relacionamento doméstico, seja no ambiente do trabalho, seja nas tarefas pastorais, seja pelos caminhos que trilhamos.
Grave risco ao nosso processo de conversão se dá, quando, equivocadamente seguros de nossa conversão “definitiva” (feita uma vez para sempre, seja pela recepção dos Sacramentos, seja pelas atividades litúrgicas rotineiras, seja pela crença nefasta de que nos baste o simples fato da pertença formal a uma instituição), nos julgamos dispensados de escutar, sem cessar, outros apelos de conversão que o Espírito nos faz. Algumas santas figuras tomaram tão a sério tais apelos, que, no caso de algumas delas (Dom Helder, por ex.), só aos 56 anos e mais, é que foram entender o sentido mais próprio de conversão, em suas respectivas vidas.
Isto só acontece se e quando partimos de nossa condição comum de pecadores. Quem assim não se sente, como é que vai sentir-se tocado por algum apelo de conversão? “Conversão, sim, para os outros, os pecadores”! – deviam dizer-se inclusive aquelas santas figuras (leigas, leigos, religiosas, religiosos, diáconos, padres, bispos…), antes de se abrirem aos sinais dos tempos. Curioso é observar que, em (quase) todos os casos de conversão, as situações grávidas de profundo apelo de conversão vinham da parte dos pobres e narginalizados. Quem vive afastado desse meio dificilmente (como no caso do jovem rico, de que fala o Evangelho) se sente tocado por esse apelo. E afastado, não apenas geograficamente. Também por eles nutrindo antipatia, desprezo ou até atitude de perseguição.
Nenhum de nós – leigas, leigos, religiosas, religiosos, diáconos, padres, bispos, papa – está livre dessa situação. Como seres humanos, somos todos vulneráveis e sujeitos a situações de desprezo, de indiferença, até de repugnância frente a certas situações protagonizadas pelos pobres. O próprio Francisco de Assis – lembrava Comblin, em um de seus recentes livros (A Profecia na Igreja: Paulus,2008) – teve dificuldade de lidar com o leproso que encontrou no meio do caminho: “Francisco sentiu uma forte repugnância, mas voltou para trás e deu um beijo no leproso.” (p. 130). O importante é que ele, solícito ao apelo amoroso do Espírito, venceu o medo.
Quantas vezes também nós nos encontramos rodeados de medos. Tal é a onda de medo, que se tem propagado em nossos dias, que não poucos se rendem, imobilizados, entregando-se à passividade, à completa impotência. Uma perigosa armadilha, astutamente convertida em oportunidade para os grandes dominadores, como alertava o escritor moçambicano Mia Couto, em seu luminoso depoimento (de apenas oito minutos!), pronunciado por ocasião do evento “Conferências do Estoril 2011”, disponível em Youtube, e no qual também remetendo-nos a um texto de Eduardo Galeano, sobre “o medo global”: “Há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.” Isto também porque “Há quem tenha medo de que o medo acabe.”
Se tal ambiência necrófila conspira contra uma cidadania ativa, no dia-a-dia de nossa sociedade, não menos danosa se apresenta para os e as que se confessam cristãos, também chamados a exercitar uma cidadania ativa, ao interno de sua Igreja. Desafio que implica o enfrentamento da perversa grade de valores atualmente em vigor. Um desses valores reside na ideologia da segurança. Queremos segurança. E quanto mais aparatos de segurança, maior a sensação de insegurança. Isto nos faz lembrar quão nefasta foi para a sociedade brasileira e para as sociedades latino-americanas, no tempo das ditaduras, a famigerada ideologia da segurança nacional. Ideologia que hoje reaparece, revestida de outros apetrechos, e com outro “inimigo”: as vítimas – os pobres, as mulheres, os jovens – são convertidas em inimigos da paz e da segurança, enquanto os paladinos da nova segurança fecham os olhos para os verdadeiros algozes. Processo tanto mais inaceitável quanto dos que mais se espera uma atitude de profecia – até pela vocação de seu ofício – portanto, de denúncia das injustiças sociais, de empenho pela solidariedade às verdadeiras vítimas, o que neles se tem visto é uma sucessão de atitudes de hostilidade, de perseguição, de criminalização das vítimas, sob o pretexto de uma falsa segurança.
Este ano, a imprensa vem noticiando a realização pela Igreja Católica Romana, desta vez no Brasil, de nova edição da Jornada Mundial da Juventude. Em vários Estados da Federação, também na Paraíba, toma-se conhecimento dos preparativos. Uma ocasião propícia para uma atenção mais cuidadosa às condições concretas em que vivem os jovens no Brasil e no mundo. Também na Paraíba. Também em João Pessoa, cuja arquidiocese também se vem reunindo em Sínodo.
Como vivem os nossos jovens? Que proporção eles/elas ocupam de nossa população? Que perfil apresentam? Quantos são os rapazes, quantas são as moças? Quantos são os adolescentes, quantos e quantos os de outra faixa etária? Quantos são os escolarizados e os não-escolarizados? Quantos têm trabalho? Quantos e quantas vivem sem trabalho remunerado? Onde e com quem vivem e o que fazem os que não têm trabalho remunerado? Quais as condições em que vivem suas famílias? Como os poderes públicos se têm comportado em relação à implementação e continuidade de políticas públicas? E as Igrejas cristãs o quê estão fazendo, especificamente? E a Igreja Católica, em geral, e em particular, a Arquidiocese da Paraíba, sobretudo tocada pelos eventos do Sínodo e da Jornada Mundial da Juventude, como vem lidando com os diferentes segmentos de nossa Juventude? Que acompanhamento efetivo tem feito aos jovens mais pobres, aqueles que vivem mais afastados e distantes das políticas sociais e dos cuidados da(s) Igreja(s)? São tantas as perguntas…
De pastores, missionários, bispos, padres, diáconos, religiosos, religiosas, leigas e leigos efetivamente tocados pelo Evangelho, espera-se uma atitude samaritana, não policialesca. Atitude de chegar perto, de ir ao encontro das ovelhas desgarradas, de dispor-se a servi-las, ouvi-las, prestar-lhes ajuda, consolá-las. Nesse e desse serviço à causa dos pobres, vai nascendo uma confiança mútua, vai surgindo um clima de acolhida, de aconselhamento, de fraterna correção.
De atitudes de bem-querer e de serviço pastoral (isto é: do pastor em relação amorosa com as ovelhas mais afastadas), vão brotando idéias luminosas que logo se convertem em ação pastoral, não de assistencialismo, mas de acompanhamento solidário, de formação. De atuação efetiva das pastorais sociais, em especial as ligadas ao mundo dos jovens. Isto parece tão claro, quando lemos e rezamos o Evangelho, mas por vezes, nos perdemos, esquecemos o Seguimento de Jesus, e vamos atrás de falsas seguranças. Resistimos a trabalhar as raízes do mal, e gastamos nossas energias nos ilusórios efeitos, isto é, na busca de reprimir quem por nós espera para um serviço de pastor. Será que, em nossa(s) Igreja(s), ainda há lugar para o Evangelho?

Nenhum comentário:

Postar um comentário