quinta-feira, 7 de julho de 2016

TESES EQUIVOCADAS NA APRECIAÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NAS SOCIEDADES DE CLASSES: breves considerações

As relações Sociedade-Mercado-Estado seguem a desafiar sucessivas gerações, na contemporaneidade. Dadas a complexidade e a extensão crescentes do processo de globalização capitalista, todas essas relações suscitam enormes desafios que, sobretudo hoje, nos interpelam, provocando dúvidas e questionamentos às diferentes forças sociais, inclusive os diferentes segmentos que se reclamam de esquerda, aqui tomados como alvo dessa notas, quanto à compreensão e ao enfrentamento teórico-prático das relações Sociedade-Mercado-Estado, aqui focando especificamente (mas sem dissociar) sua compreensão do papel do Estado, de modo a expor alguns questionamentos acerca de como têm lidado com vários aspectos da relação Sociedade-Estado, que considero lamentáveis equívocos.
À exceção de momentos comemorativos mais marcantes, de acontecimentos emblemáticos, no cenário internacional ou nacional, ou de homenagem a figuras e obras de referência dos clássicos revolucionários, a tendência predominante tem sido a de uma contumaz sedução das forças de esquerda pela figura do Estado e seus aparelhos, indo da apologia incontida (caso do Estado socialista), ao famoso “apoio crítico” e a uma defesa incondicional do Estado burguês, passando por uma composição orgânica e copartícipe com os diferentes aperelhos de Estado, notadamente o Executivo e o Legislativo.
Ainda mais intrigante do que essa praxe de efetiva e entusiástica colaboração ou co-habitação de relevantes segmentos das forças de esquerda brasileiras, tem sido sua deliberada omissão em se debater acerca de tal estratégia. Raramente se ouve ou se lê – menos ainda se conversa – a esse respeito. Parece haver um consenso ideológico tão arraigado, que, com raras exceções, tende a já fazer parte da cultura dessas forças de esquerda.
Embora as inquietações-objeto dessas breves considerações se estendam também, no que é cabível fazê-lo, à figura do Estado socialista “realmente existente”, tal como o percebemos nas experiências históricas contemporâneas, inclusive as que são positivamente avaliadas, aqui esboçamos um olhar crítico principalmente quanto ao papel do Estado nas sociedades de classes não-socialistas. Não obstante, não há como ignorar que uma coisa se acha organicamente vinculada à outra. Ou seja: a luta por relações sociais alternativas à barbárie capitalista (ou de outras sociedades de classes, em geral), hão de se tomar na devida conta, a partir das práticas moleculares cotidianas, os mais distintos mecanismos econômicos, políticos e culturais que lhe dão sustentação, sempre em busca de superá-los, por meio de um duplo, articulado e permanente esforço:
– o do compromisso com o desmonte dos mecanismos e relações sociais característicos do velho regime;
– e, ao mesmo tempo, o de mostrar-nos capazes de sinalizar claramente, em todas as esferas de relação, para a criação de mecanismos e sobretudo de práticas coerentes, condizentes com a nova sociedade em construção, ainda que de modo molecular, até porque se trata de um processo a longo prazo e incessante.
Há que se reconhecer que estamos muito longe desse horizonte. Preponderam largamente graves vícios – que, aliás, se aprofundam – que devem ser, primeiro, reconhecidos, e, em se fazendo autocrítica, buscar superá-los, permanentemente. E não se trata de algo recente, em nossa trajetória, ainda que a volúpia pelo “poder” venha causando, cada vez mais, sérios estragos em vastos segmentos de esquerda (não apenas partidária; também, de movimentos sindicais, populares e pastorais sociais) com certa referência de combate. Em determinado período, esse namoro com o Estado se dava, de modo mais discreto, insistindo-se – pelo menos em palavras – em tratar-se de mera tática. Ou seja: os períodos eleitorais deveriam ser aproveitados como espaço de denúncia e de propaganda do programa alternativo aos “partidos da ordem”. A esse propósito, alguns segmentos da esquerda partidária francesa, por exemplo, parecem cumprir bem tal função, a julgar por recente debate público, a poucos dias das eleições presidenciais. Mas, isto é exceção.
O que sucede hoje, abertamente, é a sedução pelo poder, que foi acentuando-se, passando “naturalmente” de tática a estratégia, chegando hoje a sólida parceria com o Estado. Naturalmente, do ponto de vista do discurso, sempre se arrumam “bons” argumentos abstraídos do contexto de uma ou outra obra de algum clássico como pretensa justificativa de legitimação teórica de tal opção.
Se, por um lado, os clássicos não são unânimes quanto à questão de se lidar com o Estado, o Parlamento (e outros aparelhos), há neles, a partir de Marx, referências emblemáticas, a não perder de vista, alertando para a verdadeira natureza do Estado.
De fato, há uma variedade de posições – ora de participação, ora de abstenção – acerca dos pleitos eleitorais. Ainda em alguns números dos anos 80, na Revista Política Operária, de Lisboa, Francisco Martins Rodrigues nos legou valiosas contribuições a esse respeito, recorrendo aos clássicos do Marxismo. Mesmo sem pretender aqui esboçar um espectro sobre tal ponto, convém sublinhar, de passagem, que participar ou não de pleitos eleitorais burgueses depende de uma apurada avaliação da conjuntura, da correlação de forças. E, mesmo nesses casos, não se deve deixar envolver pela lógica dominante, sob pena de sucumbir a uma homogeneização de péssimas conseqüências para as classes populares. É ou não isto, o que tem acontecido, na prática? Nos começos da participação, prevalece o propósito de se tomar tal decisão como mera tática. Com o passar do tempo, isto foi progressivamente transformando-se em estratégia, a ponto de tornar-se inimaginável, por exemplo, esperar-se de quem concorra com êxito a um mandato legislativo ou executivo, retorne à base, tão logo encerre seu período d gestão. Inimaginável pretender-se tal postura por parte dos partidos em geral. Conseqüência: à semelhança dos efeitos fulminantes de dependência provocada pelas drogas sobre seus usuários iniciantes, algo assim se passa em relação aos que se aventuram pela lógica leitoral.
Vamos resumir nas seguintes teses o que avaliamos como equívocos recorrentes a esse respeito.
– AVALIAÇÃO INCONSEQUENTE DA NATUREZA E DO PAPEL DO ESTADO – Ainda parece raro escutamos falar-se e até escrever-se acerca de elementos avaliativos do papel do Estado no processo de dominação capitalista. No pouco que se observa, algo desponta intrigante. Em geral, não se observa, de um lado, objeção alguma quanto ao reconhecimento do lugar do Estado e seus aparelhos no modo de produção capitalista. O problema emerge quando se passa de tal constatação para sua aplicabilidade. Aqui se observa uma distância abissal. Com a maior “naturalidade”, “se esquecem” os clássicos, e passa-se a uma inserção direta e orgânica nos processos de composição com as forças e os “partidos da ordem”. A quem isto interessa? Quais as conseqüências teórico-práticas dessa atitude de chocante inconseqüência?
Aqui também há um agravante considerável. O que, em outras conjunturas, poderia incidir alguma dúvida e até parecer razoável fazer-se alguma concessão, quanto a tal opção, no quadro atual, contudo, o que se observa é uma flagrante sinalização a apontar, cada vez mais, para uma apreciação da existência de completa incompatibilidade entre projetos alternativos de sociedade e priorização de processos político-eleitorais. Tal vem sendo a onda de escândalos graves, que se sucedem em cadeia, envolvendo graúdos agentes estatais, nas distintas instâncias, que não há justificativa plausível, capaz de sensibilizar as classes populares em favor de semelhante aposta. Pode haver – e há, sobretudo em conseqüência da incessante introjeção ideológica – certo eco da parte dos setores de massas, jogados à sua própria sorte.
– PRETENDER O ESTADO COMO PARCEIRO – A avidez pelo poder, por ocupação de cargos e funções, no aparato estatal (não é pequeno o número de ex-militantes hoje a servirem as instâncias estatais, inclusive gozando de situações de privilégio), traduz-se pelo investimento vultoso nos processos de organização, manutenção e fortalecimento do Estado burguês. Daí a tomá-lo como parceiro é um passo. Parceria que se manifesta de múltiplas formas. Graças ao progressivo acesso de membros de agremiações que se pretendem de esquerda a funções e cargos de peso nos espaços estatais (em âmbito municipal, no plano estadual e na esfera federal), vai-se consolidando, mais do que uma aliança eventual, uma efetiva cumplicidade. Daí para frente, já não interessa tanto seguir fazendo críticas como antes, ainda que os fatos sejam, fundamentalmente, continuação atualizada dos fatos de outrora tão acirradamente criticados. Os tempos agora são enfrentados de outra forma. A contundência das críticas cede lugar, primeiro, a uma opinião mais cautelosa, ainda quando seja o mesmo o grau de responsabilidade dos atuais gestores em relação aos antigos. Em seguida, perdendo de vez o pudor, passando a defender incondicionalmente os desmandos praticados. Feita uma concessão de princípio, o caminho torna-se escancarado a reedição de outras, em série, cada uma mais grave do que as anteriores…
– PÚBLICO = ESTADO – Ainda segue, largamente hegemônica, a tendência a uma equiparação imediata entre bens e serviços de natureza pública e gestão estatal. Pouco efeito têm surtido freqüentes alertas de alguns interlocutores contemporâneos, entre os quais me vem a lembrança a reiterada insistência do Prof. Ivandro da Costa Sales, a esse respeito. Segue forte a inclinação de se remeter o que é público automaticamente aos espaços e instâncias do Estado, em suas diferentes esferas (federal, estadual e municipal). Não obstante as crescentes contradições a esse respeito (sucessivos escândalos e ocorrências clamorosos), segue, ainda assim, hegemônica essa tendência.
Ao fazermos tal contraponto, alguém pode reagir abruptamente, recorrendo inclusive a argumentos apelativos do tipo: “Se não é o Estado o lugar do Público, então a solução é entregar para o Mercado?” Não é por aí, claro: nem “privataria” nem estatolatria, contestamos. É evidente que interesse público não rima com interesses de Mercado. Uma ou outra situação que fuja a essa regra, figura apenas como rara exceção. Isto, por outro lado, não nos autoriza a sustentar o caráter PÚBLICO do Estado capitalista e seus aparelhos, até porque são componentes essenciais da engrenagem do Mercado. Se algum diálogo pode aqui haver, trata-se, antes, do “diálogo” entre o pescoço e a guilhotina… O fato de gozar, o Estado, de ampla propaganda de detentor de função pública, não nos deve fazer esquecer a lista copiosa de fatos corriqueiros a atestarem, ad nauseam, a tendência privatista que rege a máquina do Estado e seus aparelhos. Os vícios que são denunciados na lógica de Mercado perpassam os espaços maiúsculos e minúsculos do Estado. Sempre há alguma exceção. Só não vê quem não quer ver.
Urge um sistemático investimento nos mecanismos que apontam para o que temos chamado de “cultura consultiva” (termo correlato a conselho, como se sabe). Trata-se de investir, cada vez mais e melhor, nas potencialidades dos conselhos populares não-oficiais (ou que outros nomes tenham). Os conselhos de gestão que se organizam no formato do sistema vigente acabam, salvo poucas exceções, impregnados por seus vícios, facilmente observáveis. Há que se apostar na cultura consultiva, o que requer, entre outras condições necessárias, um sólido e contínuo processo de formação de setores da base e da militância.
Nessa linha, importa, antes de tudo, enfrentar/combater, nas relações do dia-a-dia, os valores da cultura dominante, historicamente construídos desde as relações colonialistas. O enfrentamento e a superação desse quadro se dão, sobretudo, por meio de um processo formativo contínuo, radicalmente alternativo à grade de valores e de práticas do sistema em vigor. Processo formativo contínuo, cuja alternatividade se reconheça em seus frutos, observáveis pelo lúcido e firme enfrentamento das lutas e pelo esforço organizativo dos protagonistas.
Da farta lista de valores a enfrentar/combater, podem ser destacados alguns:
– o legado da cultura presidencialista: das elites às forças de esquerda; do ambiente familiar à escola; das igrejas às demais instituições, é introjetada, assimilada, assumida e reproduzida, em larga escala, como algo “natural”, a atitude de se atribuir ou confiar a uma pessoa (ou a um pequeno grupo) – o presidente, o governador, o prefeito, o deputado, o senador, o vereador e suas respectivas instâncias – a tarefa de fazer o que é da alçada do conjunto dos cidadãos e cidadãs. “Fulano sabe”; “Beltrano é honesto e competente”; “Ele/ela nasceu para o cargo”… Ao fim e ao cabo, levam vantagem os setores dominantes que sempre arrumam um jeito de garantir nessas instâncias suas maiorias…
Ainda há, aqui, outras conseqüências. Uma delas: a superestimação de um indivíduo ou o culto à personalidade pode descambar para uma situação de uma empatia normótica e até de cumplicidade entre admiradores e admirado, governantes e governados, coordenadores e coordenados, a tal ponto que isto gere uma situação afetiva de cumplicidade tal, que dificulte, ou até impeça aos admiradores tomarem a necessária distância crítica, nas horas cruciais, com perda de autonomia, e favorecendo atitudes que tendem a uma fidelidade mais a pessoas do que à causa defendida: “Amicus Plato, sed magis amica Veritas”;
– o hábito de se manter alguém ou algum grupo num cargo de dirigente por tempo indefinido: esta é uma situação de tal modo comum, que praticamente inexiste objeção a seu respeito. No cenário político-partidário, por exemplo, ocorre abusivamente. Diante de alguém eleito e reeleito indefinidamente por longos mandatos. Não é raro ouvirmos algo como: “Fulano nasceu para ser político”; “É a vocação dele/dela”… Situação similar se passa em outras instâncias institucionais e de movimentos sociais (sindicatos, movimentos populares);
– a indisposição para o trabalho em mutirão: Mesmo quando formalmente se aceita trabalhar em equipe, prevalece a tendência a deixar a uma só pessoa ou a um minúsculo grupo a responsabilidade de tocar as tarefas e tomar decisões que deveriam ser assumidas pelo conjunto dos interessados.
A partir dessa cultura secularmente sedimentada, faz-se possível compreender melhor as práticas de superestimação do papel do indivíduo na construção de uma história coletiva que, sem excluir nem subestimar a participação dos indivíduos, reconheça o lugar do coletivo na construção da cidadania.
– CONCEPÇÃO E PRÁTICAS DISSONANTES ANTE O PAPEL DO ESTADO NAS EXPERIÊNCIAS DE SOCIALISMO – Tal o desespero semeado pela barbárie capitalista, ao longo de sua trajetória, que, ao se superar suas amarras, não se tem dado suficiente atenção ao desempenho das experiências socialistas, especialmente no que se refere ao fato de não se ter conseguido dar passos convincentes em direção a uma sociedade sem classes. Em muitos casos, não se pode nem se deve esquecer o peso especial dos fatores externos. A estes, por outro lado, não se pode nem se deve associar o peso dos fatores internos. Vem-me à lembrança depoimento discreto feito a esse propósito pelo então Ministro da Educação da Nicarágua, Fernando Cardenal. Depoimento comentado num dos textos do Pe. José Comblin.
As experiências históricas – recentes e menos recentes – não têm sido suficientemente avaliadas quanto a este ponto. Mesmo aquelas experiências consideradas mais emblemáticas ou tiveram curta duração ou acabaram incorrendo, pelo menos em parte, nos vícios do velho sistema que se pretendia superar. Embora não seja este o momento de fazer um balanço nessa direção, tratamos apenas de esboçar algumas intuições acerca desse impasse.
Não faltam alertas dos clássicos em relação à natureza do Estado, quanto ao seu real papel (de comitê da classe dominante) em toda e qualquer sociedade de classes – e o Socialismo é, como se sabe, uma sociedade de classes -, de tal modo que o Socialismo é tomado como uma experiência de passagem, um mal menor, até que se consiga reunir condições rumo à extinção do Estado e seus aparelhos e rumo a uma sociedade sem classes (e, portanto, sem Estado).
Não obstante o amplo consenso, no seio das forças de esquerda, a esse respeito, as relações sociais do cotidiano, ainda que positivamente diversas do antigo regime, sob vários aspectos, padecem de vícios recorrentes do antigo regime. Aqui o partido único assume objetivamente o papel de classe dominante, em nome do proletariado, e em orgânica cumplicidade com os aparelhos de Estado. Agindo objetivamente enquanto classe dominante, os novos dirigentes passam a gozar de amplos privilégios em relação ao conjunto dos demais cidadãos. Passam os anos, e não se dão passos concretos em relação à sociedade anunciada. Não há interesse da parte dos privilegiados: a manutenção da situação lhes convém. O que era, na origem, uma passagem, termina sendo institucionalizado, abortando o movimento original. A propaganda, então, passa a tomar um lugar expressivo, a veicular toda uma ideologia que não se sustenta em fatos concretos, mas em discursos bem tecidos. Sempre há exceções, mas estas não infirmam a regra…
A despeito dos objetivos de origem – de construir uma sociedade sem classes, e portanto sem Estado -, tais objetivos ficam adiados indefinidamente. Já não se trata de derrubar a pirâmide social, símbolo da superposição de classes. Contenta-se agora com mera troca de posição entre os antigos dominantes e os atuais. Já não se trata de mudar o modo de organização por meio da derrubada do formato de pirâmide, agora se trata de inverter posições dentro da mesma organização piramidal…
– IMPLICAÇÕES CONCRETAS DESSES EQUÍVOCOS – São bastante amplas as implicações concretas desse quadro, alcançando distintas esferas da realidade. No âmbito econômico, percebe-se que a tendência antes seguida como referência-mor das forças de esquerda, agora passa a ter como meta apenas uma pauta de conquistas fragmentadas e etapistas, de cunho claramente moldado à lógica do establishment, remetendo a um futuro fantasioso os compromissos de transformação estrutural. As políticas econômicas (e as demais) seguem o ritmo da agenda oficial. mais centrada nas metas formais e a serem aplicadas a conta-gotas, em sintonia com a lógica do Estado e seus aparelhos, em indefectível sintonia com os interesses do Mercado. O compromisso constitucional de universalização das políticas públicas – não apenas as de caráter estritamente econômico – resulta uma figura de retórica, mera formalidade.
Assim ocorre em relação a condições dignas de trabalho decente; de democratização da terra (Reforma Agrária); da demarcação e regularização das terras indígenas, das terras de comunidades quilombolas e de outros povos tradicionais; dos serviços públicos e de qualidade de saúde, previdência; dos serviços de educação de qualidade; dos serviços de transporte público; de moradia decente para todos, etc. E isto se deixa de fazer, em proporção direta ao escancaramento do erário, dos recursos naturais, das riquezas públicas, inclusive por via de renúncia fiscal, em favor dos grandes conglomerados transnacionais. Um dos sintomas dessa realidade incide sobre as escandalosas taxas de lucro auferidas pelo sistema financeiro, alguns de cujos segmentos dando-se ao luxo de investirem em aquisições (legais ou por grilagem) de extensas áreas de terras, que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária… Incidência não menos grave no que diz respeito às à política ambiental.
Enquanto isso, sucedem-se abusivamente os escândalos, implicando os mais graúdos agentes do Estado, em orgânica cumplicidade com os interesses do Mercado – e do Mercado em sua versão mais abominável. Enquanto isso, um tempo cada vez maior da mídia comercial é tomado para fazer circular, em seu noticiário, em proporão tal, que chega a concorrer com programas de banalização da violência social. As classes populares que, além de vítima de uma crescente violência social, também se vêem obrigadas a sustentarem um Estado perdulário, com agentes que sugam da sociedade até a última gota. Veja-se o caso do Parlamento, envolvido em sucessivos escândalos, que, além de extorquir o erário, também reduz parte expressiva de suas funções e de seu tempo a investigar práticas de bandidagem interna. Enquanto isto, vamos brincar de circo, com os preparativos da Copa (outra sangria escandalosa, além das implicações no aviltamento de valores…). E as eleições?
Nem tudo está perdido! A quem tiver olhos para ver, ouvidos para ouvir, mãos para tocar, pés para caminhar, coração para sentir, é dado acompanhar, com alegria e esperança, o que segue passando-se, em mutirão, nas “correntezas subterrâneas”, nas experiências de “fogo de monturo” (expressão de João Pedro Teixeira), grávidas de um novo amanhecer.

João Pessoa, 14 de abril de 2012.

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