sábado, 9 de julho de 2016

UNIVERSIDADE E POLÍTICA – DEBATE PROMOVIDO PELO PCB E PELA UJC, COM A PARTICIPAÇÃO DE MAURO IASI, JOSÉ PAULO NETO E HIRAN ROEDEL

Pontos destacados a partir do vídeo respectivo)
– O tema proposto encerra uma relação tensa, não apenas por ser a Universidade o que é (um aparelho de certa ordem social), como também por sua própria configuração interna (os órgãos de gestão universitária lidam também com sua política interna). A escolha desta ou daquela política interna atende a determinados interesses relativos às forças contitutivas da própria sociedade de que faz parte a universidade.
– Exemplo didático dessa relação tensa entre Política e Universidade esteve presente na última greve nacional de docentes, por plano de carreira, por condições de trabalho e por salário. Tais reivindicações e os debates daí decorrentes indicam bem qual papel e qualquer perfil de universidade estão em jogo. Indicam que universidade queremos: se uma universidade que articule ensino, pesquisa e extensão, uma universidade que seja pública, gratuita; uma universidade em que o acesso seja acompanhado das condições de permanência; uma universidade na qual os programas de pós-graduação, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico dialoguem com os interesses da maioria da sociedade, ou se queremos uma universidade que siga a lógica do Estado e das forças ditas neoliberais que também chegam até à universidade.
– A contra-reforma não é obra só do Estado, vinda de cima para baixo, mas, pelas influências das forças conservadoras, acaba sendo obra também posta em prática ao interno da universidade.
– Trata-se de uma contra-reforma cujo eixo implica a necessidade de a universidade adequar-se à política do “Estado mínimo”. Política que implica a lógica segundo a qual, já que o Estado não está dando conta de financiar a universidade, importa recorrer às forças do mercado, para que complementem o financiamento. Aí está o porquê da venda direta ou indireta de serviços, pela captação de recursos pelas fundações, pelo estabelecimento de parcerias com instituições privadas. Ou de forma indireta, em que professores e departamentos disputam a captação de recursos como complemento salarial…
– De modo semelhante ao que sucede com as forças de mercado recorrendo à “flexibilização”, também nos espaços acadêmicos, instala-se a flexibilização: flexionando-se o regime integral de trabalho, vendendo serviços a instituições privadas…
– Isto esteve bem claro, primeiro, quando da gestão do Ministro Paulo Renato à frente do Ministério de Educação. A lógica era de abrir-se o ensino pública ao ensino privado, em parceria. Daí a proliferação de universidades privadas que logo também são atingidas pela crise do mercado, e aí elas vão recorrer ao apoio do Estado, por meio de bolsas para alunos matriculados em universidades privadas e outros meios, de modo a “salvar” o ensino privado da crise do mercado, por meio da transferência de recursos públicos para as empresas privadas via ocupação de vagas nas escolares particulares por meio de bolsas de estudo.
– Isto se dá de forma combinada com a política de ampla expansão de unidades universitárias, sem que a isto correspondessem as verbas necessárias para atender tal expansão, com a desejável qualidade.
– Não se trata de ser contra a expansão, mas ao modo como ela vem sendo feita. A greve de que falamos manifesta tais contradições. De modo que não há qualquer hiato entre Política e Universidade. As próprias reivindicações da greve demonstram isto, ao indicarem as graves contradições, por ex., entre as reivindicações de universidade pública e gratuita e a lógica do Estado, a beneficiar as empresas de ensino privado.
– Do mesmo modo como mostramos as estreitas implicações entre Universidade e Política, ao sublinhar seus impasses, assim também a saída desses impasses passa nececesariamente pela inserção da Universidade nos embates da grande sociedade.
– Diferentemente dos embates meramente conjunturais, da “pequena política”, importa exercitar a Política com “P” maiúsculo, buscando fazer o nexo entre os interesses das forças econômicas e politicas em embate. Cabe ao Movimento Docente empenhar-se, não apenas nos embates departamentais e internos à universidade ou à escuta da pequena política, mas ousar fazer também a grande Política, fazendo-o com o necessário corte de classe.
– Exemplo claro desse corte de classe podemos encontrar num projeto que visa a acompanhar os jovens trabalhadores entrando para a universidade, cuja sensação podia-se resumir em algo como um letreir de uma faixa: “Vocês não são bem-vindos aqui. Tratem de chegar rápido e sair o quanto antes!”
– Mesmo com tais dificuldades, entendemos que a Universidade Pública não está em crise. O que está em crise é a tentativa de se impor nela um modelo privado para destruí-la.
– Entendemos que não basta lutarmos por uma Universidade pública, gratuita, de boa qualiadde. Temos que lutar por uma “Universidade Popular”, cujo eixo é empenhar-se em que as demandas das camadas populares sejam atendidas pela Unversidade, já que ainda não temos condições concretas de nos contrapor frontalmente a esse modelo de universidade acoplado aos interesses das classes dominantes.
– Outro eixo da Universidade Popular: além de assegurar a presença na Universidade de sujeitos das classes populares aí trazendo sua palavra e questionando suas contradições, também importa que esses sujeitos travem sua luta também fora e em torno dessa Universidade, ajudando a fortalecer iniciativas alternativas como Escola Florestan Fernandes, o Núcleo de Educação Popular Treze de Maio, escolas de formação sindical, escolas de formação de partidos, em busca da construção de uma contra-hegemonia.
– Fora desse horizonte, corremos o risco de não percebermos as relações de classe que permeiam a Universidade, assim como a sociedade. A Universidade está principalmente para garantir os interesses do mercado, da burguesia, que precisa de mão de obra qualificada para mover seus negócios. Daí a tendência hoje dominante de dotar as classes populares de uma formação aligeirada, de modo a apressar a entrada no mercado, e deixando que a Universidade se torne numa ilha de excelência para muito poucos.
– Cita, por fim, Mário Benedetti, poeta uruguaio, que num dos seus poemas, conta que é “totalmente parcial”, apesar dos apelos institucionais pela “neutralidade”…
PONTOS FORTES DA PALESTRA DE JOSÉ PAULO NETO (anotados por Alder)
– Importa redefinir o sentido de Universidade, reexaminando suas raízes medievais. Bolonha e Sorbonne não (de Robert Sorbonne, um clérigo!) são apenas prédios, são expressão de um projeto de hegemonia protagonizado, na média Idade Média, pela Igreja Católica Romana. Inicialmente, tinha formalmente um sentido de “universitas”, de “universalidade”, como o próprio termo “católico”. No correr desse tempo, ela vai se redefinindo. Só a partir da Revolução Francesa, é que ela vai se laicizar.
– No correr do tempo, ela vai se “metamorfoseando” (aludindo ao subtítulo do livro de Mauro Iasi, a ser lançado, em sua segunda edição, livro correspondente à sua tese de doutorado de cuja Banca participei, e, por isso, posso dizer que reputo esse livro como um dos mais importantes livros publicados, nos últimos dez anos). A metamorfose não acontece apenas em níveis de consciência. Ocorre também em partidos e até em classes. Também ocorre na universidade, nesses dois últimos séculos.
– No plano imediato, Mauro traçou bem as lutas a serem travadas, de que foi um bom exemplo a última greve de docentes. Mas, se a gente projeta uma Universidade, a médio e longo prazos, nós vamos ter que redefinir essa história de ensino, pesquisa e extensão.
– Não apenas no Brasil, mas no mundo, as universidades vêm se transformando num enorme arquipélago de mediocridades, com algumas “ilhas de excelência” (ele o caso das universidades do Reino Unido). Tendo o cuidado da necessária contextualização histórica, a nossa universidade tem uma tara histórica: é o seu elitismo. Entre nós, diferentemente do que se passou nos Estudos e na Europa Ocidental, a universidade aqui foi construída para criar bacharel, para ser um signo de classe, seja na entrada, seja na saída. E esse elitismo continua até hoje. Medidas elementares parecem revolucionárias. Por exemplo: acabar com o vestibular.
– Quando eu estava na ativa, e dava aulas aos alunos da Pós-Graduação, eles ficavam espantados quando eu lhes dava o número de matrículas oferecidas, nas universidades públicas da Argentina. E não apenas em relação a Buenos Ayres, mas também ao entorno. Se exemplificamos essa situação no Rio, tomando em conta as quatro universidades públicas da grande Rio (UFRJ, UERJ, UFF, UNI-RIO), o número de matrículas do total delas corresponde a apenas 60% das vagas oferecidas pela UBA (Universidad de Buenos Ayres)… Na Argentina, o vestibular foi abolido em 1918.
– Os jornais estão dando conta de que há reitores muito preocupados com a implementação em suas universidades da política de cotas – mas não vamos discutir aqui essa questão. Só quero dizer que o problema é outro. A pressão dos “de baixo” tem levado a reduzir o caráter elitista das universidades, ou mais precisamente, a reduzir o caráter elitista do ingresso na universidade. Nâo na manutenção deles. E menos ainda com relação aos recursos destinados a algo que os liberais adoram, em sua “empregabilidade”, para assegurar o mercado de trabalho. Isto porque o mercado de trabalho exige mão de obra qualificada. Qualquer mestre em qualquer ofício, hoje, não se sustenta, se for um monoglota. E menos ainda, ter um doutor que não domine dois a três idiomas estrangeiros. Onde esse pessoal vai aprender Inglês, se eles saem do ensino médio mal pronunciando “Good morning”… A não ser nos institutos particulares… Isso mostra como é enorme a resistência aos “de baixo”, exercida pela elite brasileira.
– Em nossas universidades há uma estratificação entre cursos. Há cursos tais como Nutrição, Serviço Social, Educação, em que basta ter-se cuspe e giz, enquanto outros como Arquitetura, a conversa é outra… Dentro da universidade, observando-se o perfil dos alunos, dá perceber que há claramente uma estratificação sócio-econômica. Percebe-se até pela cor: onde é que estão os negros, os mulatos? Entre os docentes, também: quantos professores titulares negros?
– Eis por que não há como abstrair-se o caráter político da universidade, como bem mencionou Mauro. Por todas as razões que ele apontou, e às quais eu acrescento ou reforço uma: a universidade é um aparelho de Estado. E como o Estado tem um caráter de classe, a universidade tem um caráter de classe.
– Falo isto, pensando em muita gente nova, que ainda tem a doce ilusão de que a universidade é “o campo da batalha de idéias”. Pode até ser, mas seria como uma batalha entre Michael Tysson e Zé Paulo Neto… Até que, a exemplo do box, nela as regras são iguais: as luvas, o tempo, etc. Mas, uma luta entre Michael Tysson e Zé Paulo Neto, a gente já sabe quem vai ganhar…
– Importa que saibamos que ensino a universidade está oferecendo… Há dois grupos de professores: os que acham que são bons por reprovarem (“Eu tive 85% de alunos reprovados, eu sou rigoroso…” Agora, vá olhar o currículo desse professor… E há o grupo do professor liberal: “Ah! esses caras vão se firmar mesmo só quando estiverem enfrentando o mercado de trabalho… então, deixa passar todo o mundo…”
– A universidade, mesmo numa sociedade de classes, tem competência específica: a direção social do conhecimento. Diferentemente de outras instituições – sindicato, partido, etc. -, tem sua singularidade fundada na produção teórica. Isto também vale na escolha de seus dirigentes. Não se escolhe um dirigente de universidade como se faz na escolha político-partidária ou sindical. Na universidade, há de se cobrar critério de competência teórica de direção social do conhecimento.
– Também, não se escolhe um dirigente de universidade para servir aos interesses da maioria, mas das necessidades históricas da maioria. Isto faz diferença. Pode acontecer que os interesses da maioria estejam equivocados, necessitando de um de quem possa propor critérios judiociosos, pelo debate.
– Ponto crucial e polêmico é o que diz respeito à autonomia universitária. A exemplo de José Carlos Mariátegui, eu também não defendo a autonomia universitária, mas o controle democrático da universidade, inclusive com avaliação de sujeitos externos à universidade, sob pena de descambar para o compadrio.
PONTOS DA FALA DE HIRAN ROEDEL (anotados por Alder)
– Ele se apresenta como professor de História, na rede particular, militante político desde os anos 80, comunista, atuando no meio sindical, sendo atualmente da direção do Sindicato dos Professores.
– É de uma geração em que se debatia a universidade como um campo de debates de idéias e de projetos de sociedade.
– Ocorre que a política, nos últimos anos (desde final de 80 e nos anos 90), já não discute projeto de sociedade, mas de gestão, ou seja de parcelas desse global. Quando se trata de enfrentar os problemas, recorre-se a soluções isoladas, fundadas em bons técnicos, na educação, na saúde, no transporte, isoladamente.
– Retoma questões suscitadas pelos palestrantes anteriores, como a do caráter de classe da universidade, por ser um aparelho de Estado.
– Faz breve retrospectiva histórica, como um profissional da área de História, de como se formou, no Brasil, esse caráter histórico da universidade.
– Outra questão por ele retomada: a quase inexistência de pesquisa pelas universidades privadas (percentual irrisório). O que fazem os alunos nessas universidades, mantidas também com os recursos públicos?
– O Capitalismo logrou uma tal hegemonia no mundo, que também no Brasil se reflete até nas universidades, sobretudo as privadas, onde se oferece até curso de emprendedorismo.
– Tendo em vista a histórica exclusão das classes populares das decisões políticas da sociedade brasileira, a saída é a construção do poder popular, por meio da formação de conselhos populares.

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